Organizações Sofrem Com Alterações Confusas e Arbitrárias das Normas, Diz Procuradora

1 de janeiro de 2014

As organizações da sociedade civil (OSCs) têm sofrido com alterações constantes, confusas e arbitrárias nas regras para o setor. A avaliação é da procuradora e secretária adjunta da Câmara Municipal de São Paulo, Maria Nazaré Lins Barbosa, que também faz parte da Comissão de Terceiro Setor da OAB/SP.

“A legislação tributária brasileira não é simples, e a legislação incidente sobre o terceiro setor é particularmente complicada – também para os estudiosos”, diz ela em entrevista ao site do IDIS. E, em alguns aspectos, a situação tem piorado nos últimos anos. “Estamos assistindo a um estrangulamento por parte do governo.”

A procuradora, porém, não vê o quadro normativo para o investimento social privado de maneira exclusivamente pessimista. “É positiva, por exemplo, a liberdade de associação, ou a caracterização jurídica do trabalho voluntário”, diz Maria Nazaré.

Ela chamou a atenção para a responsabilidade das próprias organizações sociais no fortalecimento do setor: “É importante melhorar, de modo geral, a qualidade das informações prestadas pelas entidades acerca de seu próprio trabalho, e o acesso a elas pelo grande público”.

IDIS: Como você avalia a atual legislação brasileira para o terceiro setor?

Maria Nazaré Lins Barbosa: Vejo uma legislação favorável em alguns aspectos importantes, porém, confusa e arbitrária em outros. É positiva, por exemplo, a liberdade de associação, ou a caracterização jurídica do trabalho voluntário. Os aspectos mais problemáticos, a meu ver, estão nas certificações, na tributação e nos incentivos fiscais.

O que é preciso para avançar a legislação do setor? Há uma movimentação em torno dessa agenda? O governo está disposto a dialogar sobre o tema?

Para avançar, é importante melhorar, de modo geral, a qualidade das informações prestadas pelas entidades acerca de seu próprio trabalho, e o acesso a elas pelo grande público. A mídia poderia ajudar, oferecendo informações com mais qualidade, pois tende a generalizar o universo das ONGs sem a menor seletividade. Quanto ao ambiente político, lamento dizer que não vejo um momento favorável. Nos últimos anos, estamos assistindo a um estrangulamento por parte do governo. As instituições de educação, assistência e saúde – as áreas mais tradicionais – sofrem com alterações normativas veiculadas por decretos que, constantemente, alteram as regras, de modo confuso e arbitrário.

Incentivos fiscais são importantes para desenvolver o setor ou bastaria tirar eventuais barreiras normativas, como o ITCMD [Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos, um tributo estadual que incide sobre donativos para instituições sem fins lucrativos].

Sem dúvida, o incentivo às doações de pessoas físicas e jurídicas a entidades do terceiro setor mereceria uma abordagem mais favorável. A barreira do ITCMD é uma delas, mas não é a única a ser vencida. O incentivo à doação mediante recuperação de parcela do valor doado no pagamento do imposto de renda deveria ser estendido às pessoas físicas e ampliado para as empresas.

O que poderia normativamente ser feito para resolver um dos grandes problemas do setor, que é a sua sustentabilidade financeira?

O incentivo a doações de pessoas físicas, mediante a dedução de parte do valor doado no imposto de renda a pagar, é uma medida simples e importante. Muitas vezes, os investidores financiam projetos específicos, e impõem restrições para o emprego dos recursos doados em despesas de custeio ou de pessoal da entidade. A doação direcionada à organização da sociedade civil, e não a projetos específicos, pode favorecer a sua sustentabilidade, sem prejuízo da transparência na prestação de contas.

projeto do Marco Legal para o Terceiro Setor foi aprovado no Senado e agora vai para apreciação pela Câmara Federal  Ele representa um avanço importante para a área ou seria preciso fazer mais?

O projeto tem muitos méritos, pois traz uma proposta de um “estatuto” mais coerente de legislação.  No entanto, está longe de esgotar o debate. Há um estudo em andamento na FGV sobre um “simples social” para o terceiro setor, que é uma questão importante da agenda.

Você acha que os investidores sociais ainda precisam compreender melhor a legislação do setor? É possível manobrar com o que temos agora?

A legislação tributária brasileira não é simples, e a legislação incidente sobre o terceiro setor é particularmente complicada – também para os estudiosos. Mas há aspectos básicos que podem ser manobrados com segurança: os incentivos para doações de empresas, os incentivos para a área cultural, o acesso a informações sobre instituições sérias de pequeno, médio e grande porte.