GIFE Realiza em Março seu Oitavo Congresso e Coloca em Discussão a Capacidade Transformadora do Investimento Social

18/02/2014 – Será realizado em março, em São Paulo, entre os dias 19 e 21, a oitava edição do Congresso GIFE, evento que pretende reunir mais de 1000 pessoas interessadas em discutir as principais questões colocadas sobre o investimento social brasileiro.

A programação oficial do Congresso GIFEacaba de ser lançada e ao longo do Congresso dezenas de palestrantes nacionais e internacionais estarão à frente das plenárias, mesas e atividades abertas. O IDIS participará de uma mesa com a presença da sua Diretora Executiva, Paula Jancso Fabiani.

A oitava edição do Congresso GIFE será norteada por questões como:Quais foram os reais impactos gerados pelo investimento social nos últimos 20 anos? Quais são os atuais desafios estabelecidos para este investimento? O que fazer para que ele seja no futuro cada vez mais transformador da sociedade?

Pamela Ribeiro, coordenadora de conhecimento do GIFE e responsável pela programação do Congresso, destaca que o grande diferencial desta edição do evento – que acontece a cada dois anos desde 2000 – é que ele traz temas mais amplos e urgentes colocados pela sociedade civil, aproximando o investimento social destas questões.

“Procuramos construir o Congresso tendo como base dois cenários atuais. O primeiro é que hoje o investimento social está muito mais dinâmico e heterogêneo e se alinha, cada vez mais, à estratégia de sustentabilidade e negócio das empresas. E, o segundo, ele está inserido dentro de uma sociedade civil e não pode trabalhar de forma isolada. Ele tem que ser pensado e articulado a todos os outros atores sociais que existem. Ou seja, sua relevância passa a estar vinculada à capacidade de fortalecer outras dimensões da atuação social, seja pelo aprofundamento da responsabilidade social empresarial, pela contribuição às políticas públicas ou pelo fortalecimento das organizações da sociedade civil”, destaca.

Para dar luz a estas questões, a programação foi construída a partir de quatro eixos centrais: inovação, impacto, escala e redes.

Durante todo o Congresso, serão promovidas ainda oficinas, lançamentos de livros e atividades abertas, com ações organizadas por associados e parceiros. A programação aberta tratará de temas atuais do investimento social transformador em diálogo com a programação oficial. Entre as discussões estarão assuntos como transparência e accountability, ampliação da cultura de doação, a relação entre institutos e fundações e suas mantenedoras e as possíveis conexões entre o investimento social privado e políticas públicas.

Para saber mais informações e participar do Congresso, basta acessar a página www.congressogife.org.br.

Fonte: GIFE.

POR QUE OS INVESTIDORES SOCIAIS BRASILEIROS NÃO DIVULGAM O QUANTO DOAM?

O jornal quinzenal “The Chronicle of Philantropy” faz, todo ano, uma lista das maiores doações feitas publicamente por norte-americanos. Considerando apenas as maiores de 1 milhão de dólares, foram doados U$ 9,6 bilhões em 2013. No Brasil esses números são desconhecidos – aqui, não se sabe quanto, ou mesmo se, os detentores de grande fortuna doam a causas sociais. Para entender essa realidade, o IDIS convidou quatro especialistas para comentar. Entre os pontos em comum observados, eles indicam a necessidade de criar uma cultura de doação (ainda incipiente no Brasil, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos) e a importância de falar publicamente sobre doações para inspirar outras pessoas.

Alguns apontaram, no silêncio dos milionários brasileiros, razões de segurança; outros veem um problema mais de fundo, a desigualdade social, que faria a elite viver em uma redoma e, por isso, não ter senso coletivo.

Veja abaixo os principais trechos das respostas.

Joana Mortari, diretora da Associação Acorde:

“Nos Estados Unidos, declarar a doação é algo positivo e valorizado. As pessoas doam para inspirar e também para serem reconhecidas e admiradas. No Brasil, a admiração está apenas no ganhar, e não no doar. Os valores são diferentes.”

“Muitos aqui dizem que o problema é a falta de incentivo fiscal para doação. Mas, se doar fosse um valor e gerasse reconhecimento social (status), as pessoas tirariam do caixa e não ficariam esperando um dinheiro de renúncia fiscal para doar – dinheiro que, aliás, é considerado para muitos como do governo, já que o poder público está abrindo mão de um recolhimento. Incentivo ajuda, mas a falta dele não é o centro do problema.”

“O norte-americano tem um sentimento de construção coletiva da nação, de corresponsabilidade com o governo na construção do país. Já no Brasil nós delegamos ao governo e ponto. Assim, há uma sensação coletiva de que se pagamos os impostos, fizemos nossa parte. Nesse contexto, declarar grandes doações inspira mais críticas do que seguidores. Acrescente a isso que existe um problema de segurança, e pronto: não há nenhum bom motivo mesmo para declarar doações.”

“Precisamos mudar esse sistema de valores ao fomentar a cultura de doação. Quando doar for motivo de orgulho e reconhecimento social, fazer o ranking será o mais fácil.”

Paula Fabiani, diretora-executiva do IDIS:

“Temos poucos dados nessa área. Estudos como o Censo e a Pesquisa de Orçamento Familiar, ambos do IBGE, não abordam de forma direta a questão da doação no país. Os bancos tampouco mapeiam os valores relativos à doação de seus clientes de alto poder aquisitivo. E as informações das declarações de Imposto de Renda também não nos fornecem um bom panorama, pois há poucas possibilidades de utilização de incentivo fiscal (o que não estimula o doador a declarar a doação), a declaração de Imposto de Renda simplificada não permite informar a doação, e o universo de declarações completa se restringe a algo em torno de 10 milhões de brasileiros.”

“Faltam motivadores para a declaração da doação, pois o governo não realiza campanhas nem dá suporte para incentivar esse tipo de atitude.”

“Existem evidências para se pensar que o investidor social privado é relutante em expor os valores de doação. Uma razão importante é o fato de as doações ocorrerem via empresa, para a qual há incentivos fiscais mais abrangentes. Outro motivo reportado por alguns é a questão da segurança. Além disso, a exposição gera um aumento no volume de solicitações de doações.”

“Não existem estudos que demonstram um panorama das grandes doações individuais, como ocorre nos Estados Unidos e em alguns países da Europa. A inexistência dessa informação dificulta a identificação do tamanho do setor filantrópico e sua evolução ao longo dos anos, assim como a própria ação das organizações da sociedade civil na captação de recursos.”

“Em 2013, assistimos à maior doação individual do ano nos Estados Unidos, e de um indivíduo com menos de 30 anos: Mark Zuckerberg, cofundador do Facebook doou US$ 1 bilhão para a Silicon Valley Community Foundation. Não temos informações dessa natureza para inspirar nossos investidores sociais no Brasil.”

“Os filantropos brasileiros precisam se sentir parte de uma comunidade e, para isso, precisam de informações sobre essa comunidade. É imperativo realizar um mapeamento periódico que permita ao setor e ao governo buscar políticas públicas mais favoráveis e acompanhar o impacto destas no desenvolvimento do setor filantrópico no país.”

Marcos Flávio Azzi, fundador do Instituto Azzi

“O topo de tudo é a falta de senso coletivo, a vida ‘guetizada’ que as pessoas vivem. Pode-se tranquilamente viver num oásis de primeiro mundo, completamente isolado do Brasil como um todo. Disso, derivam todos os problemas.”

“O senso coletivo da classe baixa é maior. Ela vive a realidade, usa os instrumentos públicos, o hospital, a escola, o transporte coletivo, o parque.”

“Aqui, a pessoa não é elogiada por fazer doação nem recriminada por não fazer, e isso já abre um abismo entre a gente e os norte-americanos”

“Ter comportamento altruísta é doar uma parcela relevante do patrimônio, de forma recorrente, com um objetivo específico e impessoal, sem esperar algum tipo de benefício. Aqui, as pessoas de alto poder aquisitivo fazem exatamente o oposto: a doação é esporádica, não é recorrente, é irrelevante em relação ao patrimônio e, geralmente, visando algum benefício – porque um amigo pediu ou tem algum incentivo fiscal”.

“Mais importante do que ter incentivos fiscais é ter desincentivos para não doar. Nos Estados Unidos, as heranças são taxadas em 50%, enquanto em São Paulo são só 4%. Os norte-americanos não doam porque há incentivos, mas sim porque ser filantropo vem de berço – isso é que forçou a criação dos incentivos”.

“Para melhorar a situação do investimento social privado no Brasil, é preciso aproximar cada vez mais a classe alta do coletivo, usando instrumentos que tornem o coletivo mais presente; o incentivo fiscal é importante, claro, mas tem de fazer umas 20 coisas para reverter a situação atual”.

Anna Maria Peliano, pesquisadora do Ipea, coordenadora do estudo “Benchmark do investimento social corporativo”

“Há pesquisas sobre empresas, mas não para doações individuais, ainda que o investimento social privado de negócios familiares tenha a ver com as opiniões dos donos. A situação lembra a da filantropia corporativa de duas décadas atrás. O investimento social corporativo na década de 90 também não era divulgado, não se valorizava falar sobre isso”.

“O brasileiro não tem tradição de divulgar doações, diferentemente dos Estados Unidos. É importante falar sobre investimento social privado, principalmente os grandes doadores. Isso estimula os outros a fazerem o mesmo e cria uma cultura de doação”.

“Para melhorar o ambiente do investimento social privado no Brasil, é preciso estruturar, organizar, divulgar. A sociedade começa a valorizar, a ver que não é só promoção individual. Deve-se trazer exemplos, estruturas, práticas.”

 

 

Bilionário Aproveita o Fórum Econômico Mundial em Davos para Estimular Filantropia

“É importante que pessoas que tenham uma quantidade razoável de dinheiro façam algo útil com ele em vez de apenas comprar iates, casas ou coisas do tipo”, disse o bilionário norte-americano David Rubenstein durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça. Rubenstein é CEO do Grupo Carlyle, um dos maiores fundos de private equity do mundo.

“Em algum momento da vida, as pessoas percebem a necessidade de fazer algo, de devolver à sociedade”, declarou Rubenstein em entrevista ao canal de televisão Bloomberg. E o CEO faz o que prega: é um dos signatários do The Giving Pledge, iniciativa criada por Bill Gates e Warren Buffet que busca comprometer as pessoas mais ricas do mundo a doarem ao menos metade de seu patrimônio.

Rubenstein afirmou também que um dos objetivos é internacionalizar a lista de pessoas envolvidas com o The Giving Pledge. Atualmente, há cerca de 120 signatários, mas a grande maioria é dos Estados Unidos. “Estamos trabalhando cada vez mais para conseguir pessoas de fora do país”, afirmou ele, que vai promover, junto com Bill Gates, um almoço para reunir quem já se comprometeu e possíveis aderentes à causa. O Fórum Econômico Mundial, que reuniu algumas das pessoas mais ricas do planeta, é, sem dúvida nenhuma, um ótimo lugar para buscar novos membros.

A entrevista também abordou o papel dos doadores enquanto exemplos para os outros. “Se você for um modelo, outras pessoas podem ver alguém que queiram imitar”, disse Rubenstein, que ainda completou: “Se você fala sobre isso e explica o que está fazendo, pode ter algum impacto nas pessoas com quem trabalha”.

O bilionário, no entanto, não alimenta ilusões sobre o poder do investimento social privado e disse que esse tipo de iniciativa não vai resolver a crescente desigualdade social no planeta. “Precisamos nos lembrar, a filantropia não vai resolver todos os problemas do mundo”, afirmou Rubenstein. Ele citou o caso dos Estados Unidos, onde iniciativas filantrópicas representam apenas 2% do PIB – “uma pequena porcentagem”, segundo ele.
Para o CEO, a redução da desigualdade passa necessariamente pela educação. “O problema não pode ser resolvido da noite para o dia, precisamos nos comprometer por algum tempo, mas a educação provavelmente é a chave”, ressaltou Rubenstein.

A filantropia, por fim, não foi o único tema de cunho social tratado no Fórum, um espaço tradicionalmente voltado para a discussão de temas econômicos. Uma breve olhada entre os tópicos mais comentados pelos participantes no twitter mostra a amplitude dos assuntos em pauta. Entre os oito tópicos mais citados há “trabalho”, “crescimento”, “clima” e “mudança”. Assim, não é surpreendente que um dos homens mais ricos tenha trazido a filantropia à tona.

 

Pesquisa Aponta Forte Retomada de Grandes Doações de Pessoas Físicas nos EUA

Um levantamento da The Chronicle of Philantropy, publicação voltada para o setor filantrópico, indica uma forte retomada de grandes doações de pessoas físicas nos Estados Unidos em 2013. Tomando como base apenas valores acima de U$ 100 milhões e doações feitas de maneira pública, a pesquisa mostra que o montante chegou a U$ 3,4 bilhões.

Apenas o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, e sua esposa, Priscilla Chan, repassaram quase um terço do valor total. Eles destinaram 18 milhões de ações da empresa de tecnologia, o equivalente a cerca de U$ 990 milhões, para a Silicon Valley Community Foundation. Foi a primeira vez que pessoas com menos de 30 anos lideraram o ranking, segundo olevantamento. No ano passado, o casal já havia ficado em segundo lugar no ranking, doando a mesma quantidade de ações, mas que na época valiam U$ 500 milhões.

Além disso, em 2012, apenas 11 pessoas doaram mais de U$ 100 milhões. No ano passado, foram 16. Isso, segundo a publicação, marcaria uma retomada das grandes doações de pessoas físicas.

No ano retrasado, na verdade, o valor absoluto doado foi maior do que no ano passado: total de U$ 5 bilhões. No entanto, o megainvestidor Warren Buffet ajudou a desequilibrar os números de 2012: sozinho, fez três doações de U$ 1 bilhão para as fundações de seus filhos. Sem a parte de Buffet, os recursos doados por indivíduos (nos parâmetros considerados pela The Chronicle of Philantropy) somaram U$ 2 bilhões. Mesmo com o bom desempenho em 2013, as doações acima de U$ 100 milhões ainda não atingiram as marcas de antes da crise econômica. Em 2007, foi doado um total de U$ 4,1 bilhões.

Ainda assim, a perspectiva é de que o crescimento continue. A editora da The Chronicle of Philantropy, Stacy Palmer, afirmou ao Huffington Post que “as pessoas parecem mais otimistas com a economia, e, certamente, o mercado de ações forte incentivou muitas doações”. Por isso, ela conclui que “parece que teremos um ano melhor”.

Beneficiários

Segundo o estudo, o ensino superior foi quem mais se beneficiou das grandes doações. Das 15 iniciativas que constam da lista, 12 foram para instituições desse setor.

Se Zuckerberg e Priscilla Chan destinaram recursos a uma entidade comunitária, os segundos colocados no ranking investiram forte em pesquisas universitárias. Philip Knight, cofundador da Nike, e sua esposa, Penelope, deram U$ 500 milhões para a Oregon Health and Science University Foundation, voltada a pesquisas sobre câncer.

Já Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova Iorque e fundador de uma empresa de comunicação que leva seu nome, destinou U$ 350 milhões para a Johns Hopkins University, com o objetivo de promover estudos interdisciplinares e dar ajuda financeira para estudantes de graduação.

Metodologia de Medição de Impacto Avalia Reais Mudanças de Projetos Sociais

Em dezembro de 2013, Jennifer Rouse, da New Economics Foundation (NEF) Consulting, e Luis Gorjon Fernandez, da Charities Aid Foundation (CAF) Global Aliance, estiveram no Brasil, e trouxeram na mala uma novidade: a metodologia Social Return on Investment (SROI). Trata-se de uma técnica de medição de impacto que se preocupa em observar mais do que apenas números, como a diferença causada pelos projetos na vida das pessoas.

Com análises meramente quantitativas, segundo Jennifer, “você nunca vai saber o impacto real de apoiar aquelas pessoas, as mudanças reais em suas vidas, ou o impacto no meio ambiente e assim por diante”. Já com o SROI “você consegue entender como está fazendo diferença e, assim, prova que seu projeto funciona, ou então, você descobre que não está fazendo diferença e pode melhorar sua ação”.

O método é novo no Brasil, mas tem sido usado em muitos outros lugares do mundo por empresas, organizações da sociedade civil e até governos. “Esta é uma metodologia mais robusta, porque capta o impacto real e, além disso, ela é facilmente entendida por muito dos stakeholders”, afirma Gorjon.

A dupla, que esteve no Brasil para dar um treinamento sobre o uso da técnica SROI para a equipe do IDIS, que está trazendo a metodologia para o país, conversou com o site sobre a importância da medição de impacto, detalhes da técnica e outros assuntos. Confira abaixo os principais trechos.

IDIS: Qual a importância de se medir o impacto de um investimento social?

Jennifer Rouse: A não ser que você meça o impacto, nunca vai saber o real valor do que faz. Vai estar focado em medidas que lhe dirão quantas pessoas ajudou, ou quanto de investimento financeiro há em um projeto, mas não vai saber o impacto real de apoiar aquelas pessoas, as mudanças reais em suas vidas, ou o impacto no meio ambiente, e assim por diante. Com a medição, prova-se que seu projeto funciona, ou, então, descobre-se que não está fazendo diferença nenhuma e pode melhorar sua ação. Trata-se de provar e melhorar, e não se pode fazer isso sem olhar o impacto do projeto.

Luis Gorjon Fernandez: A medição de impacto é uma ferramenta muito poderosa para o planejamento. Outra coisa importante é o engajamento dos stakeholders, pois dá a oportunidade de se ter um retorno das pessoas que estão participando do projeto. É bom para o pessoal de uma organização se engajar com os stakeholders, entender as mudanças que estão fazendo na vida dos outros. Isso faz o trabalho valer a pena, dá uma sensação de satisfação. É importante que as pessoas que estejam trabalhando e as que estejam financiando um projeto possam ter uma ideia da diferença real que podem fazer. Impacto envolve mais mudanças reais e duradouras na vida das pessoas do que números. Por exemplo, se você tem um programa para melhorar a vida das mulheres, talvez olhar para o número de pessoas que você treina não lhe aponte as verdadeiras mudanças nas vidas delas. Por isso, a SROI é uma ferramenta tão poderosa, pois lhe diz as reais mudanças nas vidas das pessoas.

IDIS: Com funciona a SROI?

Jennifer Rouse: A SROI é uma análise de custos e benefícios, na medida em que você sabe o retorno sobre o dinheiro investido. Mas, em vez de dados apenas sobre retornos financeiros, vê os impactos econômicos, sociais e ambientais. Mede se houve resultados sociais, econômicos e ambientais, e permite que se meça isso financeiramente, pois os resultados [outcomes] são monetizados com técnicas econômicas reconhecidas – caso contrário, eles seriam deixados de fora da análise.

A SROI é baseada em três conceitos principais. Um é o foco nos resultados. Os produtos [outputs] são apenas a evidência de que uma atividade aconteceu. Por exemplo, você diz que 40 pessoas participaram de um programa de profissionalização – isso é um produto. O que significa? Você não sabe se todas essas pessoas conseguiram emprego. Ou, caso tenham conseguido, se é um trabalho que as faz felizes ou que permite que elas paguem uma escola para seus filhos. Resultados são mudanças reais. Se olhamos os resultados de um programa de treinamento profissional, queremos saber se as pessoas se tornaram mais confiantes depois dele, se conseguiram trabalho, se esse emprego melhorou sua situação econômica, se conseguiram mais autonomia por causa disso. Envolve todas as diferentes mudanças que ocorrem no decorrer do projeto. O outro princípio é valor, é avaliar o que não podemos comprar ou vender. Colocamos tudo em uma moeda comum, de modo que coisas que são medidas de formas diferentes vão poder se relacionar de uma maneira econômica. O terceiro é impacto. Num sentido muito específico da palavra, é a mudança que você vê, feita pelo seu projeto, pela sua organização. E você reconhece a contribuição de outros stakeholders que tenham ajudado seus beneficiários, pois algumas mudanças aconteceriam de qualquer forma.

IDIS: Quanto tempo leva para fazer uma avaliação pelo método SROI?

Jennifer Rouse: Depende do tamanho do projeto. É importante dizer que demora mais do que os métodos normais. É uma análise profunda para se chegar à qualidade da missão e ao entendimento da diferença que se faz. Eu diria uma média de 300 dias, incluindo tudo. Mas esse não deve ser o foco, e sim o que se está conseguindo com isso. A informação é muito valiosa para a organização e para seus beneficiários.

IDIS: Por que a CAF escolheu essa metodologia para aplicar com seus parceiros?

Luis Gorjon Fernandez: Nós acreditamos que a SROI é uma técnica muito robusta, e o interesse em usá-la está crescendo. A aspiração da CAF é se tornar uma organização que possa ajudar seus satkeholders ao guiá-los pelas metodologias que existem para melhorar o impacto dos doadores. A SROI capta o impacto real e, além disso, é facilmente entendida por muito dos stakeholders. Nós somos pioneiros em métodos de avaliação na Rússia, por exemplo. Não havia nada por lá no setor não governamental, e a CAF foi pioneira, traduzindo metodologias do inglês para o russo. Estamos sendo pioneiros também com a SROI. O IDIS também está sendo pioneiro no Brasil. Não acho que haja ninguém usando essa metodologia aqui. Estamos vendo pela primeira vez na Rússia. E queremos usar na Índia e na Austrália também, onde já está sendo trabalhada por outras organizações.

IDIS: Vocês também vieram ao Brasil para ensinar a técnica ao pessoal do IDIS?

Jennifer Rouse: Sim, treinei o pessoal do IDIS sobre as ideias em torno dos conceitos de impacto social, e falamos sobre as tendências globais. Foram dias de treinamento na metodologia SROI. As técnicas de avaliação do IDIS já eram excelentes, então foi pegar o que se fazia antes e adaptar para uma nova estrutura.

IDIS: A SROI permite comparar diferentes projetos?

Jennifer Rouse: Se você tiver projetos diferentes em andamento, se utiliza os mesmos recursos e monetiza os retornos qualitativos, pode compará-los. Organizações diferentes, no entanto, vão ter abordagens diversas, o que significa que não dá para comparar os resultados de uma com a outra. O importante é que a relação custo-benefício seja maior do que um para um, mas não importa o quanto se tem de volta. Por exemplo, pode ser mais difícil trabalhar com alguns beneficiários do que com outros. Nesses casos, você pode ter um retorno menor, mas este será mais valioso do que um com proporção financeira maior.

IDIS: Como fazer as empresas e os investidores sociais brasileiros perceberem que é importante medir o impacto de suas ações?

Jennifer Rouse: Há um interesse crescente na medição de impacto, o que é ótimo. O Brasil é um lugar muito empolgante no momento, há muito potencial e muita energia no ar. Acho que o IDIS está fazendo um grande papel ao promover a medição do impacto social. Quanto mais o IDIS e outras organizações conseguirem trabalhar e espalhar essa ideia, ótimo. O impacto social é a grande razão pela qual os projetos privados de investimento fazem o que fazem. Uma organização que queira saber o que sua ação alcançou tem de saber seu impacto social.

IDIS: Como vocês avaliam as experiências de medição de impacto social pelo mundo?

Luis Gorjon Fernandez: Eu fiz muitas pesquisas, não só no mercado brasileiro, mas em todos nos quais operamos. Acho que a medição de impacto é algo realmente novo. Não se estuda medição de impacto na universidade, não existe uma profissão chamada “especialista ou analista em medição de impacto social”. Está começando agora. Na Austrália, há um novo curso no qual se estuda medição de impacto. No Reino Unido, você tem alguns cursos em escolas de administração. O fato de que há trilhões de dólares em investimento de impacto social e que esses investidores sociais estão mais interessados em saber a diferença real que estão fazendo – o que fez com que a medição fosse para o topo da agenda. Por isso, muitas organizações estão interessadas em investir recursos, testar novas metodologias, tentar aprender com a filantropia e com o investimento social. Eu diria que todo mundo está indo em direção a uma medição avançada de impacto, que é uma coisa nova. Mas algumas organizações fazem isso há anos, como o Banco Mundial, que tem sua própria metodologia. A mesma coisa com o Unicef e com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal no Brasil.

Para saber mais sobre SROI, cujo desenvolvimento da metodologia no IDIS está sob responsabilidade da Diretora Executiva Paula Fabiani, entre em contato no e-mail comunicacao@idis.org.br.

Especialistas Criticam “Altruismo Eficaz” Por Fazer Juízo Moral do Investimento Social Privado

O “altruísmo eficaz” – ideia de que as ações solidárias devem privilegiar as causas de impacto – é considerado um conceito nocivo, pois intensifica a disputa por financiamento entre causas e entre beneficiários ao ter a pretensão de apontar onde seria moralmente mais aceitável investir recursos privados.

A crítica é de dois representantes da Charity Navigator, que analise entidades e orienta doadores: o presidente da organização, Ken Berger, e o consultor Robert Penna. Os dois assinam um texto no blog da Stanford Social Innovation Review. Um dos alvos é o defensor mais famoso do altruísmo eficaz, o filósofo australiano Peter Singer. Em um evento público, Singer questionou: o que seria melhor: dar um cão-guia para um cego norte-americano ou curar 2 mil cegos de um país em desenvolvimento? Berger e Penna chamam a atenção para o uso do termo “norte-americano”, que seria uma forma de apelar para o complexo de culpa do público.Eles também criticaram a proposição de um dilema por Eric Friedman, em seu livro “Reinventing Philantropy: A framework for more effective giving”: doar para um hospital dos Estados Unidos ou para um de Angola? Friedman escreve: “Eu provavelmente ficaria muito irritado com doadores que estão continuamente investindo no Hospital Saint Jude e deixando o Hospital Malanje Provincial lamentavelmente subfinanciado. Por que os pacientes do Saint Jude são mais dignos de viver?”.

Os autores argumentam que, “obviamente, vale a pena apoiar ambas as instituições se elas dão resultados que salvem vidas; mas Friedman e outros indicam que se deveria apoiar Malanje, e não Saint Jude, como a ‘melhor’ escolha, e apoiam essa afirmação com nada mais do que uma moralidade distorcida”. Chamam a postura de Friedman de caridade imperialista, “na qual a ‘minha causa’ é justa, e a sua é um desperdício de recursos preciosos”.

Berger e Penna até afirmam que o conceito de “altruísmo eficaz” não seria um problema se estivesse restrito a nichos. No entanto, escrevem eles, a organização GiveWell, criada para orientar doadores, adotou e popularizou esse tipo de critério em suas análises. “A GiveWell está fazendo mais mal do que bem tanto para a comunidade de doadores quanto para aquelas milhares de organizações que fazem um trabalho muito necessário em áreas que esse altruísmo ineficaz considera indignas.”

Os autores concluem que este tipo de abordagem vai fazer com que cada vez mais sejam os especialistas, e não os indivíduos, quem escolherão o destino dos recursos doados. Eles citam mais uma passagem de Friedman: “Ainda que não necessariamente superiores moralmente do que os que fazem o bem, os que fazem melhor são intelectualmente superiores”.

Até por isso, os autores afirmam que os doadores devem escolher tanto com a cabeça quanto com o coração qual seria a melhor forma de destinar seus recursos. Eles não são contra, portanto, um ambiente filantrópico mais informado, mas sim contra uma situação em que se diga que uma causa é melhor do que outra.

 

 

A Charity Navigator, defendem-se Berger e Penna, não diz qual é a melhor organização, mas sim confiam nas pessoas para que tomem a melhor decisão com base nos dados que são fornecidos. “Isto – e não um Big Brother disfarçado de altruísmo ineficaz – significa a doação informada com que nós acreditamos honrar o espírito altruístico”, finalizam.

Fundadora de Organização Comunitária de Florianópolis Está Entre Finalistas de Prêmio Internacional

A brasileira Lucia Dellagnelo, cofundadora e presidente do conselho deliberativo do Instituto Comunitário Grande Florianópolis (ICom), foi anunciada em janeiro como uma das sete finalistas do Olga Alexeeva Memorial Prize, que reconhece iniciativas sociais do mundo inteiro e que chega à sua segunda edição em 2014. O vencedor receberá cinco mil libras, quase 20 mil reais.

O prêmio foi criado pela Alliance Magazine e pela Philantropy Bridge Foundation para homenagear a ativista russa Olga Alexeeva, que trabalhou por 20 anos na Charities Aid Foundation (CAF), tanto na Rússia quando em outros países. Ela faleceu subitamente em 2011, com apenas 42 anos.

“A indicação para o prêmio é, antes de tudo, um reconhecimento para todas as pessoas que contribuíram para criar e desenvolver o ICom”, afirmou Lucia, que foi indicada pelo IDIS para concorrer. Além disso, a presidente do conselho deliberativo da instituição catarinense não descarta a possibilidade de que a atenção estrangeira repercuta na atuação da organização: “Buscamos, acima de tudo, reconhecimento e legitimidade no território onde atuamos, mas o reconhecimento internacional contribui para ampliarmos ainda mais nossa rede de parcerias”.

A organização surgiu em 2005 e é pioneira no Brasil na área de desenvolvimento comunitário, tipo de iniciativa que tem como objetivo mobilizar todos os que atuam em uma determinada comunidade para que eles mesmos identifiquem e busquem soluções para os problemas do lugar onde vivem ou trabalham. “Sempre tivemos claro que deveríamos operar segundo os princípios de uma fundação comunitária, isto é, através de parceria, fortalecimento de ativos locais e colaboração”, explica Lucia.

A fundadora do ICom espera que a indicação possa, inclusive, ajudar a disseminar esse tipo de atuação no Brasil. “Nosso trabalho está mostrando que o conceito de fundação comunitária como organização mobilizadora e articuladora dos ativos de uma comunidade é plenamente aplicável à realidade brasileira”, afirma ela.

A Alliance Magazine está divulgando periodicamente, em seu site, os nomes dos indicados à edição 2014 do prêmio Olga Alexeeva. Além da brasileira, já foram anunciados como finalistas a letã Ruta Dimanta, da Fundação Ziedot; as russas Larisa Avrorina, da CAF Russia, e Natalya Kaminarskaya, da Russian Donors Foundation; e o indiano Dhaval Udani, da GiveIndia.

O Brasil também está presente no júri que irá escolher o vencedor. A brasileira Ana Valéria Araújo, do Fundo Brasil de Direitos Humanos, será uma das cinco juradas. Ela estará acompanhada por Akwasi Aidoo, da iniciativa senegalesa Trust Africa; Shenyu Belsky, da chinesa Rockefeller Brothers Fund; Christopher Harris, consultor norte-americano da área de filantropia; e Kavita Ramdas, da Ford Foundation India.

Em 2013, o prêmio foi para os quenianos Jane Weru e e Kingsley Mucheke. A iniciativa na qual trabalham, o Akiba Mashinani Trust, oferece financiamento para construção de moradias dignas em áreas de favela no Quênia, e, segundo os jurados do Olga Alexeeva Memorial Prize, seus integrantes “representaram melhor os amplos objetivos do prêmio”.

 

 

Com Modelo Inovador e Lucrativo, Empresa Alimenta Crianças Subnutridas ao Vender Seus Productos

A empresa norte-americana 2 Degrees Food adotou um modelo inovador para ajudar quem precisa ao mesmo tempo em que faz negócios lucrativos: a cada barra de cereal saudável que vende, ela doa uma refeição para uma criança subnutrida em algum ponto do mundo.

Fundada em 2011 por Will Hauser e Lauren Walters, a empresa já doou até agora mais de um milhão de refeições, e é a primeira do ramo alimentício a adotar um modelo conhecido como Buy-One-Give-One. “Cada vez que um produto é comprado, isso permite que uma refeição seja doada através de algum parceiro sem fins lucrativos”, explica Walters.

A empresa é destaque no site Business Doing Good, iniciativa pessoal de Rachel Hutchisson, diretora de cidadania corporativa e filantropia na Blackbaud, Inc. – empresa de tecnologia especializada em consultoria para o terceiro setor. O objetivo do site é incentivar práticas de responsabilidade corporativa em pequenos e médios negócios.

Nos Estados Unidos, as refeições doadas pela 2 Degrees Food são distribuídas com ajuda da organização americana Feeding America. Já em países como Malawi, Haiti, Índia, Colômbia e Mianmar, os parceiros do projeto são o Programa Alimentar Mundial, da ONU, e organizações como a indiana Akshaya Patra Foundation e a norte-americana Partners in Health, entre outras.

Como lida com crianças em estado crítico de nutrição, a empresa não doa qualquer tipo de alimento, mas sim refeições especiais com alto valor nutricional e que podem ser consumidas de imediato, sem necessidade de água ou de cozimento. Além disso, sempre que possível o projeto recorre a fornecedores locais para fazer as refeições, incentivando produtores da região onde os alimentos serão distribuídos.

O nome 2 Degrees Food, por sinal, reflete uma vontade de aproximar pessoas que parecem tão distantes. Em português, significa “dois graus”, e indica que consumidor e beneficiário estão a apenas dois graus de separação, apesar de por vezes estarem a alguns milhares de quilômetros de distância. É a empresa de alimentos que conecta uns aos outros.

A 2 Degrees Food faz o bem sem precisar abrir mão dos lucros. Atualmente, seus produtos são comercializados no site da empresa e em mais de dois mil pontos de vendas, incluindo universidades, redes de mercados, hotéis e até mesmo companhias aéreas. Além disso, fazendo jus a seu status empresarial, a 2 Degrees Food está com planos de expansão para 2014: pretende lançar outros produtos, como café e chá, buscando aumentar seu espaço no mercado, mas sempre com um olho voltado para os problemas alimentares de crianças no mundo todo.

 

 

Excesso de Controle Governamental Pode Estrangular Entidades Sociais, Diz Estudo

É inegável que os governos têm de dar parâmetros e traçar linhas de atuação do terceiro setor, mas sua ação pode ter resultados nocivos se criar regras muito rígidas – ainda que bem intencionadas –, estrangulando as iniciativas das organizações da sociedade civil (OSCs). A conclusão é do estudo “Building trust in charitable giving”, lançado mundialmente nesta semana.

Building Trust

estudo é parte do projeto “Future world giving”, da organização britânica Charities Aid Foundation (CAF), no Brasil representada pelo IDIS, e  busca fazer recomendações para garantir a expansão da atuação filantrópica. Além deste, serão publicados mais dois levantamentos: um sobre apoio à sociedade civil e outro sobre motivação para doação.

O primeiro texto da série alerta que alguns governos acreditam ser tarefa deles construir a confiança do terceiro setor – e, a partir dessa crença “equivocada”, criam sistemas regulatórios que demandam registros e prestações de conta em excesso com objetivo de garantir padrões mínimos de confiabilidade. “Isso é contraproducente”, afirma o estudo. “Ainda que os governos tenham o dever de assegurar que as organizações sem fins lucrativos sejam transparentes e prestem contas, não têm de ser os guardiões da sociedade civil”, acrescenta. “A confiança não é construída, é conquistada.”

Em países em que os cidadãos não confiam no poder público, quanto mais o governo controla a relação entre as organizações sem fins lucrativos e a sociedade civil, mais esta vê com maus olhos o processo e as próprias entidades.

Mas mesmo nos países em que as pessoas confiam nos governantes a intervenção pode ter consequências ruins. Tende-se acreditar que a regulação garanta a atuação adequada das entidades. “O efeito é que se torna impossível para as organizações da sociedade civil conquistar confiança. Assim, o sistema se fragiliza: exemplos isolados de má atuação resultam em crise de confiança que afeta o setor como um todo”, argumenta o texto.

Além disso, em países em desenvolvimento, a regulação de organizações da sociedade civil com base em padrões internacionais pode prejudicar estruturas informais de solidariedade já muito enraizadas nas comunidades. Para o estudo, o poder público deveria, nesses casos, ajudar a fortalecer os modelos tradicionais, que já contam com a confiança dos cidadãos, para fortalecer o investimento social privado.

Recomendações

Como o poder público deve atuar, então? O estudo faz recomendações em quatro temas. Em cada um, há três níveis de medidas – o primeiro deveria ser implementado por todos os países, o último refere-se a objetivos de mais longo prazo.

Registro:  é importante para que os governos compreendam melhor o tamanho e a ação da sociedade civil. Além disso, as OSCs se tornam mais confiáveis aos olhos do público quando passam por algum tipo de registro. O processo, porém, não pode ser tão complicado a ponto de desencorajar organizações menores. Além disso, convém que o governo ofereça treinamentos e serviços online para que possíveis criadores de entidade saibam como registrá-la e quais benefícios teria com isso. Por fim, o relatório recomenda que haja níveis de registros diversos para organizações com tamanhos diferentes – e as exigências devem aumentar na mesma medida em que crescem as entidades.

Regulação:  diz respeito diretamente à gestão e à accountability das OSCs. A recomendação básica, aqui, é que sejam exigidos relatórios periódicos na medida da capacidade e da habilidade de cada organização. Uma boa ideia pode ser a existência de protocolos diferenciados para pequenas organizações comunitárias. Como recomendação de longo prazo, sugere-se criar um banco de dados, acessado por todas as entidades reguladoras, de modo que as OSCs não tenham de se reportar para diversos organismos governamentais.

Atribuição de status: trata dos tipos formais de organizações sem fins lucrativos. Formas tradicionais de associações sem fins lucrativos da sociedade civil local devem ser legalmente reconhecidas, por meio de uma regulação simples. A sugestão de longo prazo é que se aloquem recursos para que organizações que trabalhem com o desenvolvimento da infraestrutura do setor filantrópico possam auxiliar as OSCs a se adequarem às normas regulatórias.

Regulação de organizações estrangeiras ou financiadas por capital externo: entidades nacionais devem ter liberdade de associar a parceiros estrangeiros. Devem, também, relatar ao poder público os benefícios dessa associação para o desenvolvimento da sociedade civil. Por fim, sugere-se que os governos permitam análises independentes de seus gastos com ajuda internacional.

Brasil

Segundo uma pesquisa de opinião citada no estudo da CAF (Edelman’s Trust Barometer), as organizações sem fins lucrativos são as instituições consideradas mais confiáveis pelos entrevistados (63% disseram confiar nelas). Em países com problemas de corrupção, no entanto, esse índice tende a cair, sobretudo quando OSCs estão envolvidas em escândalos. E a pesquisa da CAF usa um exemplo muito familiar para nós: o Brasil.

Os escândalos envolvendo as parcerias entre o setor público e organizações da sociedade civil afetaram a confiança geral no setor filantrópico, avalia o texto. Não por acaso, as OSCs brasileiras estão apenas em terceiro lugar na pesquisa local da Edelman, atrás da mídia e das empresas. Mais ainda, outra pesquisa da CAF, o World Giving Index, aponta que, desde 2007, a proporção de pessoas doando para OSCs caiu cinco pontos percentuais no país.

A publicação traz, inclusive, uma declaração de Paula Fabiani, diretora-executiva do IDIS, parceiro da CAF. “Nós gostaríamos que o governo falasse de maneira mais positiva sobre as entidades sem fins lucrativos e melhorasse a regulação, ao mesmo tempo em que trabalhasse com as organizações para melhorar sua governança”, disse Paula.

Leia o estudo na íntegra neste link:https://www.cafonline.org/PDF/Future-World-Giving.pdf.

OSCS Brasileiros Ainda Usam Muito Pouco as Novas Tecnologias

O acesso a computadores e internet é quase universal entre as empresas: 97% estão conectadas à rede mundial de computadores, segundo o Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br). O quadro nas organizações sociais brasileiras (OSCs), no entanto, é outro. “Cerca de 30% das entidades que pesquisamos nem computador têm”, relatou o pesquisador Fábio Senne, do Cetic.br, em seminário durante a ONG Brasil, evento de responsabilidade social que aconteceu em São Paulo entre 28 e 30 de novembro.

A pesquisa, chamada “TIC – Organizações sem fins lucrativos”, mapeou pela primeira vez a infraestrutura tecnológica de 3.546 entidades sem fins lucrativos. O estudo foi apresentado no “Seminário Web Social – nós somos as ponto org ponto br”, organizado pelo Instituto Doar.

O resultado mostra que muitas organizações passam pelas redes sociais antes de criarem um site próprio. “Entre a conectividade e o uso expressivo ainda resta um longo caminho a trilhar”, disse Senne. Para ele, faltam planos de ação para “trabalhar a capacidade e a habilidades das OSCs” em lidar com a internet.

Um dos usos da rede ainda negligenciados pelas entidades brasileiras é a chamada telefonia voice over internet protocol (VoIP), ou seja, usar a internet para fazer ligações. “É uma maneira ótima de trabalhar em redes e conferências, e é barata”, afirmou Senne.

“As organizações têm dificuldade de se apropriar da tecnologia”, acrescentou o diretor de operações da Associação Telecentro de Informação e Negócio, Valter Cegal. As entidades, destacou, amargam falta de experiência no uso de tecnologia com baixa capacitação de seus funcionários.

Essa carência tem impacto direto na administração das OSCs. “As tecnologias de informação melhoram a gestão, a contabilidade, o marketing, a comunicação e a realização de projetos”, apontou Cegal.

Planejamento

A gestão foi tema de outras duas falas no seminário. O diretor presidente da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata), Roberto Barth, apresentou a pesquisa “Planejamento estratégico em ONGs”. O levantamento mostrou que, das 38 entidades pesquisadas, 70% disseram ter feito planejamento estratégico nos últimos dois anos. “Só que se trata mais de pensamento do que de planejamento”, comentou Barth.

É que, justificou, frequentemente o plano até existe, foi escrito, “mas ninguém sabe onde está, não foi nem colocado no site da entidade”. Segundo Barth, as grandes entidades até estão mais avançadas em termos de planejamento, mas as pequenas e médias ainda têm muito a avançar.

A apresentação do consultor Eleno Gonçalves Júnior abordou a necessidade de as OSCs terem superavit. “Não ter fins lucrativos é diferente de ser deficitário”, resumiu.

O principal problema, avalia, são as despesas com a manutenção da estrutura das entidades. “Investidores querem financiar projetos”, ressaltou. Ele criticou a prática das entidades de sempre colocarem um valor de 10% acima do preço do projeto para conseguir recursos para infraestrutura. Não faz sentido trabalhar com um percentual fixo para todas, argumentou. “Tem de abandonar esse paradigma, parece garçom; 10% pode ser muito ou pouco”.

Gonçalves Júnior defendeu que as organizações construam uma relação diferente com os financiadores, baseada principalmente na transparência, para que se possa negociar recursos com eles.

Novas ferramentas

O seminário também serviu para apresentar novas ferramentas tecnológicas que estão à disposição das OSCs. Graziela Tanaka, por exemplo, falou sobre a Change.org, plataforma de abaixo-assinados que ela dirige. “A coleta de assinaturas complementa táticas tradicionais de mobilização e advocacy, além de ajudar a conquistar apoiadores que podem se tornar doadores.”

Outra forma de atrair doações é o crowdfunding, um microfinanciamento de iniciativas. “A ideia é viabilizar projetos com muitas pessoas doando pouco”, explicou o CEO do Mobilize, André Gabriel. Segundo ele, o crowdfunding é muito baseado em uma relação de confiança entre doador e organização, e é preciso uma mobilização constante das entidades para conseguir os recursos de que necessitam.

 

 

Estudos Derrubam Certezas Sobre Comportamento Solidário

O que faz uma pessoa doar dinheiro a quem precisa? É melhor pensar muito antes de responder. Uma reportagem do The New York Times destacou estudos científicos que questionam alguns dos motivos mais citados como incentivo ao comportamento solidário dos norte-americanos: reconhecimento social, valores morais, bem-estar pessoal… nenhum desses fatores parece ser capaz de oferecer uma boa explicação a essa questão.

texto especula as razões que poderiam mover os doadores nos Estados Unidos – além dos incentivos tributários (a matéria pressupõe que tal estímulo funciona). De início, apresenta um estudo publicado no The Journal of Marketing que aponta que a busca por reconhecimento social move apenas um pequeno grupo de pessoas, que consideram importante expressar seus valores morais para outros.

Uma das autoras do estudo, Karen Winterich, diz em entrevista que indivíduos com valores morais mais internalizados – por causa da religião, por exemplo – não precisam da promessa de um reconhecimento futuro para doar. Em vista disso, “organizações da sociedade civil talvez queiram reconsiderar seus gastos em coisas como jantares de premiação e presentes”, ironiza a especialista.

A reportagem sublinha, porém, que a solidariedade baseada em valores morais não é necessariamente um comportamento desinteressado. O professor de economia James Andreoni, por exemplo, chegou a usar o termo “warm glow” (algo como “calor”, usado como metáfora para sensação de bem-estar), para explicar por que as pessoas doam. Segundo ele, doadores experimentariam um sentimento pessoal de prazer com o ato altruísta. Por isso, doar ao outro envolve também autointeresse.

Mas, como lembra o texto, o próprio Andreoni já disse que “agir com autointeresse não significa necessariamente agir egoisticamente”, e haveria uma tendência natural dos seres humanos a estarem conectados e serem úteis uns aos outros.

Ainda assim, outra pesquisa mostrou que tentar apelar a essa sensação de bem-estar não necessariamente é uma maneira efetiva de conseguir doações. O estudo usou uma campanha de arrecadação de dinheiro para compra de cobertores em Chicago para testar o efeito da teoria.

Em um caso, as pessoas que pediam a doação também diziam que os doadores poderiam mandar um cartão no qual se lia: “Espero que você aproveite esse cobertor”. Já outros arrecadadores só pediam a doação, sem nada extra.

Os resultados surpreenderam, pois mostraram que a opção do cartão não era efetiva. Pessoas que doariam pequenas quantidades (U$ 5) tinham menos probabilidade de fazê-lo quando se deparavam com a opção de preencher o cartão. Para uma das autoras do estudo, isso se deve ao fato de que essas pessoas eram motivadas a doar por pressões sociais, e, ao se apelar a seu altruísmo, elas acabavam não doando. Já quem estava disposto a doar quantidades maiores de dinheiro o fazia sendo ou não submetidas à opção do cartão, o que demonstraria seu altruísmo.

Se (ainda) não há resposta certa para aquela questão inicial, e se por enquanto sobram dúvidas e faltam certezas nas pesquisas científicas sobre o assunto, o melhor que as organizações da sociedade civil podem fazer – sugere a própria reportagem do New York Times – é testar várias estratégias de captação. “No fim das contas, a verdadeira natureza do altruísmo é uma questão para os filósofos”, conclui o texto.

Investimento Social de Empresas ‘Dribla’ Economia Fraca e Cresce 18% no Brasil

Os investimentos sociais de empresas no Brasil cresceram 18% entre 2011 e 2012, apesar do fraco desempenho da economia no período. Os dados são da pesquisa Benchmark do Investimento Social Corporativo (Bisc), realizada pela Comunitas, organização da sociedade civil fundada por Ruth Cardoso e voltada à gestão e à pesquisa em responsabilidade corporativa. O volume de recursos somou R$ 2,5 bilhões – o maior desde que o levantamento começou a ser feito, em 2008. Em 2011, o valor havia sido de R$ 2,1 bilhões.

Os investimentos sociais de empresas no Brasil cresceram 18% entre 2011 e 2012, apesar do fraco desempenho da economia no período. Os dados são da pesquisa Benchmark do Investimento Social Corporativo(Bisc), realizada pela Comunitas, organização da sociedade civil fundada por Ruth Cardoso e voltada à gestão e à pesquisa em responsabilidade corporativa. O volume de recursos somou R$ 2,5 bilhões – o maior desde que o levantamento começou a ser feito, em 2008. Em 2011, o valor havia sido de R$ 2,1 bilhões.

Os dados foram colhidos de 224 empresas, 30 fundações empresariais, um instituto independente e uma federação de empresas. Além de contrastar com a economia fraca do período, o aumento superou as expectativas das próprias entidades pesquisadas: 81% investiram mais do que previam na edição anterior da pesquisa.

O bom desempenho “reflete a continuidade de um processo de maior envolvimento das empresas com os investimentos sociais, que se manifesta na menor sensibilidade dos valores aplicados a oscilações anuais no ciclo econômico”, avalia o relatório.

O documento também afirma que os projetos se estendem por um período maior do que o calendário anual, o que significa que os aportes frequentemente se mantêm para dar continuidade à ação social. “Uma vez iniciado, o ritmo do projeto pode exigir a continuidade das aplicações, caso contrário, a paralisação das obras ou a interrupção dos serviços prejudicaria as comunidades e comprometeria o relacionamento das empresas com elas”.

Outro ponto positivo apontado pelo texto é que a proporção do investimento social das empresas no Brasil, em relação ao lucro bruto, permanece acima da registrada por companhias norte-americanas. Em 2012, a porcentagem chegou a 1,37%. Nos Estados Unidos, a fatia é de 1%, segundo o Committee Encouraging Corporate Philantropy. Os números nacionais superam os norte-americanos desde 2009, mas a diferença vem crescendo desde então. Isso ocorre mesmo entre as companhias de pequeno ou médio porte (1,39%).

Os motivos mais citados para injetar recursos na área social são a aproximação com as comunidades (70%), o fortalecimento da imagem e da reputação da empresa (65%) e a melhoria na qualidade de vida dos beneficiários (61%).

Perfil do investimento

Educação e cultura continuam sendo as áreas campeãs de investimentos sociais das empresas analisadas pela pesquisa. Em 2012, 44% dos recursos foram para os dois campos. A educação, sozinha, recebeu R$ 679 milhões – 15% a mais do que em 2008.

A participação dos incentivos fiscais nos investimentos sociais chegou a um patamar histórico, mas ainda se restringe a 25% do total investido pelas organizações pesquisadas. Parte significativa das entidades (30%) não usa incentivo fiscal algum para financiar projetos. Por isso, o relatório conclui que os benefícios tributários “não sustentam os investimentos privados nos volumes observados”. A cultura continua a ser a área que mais recebe apoio público, basicamente em razão da Lei Rouanet, responsável por 59% da verba proveniente de incentivo.

Voluntariado

Parte do relatório debruçou-se sobre os programas de voluntariado das empresas. A maioria delas (73%) afirmou que o principal motivo para incentivar essa prática é engajar os funcionários e fornecedores na linha social definida pela corporação. As companhias entrevistadas disseram que o voluntariado fortalece o espírito de equipe dos colaboradores (88%), faz com que eles se identifiquem com a cultura da corporação (88%) e melhora as relações das empresas com as comunidades (81%).

A principal forma de estímulo a essa prática continuam sendo as “atividades em grupo propostas pelas empresas”: 93% das entrevistadas adotavam essa estratégia. Mas a iniciativa de liberar horas de trabalho para que os empregados se dediquem ao voluntariado cresceu muito: 60% adotam programas desse tipo (eram 35% em 2010 e 37% em 2011).

Também surpreendeu o aumento das doações casadas – em que as empresas doam recursos financeiros na medida em que seus funcionários doam horas para trabalho voluntário: 53% usam essa estratégia (eram 35% em 2010 e 26% em 2011).

 

 

Organizações Sofrem Com Alterações Confusas e Arbitrárias das Normas, Diz Procuradora

As organizações da sociedade civil (OSCs) têm sofrido com alterações constantes, confusas e arbitrárias nas regras para o setor. A avaliação é da procuradora e secretária adjunta da Câmara Municipal de São Paulo, Maria Nazaré Lins Barbosa, que também faz parte da Comissão de Terceiro Setor da OAB/SP.

“A legislação tributária brasileira não é simples, e a legislação incidente sobre o terceiro setor é particularmente complicada – também para os estudiosos”, diz ela em entrevista ao site do IDIS. E, em alguns aspectos, a situação tem piorado nos últimos anos. “Estamos assistindo a um estrangulamento por parte do governo.”

A procuradora, porém, não vê o quadro normativo para o investimento social privado de maneira exclusivamente pessimista. “É positiva, por exemplo, a liberdade de associação, ou a caracterização jurídica do trabalho voluntário”, diz Maria Nazaré.

Ela chamou a atenção para a responsabilidade das próprias organizações sociais no fortalecimento do setor: “É importante melhorar, de modo geral, a qualidade das informações prestadas pelas entidades acerca de seu próprio trabalho, e o acesso a elas pelo grande público”.

IDIS: Como você avalia a atual legislação brasileira para o terceiro setor?

Maria Nazaré Lins Barbosa: Vejo uma legislação favorável em alguns aspectos importantes, porém, confusa e arbitrária em outros. É positiva, por exemplo, a liberdade de associação, ou a caracterização jurídica do trabalho voluntário. Os aspectos mais problemáticos, a meu ver, estão nas certificações, na tributação e nos incentivos fiscais.

O que é preciso para avançar a legislação do setor? Há uma movimentação em torno dessa agenda? O governo está disposto a dialogar sobre o tema?

Para avançar, é importante melhorar, de modo geral, a qualidade das informações prestadas pelas entidades acerca de seu próprio trabalho, e o acesso a elas pelo grande público. A mídia poderia ajudar, oferecendo informações com mais qualidade, pois tende a generalizar o universo das ONGs sem a menor seletividade. Quanto ao ambiente político, lamento dizer que não vejo um momento favorável. Nos últimos anos, estamos assistindo a um estrangulamento por parte do governo. As instituições de educação, assistência e saúde – as áreas mais tradicionais – sofrem com alterações normativas veiculadas por decretos que, constantemente, alteram as regras, de modo confuso e arbitrário.

Incentivos fiscais são importantes para desenvolver o setor ou bastaria tirar eventuais barreiras normativas, como o ITCMD [Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos, um tributo estadual que incide sobre donativos para instituições sem fins lucrativos].

Sem dúvida, o incentivo às doações de pessoas físicas e jurídicas a entidades do terceiro setor mereceria uma abordagem mais favorável. A barreira do ITCMD é uma delas, mas não é a única a ser vencida. O incentivo à doação mediante recuperação de parcela do valor doado no pagamento do imposto de renda deveria ser estendido às pessoas físicas e ampliado para as empresas.

O que poderia normativamente ser feito para resolver um dos grandes problemas do setor, que é a sua sustentabilidade financeira?

O incentivo a doações de pessoas físicas, mediante a dedução de parte do valor doado no imposto de renda a pagar, é uma medida simples e importante. Muitas vezes, os investidores financiam projetos específicos, e impõem restrições para o emprego dos recursos doados em despesas de custeio ou de pessoal da entidade. A doação direcionada à organização da sociedade civil, e não a projetos específicos, pode favorecer a sua sustentabilidade, sem prejuízo da transparência na prestação de contas.

projeto do Marco Legal para o Terceiro Setor foi aprovado no Senado e agora vai para apreciação pela Câmara Federal  Ele representa um avanço importante para a área ou seria preciso fazer mais?

O projeto tem muitos méritos, pois traz uma proposta de um “estatuto” mais coerente de legislação.  No entanto, está longe de esgotar o debate. Há um estudo em andamento na FGV sobre um “simples social” para o terceiro setor, que é uma questão importante da agenda.

Você acha que os investidores sociais ainda precisam compreender melhor a legislação do setor? É possível manobrar com o que temos agora?

A legislação tributária brasileira não é simples, e a legislação incidente sobre o terceiro setor é particularmente complicada – também para os estudiosos. Mas há aspectos básicos que podem ser manobrados com segurança: os incentivos para doações de empresas, os incentivos para a área cultural, o acesso a informações sobre instituições sérias de pequeno, médio e grande porte.

 

 

Organizações da Sociedade Civil Precisam Estar Abertas a Mudanças

Já se tornou lugar-comum dizer que uma empresa precisa estar preparada para transformações. O guru da administração Peter Drucker até escreveu – há quase 20 anos! – um livro sobre isso: “Administrando em Tempos de Grandes Mudanças”. O clichê é inevitável também para organizações da sociedade civil (OSCs) – a ponto de o consultor Domingos Armani , especialista em terceiro setor, cravar: “Se uma entidade não passou por algum processo de mudança nos últimos dez anos, isso é muito sério e precisa ser pensado”.

O recado vale tanto para organizações jovens quanto para as quase centenárias. A Liga Solidária, por exemplo, completou 90 anos em 2013 e passou por muitas fases em sua atuação. Recentemente, no entanto, implantou mudanças profundas – até no nome: o novo substitui o tradicional Liga das Senhoras Católicas. “A mudança veio mais pelo ‘Senhoras’ do que pelo ‘Católicas’, pois vários homens que trabalhavam conosco estavam incomodados”, diz a vice-presidente da entidade, Rosalu Queiroz.

A alteração foi um dos pontos culminantes de um processo de modernização e rejuvenescimento da ONG, todo feito dentro da própria Liga Solidária. “Nós trabalhávamos com um público mais velho, e percebíamos que não atingíamos pessoas mais jovens, precisávamos renovar”, afirma Rosalu

Uma transformação dessa magnitude não vem sem custos. “Dividimos nosso público em três grupos: as pessoas com mais de 55 anos conhecem a Liga das Senhoras Católicas, mas não a Liga Solidária; as pessoas abaixo dos 25 conhecem a Liga Solidária, mas não a das Senhoras Católicas; o grupo do meio está perdido, não sabe se a Liga das Senhoras acabou, se há duas organizações ou se não há nenhuma, e isso prejudicou um pouco o processo de captação de recursos”, constata a vice-presidente.

O Instituto Alana é outra organização que sentiu impacto ao modificar seu foco. “Em algumas redes, estão falando que o Alana acabou”, afirma o diretor das áreas de comunicação e educação, Antonio Carneiro. O nome não mudou, mas a causa, sim. A OSC nasceu em 2002 para institucionalizar um trabalho social que os irmãos Ana Lúcia de Mattos Barretto Villela e Alfredo Egydio Arruda Villela Filho já faziam no Jardim Pantanal (zona leste de São Paulo). O objetivo, então, era ajudar a comunidade a superar seus desafios.

Um projeto de 2006, para combater o consumismo entre as crianças, começou a mudar os rumos do Alana. “O instituto descobriu a sua vocação e, em 2011, resolveu escrever que a sua missão é ‘honrar a criança’, uma escolha ligada a crenças e valores de seus fundadores”, lembra Carneiro. A cristalização dos direitos da criança como uma causa levou, porém, a um afastamento cada vez maior de uma atuação comunitária e gestora de projetos.

“Nós estamos diminuindo os projetos de intervenção, apesar de ainda atuarmos na zona leste, pois ficou mais clara a nossa vocação para oadvocacy relacionado aos direitos das crianças”, explica o diretor do Instituto Alana. A organização está em processo de reengenharia, o que implica passar alguns de seus projetos comunitários para parceiros do terceiro setor, do setor público ou mesmo da região.

O caso guarda semelhanças com outro bem conhecido no terceiro setor: o da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, que nasceu em 1965 com trabalho na área de pesquisa em leucemia (tendo firmado inúmeras parcerias com a USP) e, em 2007, passou a priorizar projetos ligados a desenvolvimento infantil – a ponto de virar uma referência nessa área.

Ajuda de fora

Em seu processo de mudança, a Liga Solidária contou com apoio da consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC)para criar um novo desenho de gestão, que ainda está sendo implantado. O Instituto Alana não contou com a ajuda de terceiros em suas mudanças, mas Carneiro “recomenda o apoio externo” para o processo. Já Armani aconselha: “Alterações são muito difíceis de serem feitas sem apoio externo, pois quem está de fora vê melhor a integralidade da situação”.

Carneiro descreve a reengenharia do Alana como um momento “duro e dolorido”. “Tivemos de fazer várias rodadas internas de desabafo, pois há coisas que precisam ser desagregadas e deixadas para trás”. Da mesma forma, Roselu diz que, na Liga, “a mudança não está sendo fácil, pois, às vezes, existem resistências dos diretores mais antigos”. É normal que haja certa confusão entre os interesses das organizações e o das pessoas que dela fazem parte.

“É difícil discernir o institucional do pessoal. Às vezes, o melhor para a instituição não é o melhor para a trajetória de uma determinada pessoa, e discernir isso é difícil sem uma ajuda externa”, avalia Armani.

O Instituto Alana até tentou procurar uma consultoria para auxiliar na reengenharia, mas não achou nenhuma com o perfil que julgava adequado. “Fez falta”, admite Carneiro. Mesmo com um processo pouco tranquilo, foi possível definir claramente as quatro competências da organização: “fazer advocacy, gerir projetos, capacidade de se comunicar e conhecimento acumulado sobre assuntos relacionados a crianças”, enumera Carneiro.

Se teve ajuda da consultoria da PwC para um novo organograma administrativo, Rosalu ressalta a falta que fez uma campanha de comunicação após a entidade se tornar a Liga Solidária. “A mudança de nome precisa vir acompanhada de um planejamento de marketing, e infelizmente, não tínhamos dinheiro para fazer isso na época”, comenta.

Agora, no entanto, a campanha vai sair. “Nós ganhamos uma campanha de publicidade da agência Babel, que, utilizando o mote da violência doméstica, vai reforçar a marca da Liga Solidária”, conta Rosalu.

Por fim, Armani alerta que as organizações sociais precisam ter consciência de que o processo de mudança é permanente e que elas têm ciclos que uma hora ou outra têm de ser superados. Por isso, ele recomenda constantes exercícios de reflexão interna nas entidades e conclui: “Não querer mudar é suicídio”.

 

 

Brasil Realiza Dia de Doar Para Incentivar a Cultura da Doação

O fim de ano é marcado por dois comportamentos opostos: consumismo e solidariedade. Para o primeiro, surgiram nos Estados Unidos a Black Friday, com grandes descontos em lojas físicas, e a Cyber Monday, com promoções em lojas virtuais. Para o segundo, há dois anos foi criada a Giving Tuesday, uma espécie de resposta social às outras duas datas.

O Brasil já havia importado as promoções, com maior ênfase nas vendas on-line, e passa a ter também seu Dia de Doar, para estimular uma cultura de doação no país. A primeira edição ocorreu em 30 de novembro, quando também foi lançado o portal diadedoar.net (http://www.diadedoar.net/), cujo objetivo é trazer relatos de pessoas que praticam a doação e criar um ambiente para troca de experiências sobre o assunto.

“Eu acho mais marcante concentrar a campanha em um dia do que fazer coisas soltas durante o ano”, comenta o diretor do Instituto Doar, Marcelo Estraviz, um dos responsáveis pela articulação em torno da data.

A estreia da data no Brasil não coincidiu com o Giving Tuesday, que caiu em 3 de dezembro. Isso aconteceu, basicamente, para aproveitar a estrutura da ONG Brasil, maior evento de responsabilidade social da América Latina, realizado em São Paulo entre 28 e 30 de novembro. “Foi uma opção de ganha-ganha: a ONG Brasil se beneficiou e nós também, pois havia 500 entidades presentes e todas sabiam da celebração”, afirma Estraviz.

Há outra diferença entre a iniciativa norte-americana e a brasileira. Lá, o foco é a doação de dinheiro; aqui também se quer incentivar outros tipos de doação, como a de tempo (por meio de voluntariado). E tenta-se “qualificar a ação donativa”, como declara Estraviz: convencer um voluntário ocasional a tornar-se colaborador mais frequente e doar objetos em bom estado. “Se vai doar agasalho, que doe um bom agasalho”, resume.Até por isso, uma das táticas daqui para frente é associar o Dia de Doar a outras datas de incentivos a diversos tipos de doação. “No decorrer do ano, vamos contribuir com várias datas, como os dias de doação de sangue, de medula, de órgãos, ajudando a quem já faz bem feito e os ters conosco na próxima data nacional”, explica.

Em 2014, haverá novamente o Dia de Doar, mas ainda não se estipulou uma data. “Estamos vendo se nos aliamos ao Giving Tuesday ou se mantemos o dia 30 de novembro. Vamos ter um ano para planejar bem a ação”, comenta Estraviz.

Nesse processo, a data pode até ganhar um aliado de peso. A Secretaria-Geral da Presidência da República estava presente na ONG Brasil e se interessou por transformar o Dia de Doar em uma data oficial. “O governo comprou a ideia, vamos conversar melhor, mas a celebração acontecerá independentemente do apoio governamental”, garantiu Estraviz.

Repercussão

O primeiro Dia de Doar superou as expectativas. “A Abrinq e a WWF colocaram banners em seus sites, várias plataformas de doação online estavam conosco e até um shopping em Maceió entrou na campanha”, relatou Estraviz.

Ele não sabe contabilizar se houve um aumento de doações durante a data, mas relatou um acréscimo de 50% do público no último dia da ONG Brasil (quando foi celebrado o Dia de Doar) em comparação com o ano passado. “Não acho que o aumento foi todo por nossa causa, mas contribuímos um pouco”.

Nos Estados Unidos, a iniciativa tem tido grande impacto. “Em 2012, houve um aumento de 40% nas doações online durante o Giving Tuesday”, exemplificou Estraviz.

 

 

Fábricas de Cultura Abrem Espaço para Parcerias Entre Setores Público e Privado

O modelo de gestão das Fábricas de Cultura – projeto de difusão e educação cultural voltado a localidades com alto índice de vulnerabilidade juvenil – realizado por uma parceria de organizações sociais (OSs – entidades privadas sem fins lucrativos), de acordo com contratos de gestão firmados com o poder público, tem se mostrado exitoso. Na avaliação da Secretaria de Cultura, responsável por construir as instalações e fiscalizar o trabalho das OSs, a parceria confere mais agilidade administrativa à gestão da cultura, o que significa mais qualidade no serviço prestado à população.

O modelo de gestão das Fábricas de Cultura – projeto de difusão e educação cultural voltado a localidades com alto índice de vulnerabilidade juvenil – realizado por uma parceria de organizações sociais (OSs – entidades privadas sem fins lucrativos), de acordo com contratos de gestão firmados com o poder público, tem se mostrado exitoso. Na avaliação da Secretaria de Cultura, responsável por construir as instalações e fiscalizar o trabalho das OSs, a parceria confere mais agilidade administrativa à gestão da cultura, o que significa mais qualidade no serviço prestado à população.

“Este modelo reflete uma visão realista de que se encontram na sociedade civil entidades competentes para administrar serviços públicos”, afirma Clóvis Carvalho, diretor-executivo da Poiesis, organização social que gere quatro fábricas: Vila Nova Cachoeirinha, Jardim São Luís, Capão Redondo e Jaçanã. “Temos um núcleo, que coordena o projeto artístico e pedagógico, e mantemos a equipe de educadores que dão diversos ateliês”, diz Carvalho. As outras quatro unidades paulistanas são tocadas pela organização Catavento Cultural. Cada uma delas atende em média cerca de 700 ‘aprendizes’ – termo usado para designar os beneficiários, de idades entre 8 e 21 anos (http://www.seade.gov.br/produtos/ivj/).

Uma das possibilidades abertas por essa flexibilidade de gestão é a busca de parceiros no setor privado que possam trazer novas experiências para as fábricas. Foi assim que, no final de 2012, a Poiesis firmou um contrato inédito com a Fundação Stickel – instituição voltada a projetos de arte e acesso à cultura. Pelo acordo, a fundação utiliza o espaço da Fábrica de Cultura da Vila Nova Cachoeirinha para desenvolver o projeto “Aproximação com a Arte”, curso anual gratuito para professores e educadores ampliarem seus conhecimentos sobre arte.

Fernando Stickel, diretor-executivo da fundação, explica que, nesse caso, a Poiesis entra com o espaço físico – construído pelo governo estadual –, a estrutura de divulgação e a seleção dos alunos, enquanto a fundação oferece o curso aos educadores. “Organizações como a Fundação Stickel têm, para algumas coisas, um know how que o poder público e as OSs não têm”, afirma Stickel.

Ele ressalta, no entanto, a importância de a aproximação entre a fundação e a unidade cultural ter se dado com intermédio de uma organização social. “Se não fosse administrada por uma OS, talvez o contato com a fábrica não desse certo”, completa Stickel, ressaltando as vantagens da flexibilidade administrativa das organizações sociais.

Aproveitando a abertura de espaço para parcerias, a Fundação Stickel está estruturando melhor o “Aproximação com a Arte” para estender o projeto a outras fábricas. Ao mesmo tempo, tem outro projeto engatilhado para a Vila Nova Cachoeirinha: o “Contrapartida”. A ideia é apoiar artistas com exposições, material e divulgação – que, em contrapartida, darão oficinas para os membros da comunidade local.

No sistema de organizações sociais, as parcerias com outras entidades privadas são importantes não só pelas experiências que estas aportam, mas também pelo investimento que significam. “A Poiesis tem um orçamento de cerca de R$ 7 milhões por ano para gerir cada fábrica”, diz Carvalho. “Tem também o compromisso de captar cerca de 7% desse valor, e as parcerias acabam entrando como investimento”, acrescenta. “Nosso projeto acaba entrando como captação de recursos do Poiesis”, afirma Stickel. Assim, é vantajoso para as OSs buscarem parcerias com outros projetos privados, pois eles complementam os valores que as organizações têm de aportar segundo os contratos com o poder público.

Parcerias devem ser expandidas

O sistema de organizações sociais foi criado em 1998, pela lei 9.637, que permitiu ao poder público entregar a administração de determinados serviços a entidades privadas. Quando foi sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, Clóvis Carvalho era ministro-chefe da Casa Civil e estava na linha de frente do governo pela aprovação da norma.

Ainda que o tema desperte polêmicas – o hoje prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), por exemplo, prometeu em campanha rever os contratos entre a prefeitura e as organizações sociais na área da saúde –, Carvalho defende que a administração pelas entidades é bem mais flexível. Elas podem, por exemplo, contratar pessoal sem a mesma burocracia do setor público. Além disso, os contratos firmados entre Estado e entidades são, segundo ele, detalhados e demandam um grau de transparência que, por vezes, nem o setor público tem. “Nós precisamos preencher uma quantidade enorme de relatórios”, completa ele.

O governo de São Paulo deve ampliar as Fábricas de Cultura. Hoje, a iniciativa é restrita à capital, onde estreou em dezembro de 2010. Desde então, foram construídas mais sete, e o objetivo é chegar a dez. Mas a Secretaria Estadual de Cultura planeja expandir a ideia para a região metropolitana de São Paulo – o próprio secretário, Marcelo Mattos Araújo, chegou a fazer uma reunião com o prefeito de Diadema sobre isso. E, com mais unidades, aparecem também mais possibilidades de parcerias entre os setores público e privado.

 

 

Brasil é um Dos Países Com Menos Apoio Governmental Para Organizações da Sociedade Civil, Diz Abong

Os escândalos dos repasses de recursos públicos para algumas organizações da sociedade civil (OSCs) levaram a uma tendência de criminalização de todo o setor. Trouxeram, ainda, a ideia de que muito dinheiro público estava indo para entidades sociais privadas. A realidade, no entanto, é outra, segundo a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong).

“Ao contrário do que se pensa, o Brasil é um dos países em que OSCs menos têm apoio governamental”, afirmou a diretora-executiva da entidade, Vera Masagão, durante a palestra “As parcerias entre Estado e organizações da sociedade civil e o marco regulatório”. O debate foi organizado pela Secretaria-Geral da Presidência da República durante a ONG Brasil, feira que aconteceu em São Paulo entre 28 e 30 de novembro. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, cujos resultados preliminares foram apresentados durante o evento, embasa a queixa da diretora da Abong. Entre 2008 e 2011, apenas 1% das entidades nacionais firmaram parcerias com governo. Além disso, cerca de metade dos convênios envolveram valores menores que R$ 200 mil.

Já pequeno, o apoio minguou após a eclosão dos escândalos. “O governo para o financiamento a todo o setor quando há um problema isolado”, reclamou Vera, observando que isso não acontece, por exemplo, quando se verificam desvios envolvendo empresas privadas. “É fundamental que entidades que atuem no interesse público recebam apoio do governo, algo que acontece em muitos lugares.”

O governo federal busca aprimorar sua relação com o terceiro setor, disse a assessora especial da Secretaria-Geral Lais de Figueiredo Lopes, na mesma palestra. “Nós desenvolvemos uma agenda com três eixos de trabalho interministerial: contratualização, sustentabilidade e certificação.” A presidente Dilma Rousseff, lembrou Lais, comprometeu-se com as demandas das OSCs, que estão sendo tocadas pelo ministro-chefe da Pasta, Gilberto de Carvalho.

Vera Masagão, no entanto, relativizou o comprometimento do governo federal: “Não há um compromisso orgânico. Precisamos de política de governo, não apenas de ações de alguns setores do governo”. Para a diretora da Abong, o poder público federal emite sinais divergentes ao, por um lado, discutir um marco legal para o setor e, por outro, paralisar convênios com as OSCs.

Legislação

O marco legal é peça importante dessa busca por uma relação melhor entre governo e terceiro setor. “A situação atual é de insegurança jurídica, com ausência de uma lei específica para a relação entre governo e OSCs e interpretações distintas das normas existentes por parte dos órgãos de controle”, descreveu Lais. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apresentada pelo pesquisador Félix Lopez, reforçou a ideia de que parte do problema está em quem controla os convênios entre poder estatal e OSCs. A pesquisa foi feita com gestores públicos, que admitiram que a burocracia de controle é muito formalista e emite interpretações divergentes sobre as normas. “O controle anula as potencialidades da sociedade civil, e a prestação de contas é o maior gargalo”, disse Lopes.

Até por isso, uma das propostas do projeto de lei para um novo marco regulatório é facilitar a prestação de contas. “Propomos um modelo mais simples para valores abaixo de R$ 600 mil, no qual se encaixa a grande maioria dos convênios”, afirmou Lais.

 

 

Investimento que Alia Preocupação Social e Lucro Ganha Espaço No Brasil

Tradicionalmente, investir implica ter como objetivo primordial fazer o dinheiro render mais dinheiro. Nos últimos anos, porém, vem ganhando espaço no Brasil um conceito já bastante desenvolvido em países como o Reino Unido. Trata-se do investimento de impacto social, um tipo de injeção de recursos que visa promover mudanças na sociedade e gerar retorno financeiro ao mesmo tempo.

Aliando características do segundo e do terceiro setor, o investimento de impacto social já conta com vários adeptos no País. São dez fundos nacionais e internacionais que atuam no Brasil e apostam nesse conceito. “Juntos eles somam R$ 500 milhões, disponíveis para investimento direto em empresas que oferecem produtos e serviços para melhorar a vida da população brasileira”, afirma Daniel Izzo, diretor-executivo e cofundador da Vox Capital, fundo pioneiro no investimento de impacto social no Brasil.

De acordo com ele, apesar de este valor ainda ser pequeno quando comparado com mercados onde o conceito já é mais difundido, as taxas de crescimento no Brasil impressionam. Em 2009, o investimento de impacto social movimentava cerca de R$ 5 milhões no País e hoje esse valor é de R$ 500 milhões – um crescimento de 10.000% em menos de cinco anos. “O momento agora é de desenvolver modelos e empresas de sucesso e de grande escala para começar a provar que é possível unir as duas dimensões (retorno financeiro e impacto social)”, diz Izzo.

Por se tratar de uma iniciativa em fase de amadurecimento, o investimento de impacto social ainda esbarra em alguns obstáculos no País, afirma o diretor da Vox Capital. Segundo ele, o investidor brasileiro tem uma tendência a buscar sempre o maior retorno financeiro possível de suas aplicações, o que afasta alguns desse tipo de iniciativa. Entretanto, ele diz que um número de pessoas ainda pequeno, mas crescente, começa a apoiar o conceito. “Eles estão bastante motivados pela perspectiva de contribuir para o desenvolvimento do País através de algo lucrativo. Se o setor como um todo provar que isso é possível, esperamos ver um grande influxo de recursos.”

Entre as empresas que recebem esse tipo de investimento no Brasil, alguns projetos de sites e plataformas digitais se destacam: o Saútil, buscador que ajuda a população a encontrar serviços do SUS; o Geekie, plataforma de ensino que se adapta às características de cada aluno; o Tamboro, que aposta na aprendizagem por meio de jogos; e o WPensar, sistema de gestão escolar online.

“Os melhores ‘cases’ são aqueles em que o impacto está tão ligado à forma de se fazer dinheiro que a única forma de crescer e lucrar ainda mais será servir um número maior de pessoas e impactá-las positivamente através desse serviço”, finaliza o diretor da Vox Capital.

 

 

Brasil Cai Oito Posições em Ranking Mundial de Solidariedade e Ocupa Último Lugar na América do Sul

O Brasil caiu oito posições em relação ao ano passado e ocupa agora o 91º lugar entre 135 países no “ranking de solidariedade”, uma iniciativa da organização inglesa Charities Aid Foundation (CAF) e do Instituto Gallup.

Os dados são do World Giving Index 2013, lançado mundialmente nesta terça-feira (3 de dezembro) para coincidir com o Giving Tuesday, data criada para incentivar doações em países como Estados Unidos e que se espalhou para o Canadá, Singapura, Austrália, América Latina e outros países. O IDIS, parceiro brasileiro da CAF, realizou um evento no Centro Ruth Cardoso, em São Paulo, para apresentar e debater os resultados.

A queda do Brasil no ranking é ainda maior em comparação a edições anteriores. Em 2009, o país era o 54º no World Giving Index. Em relação a outros países da América do Sul, o Brasil também vai mal: é o último, junto com a Venezuela. No continente, Chile e Colômbia estão empatados em primeiro.

O Instituto Gallup abordou 155 mil pessoas em vários países. Para avaliar o comportamento solidário, perguntou se, no mês anterior à aplicação do questionário, o entrevistado doou dinheiro, ajudou um estranho ou foi voluntário em alguma organização. O índice é composto por esses três aspectos.

No Brasil, 42% dos entrevistados disseram ter ajudado um estranho no mês anterior (90ª posição nesse quesito), 23% afirmaram ter doado (72ª posição) e 13% ajudaram um estranho (90ª). Ainda assim, ao extrapolar a amostra para toda a população e estimar o número absoluto de “solidários”, o Gallup pôs o Brasil entre os dez primeiros em todos os comportamentos. São 63 milhões que ajudaram estranhos (quinto maior contingente do mundo), 34 milhões que doaram dinheiro (oitavo maior) e 34 milhões de voluntários (nono).

“Existe em nosso país grande desconfiança em relação ao terceiro setor, causada, principalmente, pelos escândalos envolvendo transferências de recursos irregulares a organizações sociais”, afirmou a diretora-executiva do IDIS, Paula Fabiani, ao falar sobre a posição brasileira.

Neste sentido, o presidente do Instituto Arredondar, Ari Weinfeld, disse que, “para o investidor, a doação precisa ser fácil, segura e dar retorno”. Ele ainda ressaltou a necessidade de mais transparência no setor para garantir credibilidade.

Paula também observou que o incremento da renda dos brasileiros não tem se refletido em comportamento donativo: a percepção de que os mais pobres estão melhorando de vida levaria os mais ricos a diminuir a ajuda. “O mundo está economicamente mal, mas as doações subiram. Já o Brasil está economicamente bem, mas as doações caíram”, complementou Weinfeld.

Já o diretor do Instituto Doar, Marcelo Estraviz, iniciou sua fala dizendo ser um otimista, e ressaltou que os números absolutos mostram que, “ao redor de cada um de nós, há uma pessoa que doa”. Ao mesmo tempo, apontou a necessidade de criar uma cultura de pedir doações.

Surpresas no ranking

Os Estados Unidos recuperaram a liderança do ranking, posição que ocuparam em 2011, mas que haviam perdido para a Austrália no ano seguinte. Já os australianos caíram, em 2013, para o 7º lugar. Entre os 20 primeiros do índice há países de cultura de doação consolidada, como Canadá (2º), Nova Zelândia (também em 2º), Reino Unido (6º) e Holanda (8º). A surpresa fica por conta de nações como Mianmar (2º), Sri Lanka (10º), Líbia (14º) e Nigéria (20º). Em Mianmar, 85% dos entrevistados relataram ter feito doações no mês anterior à pesquisa, colocando o país no primeiro lugar para esse comportamento, à frente dos Estados Unidos.

Segundo Paula Fabiani, os dados mostram que “a riqueza de um país não necessariamente se traduz em solidariedade, pois Mianmar, por exemplo, é uma economia pequena, já a China é a segunda economia, mas não está entre os 20 primeiros”. De fato, apenas cinco países do G-20, grupo que reúne as maiores economias do planeta, estão entre os 20 primeiros.

Já o posicionamento da Líbia, segundo o relatório, reflete algo já percebido em pesquisas anteriores. O país se destacou no quesito a ajuda a pessoas estranhas (comportamento relatado por 72% dos entrevistados), repetindo um fenômeno observado em estudos anteriores: o auxílio a desconhecidos tende a aumentar em territórios pós-conflitos, como já ocorrera com Serra Leoa e Libéria.

O relatório também mostra o descolamento entre desempenho econômico e ação solidária ao apontar que os três componentes do índice registraram aumento de 2011 para 2012, enquanto a economia mundial retraiu-se no período.

Houve também o destaque no comportamento dos jovens entre 15 e 24 anos, faixa etária que, em 2008, menos participava de atividades voluntárias. Em 2013, ela passou para o segundo lugar nessa prática – atrás apenas daqueles com 35 a 49 anos. Mais ainda, com 20,6% de participação voluntária, foi a única faixa etária a superar seu pico de 2008. Todas as outras continuam abaixo da participação recorde daquele ano.

Para Weinfeld, isso salienta a necessidade de usar ferramentas tecnológicas para atrair a juventude ao terceiro setor. Paula, por sua vez, lembrou outro estudo da CAF sobre a importância de incentivar o altruísmo já na escola. Estraviz afirmou ter “esperança não em nós, mas nos jovens que têm outra forma de entender a ação social, mas que ainda não têm o dinheiro para doar”.

 

 

Investimento Social Privado Gesta Programas que se Tornam Políticas Públicas

Um dos mais destacados papéis do investimento social privado é servir de laboratório para projetos que tenham potencial de serem adotados por governos. “A consciência de corresponsabilidade pelo desenvolvimento tem levado a um número crescente de políticas públicas baseadas em experiências bem-sucedidas de organizações sociais, empresas, institutos e fundações privadas”, afirmam Helena Monteiro, Marcos Kisil e Márcia Kalvon Woods no livro “Tendências do investimento social privado na América Latina”, coeditado pelo IDIS. “Quando um projeto se transforma em política pública, ganha maior abrangência e, além de beneficiar mais pessoas, ajuda a disseminar ações de sucesso”, acrescentam os autores.

O Observatório de Favelas, do Rio de Janeiro, surgiu exatamente para desenvolver programas com possibilidade de aplicação ampla. Como diz a coordenadora de educação da entidade, Patrícia Santos, “um dos grandes objetivos é criar metodologias que fomentem políticas públicas”.

É o caso, por exemplo, do projeto Rede Universitários de Espaços Populares (Ruep), elaborado em 2003. A iniciativa era um programa de extensão voltado para estudantes do ensino superior oriundos de favelas e regiões periféricas, aproximando universidade e comunidades populares.

O Ruep começou na favela da Maré, sede do Observatório. Pouco depois de o Ministério da Educação criar a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), surgiu a oportunidade de uma parceria. O programa foi então renomeado, no final de 2004, como Conexões de Saberes, e passou a ser aplicado em cinco universidades federais: a Fluminense, a do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, de Pernambuco e do Pará.

Apesar de ter sido encampado pelo poder público, o programa continuou sendo acompanhado pelo Observatório. “Nós fazíamos o monitoramento do Conexões junto à Secadi, e havia uma coordenação composta pelo governo, por nós e por professores universitários”, afirma Patrícia.

A coordenadora de educação, no entanto, considera que foi apenas em 2008 que o programa tornou-se de fato uma política pública: “Até 2007, a adesão das universidades ocorria depois de um convite, mas, no ano seguinte, é publicado o primeiro edital do Conexões de Saberes”. Foi também em 2008 que o projeto fez uma parceria com a Secretaria de Educação Superior (Sesu), juntando-se ao Programa de Educação Tutorial (PET), que incentiva a extensão universitária, oferecendo, inclusive, bolsas aos participantes. O PET Conexões é voltado exclusivamente para alunos de baixa condição socioeconômica.

A partir de 2009, diz Patrícia, o Observatório se afastou do Conexões, na medida em que o governo federal o assume de vez como política pública. “Isso é natural, pois existem outras questões com as quais o Observatório tem de lidar e, além disso, há a autonomia universitária. Portanto, era lógico o afastamento.”

Outra ponta
A educação também foi o foco de um projeto do Instituto Ayrton Senna que se tornou política pública. Ao contrário do Conexões de Saberes – que trabalha com universitários –, o Acelera Brasil é voltado a estudantes do ensino fundamental – especificamente, aos que estudam numa série inadequada para a idade que têm.

“Um dos grandes problemas da rede pública é a distorção idade-série, que se torna um entrave para uma educação de qualidade”, diz a coordenadora de projetos do Instituto, Inês Miskalo, explicando a criação, em 1997, do primeiro programa em grande escala da organização. O objetivo é que, em um ano, o aluno com no mínimo dois anos de distorção cumpra todo o conteúdo das séries em defasagem, colocando-o de novo no período correto.

O próprio objetivo do projeto requer um trabalho muito próximo com o poder público. “É importante que os secretários de educação e a gestão pública se comprometam com algumas coisas, como o fornecimento de salas de aula e o comprometimento dos professores – até porque o programa não é do Instituto, mas da rede de ensino”, afirma Inês.

O Acelera Brasil começou em 15 municípios das cinco regiões do País. Já em 1998, os bons resultados do Acelera chamaram a atenção de outros municípios, que buscaram o Instituto. Em 1999, o governo de Goiás procurou a organização para aplicar o programa em toda a rede pública do estado. As administrações do Ceará, do Mato Grosso do Sul, de Pernambuco, do Piauí, do Rio Grande do Sul e do Sergipe igualmente adotaram o Acelera.

As relações entre o Instituto e as redes de ensino variam muito. Em Goiás, o governo estadual comprou o material didático, mas a metodologia e a formação foram fornecidas gratuitamente pela ONG (que tem seu orçamento financiado pela venda de produtos com a marca Ayrton Senna ou por doação de terceiros). Em outros casos, grandes empresas procuram o Instituto para bancar integralmente o Acelera em algum município.

A maior flexibilidade de um ente privado ajuda no funcionamento do programa, avalia Inês, pois é fundamental cumprir 160 dias de aula por ano para que o Acelera funcione, e isso, por vezes, esbarra em barreiras burocráticas que o Instituto consegue vencer. “Você vai fazer uma compra, por exemplo, de material didático e precisa ser via licitação, mas pode haver alguma demora nesse processo, comprometendo o programa. Então há a possibilidade de o Instituto fazer a compra”, declara.

Também ao contrário do que ocorreu com o Conexões de Saberes, a adoção como política pública não afasta o Instituto Ayrton Senna do Acelera Brasil – até porque um dos pilares do projeto é exatamente um sistema de dados mantido pela organização e alimentado pelos gestores públicos.

Outra diferença entre ambos é que, por lidar com um número muito maior de gestores públicos, o Instituto tem problemas de descontinuidade em alguns lugares. “No Brasil, ainda temos uma visão de política partidária, e não cidadã, e a troca de governos é um obstáculo por vezes intransponível”, constata Inês. No entanto, ela vê com otimismo o fato de o Acelera continuar mesmo em alguns casos nos quais a oposição assumiu o poder.

 

 

Forma Invovadora de Financiamento Renumera Investidor Pelo Sucesso de Projetos Social

Uma experiência em andamento no sistema prisional inglês está chamando a atenção para um tipo inovador de financiamento para projetos sociais: os social impact bonds (SIBs), ou títulos financeiros de impacto social. Nesse sistema, investidores privados aportam dinheiro para uma iniciativa e, se ela for comprovadamente bem-sucedida, o poder público devolve o montante, acrescido de um valor pré-contratado. Com isso, o setor privado financia inovações sociais, e o governo premia os prestadores do serviço por economizar recursos públicos decorrentes do sucesso do projeto.

Como noticiado pela revista inglesa The Economist, a pequena cidade de Peterborough, na Inglaterra, é o marco inicial dessa modalidade ainda incipiente. Em 2010, foi lançado um projeto com duração de seis anos que busca diminuir a reincidência criminal. Trata-se, basicamente, de um amplo programa de acompanhamento de ex-detentos sob o nome de One Service, financiado por investidores privados.

Caso o projeto atinja as metas de declínio da reincidência, os investidores receberão do governo retornos financeiros sobre os recursos aplicados. Mas por que pagar além do que foi gasto? A ideia é que, ao reduzir o número de pessoas que voltam para trás das grades, o projeto reduz também as despesas públicas com o sistema prisional.

Uma das vantagens desse modelo é fornecer financiamento de longo prazo para o projeto, dando tempo para os investidores buscarem as melhores formas de atingir suas metas. Como aponta a diretora-executiva do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), Célia Cruz, “a prisão vai ter liberdade para eleger as melhores ações e liberdade para escolher modelos inovadores”.

A estratégia requer, portanto, um perfil muito específico de financiador. “Os investidores de impacto social são geralmente mais pacientes, diferentes daqueles que esperam retornos de curto prazo”, afirma o professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Sérgio Lazzarini, que tem se dedicado ao estudo do tema.

Outro fator fundamental é fazer uma ótima avaliação de impacto ao longo do tempo, para saber se as mudanças de fato estão ocorrendo em decorrência do projeto. “Os ingleses são muito bons em usar grupos de controle, e, por isso, conseguem provar que o projeto funciona”, diz Célia.

Os resultados em Peterborough têm se mostrado bons o suficiente para fazer o Reino Unido planejar estender o One Service para outros lugares, o que levanta um questionamento da The Economist: se o programa de reabilitação for universalizado, qual prisão servirá de grupo de controle para avaliar resultados?

No Brasil
Os títulos financeiros de impacto social são tão novos que, segundo levantamento da empresa especializada Instiglio, há apenas seis iniciativas em andamento no mundo: quatro na Inglaterra, uma nos Estados Unidos e uma na Austrália. No Brasil, existem apenas alguns estudos preliminares. “O ICE já pesquisou um pouco o assunto, assim como o Insper”, aponta Célia. “A discussão ainda é muito incipiente por aqui”, concorda Lazzarini.

A implantação do modelo no Brasil enfrenta barreiras. “Um projeto como o de Peterborough, por exemplo, não poderia ser implantado por aqui, pois não temos uma base de dados unificada do sistema prisional”, diz Célia. Ainda assim, ela aponta que essa é uma pauta que teria apelo no País. “Não é uma causa fácil de investir, mas muitos empresários ligados ao ICE, por exemplo, têm interesse na questão da segurança pública”.

Outro ponto é a pouca cultura de medição de impacto social. “Tem de ter metodologia para avaliar os resultados, para provar o sucesso do projeto”, aponta Célia.

Esse problema está sendo abordado pelo Insper. “Nós estamos criando um centro para análise de impacto social, pois é preciso medir quanto da mudança está relacionada ao projeto, e não a outros fatores”, conta Lazzarini.

 

 

Maior Evento do 3º Setor na America Latina Reúne 15 Mil Pessoas e Tem Participação do Governo

A ONG Brasil firmou-se, em sua quinta edição, como o maior evento sobre responsabilidade social da América Latina. Cerca de 500 expositores e 15 mil visitantes foram ao Expo Center Norte, em São Paulo, entre 28 e 30 de novembro. A exposição contou com mais de 100 palestras e participação intensa do governo federal, representado pela Secretaria-Geral da Presidência da República, que ocupou um dos maiores estandes e promoveu debates diariamente.

“Este é o segundo ano em que o governo federal participa do evento, e é a Secretaria-Geral quem apoia a presidenta no relacionamento com entidades da sociedade civil”, afirmou a assessora especial da Pasta, Lais de Figueiredo Lopes, no primeiro dia do evento, durante a palestra “As parcerias entre o Estado e organizações da sociedade civil e o marco regulatório”. O debate tratou da norma que está sendo elaborada para regulamentar as relações entre entes estatais e entidades sociais. “A sociedade civil propôs o diálogo em 2010, a presidenta Dilma Roussef se comprometeu e o ministro-chefe, Gilberto Carvalho, desenvolveu uma agenda”, contou Lais.

Entre os exemplos de diálogo do governo federal com a sociedade civil, a assessora especial chegou a citar a iniciativa do IDIS, que está desenvolvendo uma proposta de regulamentação específica para fundos patrimoniais no Brasil, com o objetivo de aprimorar a sustentabilidade do setor.

A diversidade dos debatedores nos seminários organizados pela Secretaria-Geral reforça o objetivo de dialogar com diversos setores: participaram representantes de ministérios, do terceiro setor (como Vera Masagão, diretora da Abong) e da área acadêmica (como o pesquisador Félix Lopes, do Ipea). Em seu estande, o órgão estatal também promoveu conversas sobre temas de interesse da área.

Primeira palestra

A primeira atividade da feira, no entanto, não contou com a presença do governo federal. O foco da palestra “Happy returns: Por que boas causas são bons negócios”, organizada pela Humanitare Foundation, foi justamente iniciativas sociais que passam por soluções de mercado. A fala de Joris Van Wijk, diretor da UBM Brasil – organizadora do evento, subsidiária de umas das maiores multinacionais de mídia de negócios –, resumiu bem o tom do resto do debate: “Boas causas são bons negócios, e juntos podemos mais”.

Na mesma linha, a jornalista Patrícia Trudes, coordenadora-executiva do Prêmio Folha Empreendedor Social, queixou-se da visão de que filantropos têm de ser pessoas “abnegadas”. “No Brasil, ainda se separa fazer o bem de fazer dinheiro, persiste a ideia de que filantropia não pode gerar lucros.”

Sheila Pimentel, da Humanitare Foundation – entidade que promove as ações da ONU com a sociedade civil –, também ressaltou a importância de mudar a mentalidade do setor social privado em relação ao lucro: “Antes, o terceiro setor tinha vergonha de falar em dinheiro, e o que a Humanitare quer é ajudar projetos a se bancarem empresarialmente”.

Soluções sociais que passam pelo mercado estão sendo discutidas até no Fórum de Davos, tradicionalmente associado apenas a discussões econômicas. O diretor global de cidadania corporativa da consultoria KPMG, Michael Hastings, citou inclusive um documento produzido no último encontro na cidade suíça. “Nas Metas do Milênio, da ONU, não havia empresas, mas agora elas são centrais para a discussão de desenvolvimento econômico, social e ambiental”, declarou Hastings.

Não poderiam faltar na mesa, portanto, exemplos de projetos sociais lucrativos. O cônsul honorário do Brasil na Áustria, Lothar Wolff, citou o caso de uma empresa austríaca que produz biogás com lixo orgânico e que está fazendo um projeto-piloto em dez churrascarias de Curitiba. O projeto tem não só apelo ambiental como impacto na alimentação, pois, como explicou Wolff, o “biogás costuma ser produzido com plantações que tomam áreas de cultura de alimentos”.

Outro exemplo foi o marketing relacionado à causa. A presidente do Banco de Alimentos, Luciana Quintão, falou do projeto de sua organização com a Tramontina – parte do dinheiro obtido com a venda de produtos exclusivos é destinada à entidade social. “É uma cultura nova no Brasil. É preciso procurar empresas, convencer de que é bom, quebrar uma série de barreiras”, defendeu.

 

 

IDIS Lança Documentário Sobre Investimento Social Privado

No próximo dia 05, quinta-feira, às 9h30, acontece no Itaú Cultural, em São Paulo, o lançamento do documentário “Investimento Social Privado – O Presente é o Futuro”. A produção conta com a participação rica e mobilizadora de 14 figuras emblemáticas do setor filantrópico no Brasil e busca estimular a ampliação e consolidação do investimento social privado no País.

Com direção do jornalista Albino Castro, que tem passagens pela TV Cultura, SBT, TV Gazeta, jornal O Globo e revista Veja, o documentário tem duração de 33 minutos e contou com o patrocínio da Alupar, Cemig e Lojas Renner, através da Lei de Incentivo à Cultura. A Fundação José de Paiva Netto colaborou com a produção e captura de imagens.

Como a ideia é ajudar a divulgar a relevância do investimento social privado brasileiro, a distribuição será ampla. “Além de estar gratuitamente disponível na internet, serão distribuídas no mínimo 500 cópias para organizações, bibliotecas e escolas de todo o País”, diz João Paulo Vergueiro, gerente de comunicação do IDIS.

 

Interessados em realizar o lançamento do documentário do IDIS em sua cidade, podem entrar em contato conosco pelo e-mail comunicacao@idis.org.br.

Serviço:

Lançamento Oficial: INVESTIMENTO SOCIAL PRIVADO – O PRESENTE É O FUTURO
Data: 5 de dezembro, quinta-feira
Horário: 9h30
Local: Itaú Cultural [Av. Paulista, 149 – São Paulo – SP]
VAGAS LIMITADAS: Garanta seu ingresso cadastrando-se aqui.
Outras informações: comunicação@idis.org.br ou (11)3037.8212.

 

 

Empresas Falam Muito de Responsabilidade Social Empresarial, Mas Practicam Pouco, Aponta ONU

Uma pesquisa das Nações Unidas feita com 1.712 empresas de 113 países concluiu que o setor privado fala muito sobre políticas de responsabilidade social, mas ainda está atrasado quando se trata de aplicar o discurso à realidade.

Relatório Global de Sustentabilidade Empresarial 2013 foi organizado pelo Pacto Global, iniciativa da ONU que estimula companhias do mundo todo a aderir voluntariamente a dez princípios relacionados a direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate à corrupção.

O documento apresenta uma série de dados para sustentar sua principal conclusão. Pelo lado do discurso, 65% das empresas afirmaram que seus CEOs – o nível mais alto de direção – desenvolvem ou acompanham políticas socialmente sustentáveis, o que demonstraria forte comprometimento com a questão. No entanto, apenas 35% dos gerentes recebem treinamento para integrar a sustentabilidade às estratégias e operações das empresas, o que demonstra baixo nível de ação.

Da mesma forma, 90% afirmaram que seus conselhos de administração discutem ou atuam com a sustentabilidade social, mas apenas 8% relataram que esses grupos oferecem remuneração extra relacionada à performance na área socioambiental.

O relatório considera que as definições de políticas devem mesmo ocorrer na cúpula das empresas, que, de fato, estão se interessando e discutindo cada vez mais a sustentabilidade social corporativa. A ação – dividida em implementação, comunicação e medição de impacto –, no entanto, depende de um maior comprometimento dos colaboradores e dos recursos, o que os dados mostram não estar acontecendo.

A análise da atuação nos temas específicos do Pacto Global reforça a conclusão. Sete em cada dez empresas têm políticas anticorrupção, mas apenas três em cada dez criaram canais para receber denúncias anônimas. Do mesmo modo, 72% incluíram os direitos humanos em suas diretrizes, mas apenas 37% criaram mecanismos para reclamações relacionadas ao tema.

O trabalho de sustentabilidade com fornecedores das empresas também continua mais no discurso do que na prática. Entre os pesquisados, 57% disseram incluir o tema em seus contratos de fornecimento. No entanto, apenas 18% ajudam seus fornecedores a estabelecer e aplicar metas de responsabilidade social.

O relatório, no entanto, não adota um tom pessimista em relação a esses resultados. “Muitas empresas estão criando políticas que definem metas e requisitos de sustentabilidade, isso é um passo importante, na medida em que as políticas servem como uma declaração formal de intenções e estabelecem as bases para futuras ações de sustentabilidade.”

Fatores de influência
O relatório destaca que os princípios do Pacto Global são aplicáveis tanto para pequenas quanto para grandes empresas (com mais de 5 mil empregados), mas há uma distância “enorme” na atuação delas em quase todos as frentes analisadas.

O fosso entre discurso e prática existe em organizações de tamanhos diversos, mas é menor entre as grandes empresas: 58% possuem mecanismos para receber reclamações sobre direitos humanos, proporção que cai para 28% entre as pequenas. Entre as primeiras, 48% fazem avaliação de riscos de corrupção, enquanto apenas 15% das pequenas fazem a mesma coisa.

Ainda assim, o estudo destaca que os negócios de menor porte têm conseguido incrementar suas atividades de sustentabilidade social ao longo do tempo, aproximando-se de seus “colegas” maiores. O relatório destaca avanços principalmente em temas como direitos humanos e meio ambiente.

O tempo de comprometimento com o Pacto Global também influencia. Segundo a pesquisa, quanto mais recente o compromisso com a iniciativa da ONU, pior é o resultado da empresa. Isso fica claro na análise sobre a “turma de 2009”. Até 2012, as empresas que aderiram ao pacto naquele ano avançaram significativamente em todos os princípios. As políticas anticorrupção, por exemplo, aumentaram 24% no período; as medidas para incentivar a sustentabilidade na cadeia de fornecedores, 20% – mesmo aumento para a criação de sistemas de manejo ambiental.

Temas
Dentre os princípios preconizados pelo Pacto Global, os que mais recebem atenção das empresas são os relacionados a trabalho e meio ambiente. Entre os respondentes, 69% afirmaram ter políticas definidas para o primeiro tema, e 63% para o segundo. Já os direitos humanos e ações anticorrupção tiveram ações definidas, respectivamente, por 51% e 50% dos pesquisados.

Para o relatório, a proeminência dos temas trabalhistas e de direitos humanos se deve a “forças externas”: há décadas as empresas lidam com regulações governamentais em torno desses temas, o que levou à formação de equipes dedicadas apenas a lidar com esses assuntos.

A pesquisa, no entanto, aponta que direitos humanos e combate à corrupção deverão ganhar mais prioridade à medida em que esses assuntos vão sendo percebidos como fundamentais para o sucesso das empresas. “Para se manterem competitivas, um número cada vez maior de companhias vai ter de colocar mais ênfase em todos os aspectos da sustentabilidade”, conclui o relatório.

 

 

Falta de Cultura de Doação e de Estrutura Dificulta Investimento Social de Micro e Pequenas Empresas

A cada 100 empresas brasileiras, 99 são micro ou pequenas (MPEs) – ou seja, faturam até R$ 3,6 milhões ao ano, segundo dados do Sebrae. A participação desse grupo no investimento social, porém, é quase nula. Isso ocorre em razão tanto da falta de cultura de doação quanto da ausência de uma estrutura para esse tipo de prática, avalia o professor Marcelo Aidar, coordenador-adjunto do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP).

“Essas empresas mal dão conta de atender a seus requisitos sociais, como estar de acordo com a legislação ambiental e trabalhista, quanto mais tratar de questões que extrapolam a própria missão delas”, constata. Além disso, “elas não enxergam oportunidades de utilizar o apoio a causas sociais como meio de alavancar seus negócios”.

A visão do professor da FGV é compartilhada pelo secretário-geral do Grupo de Instituto, Fundações e Empresas (Gife), André Degenszajn. “As micro e pequenas empresas não têm um investimento tal que justifique a criação de um corpo profissional para isso”. Para Degenszajn, há, também, no Brasil, a “ideia cultural de que o Estado precisa assumir as funções sociais, de que isso é responsabilidade dele”.

O resultado é que o investimento em causas sociais por micro e pequenos empresários, quando existe, é quase sempre irrelevante. “Fica tudo com cara de doação, mais assistencialista. Não tem uma coisa maior, mais estruturada, mais permanente, como uma prática de gestão”, constata Aidar. “A tendência são atividades mais pontuais. Valores menores levam a menor continuidade de ações e maior dificuldade de construir investimento social mais estratégico”, complementa Degenszajn.

A união faz a força
“Eu, particularmente, não acredito que é necessário ser grande ou ter muito dinheiro para fazer isso”, afirma Aidar. A questão, portanto, é como potencializar os recursos que as micro e pequenas empresas talvez tenham para investir socialmente. A resposta pode estar na união de forças. “As fundações comunitárias são criadas para desenvolver determinada região e têm apoio principalmente de organizações locais, de micro e pequenas empresas, de indivíduos e até do poder público local” explica Degenszajn.

Trata-se, portanto, de uma estratégia que busca unir as poucas forças de diversos atores. As fundações comunitárias “recebem aporte de diversas fontes, conseguem desenvolver prioridades, estratégias de ação e são um tipo de investimento que faz sentido como canal e estratégia para micro e pequenas empresas”, afirma o secretário-geral do Gife.

O impacto desse tipo de ação, segundo Degenszajn, é maior do que pegar todos estes recursos e dispersá-los de forma não estratégica. “É um caminho interessante para pensar investimentos de micro e pequenas empresas, para tentar lidar com os desafios da regularidade, de algo não tão pontual, que é uma das principais dificuldades quando investidores privados decidem atuar na área social.”

Esse é, contudo, um tipo de organização ainda muito pouco estruturada no Brasil, embora bastante comum na Europa e nos Estados Unidos. Um dos poucos exemplos é o Instituto Comunitário Grande Florianópolis (ICom), que mobiliza investidores sociais da região.

Incentivar a cultura
Para Aidar, o desenvolvimento do investimento social das micro e pequenas empresas passa pela educação dos empresários. “Precisa haver uma capacitação para que entendam que investir em causas sociais significa também cuidar da marca, cria valor para seu produto”, diz o professor da FGV. Ele percebe, por exemplo, uma nova mentalidade naqueles que se dedicam a criar os chamados negócios sociais, que buscam suprir algum tipo de demanda social ao mesmo tempo em que geram lucros.

Para Degenszajn, “começa a se consolidar a máxima da Rio 92 de que não existe empresa bem-sucedida em sociedade falida”, o que leva a uma demanda por mais ações sociais por parte dos empresários. O secretário-geral do Gife admite que a tendência é mais forte entre as grandes empresas, mas lembra que as micro e pequenas também têm de cuidar dos impactos negativos que geram.

Até por isso, Aidar afirma que “o negócio não pode mais ser visto de maneira isolada, pois vai ser mais bem-sucedido se pensar em seu entorno”.

 

 

Oraganização Social Mineira Redireciona Atuação e Mostra Importância do Planejamento Estratégico

Para ampliar as chances de atingir seus objetivos, uma organização social precisa de planejamento estratégico. Ainda que essa proposição pareça óbvia, poucas entidades traçam esse tipo de plano quando começam a atuar, e depois de anos de existência, é ainda mais raro lançarem mão desse recurso. Mas foi exatamente isso o que fez a Associação Ortópolis Barroso (AOB), criada há nove anos no município mineiro de Barroso.

“Com o planejamento, ficou mais claro o nosso papel na comunidade, e a Associação, que atuava mais como executora de projetos, reforçou sua postura de articuladora dos diversos atores do município”, afirma a gerente executiva da AOB, Regina Couto.

“O planejamento é uma revisão de estratégias e ajuda a dar norte em um contexto de diversas possibilidades”, diz Adriana Deróbio, gerente de projetos do IDIS, que foi contratado pelo Instituto Holcim, principal financiador da AOB, para assessorar  na redefinição  da sua estratégia de atuação em Barroso.

Inicialmente, segundo Adriana, a Associação tinha uma atuação pulverizada. Em encontros realizados em 2012, envolvendo diversos representantes da comunidade, foram definidos cinco eixos de atuação: meio ambiente; fortalecimento institucional; trabalho e geração renda; cultura, esporte e lazer e influência em políticas públicas.

Parte dos eixos inclui temas antes já abordados, como aqueles ligados a meio ambiente e geração de trabalho e renda. A mudança foi, principalmente, na forma de atuação. “A Associação deixa de ser apenas mais um agente colocando projetos em funcionamento no município para ser também o articulador de outras iniciativas, fazendo o link entre outros atores, olhando o contexto e unindo forças”, comenta Adriana.

A Associação Ortópolis Barroso até já se autoatribuía a missão de também funcionar como articuladora, mas, como diz Regina, isso ficara apenas no papel. Assumir essa linha de ação, no entanto, não significa que a entidade vá deixar de tocar projetos próprios. No momento, por exemplo, a AOB desenvolve o Observatório Social de Barroso, um levantamento coletivo de diversos indicadores municipais. Com os dados, a organização pretende ajudar Barroso a implementar um Plano de Desenvolvimento Participativo, com o envolvimento de diversos atores municipais.

Fortalecimento
A AOB nasceu do Projeto Ortópolis, criado há dez anos pelo Instituto Holcim e baseado em  uma proposta inovadora com o objetivo de buscar alternativas para o desenvolvimento sustentável do município. Dado o grande desafio, surgiu um importante eixo de fortalecimento institucional, para conferir à Associação maior autonomia, ampliação das fontes de recursos e organização de papéis internos.

O processo de fortalecimento inclui um foco na sustentabilidade da Associação. “Esse é o primeiro ano em que a Ortópolis está fazendo captação própria, de forma estruturada e estratégica”, ressalta Adriana. A diversificação de fontes de financiamento estava no horizonte do planejamento estratégico, tanto que a AOB tem metas graduais de aumentar a captação de recursos, para reduzir a dependência em relação à Holcim. “Em 2013, nossa meta foi de arrecadar 30% do orçamento com outras fontes, proporção que deve crescer nos próximos anos”, afirma Regina.

Para saber mais sobre investimento social comunitário e o trabalho desenvolvido pelo IDIS, escreva para comunicacao@idis.org.br.

Investimento Social Desenvolve Não Só Quem Recebe, Mas Também Quem Faz

O investimento social privado (ISP) tem efeitos não só sobre os beneficiários de suas ações, mas também sobre aqueles que praticam a filantropia. Essa foi uma das conclusões a que chegaram os participantes do Encontro de Investidores Sociais de Santa Catarina, organizado pelo IDIS e pelo Instituto Comunitário Grande Florianópolis (ICom) em 6 de novembro, na capital catarinense. O evento foi o último das três reuniões regionais com investidores sociais programadas para 2013 – os anteriores aconteceram em Minas Gerais e Pernambuco.

“O foco do Encontro foi o investimento social privado como garantidor da liberdade do indivíduo e de sua possibilidade de autorrealização”, afirmou o gerente executivo do ICom, Anderson Giovani, em entrevista depois do evento. Ele participou da mesa “Impacto do ISP: mudando a vida das pessoas”, que também contou com a presença do gerente geral de programas da Fundação Amazonas Sustentável, Leandro Pinheiro, e foi moderada pela professora da Universidade do Estado de Santa Catarina, Paula Schommer.

Giovani também destacou a importância que o evento deu ao outro lado do investimento social privado: o daqueles que o praticam. “Falou-se do investimento social privado para além da técnica, pois ficamos sabendo também como os investidores se sentem como membros da comunidade em que atuam.”

O Encontro trouxe pessoas que “entendem que não é só doar, é preciso também se ver no outro”, disse o gerente de comunicação do IDIS, João Paulo Vergueiro. Ele citou, como exemplo, a fala do presidente da construtora Pedra Branca, Valério Gomes Neto: “É uma pessoa que se reconhece não só como empresário, mas também como investidor social comprometido.”

Gomes Neto participou da mesa “Impacto do ISP: desenvolvendo a economia”. Esteve ao lado do diretor financeiro do Instituto Vilson Groh, Leo Mauro Xavier Filho, moderada pela presidente do conselho deliberativo do ICom, Lucia Dellagnelo.

Vergueiro mencionou também a última mesa, “Diálogos do bem: motivação para fazer a diferença”, que trouxe Alice Kuerten (Instituto Guga Kuerten) e o Padre Vilson Groh. “Eles mostraram que existem pessoas que saem da lógica do investimento financeiro e investem algo ainda mais caro, que é a própria vida”, ressaltou Giovani.

Investimento comunitário
O Encontro acabou discutindo profundamente o investimento comunitário. Para Vergueiro, a existência do ICom fez com que em Florianópolis exista um “entendimento já mais estabelecido de o que é investimento social e comunitário, permitindo um debate mais profundo quanto às ações”.

Esse foi o foco, inclusive, da mesa “Impacto do ISP: fortalecendo comunidades”, que reuniu Lucia Dellagnelo e o cientista social , atualmente consultor da Agência de Desenvolvimento Ecos da Mata, Marcelo Dino Fraccaro, em conversa mediada por Marcos Kisil, diretor-presidente do IDIS. “No investimento comunitário, a comunidade lida com questões pertinentes a ela mesma, e o investimento social privado tem a oportunidade de testar novas formas de melhorar a vida das pessoas”.

O Encontro de Investidores Sociais de Santa Catarina contou com a parceria institucional da Charities Aid Foundation (CAF) e apoio financeiro da Rockefeller Foundation. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Grupo de Líderes Empresariais (LIDE) de Santa Catarina também foram parceiros do evento.

Caso você tenha interesse em nos ajudar a levar o Encontro para a sua região em 2014, entre em contato pelo e-mail comunicacao@idis.org.br.

 

 

Conversa é a Melhor Maneira de Incentivar Filantropia Entre Jovens, Aponta Pesquisa

Conversar com as crianças e os jovens é a melhor forma de engajá-los em um comportamento filantrópico, concluiu o estudo Women Give 2013, realizado pela Lilly Family School of Philanthropy, da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. Segundo a pesquisa, o diálogo é até mais eficiente do que os pais praticarem filantropia e servirem de modelo para os filhos.

relatório baseia-se num acompanhamento de 903 pessoas nos Estados Unidos, nascidas entre 1980 e 2000 (a geração chamada deMillenials), com idade média de 15,7 anos – à época em que foram entrevistadas. As conversas aconteceram em dois momentos diferentes: entre 2002 e 2003 e entre 2007 e 2008.

Uma das conclusões do levantamento é que, mantendo iguais os outros fatores, há uma forte correlação entre a conversa dos pais sobre filantropia e o engajamento dos filhos: 0,765 (quanto mais próximo de 1, maior a correlação). Quando a questão não é discutida em casa, o número cai para 0,640. O comportamento filantrópico dos pais não afeta as probabilidades.

Women Give 2013 detectou ainda que a conversa funciona tanto com filhos quanto com filhas e independe do perfil racial, da idade e da renda dos entrevistados. Ou seja, falar sobre o tema funciona sempre como o melhor incentivo.

Ao que parece, os pais já perceberam. As respostas às questões sobre comportamento filantrópico mostram que 87% dos jovens conversaram sobre ação social com seus responsáveis, nos dois períodos pesquisados. Mais uma vez, há homogeneidade entre as diversas classes sociais: 87% dos jovens de famílias de alta renda afirmaram ter falado sobre o tema com os pais, a mesma porcentagem verificada entre os de renda mais baixa e muito parecida com a dos entrevistados de renda média (89%).

Comportamento
O estudo analisou ainda o comportamento dos entrevistados em relação a atitudes filantrópicas, e os resultados foram positivos. Segundo os dados, 9 em cada 10 jovens dos Estados Unidos doaram para projetos sociais. Mais ainda: esse é um comportamento recorrente: 55% dos entrevistados afirmam ter doado tanto entre 2002 e 2003 quanto entre 2007 e 2008.

A prática é comum nos dois gêneros: entre os garotos, 87% disseram ter doado ao menos uma vez no período pesquisado, proporção semelhante ao de garotas (88%). Os números também foram bem homogêneos em relação às diversas faixas de renda. Entre os entrevistados de alta renda, 90% disseram ter feito doações nos períodos pesquisados, apenas um pouco mais que os de renda baixa (87%) e média (86%).

Por todos esses dados, o estudo traz uma conclusão bem otimista: “Os resultados significativos do Women Give 2013 demonstram ótima perspectiva para o futuro da filantropia”.

Embora no Brasil não haja estudos semelhantes, os números do Women Give 2013 oferecem boas indicativas de como as organizações sociais podem – e devem – estruturar suas estratégicas de captação de recursos. Por isso, é um importante instrumento para a filantropia e o investimento social também no nosso país.

Para conhecer mais sobre o estudo, acesse o relatório na íntegra (em inglês) aqui.

 

 

Plataforma Virtual Incentiva Transparência e Fortalece Organizações de Sociedade Civil

Dois dos principais desafios das organizações da sociedade civil (OSCs) no País são comunicar-se bem e mostrar-se idônea num ambiente com muitos escândalos envolvendo repasses suspeitos de dinheiro público ao Terceiro Setor. Para enfrentar essas dificuldades, 30 entidades de Santa Catarina, apoiadas pelo Instituto Comunitário Grande Florianópolis (ICom), criaram uma plataforma virtual em que as organizações inserem inúmeros dados sobre suas atividades e sua estrutura e o sistema gera automaticamente um relatório de atividades consolidado.

Trata-se do Portal Transparência, lançado em 2010. Seu objetivo é justamente facilitar a comunicação entre as OSCs e a sociedade e estimular as ONGs a aplicarem a si mesmas um rigoroso processo de transparência pública, aprimorando sua gestão.

“Havia uma questão: como mostrar que eram diferentes de outras organizações e que faziam um bom trabalho?”, lembra a coordenadora de projetos do ICom, Renata Pereira Machado, ao falar sobre as motivações da iniciativa.

A resposta não veio facilmente. Foi ainda no Fortalecer, projeto do ICom  para fortalecimento institucional das organizações, que o portal começou a ser gestado. Depois, as entidades passaram 2009 discutindo os parâmetros de funcionamento da plataforma. “Consultamos outros portais e fizemos oficinas para criar os indicadores do site”, conta Renata.

Os indicadores são coletados a partir de uma extensa lista de perguntas a que as organizações devem responder. Dividem-se em quatro eixos: identidade, gestão, resultados e parcerias. “A ideia é que as organizações repensem sua estrutura e atuação enquanto respondem ao questionário. Ele faz com que elas voltem a seus estatutos, levantem seus resultados e mobilizem vários setores internos, como diretoria e coordenadores de projetos”, explica a representante do ICom.

Quem passa pelo trabalhoso processo de inscrição ganha não só um importante instrumento de comunicação, mas também de gestão. Pela plataforma, as organizações conseguem gerar um relatório completo de atividades, inclusive com gráficos e tabelas que facilitam a visualização dos dados.

“Algumas OSCs adotaram o documento do portal como sua publicação oficial, e elas entregam os relatórios para possíveis investidores quando vão buscar recursos”, diz Renata. O site serve, assim, para criar o chamado relatório de atividades consolidado, documento exigido, por exemplo, em inscrições para prêmios ou para prestação de contas em algumas instâncias públicas.

Não é toda entidade que se dispõe a (ou que tem condições de) passar por todas as etapas. Há cerca de 200 organizações que já têm login e senha na plataforma, mas não publicaram suas informações. “Nem todas conseguem levantar dados com facilidade. A rapidez do processo depende muito da estrutura interna da entidade”, constata Renata.

Uma avaliação de impacto realizada pela Fundação Itaú Social apontou que o projeto, de fato, faz diferença. “O estudo mostrou que as organizações que participam têm maior clareza de identidade, melhores processos de governança e gestão e maior quantidade de parceiros”, declara a coordenadora do ICom.

Nacionalização
O Portal Transparência concentrou-se, nos seus dois primeiros anos, em entidades da grande Florianópolis. Isso aconteceu em parte porque o ICom, cuja sede fica na região, faz visitas in loco às organizações inscritas, para ajudá-las a se adequar aos parâmetros da plataforma. Depois desse período, foi iniciado um processo de nacionalização da iniciativa.

Se a distância impossibilita as visitas, a rede virtual apareceu como solução. “Nós criamos um curso à distância com a Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), voltado para gestores de ONGs, e que tem como linha mestra os quatro eixos abordados pelo portal”, explica Renata. Além de abordar conceitos teóricos do setor, o trabalho prático é inscrever a OSC na plataforma.

O resultado é que hoje há 70 organizações cadastradas no Portal Transparência. Por participarem da plataforma, recebem o selo “Compromisso com a Transparência”. Renata ressalta que isso não significa que o ICom certifique os participantes, até porque eles são inteiramente responsáveis pelas informações que prestam. O importante é, na verdade, as OSCs terem assumido voluntariamente um compromisso de se mostrarem claramente à sociedade.

Para saber mais, visite o Portal Transparência.

Senso moral e identificação com causas

O que motiva as pessoas a doar? Foi esta pergunta que norteou a “Why we Give” (Por que doamos), mais recente pesquisa da Charities Aid Foundation (CAF), organização britânica voltada ao incentivo à doação em vários países e parceira do IDIS no Brasil. Fatores como valores pessoais e comprometimento com alguma causa aparecem no topo, mas a religião também tem lugar de destaque entre os moradores do Reino Unido.

O estudo, entrevistou 722 pessoas, e incluiu também outros temas relacionados ao investimento social privado no país. O levantamento faz parte de uma campanha maior da CAF (#whywegive) para incentivar as pessoas a compartilhar suas experiências de doação nas mídias sociais.

Na sondagem, as motivações pessoais mostraram-se os principais fatores de incentivo à doação: 97% dos entrevistados mencionaram valores pessoais, 96% citaram seu senso de moralidade ou ética e 75%, a crença em alguma causa em particular. A religião aparece em seguida, com 71%. A intenção de deixar um legado positivo serve de motivo para apenas 38%.

O estudo cita o caso de uma entrevistada, a aposentada Amy Bright, que separa 10% de sua renda – o tradicional dízimo – para sua igreja e instituições sociais cristãs. “Nossa doação é baseada na crença de que tudo o que temos pertence a Deus e que devemos retribuir tanto à Igreja quanto a quem necessita”, disse a aposentada na pesquisa.

O dízimo religioso, por sinal, parece corroborar outro resultado do estudo. Na média, os entrevistados afirmam que os mais ricos deveriam doar 15% de sua renda. Porém, analisando os dados sob a ótica de outras medições estatísticas (moda e mediana), tem-se 10% para ambas. “Isto é um alinhamento com os 10% encorajados por grupos religiosos”, afirma o relatório.

A importância da fé, segundo o documento, é confirmada por uma pesquisa anual da CAF, “que mostra que doações ligadas a religiões e crenças têm atraído a maior média de recursos doados nos últimos três anos”.

O levantamento também questionou os entrevistados sobre o que eles pensam do investimento social privado, e 61% responderam que é fundamental que os mais ricos falem sobre suas doações para ajudar a incrementar esse comportamento no Reino Unido. O resultado deu força à campanha da CAF para que as pessoas falem mais sobre seus investimentos sociais.

Além disso, o estudo identificou um comportamento aparentemente paradoxal. Apesar de 79% dos entrevistados acreditarem que as organizações da sociedade civil têm problemas financeiros, somente 40% afirmaram que vão aumentar suas doações no próximo ano. Segundo o relatório, “isto pode estar ligado a uma falta de confiança na economia do Reino Unido”.

Arrecadar mais

Como captar recursos em um ambiente como esse? Outros resultados da pesquisa indicam alguns caminhos. A maioria (72%) afirma que só doaria para organizações que demonstrassem seu impacto de maneira clara. Questionados sobre como as entidades poderiam aumentar sua arrecadação, 81% dos entrevistados citaram a demonstração do impacto das ações como um fator decisivo. Já 78% cobraram das empresas que elas apoiem mais as ONGs.

A educação também apareceu como um dos fatores capazes de elevar os recursos doados: 62% disseram que “uma cooperação crescente entre escolas e organizações da sociedade civil provavelmente aumentaria as doações” ao incutir nas crianças um comportamento solidário. Outro trabalho da CAF, “Growing up giving”, havia apontado a importância do sistema educacional no encorajamento de um comportamento filantrópico.

Questões tributárias também são importantes. Mais de três quartos dos entrevistados (77%) avaliam que, se os doadores conhecessem melhor os incentivos fiscais existentes, as doações provavelmente cresceriam. Ao mesmo tempo, 76% deles dizem que novos incentivos seriam bem-vindos.

Semelhanças com Brasil

A religião é um fator importante para doadores não só no Reino Unido, mas também no Brasil. Segundo estudo do IDIS e da Ipsos Public Affairs, as instituições religiosas aparecem como as mais beneficiadas pelos doadores brasileiros: 30% dos entrevistados disseram doar para igrejas, porcentagem semelhante àquela dos que disseram doar para pedintes de rua. Apenas 14% dos entrevistados disseram doar para organizações não governamentais.

A grande maioria dos brasileiros (84%) desconhece os mecanismos nacionais de doações dedutíveis do Imposto de Renda. Se os britânicos estiverem certos ao acreditarem que um maior conhecimento sobre incentivos fiscais poderia aumentar o volume de doações, esse é um bom caminho para as entidades do Brasil.

Setor privado é fundamental para alcance de metas sociais, diz Pnud

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) são um conjunto de oito metas socioeconômicas que os países da ONU se comprometeram a atingir até 2015. Envolvem temas-chave como redução da pobreza, igualdade entre os sexos e universalização do ensino básico. Desde o momento em que foram firmados, há quase 15 anos, ganharam a adesão de boa parte do setor privado. E o Brasil tem tido um importante papel na articulação das empresas em torno das metas.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) – responsável capitanear a promoção dos ODM –, na assinatura da Declaração do Milênio, em 2000, já estava claro que não seria possível alcançar os Objetivos sem a participação da iniciativa privada.

No Brasil e em outros países, essa participação às vezes se dá em parcerias diretas entre órgãos da ONU e as empresas. No caso brasileiro, o Projeto ODM 2015, por exemplo, foi criado em 2011 e conta com recursos de empresas como Petrobras, Furnas e Banco do Brasil. A finalidade é municipalizar os Objetivos de Milênio, como forma de torná-los mais efetivos.

O projeto é alinhado com uma avaliação do Pnud de que, na média, o Brasil avançou nos Objetivos do Milênio, mas persistem desigualdades significativas. Por exemplo, os objetivos 5 (redução da mortalidade materna) e 7 (que inclui acesso a saneamento básico e água) apresentam resultados bastante diversos entre as regiões.

Outro tipo de parceria é a Aliança para o Desenvolvimento Local, firmada pelo Pnud e pela Fundação Vale, braço social da mineradora brasileira. A ideia é promover o desenvolvimento de municípios afetados pela indústria extrativista, e suas ações se concentram no Pará e no Maranhão.

Depois das metas

O papel fundamental do setor privado nos Objetivos do Milênio é tão reconhecido pela ONU que, no mesmo ano 2000 em que as metas foram traçadas, as Nações Unidas lançaram o Pacto Global, que busca envolver as corporações em torno de dez princípios relacionados a direitos humanos, trabalho, meio ambiente e combate a corrupção.

O Pacto Global é composto por redes nacionais, e o Brasil tem a quarta maior do mundo, com mais de 600 membros. Até por isso, o Pnud considera que o país é um grande influenciador das outras. Essa influência é especialmente relevante pelo fato de que é por meio do Pacto Global que o setor privado está participando da construção da agenda pós-2015, quando vencerem os Objetivos do Milênio.

A rede brasileira teve importância destacada, segundo o Pnud, no último encontro de líderes do Pacto Global, em setembro de 2013, em Nova York. Durante a conferência, foi lançada a iniciativa Arquitetos de um Mundo Melhor, que, nas palavras do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, foi projetada para “conduzir e ampliar ações corporativas que, diretamente, possam fazer os objetivos das Nações Unidas avançarem”.

A relação entre as empresas e a ONU só deve aumentar no cenário pós-2015, quando será elaborada uma nova agenda de prioridades. O tema ganhou fôlego durante a Rio+20, em 2012 e, segundo o Pnud, o setor privado surge como ator e parceiro indispensável na construção do novo paradigma de desenvolvimento sustentável, que contemple, simultaneamente, aspectos econômicos, sociais e ambientais.

Estudos tentam desvendar estímulos cerebrais ligados à doação

A oxitocina é um hormônio considerado fundamental para a criação de laços familiares, como as relações maternais e maritais. Mas também está por trás de atos de doação, a ponto de se poder dizer que doar é como participar de uma “família sintética”.

É isso que mostra o professor de finanças da Texas Tech University, Russell James 3º, no texto “Brain studies and donor decision making: what do we know”, publicado na edição de inverno do periódico Advancing Philantropy, da Association of Fundraising Professionais (a associação norte-americana, canadense e mexicana de captadores de recursos, semelhante à tupiniquim ABCR).

O autor faz, no texto, um apanhado de várias pesquisas neurológicas que tentam explicar atos de caridade. Cita um estudo que usou injeções de oxitocina para mostrar que os mecanismos cerebrais por trás das conexões familiares são os mesmos ligados a atos de doação.

James 3º também menciona pesquisas segundo as quais o toque humano, seguido de um presente, aumenta a presença do oxitocina, também levando a uma maior propensão à doação. Não por acaso, apertos de mão, abraços e prêmios para doadores são técnicas muito usadas em eventos de arrecadação, sugere o texto.

“De uma perspectiva neural”, compara James 3º, “a doação é menos parecida com uma transação comercial e mais semelhante a compartilhar um jantar em família”. Ele ainda sugere: “O entendimento das relações entre um doador e uma organização como uma ‘família sintética’ pode indicar estratégias de captação”.

Nas doações via legado, ou seja, deixadas em testamento, imagens do cérebro feitas por ressonância magnética funcional indicam que o critério de escolha da organização beneficiada não costuma ser a eficiência, mas sim o quanto ela está relacionada com a história de vida do doador. Segundo o professor, esse tipo de ato é “como escrever o capítulo final de sua biografia”.

Outros estudos com imagens cerebrais apontam, no entanto, que deixar os recursos para amigos e familiares ativa mais fortemente áreas do cérebro relacionadas a memórias e emoções do que doar em testamento para organizações. Consequentemente, este último tipo é mais raro. James 3º vê nisso outra oportunidade de captação de recursos.

“Quando uma entidade consegue ligar sua causa a algum amigo ou familiar do doador, há um aumento substancial na possibilidade de receber uma doação via legado”, escreve. Pessoas com casos de câncer na família, por exemplo, seriam mais suscetíveis a deixar recursos para organizações que lidem com esse tema.

Outras descobertas

A primeira pesquisa a usar técnicas de análise cerebral para explicar comportamentos donativos foi publicada no Brasil em 2006, segundo James 3º, e mostrou que a decisão de doar ativava áreas de “recompensa” do cérebro. Mais ainda, indicou similaridades neurológicas entre os atos de dar e de receber dinheiro. “Da perspectiva da felicidade neural instantânea, doar pode ser na verdade uma grande aquisição para o doador”, afirma James, referindo-se ao prazer gerado pelo ato.

Um trabalho do Instituto de Tecnologia da Califórnia sugeriu que, embora o sentimento de realização seja o mesmo, tal sensação tem origens diferentes em cada caso. A doação ativa duas partes do cérebro: uma usada quando se toma a perspectiva de um terceiro pessoa, e a outra relacionada à capacidade de empatia. De certa forma, isso explicaria, segundo o autor, um efeito chamado de “vítima identificável”. “As pessoas tendem consistentemente a doar para beneficiar uma só e identificável vítima do que para milhares de pessoas.”

Há indícios, ainda, de que a doação mobiliza partes do cérebro relacionadas a ligações e reconhecimentos sociais. Até por isso, cientistas japoneses mostraram que os indivíduos sentem-se mais recompensados quando doam publicamente. “A caridade pode ser recompensadora, mas é mais ainda quando outras pessoas percebem o que você está fazendo”, resume James 3º.

Por fim, o professor afirma, após sintetizar uma série de pesquisas, que as novas técnicas de análises cerebrais podem ajudar arrecadadores de recursos. “Em vez de remover a ‘arte’ da captação de recursos, os achados científicos parecem reforçar a importância do lado mais humano das nossas interações”, diz James 3º, que conclui: “No fim, a ciência cerebral parece nos mostrar que a arrecadação é, acima de tudo, uma questão do coração”.

Doação de Legado Ainda Engatinha no Brasil

Mesmo trágica, a morte ainda dá uma última oportunidade de fazer o bem: o legado – parte da herança que pode ser destinada, por meio de testamento, da forma que o indivíduo achar melhor. A prática de deixar os recursos para alguma organização da sociedade civil (OSCs) é comum em alguns países desenvolvidos, mas pouco difundida por aqui.

“Na Inglaterra, tem crescido a captação de recursos por meio do legado, já no Brasil não existem muitas experiências”, disse o gestor de captação de recursos da ActionAid, Bruno Benjamim, durante a palestra “Captação de recursos via legado: é possível?”. O debate foi organizado pela ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos durante a ONG Brasil, evento de responsabilidade social que aconteceu na Expo Center Norte, em São Paulo, entre 28 e 30 de novembro.

Apenas em 2011, a doação via legado chegou a £ 1,1 bilhão no Reino Unido, segundo a Charities Aid Foundation (CAF). A própria ActionAid, entidade britânica de combate à pobreza presente em várias nações, capta parte de seus recursos dessa maneira, segundo Benjamim. E não só na Inglaterra, mas também na Itália, Holanda e Austrália. “No Brasil, já fomos procurados por dois doadores, mas não sabemos como agir, estamos consultando nosso corpo jurídico”, disse Benjamim.

A questão no Brasil ainda é anterior ao financiamento pelo legado. “A grande dificuldade das OSCs é conseguir doadores”, afirmou o especialista em arrecadação de recursos e fundador do Instituto Doar, Marcelo Estraviz. Ele apresentou uma pirâmide de como se constrói a relação com doadores: começa com doações esporádicas e tem, no topo, a doação do legado.

O tempo, portanto, é um fator fundamental para que uma pessoa deixe a uma OSC parte de sua herança. “Depois de uma relação de cinco, dez anos, começa a se falar de legado”, disse Estraviz: “Na Espanha, assim como no Brasil, não existe uma cultura de escrever testamentos, mas eles estão fazendo campanhas para que as pessoas escrevam e deixem legados”.

Outro fator que atrai doações de herança, principalmente na área da saúde, é o envolvimento pessoal com a causa. Isso, segundo Benjamim, é o que justifica a organização britânica Cancer Research UK ter recebido, em 2011, legados num valor total de £ 148,9 milhões (mais de 500 milhões de reais). No mesmo ano, outra instituição da área de saúde também levantou cifras milionárias com legado: o British Heart Foundation recebeu £ 54,9 milhões (190 milhões de reais) . “As pessoas que doam têm alguma relação familiar com a causa, por isso, saúde leva muito”, apontou.

Toda essa fortuna, no entanto, não vem de uma postura passiva dessas organizações. “A Cancer Research UK gastou £ 7 milhões (R$ 25 mi) em campanhas”, ressaltou o representante da ActionAid.

O Brasil, com 165 mil milionários, segundo a Forbes, tem grande potencial para crescer na arrecadação de legados, na avaliação de Benjamim. Muitas Santas Casas no país receberam, durante sua história, patrimônios deixados por pessoas no testamento – o que mostra o padrão de doar para a área de saúde também tem força por aqui.

A legislação brasileira permite que se deixe para a posteridade 50% da herança – a outra metade tem de ser, obrigatoriamente, distribuída para os herdeiros que a lei determina (geralmente, filhos e cônjuges).

 

 

A Democracia e a Participação Como Resultado Da Mobilização Social

“A criação de uma cultura e uma ética democráticas requer a mobilização social, entendida como a convocação livre de vontades”. É com este pensamento que o filósofo colombiano José Bernardo Toro e a especialista em análise econômica, Nísia Werneck, introduzem o livro Mobilização Social – Um Modo de Construir a Democracia e a Participação.

A obra, publicada em 1996, discute o uso da mobilização social como estratégia para a construção do projeto ético já proposto na Constituição Federal do Brasil: a soberania, cidadania e a dignidade baseada nos valores pressupostos pelos direitos humanos.

O objetivo é sugerir e comentar, em pouco menos de 100 páginas, critérios e formas de conceber, planejar e executar esse tipo de convocação pública. O conteúdo, fundamentado na experiência da Fundación Social da Colômbia, divide-se em três partes:

Parte I: apresenta os conceitos básicos de mobilização social e debate o contexto ético de sua inserção e os princípios democráticos.

Parte II: ensina a estruturar e planejar uma mobilização, desde elencar os atores envolvidos à definição das estratégias e dos modelos de comunicação a serem utilizados.

Parte III: traz aspectos que o mobilizador precisa levar em conta de colocar o processo em prática, como preparação de materiais, momentos de convocação, resolução de dificuldades, sistematização e registro, entre outros.

O livro está disponível tanto para a venda quanto também pode ser baixado na íntegra no site da agência de mobilização social Aracati, de Fortaleza. A organização social procura contribuir para o desenvolvimento de uma cultura de participação juvenil no Brasil.