O ‘S’ do ESG brasileiro não irá evoluir sem dialogar com a sociedade civil organizada

Por Renato Rebelo, diretor de Projetos do IDIS

Nota-se nesse assunto uma certa dificuldade de tornar materiais ações e medidas para que o ‘social’ se fortaleça na cultura de empresas e seja, enfim, perene na sociedade. Conheça uma possível solução

A B3 (Bolsa de Valores no Brasil) anunciou no ano passado que passaria a ter novas regras para o seu Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). As mudanças do ranking partiram principalmente de uma pressão por parte de investidores para que as empresas avaliadas passassem a estar cada vez mais atentas a ações “ESG” (em português, ações “ambientais, sociais e de governança”).

Outra novidade, foi que a B3 passou a publicar abertamente as notas das organizações participantes do índice. E assim aconteceu no final de janeiro deste ano, quando a bolsa divulgou a lista completa com notas gerais e por dimensões – capital humano; governança corporativa e alta gestão; modelo de negócio e inovação; capital social e meio ambiente – das 73 empresas avaliadas.

Entre as 10 primeiras colocadas, a dimensão com menor média de avaliação foi a de capital humano, que averigua questões como diversidade e direitos trabalhistas por exemplo; seguido pelo índice de capital social, responsável por tópicos como investimento social privado e relações com a comunidade. Ambos representando, não apenas, mas essencialmente o “S” dentro de “ESG”.

Nota-se nesse assunto uma certa dificuldade de tornar materiais ações e medidas para que o “S” se fortaleça na cultura de empresas e seja, enfim, perene na sociedade. Uma pesquisa da BNP Paribas (ESG Global 2021) revelou que 51% dos investidores consultados consideraram o “S” o mais difícil de analisar e incorporar às estratégias de investimento. Outra análise, feita pela Global Reporting Initiative (GRI) em parceria com o Deutsche Bank, mostra que apenas 14% das classificações “sociais” compiladas pela GRI são direcionadas a investidores. Em contraste, 97% das classificações ambientais e 80% das classificações de governança têm investidores como seu público principal.

O que as empresas brasileiras deveriam fazer, então, para evoluir na pauta social em suas práticas ESG?

A resposta não é simples, e tampouco é única. Entre os caminhos, há na agenda ESG uma grande oportunidade para repensar a maneira como as empresas dialogam, planejam e alocam o seu investimento social levando em conta sua capacidade de promover transformações sociais atreladas ao alinhamento com o negócio.

O que acontece é que nem sempre as empresas possuem em suas políticas os recursos necessários para lidar com pautas do “S”. E quando elas não suprem lacunas como essa – e o governo também não, é ali onde estão atuantes as organizações da sociedade civil (OSCs). Neste contexto, as empresas devem envolver mais as OSCs em suas iniciativas e, mais do que isso, aprender com elas. Devem colaborar para o desenvolvimento de projetos, manutenção das instituições e criar linhas de investimento direto, uma vez que as OSCs podem ter mais influência e capacidade de execução e transformação junto aos beneficiários do que as empresas.

Por exemplo, no Brasil vemos com nitidez que nos momentos mais difíceis os problemas se concentram nas populações mais vulneráveis, seja na precariedade do sistema ou na falta de trabalho e renda. Ao mesmo tempo, são também nesses atores onde encontramos as chaves para as soluções. Lição disso são as mobilizações gigantescas conduzidas por líderes comunitários em momentos emergenciais, como as realizadas pela CUFA (Central Única de Favelas) que garantem desde necessidades básicas como alimento até fomento ao empreendedorismo nas favelas em todo o país.

Esse é um ponto que não pode mais ser invisível. O Censo GIFE 2020 registrou, inclusive, um crescimento de 11 pontos percentuais na quantidade de investidores sociais focados no ‘fortalecimento da sociedade civil’ em relação ao levantamento de 2018. Ao invés de criar projetos novos e internos à empresa, por que não fortalecer e amadurecer cada vez mais organizações que já estão há anos trabalhando e pensando nessas mais variadas questões?

Este artigo foi publicado originalmente pelo Valor Econômico no dia 02/05.

Brasil, um país cada vez mais voluntário

Por Luisa Gerbase de Lima, Gerente de Comunicação no IDIS

Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 traz cenário positivo
e aponta caminhos para evolução por meio da participação de empresas

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 traz excelentes notícias. Em apenas duas décadas, o número de pessoas que já praticou alguma atividade voluntária em algum momento de sua vida mais que triplicou, passando de 18% para 56% da população. O número de voluntários ativos também é notável – mais de um terço da população (34%). Em outras palavras, são 57 milhões de brasileiros e brasileiras que doaram, em 2021, seu tempo, talento e energia em prol de uma causa em que acreditam e fizeram a diferença na vida dos beneficiados pela ação. E por que fazem? A grande motivação foi a solidariedade, indicada por 74% dos voluntários.

Vibramos com os números, mas não podemos dizer que são surpreendentes – vão ao encontro de achados de outras pesquisas que mostram o fortalecimento da Cultura de Doação e do voluntariado. No World Giving Index 2021, estudo global da britânica Charities Aid Foundation (CAF), promovido pelo IDIS, o Brasil ficou em 54º lugar entre 114 nações. Este ranking de solidariedade contempla atitudes como doação de dinheiro, ajuda a estranhos e voluntariado e, em termos absolutos, subimos 14 posições em relação a 2018 e 20 posições em comparação à média dos 10 anos anteriores.

Outro levantamento, a Pesquisa Doação Brasil 2020, realizada pelo IDIS e com foco em doação individual de dinheiro a causas, mostra que, apesar da queda nos índices de doação, há uma tendência de amadurecimento da sociedade – mais de 80% dos entrevistados concordam que o ato de doar faz diferença e, entre os não doadores, essa concordância atinge 75%. O conceito de que a doação faz bem para o doador também cresceu significativamente entre 2015 e 2020, de 81% para 91% da população, atingindo uma maioria quase absoluta. Mais um aspecto positivo é que está perdendo força a ideia de que o doador não deve falar que faz doações. Em 2015, a afirmação contava com a concordância de 84% da população e, em 2020, o percentual caiu para 69%. Este é um ponto especialmente importante porque o falar sobre doações estimula sua prática, traz inspiração, esclarece temores e desperta o interesse em outras pessoas.

É neste contexto que o voluntariado se desenvolve no Brasil e nota-se que, apesar de a pandemia e o isolamento social terem abalado estruturas, exigindo rápidas readequações, fomos capazes de enfrentar estes desafios – 47% dos voluntários passaram a se dedicar mais, e 21% começaram a fazer atividades voluntárias online como apoio psicológico e ações ligadas à educação.

Tais avanços não são, de forma alguma, espontâneos. São fruto de trabalho e investimento de inúmeras organizações e indivíduos. Estudos e pesquisas geraram dados e reflexões; a prática nos permitiu aprender com as experiências exitosas e, também, com os erros; o aprimoramento do ambiente regulatório trouxe bases mais sólidas e a tecnologia nos permitiu ultrapassar barreiras e contribuiu para conectarmos pessoas e saberes.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 traz um retrato de onde estamos, indica pontos de atenção e possíveis caminhos para seguirmos evoluindo. Manter o crescimento do número de voluntários é sempre desejável, mas o grande desafio é transformar essa tendência em uma prática rotineira – temos 34% de brasileiros voluntários atualmente, mas apenas cerca um terço deles fazem isso regularmente, com frequência definida. A resposta para essa transformação está em um outro número – apenas 15% dos voluntários dizem participar de programas empresariais, indicativo de potencial enorme que pode ser explorado.

Quando unimos o investimento social corporativo com os anseios individuais, encontramos um campo fértil para ações solidárias de empresas junto ao seu público interno e aí moram os programas de voluntariado corporativo. Os resultados possíveis dessa união são muitos, indo além do impacto social gerado e da criação de uma rotina de atuação. Melhoria do clima organizacional, aumento do sentimento de pertencimento, oportunidade de desenvolvimento de competências, fortalecimento de laços entre colaboradores, aprofundamento do relacionamento com a comunidade da empresa, contribuição à estratégia de impacto e investimento social privado corporativo, atração de talentos e contribuição à reputação da marca junto a outros stakeholders são alguns dos benefícios de ações solidárias envolvendo os colaboradores. Tais programas integram também a agenda ESG (sigla para Environmental, Social and Governance, no português, Ambiental, Social e Governança), cada vez mais considerada nas tomadas de decisão de investidores. Ao promover programas de voluntariado corporativo, todos ganham.

A generosidade no mundo aumentou, em especial nas economias com pessoas em situação de maior vulnerabilidade. Este movimento de cuidar do próximo e realizar doações, seja de tempo ou de recursos, precisa continuar para enfrentarmos os efeitos perversos da pandemia e acelerar a melhoria do bem-estar de quem mais precisa. Estamos indo na direção certa e vamos avançar.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 foi elaborada e coordenada por Silvia Naccache, com apoio dos consultores Kelly Alves do Carmo e Felipe Pimenta de Souza. Sua viabilização teve o suporte de organizações que acreditam na importância do avanço do voluntariado no Brasil e participam dessa rede de apoiadores, Ambev, Bradesco, Fundação Itaú Social, Fundação Telefônica Vivo, Raízen, Sabesp, Sicoob e Suzano. IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – e Instituto Datafolha assinam a realização.

Acesse os resultados completos da pesquisa

Legisladores, é hora de fomentar os fundos patrimoniais no Brasil!

Apesar de positiva e inovadora, a Lei dos Fundos Patrimoniais (nº 13.800/19) foi aprovada com vetos em relação a incentivos fiscais aos doadores de endowments (fundos patrimoniais) e não tratou dos aspectos tributários das organizações gestoras de fundos patrimoniais. O Projeto de Lei 158/2017, em tramitação na Comissão de Educação do Senado Federal, propõe mudar esse cenário.

A sua aprovação fomenta que fundos patrimoniais de instituições apoiadas, públicas ou privadas sem fins lucrativos, avancem na atração de recursos e na sustentabilidade financeira para realizar seus programas, projetos ou iniciativas em prol de causas de interesse público. O projeto propõe incentivos para todas as causas, ampliando o entendimento da atual legislação, que traz incentivos apenas para a área da cultura.

Harvard, Yale, Oxford e Cambridge, por exemplo, são apenas algumas universidades internacionais que possuem fundos patrimoniais já consolidados. Também conhecido como endowments, estas estruturas perpetuam grande quantidade de recursos para uma determinada causa, dado que somente os rendimentos são utilizados. Essa é uma estratégia de financiamento adotada por estas instituições para garantir recursos no longo prazo para pesquisa científica, bolsas de estudos, investimentos em inovação e outros.

No Brasil, Unicamp, Unesp e USP são algumas das instituições de ensino que também adotaram este modelo recentemente. O mesmo movimento é visto para beneficiar outros campos, como saúde ou direitos humanos, e também é uma alternativa para famílias de alta renda que desejam deixar um legado.

Como se sabe, os incentivos fiscais são importantes mecanismos para fomentar práticas e induzir comportamentos que possam gerar benefícios à coletividade, seja para a implementação de uma política pública, desenvolvimento de um setor ou de uma região. Estudos econômicos demonstram que a propensão a doar aumenta com os incentivos fiscais. Tendo em vista o contexto brasileiro envolvendo as doações às organizações da sociedade civil e a existência de uma cultura de doação ainda em desenvolvimento, deve-se priorizar a ampliação do uso de incentivos fiscais pelos doadores, como meio para o necessário financiamento de ações em prol da coletividade[1]. No PL 158/17, que está sendo avaliado pela Comissão de Educação do Senado Federal, prevê-se a ampliação do acesso a incentivos fiscais já presentes no ordenamento jurídico e subutilizados para fundos patrimoniais.

Estados Unidos, Inglaterra e Índia são países onde encontramos incentivos fiscais para doadores que contribuem com os endowments. Tal experiência internacional comprova que a existência de fundos patrimoniais aliado à concessão de incentivos fiscais aos doadores cria um ambiente fértil para o desenvolvimento destes fundos, além de estimular a cultura de doação dentro de um país. Não é à toa que no exterior existem endowments centenários e bilionários em sociedades que colhem frutos bem diferentes dos nossos, em especial nas áreas do ensino, da pesquisa e do desenvolvimento.

Esse estímulo é ainda mais necessário no contexto brasileiro. Segundo dados da Pesquisa Doação Brasil, houve redução no montante total das doações. Em 2015, o valor total doado por indivíduos foi de R$ 13,7 bilhões, o que correspondia a 0,23% do PIB. Esse percentual à época era três vezes maior no Reino Unido (0,73% do PIB) e sete vezes maior nos Estados Unidos (1,67% do PIB) segundo a pesquisa “Sustentabilidade econômica das Organizações da Sociedade Civil: Desafios do ambiente jurídico brasileiro atual”[2]. Em 2020, as doações feitas por brasileiros somaram R$ 10,3 bilhões, equivalentes a 0,14% do PIB brasileiro deste ano, aumentando ainda mais essa discrepância, evidenciando a necessidade de haver incentivos que estimulem a cultura de doação no Brasil.

Os fundos patrimoniais são regulados pela Lei nº 13.800/2019, que sofreu vetos nos dispositivos relacionados aos incentivos fiscais para os doadores. São instrumentos inovadores e promissores para atração de recursos privados de longo prazo, a serem destinados a inúmeras causas de interesse público, e para impactar positivamente a vida de milhares de pessoas. Após 4 anos tramitando no Senado, chegou a hora de aprovarmos o PL 158/17 e fomentar a cultura de doação do país.

 

Flavia Regina de Souza, sócia do Mattos Filho Advogados

Paula Fabiani, CEO do IDIS

Priscila Pasqualin, sócia do PLKC Advogados

[1] Amaro, Luciano da Silva. Direito Tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 43.

[2] PANNUZIO, Eduardo. Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil: Desafios do ambiente jurídico brasileiro atual. São Paulo: GIFE: FGV Direito SP

Este artigo foi publicado originalmente por Migalhas 

Mais que doador, cidadão

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS, e Andréa Wolffenbüttel,  e consultora associada do IDIS

O exercício da democracia educa. Ainda que o processo seja lento e possa gerar erros graves, ele é inexorável. Após mais de trinta anos de regime democrático, os brasileiros já percebem que fazem parte dos problemas nacionais e, além disso, que são responsáveis também pela busca por soluções.

Os dados apresentados na Pesquisa Doação Brasil 2020, realizada pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – não deixam dúvidas: 84% dos brasileiros acreditam que as pessoas comuns têm algum grau de responsabilidade pela solução dos problemas sociais e ambientais do país, enquanto há cinco anos, essa proporção era de 61%. O salto foi ainda maior quando se trata da responsabilidade das organizações da sociedade civil (OSCs). Em 2015, somente 27% dos brasileiros esperavam das OSCs soluções para os problemas socioambientais, em 2020, essa parcela cresceu para 86%.

Ver a si próprio e à sociedade civil organizada como capazes de transformar a realidade é uma das principais características definidoras de uma democracia. E apesar de todas as crises, ameaças e dificuldades, esse espírito está amadurecendo no coração do Brasil.

Outros resultados da pesquisa reforçam a conclusão. Setenta por cento da população diz entender o papel das organizações do Terceiro Setor na sociedade e 79% reconhece que elas dependem da colaboração de pessoas e empresas para funcionar. Como consequência, 83% acreditam que doar faz diferença. E o mais curioso é que 75% daqueles que não têm o hábito de doar também concordam. O que leva a crer que eles têm essa postura por outras razões, não por falta de fé no poder da doação para organizações sociais.

As motivações para doar apresentaram, também, um forte caráter de cidadania. Setenta e nove por cento doadores disseram que o fazem porque acreditam que todos devem participar da solução problemas dos sociais. Chama a atenção que, ao analisarmos o recorte por renda, constatamos que essa motivação é mais importante justamente para a faixa mais pobre dos doadores, aqueles que recebem até dois salários mínimos por mês. O mesmo padrão se repete quando a motivação é “porque sinto que posso fazer a diferença ao doar”.

Ao mesmo tempo, os números indicam que a capacidade de doação entre os mais vulneráveis caiu em quase um quarto entre 2015 e 2020. A longa crise econômica e social que o País atravessa transformou muitos doadores em dependentes de doação. Entretanto, durante esse período, as camadas de alta renda compreenderam que precisavam tomar alguma atitude e, no sentido inverso, passaram a doar mais do que faziam há cinco anos.

No último 30 de novembro celebramos o Dia de Doar, ou Giving Tuesday, como é chamado em vários países. É um movimento global para encorajar a generosidade e a solidariedade, e conectar pessoas com causas. E este movimento nunca teve tantos adeptos no setor privado e público no Brasil.

Estamos diante de um processo de tomada de consciência sobre o papel e o poder do cidadão na sociedade, que está acontecendo de forma abrangente, em todas as faixas de renda. Nos faz ter esperanças de que o fantasma do assistencialismo, esteja, por fim, sendo substituído pela força da compreensão de que todos, juntos, somos aptos a contribuir para a solução dos problemas.

Artigo também publicado pela Folha de São Paulo, acesse.  

Dilema empresarial: como medir o impacto de projetos socioambientais?

Mais do que nunca, empresas não são apenas o negócio que entregam, mas o impacto que geram. A pandemia escancarou mazelas, acelerou mudanças e elevou a exigência de comprometimento das marcas a um novo patamar. Mas, para isso, não basta abraçar a agenda ESG (sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e de governança) sem critério ou direção clara. Para garantir a eficácia das contribuições voluntárias que as empresas fazem sob a forma de projetos, é essencial medir com precisão os resultados das ações– e avaliar, com lupa, o retorno gerado.

Esse é um dos grandes desafios das empresas que investem em projetos socioambientais voluntários (também conhecido como investimento social privado): como mensurar a eficácia do investimento? Como garantir o maior índice de assertividade desses projetos, de forma a materializar os benefícios gerados e avaliar sua performance?

Não há dúvida que o desempenho dos projetos e os impactos associados são geralmente subjetivos e difíceis de mensurar. Mas, se no início do movimento de responsabilidade social e ambiental no Brasil, tudo era “mato”, com uma grande dose de improviso justificada pela “boa vontade” e “benevolência” das empresas, atualmente não há mais espaço para amadorismo ou “tentativa e erro”. Isso porque todo investimento precisa gerar valor, caso contrário, estaria destruindo valor e destruição de valor não é positivo para ninguém, nem para o acionista, nem para a sociedade.

 

Nova metodologia elimina subjetividade

A Petrobras é exemplo disso. Passamos a avaliar nossos investimentos voluntários do Programa Petrobras Socioambiental utilizando a metodologia SROI (Social Return on Investment) – e sua variante de Análise Custo-Benefício (ACB). Ela converte em valores monetários a transformação ambiental, social e econômica decorrente da implementação dos projetos.

Dessa forma, o retorno social do investimento passa a ser quantificado monetariamente conforme o impacto percebido pelas partes interessadas. Sendo assim, o SROI informa exatamente qual foi o resultado do projeto, quais os principais beneficiados e como esse benefício ocorreu.

Até o momento, avaliamos, por essa metodologia, onze projetos que integram o Programa Petrobras Socioambiental. Os estudos demonstraram que, para cada 1 real investido, são gerados em média R$ 4,70 em forma de benefícios para o meio ambiente e a sociedade, como renda, conservação de ecossistemas costeiros e marinhos, desenvolvimento profissional e recuperação de áreas de florestas, entre outros.

Ou seja: o valor que investimos em projetos socioambientais tem potencial de se multiplicar por quase cinco vezes quando são dimensionados seus resultados. Somando os onze projetos já avaliados, os cálculos mostram um retorno socioambiental de mais de R$ 220 milhões, considerando os valores investidos pela companhia. Um resultado expressivo que comprova, portanto, a eficácia dos investimentos.

Entre os resultados apurados, estão o reflorestamento de 100 hectares no bioma da Mata Atlântica (Projeto Guapiaçu); a garantia da segurança alimentar de 464 crianças e familiares (Centro de Esporte e Educação); a ampliação da consciência ambiental de 40.423 pessoas (Coral Vivo); a melhoria da performance escolar de 471 crianças e adolescentes (Unicirco) e o acesso assegurado ao processo de ensino-aprendizagem para 502 crianças e jovens (Maré Unida), entre diversos outros indicadores de impacto. O uso da metodologia permite identificar ainda oportunidades de melhorias no planejamento das ações, na condução e na avaliação dos resultados.

Muito além do simples valor monetário, o SROI mede resultados sociais, ambientais e econômicos dos projetos. Dessa forma, aponta se a empresa está na direção correta e serve de bússola para eventuais ajustes de rota, mostrando, por exemplo, quais esforços geram mais ou menos impacto, quais públicos o projeto melhor alcança e para quais o projeto ainda precisa se adaptar. Como se não bastasse, ainda dá suporte à tomada de decisões estratégicas, a partir de dados qualitativos, quantitativos e financeiros, sem margem para deduções ou subjetividades.

*O artigo é de Rafaela Guedes Monteiro, gerente executiva de Responsabilidade Social da Petrobras, originalmente publicado no LinkedIn

 

Avaliação de Impacto SROIQuer saber mais sobre esse tema? Confira nossas publicações, vídeos e eventos sobre o tema, clicando aqui.

 

 

ESG e o “S” brasileiro: quais os pontos que mais necessitam de atenção

A pauta ESG (sigla para Environmental, Social and Governance, no português, Ambiental, Social e Governança) ganha a cada ano mais espaço entre investidores e empresas. Mas o que vem sendo mensurado de fato? Com detalhes da pauta ainda em definição pelo mundo, estudos apontam uma falta de padrões consistentes, principalmente sociais. O “S” é, inclusive, apontado como o mais difícil de se analisar e incorporar a estratégias corporativas, isto de acordo com 51% dos investidores entrevistados pelo BNP Paribas – um dos maiores bancos da Europa.

No caso brasileiro, a pauta ESG vem sendo absorvida absorvida por investidores, reguladores e empresas, a partir do modelo dos Estados Unidos e países europeus. Entretanto, para que o movimento seja efetivo é necessário estabelecer uma visão do “S” que considere as especificidades e prioridades do nosso país. Nesta Nota Técnica, elaborada por Renato Rebelo, diretor de Projetos do IDIS, apresentamos dados e conceitos refletindo o que mais necessita de atenção quando pensamos em pautas sociais em ESG.

Para acessar a nota completa basta acessar abaixo ou clicar aqui.

Desafios da colaboração entre empreendedores sociais

Agenda comum, liderança e diálogo são pontos fundamentais para ONGs e negócios sociais ajudarem a atingir objetivos da ONU

 

Vivemos em uma sociedade desigual e que coloca em risco a sobrevivência dos seres que aqui habitam. Precisamos repensar o consumo e nossas relações humanas e organizacionais.

Este anseio pode ser endereçado se trabalharmos pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), movimento liderado pela ONU para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e garantir que as pessoas desfrutem de paz e de prosperidade.

Mas precisamos atuar já e juntos, para que esses objetivos sejam atingidos em 2030, e não em 2093, como se projeta se continuarmos a agir da mesma maneira.

Em um momento em que desafios foram acentuados pela pandemia, a polarização e crise de confiança nas instituições dificultam a união em torno de agendas prioritárias. Por isso, a colaboração se torna ainda mais vital.

Para promover a colaboração e catalisar condições para acelerar a implantação dos ODS, surge o movimento Catalyst 2030 no mundo, que conta com um capítulo brasileiro.

O movimento acredita que um caminho promissor é a colaboração entre empreendedores sociais, ou seja, líderes de ONGs e negócios de impacto.

Contudo, apesar do alinhamento de propósito para a geração de impactos socioambientais destes líderes, é preciso reconhecer alguns desafios que devem ser superados para que a colaboração potencialize os atributos de diferentes visões em projetos conjuntos.

ONGs e negócios de impacto podem apresentar ritmos, repertórios e competências diversas. Desta forma, as capacidades operacionais precisam ser compreendidas em suas especificidades, e as prioridades bem estruturadas. Diferenças metodológicas e processuais precisam ser equalizadas no processo colaborativo.

Neste tipo de arranjo, há que se observar ainda a governança da colaboração, evitando conflitos de interlocução, e as diferentes abordagens comunicacionais, cuidando para que o projeto tenha uma voz própria que represente, de forma colaborativa, o conjunto das iniciativas realizadoras.

E, por fim, o desafio do financiamento, comum a quaisquer empreendedores sociais, pode se tornar uma oportunidade de ampliação das possibilidades, uma vez que ONGs e negócios sociais podem acessar uma maior diversidade de fontes.

Somente unindo forças nesse momento de reconstrução do mundo e das organizações é que podemos encontrar uma saída para que consigamos atingir os ODS em colaboração.

A implementação dos ODS alinhados com a estratégia não somente nos fortalece para resolvermos os problemas socioambientais mais rapidamente no mundo, mas também intensifica a relação entre todos os setores através da comunicação de uma linguagem comum e global.

Também promove inovação no desenvolvimento de soluções socioambientais, favorece a atração de novos talentos comprometidos com a causa e de investimentos a longo prazo.

Na prática, estabelecer agendas de colaboração entre ONGs e negócios de impacto para promover impacto coordenado e sustentável depende de uma visão ampla sobre pontos de atenção que não podem ser deixados de lado.

AGENDA COMUM

É fundamental que haja clareza sobre as ODS que busca atingir, e a estratégia que será utilizada em torno disso se aproveitando das fortalezas de cada iniciativa envolvida. Muitas vezes, uma boa discussão sobre o plano de trabalho antecipa problemas em momentos futuros.

LIDERANÇA E COLABORAÇÃO

A governança da colaboração precisa estar alinhada e estruturada: a interlocução deve ser única e o fluxo interno de conhecimento deve escoar na direção correta, evitando uma descentralização que prejudique o resultado.

Os times devem ter claras as maneiras de interagir entre si, e o ritmo de trabalho deve respeitar as limitações e possibilidades de todos os envolvidos.

ESCUTA E DIÁLOGO

Nada mais importante em processos de colaboração do que a oportunidade de se aprender com experiências diversas. ONGs e negócios de impacto trazem repertórios complementares que, unidos, podem gerar soluções poderosas –e nesse contexto, a escuta e a troca se tornam ferramentas poderosas para o sucesso da colaboração.

 

Por Larissa Gurjão (SIB Impact), Paula Brandão (Baluarte Cultura), Paula Fabiani (IDIS) e Rodrigo Pipponzi (MOL)

Este artigo foi publicado originalmente pela Folha de São Paulo.

Fundos patrimoniais: desafios e benefícios da Lei 13.800/19

A Lei nº. 13.800, de 4 de janeiro de 2019, estabeleceu a regulamentação para a criação de fundos patrimoniais (endowments) no país. Algumas instituições públicas e privadas foram precursoras na estruturação de seus fundos patrimoniais filantrópicos, sendo que a maioria delas contou (ou está contando) com o apoio do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) nesse processo. Assim, nesse espaço compartilhamos os aprendizados desses meses desde a aprovação da Lei, com o objetivo de ajudar grantmakers e investidores sociais que ainda buscam compreender as oportunidades e desafios de criarem seus próprios fundos patrimoniais.

 

Os fundos patrimoniais (ou endowments) são um caminho para a sustentabilidade de longo prazo de organizações sem fins lucrativos e universidades. São estruturas destinadas a realizar a gestão de um conjunto de ativos formado por doações filantrópicas, cuja aplicação financeira gera recursos para apoiar causas de interesse público, como a educação, a saúde, a cultura e o meio ambiente. Para garantir a perpetuidade, objetivo da maioria dos fundos patrimoniais ao redor do mundo, sua estrutura deve prever a preservação do valor principal, composto pelas doações recebidas. Assim, somente o rendimento real (descontada a inflação) resultante do investimento deste conjunto de doações poderá ser utilizado, garantindo o objetivo de perpetuidade do fundo.

 

Os endowments podem ser criados em benefício de uma instituição, como o Harvard Endowment (um dos maiores e mais conhecidos fundos patrimoniais universitários do mundo), ou em favor de uma causa social específica como o da Rockefeller Foundation (que destina seus recursos para o bem-estar social e populações vulneráveis). A forma de constituição e regras de funcionamento dos endowments variam de acordo com a legislação de cada país, mas em todo o mundo são instituídos como entidades sem fins lucrativos.

 

No Brasil, alguns importantes fundos patrimoniais surgiram ainda antes da regulamentação, a partir dos anos 1950, entre eles o da Fundação Bradesco (1956), da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (1965), do Instituto Unibanco (1982) e da Fundação Itaú Social (1993). Esses fundos patrimoniais compartilham o objetivo de se tornar o legado de um investidor social privado (familiar, empresarial ou ambos) assim como fizeram Bill e Melinda Gates e a família proprietária da empresa Ford, com a criação de seus endowments.

 

Não gera surpresa, então, que o primeiro fundo patrimonial filantrópico instituído após a promulgação da Lei 13.800/19 seja de origem familiar: o Fundo Rogério Jonas Zylbersztajn, criado por Raikel Zylbersztajn, em memória de seu filho, com a finalidade de “fomentar e promover causas de interesse público, voltadas para a população em geral”. No entanto, a aprovação da Lei dos Fundos Patrimoniais vem impulsionando mais a formação desta estrutura por outros grupos de atores sociais.

 

A movimentação em torno da criação de novos endowments no país não vem sendo liderada por investidores sociais familiares pensando em seu legado (como é comum em outras partes do mundo), mas por instituições públicas e privadas buscando fortalecer sua própria sustentabilidade financeira por meio de um instrumento de diversificação de suas fontes de recursos. A Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) se lançaram no desafio de criar seus fundos patrimoniais. Outras universidades e instituições da área da cultura como o Museu de Arte do Rio também estão nessa trajetória.

 

Questões tributárias podem justificar uma menor movimentação por parte dos investidores sociais familiares, uma vez que não há incentivos fiscais à doação em vida de grandes fortunas (como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos). Entretanto, questões culturais também parecem ter relevância no debate em torno da constituição de grandes fundos patrimoniais filantrópicos familiares no Brasil.

 

Investidores sociais privados familiares, aparentemente, receiam a perda de controle sobre a gestão financeira dos recursos de sua atuação filantrópica, uma vez instituído um fundo patrimonial sob as regras da Lei 13.800/19. Além disso, a preocupação com o legado filantrópico ainda é tema pouco difundido em nossa sociedade.

 

Essas questões podem seguir trajetória semelhante à onda de profissionalização de empresas familiares, que aconteceu em décadas anteriores no Brasil. Muitas famílias equacionaram os desafios do legado e sucessão em seus negócios, por meio da profissionalização. Entretanto, o mesmo ainda não ocorreu em relação ao legado e sucessão na filantropia, o que coloca o destino de programas e projetos socioambientais bastante consolidados nas mãos de novas gerações, cujas motivações e interesses filantrópicos muitas vezes não convergem com os da geração anterior.

 

Poucas famílias nos abordaram para discutir a estruturação de fundos patrimoniais visando o planejamento do legado e sucessão na filantropia familiar. Porém, assim como ocorreu no âmbito empresarial nas últimas décadas, as famílias paulatinamente estão percebendo a importância desse instrumento para profissionalização de sua filantropia e garantia da perpetuidade do apoio a uma causa ou organização da sociedade civil.

 

A Lei 13.800/19 buscou endereçar essas questões de perpetuidade, o fundo patrimonial na Lei brasileira é estruturado para perdurar no longo prazo. E também buscou endereçar a profissionalização da gestão. Mas alguns destes aspectos ainda permanecem como desafios na formação de fundos patrimoniais no Brasil, em especial a governança e a mobilização de recursos.

 

Com normas de proteção ao patrimônio e seguindo princípios de boa governança, a Lei dos Fundos Patrimoniais propõe a seguinte estrutura: uma organização gestora do fundo patrimonial (OGFP), instituída na forma de associação ou fundação, capta e gere doações e o patrimônio acumulado; aplicando os ativos no mercado e resgatando somente rendimentos líquidos de inflação, que são destinados a uma (ou mais) causa ou instituição apoiada.

 

A legislação determina a segregação contábil, administrativa e financeira do patrimônio do fundo patrimonial e da instituição apoiada. Isso evita que problemas financeiros, trabalhistas, fiscais ou outros, ocorridos na instituição apoiada, venham a afetar os ativos do fundo patrimonial.

 

A gestão desses ativos é orientada por políticas de investimento, resgate e utilização de recursos, desenhadas por um órgão consultivo e aprovadas pelo órgão deliberativo da OGFP, seu Conselho de Administração.

 

A Lei 13.800/19 determina parâmetros específicos para a governança da OGFP. Esses parâmetros são baseados nas melhores práticas do tema e representam um importante desafio na estruturação de fundos patrimoniais filantrópicos no Brasil, principalmente àqueles destinados a apoiar com exclusividade uma instituição pública ou privada.

 

Nesses casos, a instituição pública ou privada que recebe os recursos do fundo patrimonial tem um assento garantido no Conselho de Administração da OGFP, para endereçar maior garantia de autonomia programática.

 

O receio da perda da autonomia programática por parte dos gestores de instituições apoiadas exclusivas tem sido recorrente em diversos dos casos que acompanhamos. Porém, vale reforçar que um fundo patrimonial (e uma OGFP) vinculado a uma instituição apoiada exclusiva existe para ajudar a instituição a desenvolver sua causa, e não o contrário. Em nenhum momento a OGFP deveria interferir na estratégia, programas e projetos desenvolvidos pela instituição apoiada para o cumprimento de suas finalidades socioambientais.

 

É claro que nada impede que os órgãos de governança da OGFP contem com mais de um membro indicado pela sua instituição apoiada exclusiva. Na realidade essa medida pode agilizar a conformação desses órgãos e a criação da OGFP. Deve-se, no entanto, considerar os seguintes fatores:

 

Diferença de perfil dos conselheiros das duas organizações

A instituição apoiada pode ter excelentes conselheiros, que muito contribuem para as definições estratégias que fomentam o avanço de sua causa. Infelizmente, esses mesmos conselheiros podem não ser os mais indicados para apoiar a finalidade da OGFP de captar, gerir e destinar recursos para a instituição apoiada. Recomenda-se para os fundos patrimoniais a composição de uma governança diversa, capaz de promover uma boa gestão técnica dos recursos e, simultaneamente, atrair doações para o crescimento do fundo patrimonial.

Transparência.  É preciso garantir que o sistema de “checks and balances” (freios e contrapesos) e a robustez da prestação de contas não sejam comprometidos quando há grande coincidência entre os órgãos de governança da OGFP e sua instituição apoiada exclusiva. Além disso, deve-se atentar aos potenciais conflitos de interesses que podem surgir a partir dessa sobreposição.

Aspectos legais de instituições apoiadas públicas exclusivas. A composição dos órgãos de governança de OGFPs de instituições públicas com muitos membros da instituição pública apoiada pode caracterizar um ambiente de órgão público, ao passo que a OGFP deve, obrigatoriamente, ser uma organização de caráter privado (ainda que apoie de forma exclusiva uma instituição pública).

Participação dos doadores e outros stakeholders. É importante abrir espaço para a participação de outros stakeholders na governança do fundo patrimonialalém daqueles ligados à instituição apoiada. Não endereçar esta questão pode prejudicar a legitimidade da OGFP e sua consequente capacidade de captar recursos em nome da instituição apoiada exclusiva.

Importante lembrar que uma governança bem estruturada, baseada nas melhores práticas, reforça o compromisso com a causa, inspira segurança e atrai parceiros e investidores. Aliás, também ajuda a potencializar a captação de recursos, grande desafio não somente à estruturação de fundos patrimoniais filantrópicos, mas também às organizações sem fins lucrativos em geral.

O legado ou herança, por exemplo, é uma fonte relevante de recursos para fundos patrimoniais filantrópicos ao redor do mundo. Entretanto, ainda não vemos muitas heranças direcionadas de forma organizada a causas filantrópicas, ou endowments criados para dar continuidade a um investimento social familiar.

O Brasil ainda precisa aumentar e amadurecer sua Cultura de Doação. Entretanto, o crescimento significativo de doações devido à pandemia da Covid-19 mostrou o potencial filantrópico do país, que pode perdurar com mecanismos confiáveis e transparentes para o estabelecimento de relações duradouras entre doadores e beneficiados. Nesse sentido, possuir um plano de mobilização de recursos estruturado é fundamental para uma instituição que busca atrair recursos, em especial se tratando de recursos para um fundo patrimonial.

Outro caminho importante para a atração de recursos para os fundos patrimoniais filantrópicos no Brasil são as chamadas ‘receitas não tradicionais’, como, por exemplo, doações decorrentes de obrigação assumida em termos de ajuste de conduta, acordos de leniência e colaboração premiada[1].

A filantropização via privatização’, conceito criado pelo professor Lester Salamon, da Johns Hopkins University, propõe que parte dos valores advindos da privatização de empresas públicas seja destinada a fundos patrimoniais, formados para beneficiar causas da sociedade.

Também são fontes de recursos não tradicionais para os fundos patrimoniais filantrópicos as multas decorrentes de danos ao meio ambiente e ao patrimônio, e valores recuperados em ações de combate à corrupção, entre outros. Caminhos promissores não faltam, mas a implementação destas trilhas depende de ajustes na lei, superação de entraves burocráticos e atuação conjunta do Poder Público e da sociedade civil.

Como mencionamos, o desejo dos brasileiros de apoiar causas socioambientais vem crescendo. Em apenas dois meses após o início da pandemia do Covid-19, mais de R$ 5 bilhões foram doados por mais de 300 mil pessoas. Em pouco tempo, foram criadas diversas iniciativas para enfrentar o colapso na saúde e economia, como fundos emergenciais, que se propõem a dirimir os impactos da pandemia em diferentes setores[1].

Ainda é cedo para prever uma mudança de comportamento e um impacto de longo prazo na Cultura de Doação no país, mas esse movimento mais uma vez comprova que o brasileiro é solidário e que se mobiliza em torno de causas relevantes. Faltam mais estímulos, especialmente os incentivos fiscais. Pena que a Lei não endereçou de forma ampla essa questão, mas estamos diante da chance de exercer nosso papel social e atuar pela equidade e justiça socioambientais. Os fundos patrimoniais são certamente uma importante ferramenta para alavancar esse processo.

NOTA:
[1] Contanto que não haja transferência de recursos da Administração Pública aos fundos patrimoniais (art.13, §6º, cc art. 17, Lei nº. 13.800/19).

[2] Como o Fundo Emergencial para a Saúde, instituído pelo IDIS, pela BSocial e pelo Movimento Bem Maior, com o apoio de diversos parceiros.

PARA SABER MAIS

Leia mais sobre a atuação e saiba como se engajar na Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos, entre em contato com comunicacao@idis.org.br.

Conheça nossa produção de conhecimento sobre Fundos Patrimoniais Filantrópicos:

Nota Técnica: Fundos Patrimoniais Filantrópicos

Fundos Patrimoniais Filantrópicos – Sustentabilidade para causas e organizações (IDIS)

Brazil’s New Endowment Law Could Strengthen Philanthropy and Democracy Around the Globe (Stanford Social Innovation Review)

Something amazing just happened in Brazilian politics (Alliance Magazine)

IDIS led an education and advocacy strategy to build support for an Endowment Law, capítulo publicado em Impact Case Studies: Promoting an enabling environment for philanthropy and civil society (Wings)

Eight-year long fight for new law in Brazil (Charities Aid Foundation CAF-UK)

Lei de Endowments pode transformar o Brasil (Capital Aberto)

Regulação de fundo patrimonial pode elevar doação de fortunas (Folha de S.Paulo)

O impacto da lei dos fundos patrimoniais (Gazeta do Povo)

Lei dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos completa 1 ano (IDIS)

Recursos não tradicionais para Fundos Patrimoniais de OSCs (IDIS)

Brumadinho: e depois da comoção? (IDIS)

A aprovação da lei dos Fundos Patrimoniais e sua repercussão (IDIS)

 

* Paula Fabiani é diretora-presidente do IDIS e Andrea Hanai, gerente de projetos no IDIS.

Artigo originalmente publicado na plataforma Grantlab, do Gife, em 19 de junho de 2020 

Uma Máquina do tempo para o Brasil – Banheiros Mudam Vidas

A pesquisa Banheiros Mudam Vidas, promovida pela Kimberly-Clark, aborda a percepção sobre saneamento básico no Brasil. O projeto integra a estratégia de investimento social privado da marca, que tem como causa o acesso à água potável e saneamento no Brasil. Hoje, há quase 100 milhões de brasileiros que não possuem coleta de esgoto, mostrando a urgência do tema.

Paula Fabiani, CEO do IDIS, contribuiu para este projeto com um artigo analisando os achados. Se por um lado nos vemos diante de um problema complexo, por outro é animador ver que a população o considera importante e entende que todos, não apenas o poder público, podem fazer algo para mudar esse cenário.

Leia o artigo na íntegra:

Uma Máquina do tempo para o Brasil

Quando pensamos no século XIX, imaginamos mulheres de vestidos longos, bondes pelas ruas e música tocada pelos modernos gramofones. Tudo bem diferente do que vivemos hoje. Mas, a verdade é que nem tudo mudou para todos. Muitos brasileiros ainda convivem com uma realidade bem próxima do século antepassado. E não são poucos. Mais de 4 milhões de brasileiros não têm banheiros em suas casas, mais de 34 milhões não têm acesso à água potável e quase 100 milhões não contam com coleta e tratamento de esgoto¹. Todas essas carências são ligadas a uma só questão, a falta de saneamento básico. Os serviços de tratamento de água e esgoto são invisíveis para muitas pessoas, porque correm embaixo da terra, mas os problemas que sua ausência traz, saltam aos olhos de qualquer um.

− Doenças: pessoas que convivem com esgoto a céu aberto contraem diversas doenças, tais como diarreia, dengue e hepatite.
− Baixo rendimento escolar: crianças com problemas de saúde têm dificuldade para aprender e, frequentemente, abandonam a escola.
− Poluição: esgoto não tratado contamina o solo e deságua nos rios, poluindo as águas.
− Enchentes: o acúmulo de esgoto e lixo entope os bueiros e as águas das chuvas não são drenadas.
− Desigualdade social: pessoas que vivem sem saneamento básico aprendem menos, adoecem mais e têm renda mais baixa.

Por todos esses motivos, o acesso universal ao saneamento básico tem um Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU só para ele. É o Objetivo número seis e todos podemos colaborar para que o Brasil consiga cumprir a meta até 2030. Talvez você esteja pensando que um indivíduo sozinho não pode fazer nada, mas não é verdade. Qualquer um pode fazer, e muito. Pode fazer como doador, procurando uma organização social que trabalhe pela ampliação do saneamento básico no País e contribuindo com ela. Se você puder doar recursos financeiros, ajuda muito. E se conseguir também doar trabalho voluntário, vai ajudar ainda mais.

Pode fazer como consumidor, preferindo adquirir produtos de empresas que destinem investimento social privado para a melhoria do saneamento básico no Brasil. Pode fazer como cidadão, ao escolher e acompanhar o trabalho de lideranças comprometidas em destinar recursos para o saneamento básico. E pode fazer como ser humano, preocupando-se com o assunto, se informando, conversando com os amigos e colaborando para que mais pessoas se importem com esse problema. São várias formas de ajudar o País a sair do século XIX e construir um século XXI mais justo para todos.

 

Onde você pode se informar mais

Blog do Instituto Trata Brasil: Mantido pela ONG cuja missão é contribuir para a melhoria da saúde da população e a proteção dos recursos hídricos do país através da universalização do acesso aos serviços de água tratada, coleta e tratamento dos esgotos.

Blog Saneamento em Pauta: Mantido pela BRK Ambiental, empresa canadense de saneamento que atua no Brasil.

Portal do Saneamento Básico: Site com notícias sobre saneamento básico

Onde você pode descobrir a sua causa e encontrar organizações sem fins lucrativos que trabalhem com saneamento:

Descubra Sua Causa: Teste desenvolvido pelo IDIS, que ajuda a identificar sua causa e encontrar organizações que atuam nas suas áreas de interesse.

Atados: Portal que reúne organizações que necessitam de voluntários. É possível procurar por área de atuação.

Instituto Democracia e Sustentabilidade: Organização de interesse público que conta com parceiros e redes da sociedade civil organizada para fomentar soluções. Entende que a política e a participação cidadã democrática são imprescindíveis para alcançar a sustentabilidade. Banheiros Mudam Vidas.

¹ SNIS 2019

Paula Fabiani, CEO do IDIS

Artigo originalmente publicado no site www.banheirosmudamvidas.com.br

Posicionamento da Receita Federal traz desestímulo para fundos patrimoniais

Um dos esforços do advocacy liderado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), com o apoio da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, era obter um posicionamento da Receita Federal do Brasil com relação a alguns pontos de dúvida sobre a legislação tributária aplicável aos fundos patrimoniais constituídos com base na Lei 13.800, de 4 de janeiro de 2019, dado que ela não definiu essas questões. E, para tanto, o IDIS apoiou a Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (Enimpacto) na apresentação de uma consulta formal à Receita Federal do Brasil sobre oito questões.

Sabemos que na filantropia a insegurança jurídica desestimula as doações. Portanto, melhor conhecermos o posicionamento da Receita Federal do que sermos surpreendidos, no futuro, com eventuais autos de infração cobrando tributos do passado.

FundosPatrimoniais_Tributos

O posicionamento da Receita Federal, expressada na Solução de Consulta nº 178, de 29 de setembro deste ano, infelizmente, trouxe um posicionamento que vai na contramão do que há no exterior, em termos de tributação dos endowments, contrariando a Constituição Federal do Brasil e diversas decisões de nossas cortes, administrativas e judiciais, sobre temas similares.

Imunidade 

Nossa Constituição Federal garante o regime da imunidade de impostos a instituições sem fins lucrativos de educação, saúde e assistência social. A função dessa imunidade é a desoneração das instituições privadas que, sem intuito de lucro para seus associados, cumprem algumas das obrigações do Estado, garantindo o compromisso maior de nossa Constituição com o dever do Estado em prover os meios de acesso à educação, à saúde e à assistência social a toda a população. Esse é o valor essencial por trás da imunidade.

No entanto, a Receita Federal entendeu que a imunidade não se aplica às organizações gestoras de fundo patrimonial. Na prática, isso significa que os fundos patrimoniais constituídos com base na Lei 13.800/19 deverão tributar pelo Imposto de Renda seus rendimentos de aplicações, ainda que se dediquem exclusivamente a uma escola, a uma universidade ou a um hospital, sejam eles públicos ou filantrópicos.

Ora, a Lei 13.800/19 veio trazer um mecanismo eficiente e profissional de geração de recursos de longo prazo para as instituições de educação, saúde e de assistência social, com proteção ao patrimônio do fundo patrimonial, para que ele seja perenizado de forma segregada as instituições públicas ou sem fins lucrativos que apoia. Mas, o posicionamento da Receita Federal fez com que a estruturação de um fundo patrimonial na própria instituição seja mais econômico, tributariamente. Por que então montar em uma outra instituição, se ela pagará mais impostos?

Investimento no exterior e em empresas 

Com relação à aplicação do montante principal do fundo patrimonial, no Brasil ou no exterior, com utilização apenas de seus rendimentos em favor das instituições apoiadas, a Receita Federal entendeu que isso não afasta a isenção dos tributos federais, mas não se manifestou quanto à imunidade, pois já havia afastado sua aplicação de antemão. Entendeu, porém, que mesmo a isenção deve ser afastada se parte do principal do fundo patrimonial for composto por quotas ou ações de sociedades empresárias. Isso vai totalmente contra os investimentos de qualquer endowment no mundo e à própria Lei 13.800/19, que determina que a instituição deve fazer o patrimônio render e deve contar com um comitê de investimentos, especializado e profissional. Ora, para que o fundo patrimonial mantenha seu recurso apenas em aplicações financeiras conservadoras, não é necessária a composição de um órgão de governança especializado em mercado financeiro! No exterior, por sua vez, os endowments são grandes investidores institucionais e de risco. Foram endowments de porte, fundos de pensão e as grandes fundações que começaram o movimento dos investimentos de impacto e ESG, razão pela qual a Enimpacto articulou a apresentação da consulta, agora respondida pela Receita Federal.

Essa postura não está em linha com a recente Lei das Startups, que autoriza as empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, decorrentes de outorgas ou de delegações firmadas por meio de agências reguladoras, a cumprir seus compromissos com aporte de recursos em startups por meio de fundos patrimoniais definidos pela Lei nº 13.800/19, destinados à inovação. Ou seja, a Lei das Startups reconhece e incentiva que os fundos patrimoniais atuem como investidores de startups, como acontece no exterior. Mas, com a posição da Receita, esse investimento trará riscos tributários ao fundo patrimonial, que poderia passar a ser taxado como uma empresa com finalidade de lucro.

PIS e Cofins

A Receita Federal deu a entender ainda que os rendimentos financeiros poderiam ser tributados pela Cofins, à alíquota de 4%, afastando apenas a incidência do PIS. O motivo é que nem todas as receitas expressamente previstas na Lei 13.800/19 poderiam ser consideradas receitas derivadas de atividades próprias das organizações gestoras de fundo patrimonial. Isso porque as receitas de atividades próprias de instituições sem fins lucrativos têm isenção da Cofins. Essa interpretação contraria a própria Lei dos Fundos Patrimoniais e o Código Tributário Nacional, que determina que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado.

Remuneração de conselho e comitês

A Receita Federal afastou também a isenção, na hipótese de remuneração de membros do Comitê de Investimentos e do Conselho Fiscal, ainda que a Lei 13.800/19 a tenha expressamente permitido. Essa postura afasta o profissionalismo almejado pela lei dos fundos patrimoniais.

Abatimento do Imposto de Renda 

Por fim, a Receita Federal entendeu que se aplicam aos fundos patrimoniais o incentivo fiscal de dedutibilidade de doações feitas por pessoas jurídicas que apuram Imposto de Renda pelo lucro real da base de cálculo de referido imposto e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, respeitado o limite de dedução da legislação.

Apesar de ter havido o tão esperado posicionamento da Receita Federal, ele acabou por representar um desestímulo à criação de fundos patrimoniais, com a proteção e profissionalização trazida pela Lei 13.800/19. Primeiramente para aqueles voltados à educação, saúde e assistência social, áreas eleitas por nossa Constituição Federal como de maior interesse público, razão da garantia da imunidade. Em segundo lugar, é um desestímulo à criação de fundos patrimoniais em geral, por entender que eles não podem investir diretamente em empresas e por entender que há incidência de Cofins sobre receitas financeiras.

Agora restam duas alternativas — levar a discussão ao Poder Judiciário ou ao Congresso Nacional, para que permitam explicitamente — e com todas as letras — aquilo que outros países, com legislação muito mais conceitual e minimalista, permitem há tantos anos. Não é à toa que no exterior existem endowments centenários e bilionários em sociedades que colhem frutos bem diferentes dos nossos, em especial nas áreas do ensino, da pesquisa e do desenvolvimento.

Artigo originalmente publicado no Conjur, em 20 de outubro de 2021.


Desde 2012 o IDIS vem defendendo sua regulamentação no Brasil. Apesar de muito populares em outros países, não havia legislação por aqui e por isso eram raros. Foi em junho de 2018, que a pauta se fortaleceu e ganhou muitos apoiadores, quando lideramos a criação da Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos. Com o objetivo de fortalecer a agenda dos Fundos Patrimoniais no Brasil, a coalizão é composta por mais de 80 membros, entre organizações, empresas e pessoas, de diversas áreas. O grupo está mobilizado para apoiar e promover a articulação necessária para que o Brasil tenha uma legislação que regulamente a existência, governança e operação dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos e também acelerar a adoção do mecanismo. Entre as principais conquistas está a sanção da Lei 13.800/19, que regulamenta os Fundos Patrimoniais Filantrópicos no Brasil, em janeiro de 2019, mas a ação de incidência continua para aprimoramento do ambiente legal.

5 razões para as empresas continuarem doando

Dois anos após a chegada da pandemia da Covid-19 ao Brasil, sabemos que ela transformou para sempre nossa realidade e trouxe muito sofrimento, mas também provocou uma onda inédita de solidariedade e doações.

O Monitor das Doações, desenvolvido pela ABCR (Associação Brasileira dos Captadores de Recursos), registra R$ 7,1 bilhões em doações para o combate à pandemia, sendo que 85% desse montante foi aportado por empresas.

Contudo, os recursos não vieram de forma uniforme ao longo do tempo. No final de 2020, o totalizador já indicava R$ 6,5 bilhões. Ou seja, durante boa parte do ano de 2021, foram reportadas doações de apenas 10% do volume de 2020, mesmo com as condições da pandemia no Brasil voltando a piorar de forma drástica, o auxílio emergencial do governo federal reduzido a um quarto do valor inicial e muitas organizações reportando queda nas doações recebidas.

A cultura de doação iniciada em 2020 não pode ser passageira, afinal temos uma série de desafios pela frente. Por isso, indicamos cinco razões para que as empresas continuem doando agora e nos próximos anos, fazendo disso uma cultura.

1. Consumidores preferem empresas que doam e se posicionam sobre questões sociais

Um primeiro fato a se destacar é que os consumidores querem comprar de empresas engajadas e olham positivamente para empresas que doam para organizações sociais.

Sete em cada dez brasileiros (71%) afirmam que estariam mais inclinados a comprar um produto ou serviço de uma empresa que doa a causas sociais ou que apoia sua comunidade local.

As mulheres, em especial, são mais propensas a levar isso em consideração na hora da compra (77% contra 65% dos homens), segundo a Charities Aid Foundation e o IDIS divulgaram no Brazil Giving Report de 2020.

2. Suas futuras contratações também preferem empresas doadoras e engajadas

Segundo ponto: as pessoas querem trabalhar em empresas engajadas. Em tempos em que passamos por longos períodos de isolamento social e home office, é ainda mais importante fortalecer o vínculo entre a empresa e seus colaboradores. Mostrar preocupação com os problemas sociais do país e envolver os profissionais em iniciativas de doação podem ser excelentes formas de atrair e reter talentos.

O trabalho com propósito, principalmente diante de todo o cenário criado desde 2020, é uma demanda. Uma pesquisa global focada em trabalhadores, do IBM – Institute for Business Value, mostrou que quase a metade dos entrevistados (48%) aceitaria um salário mais baixo para trabalhar em empresas ambiental e socialmente responsáveis.

3. A população quer ser mais solidária e doar mais, mas não sabe como

Terceiro fator a ser levado em conta: a população quer ser mais solidária, mas não consegue colocar isso em prática. Como doar, para quem, onde?

Quase a totalidade dos brasileiros (96%) tem o desejo de ser mais solidária, mas pouco mais de um quarto (27%) concretiza essa vontade, especialmente porque não conhece formas e oportunidades.

As empresas, doando para organizações sociais, têm a chance de ajudar a canalizar essa imensa solidariedade e criar caminhos para que consumidores e colaboradores também possam doar. Comuniquem as doações realizadas. É preciso dar o exemplo a outras empresas e para indivíduos.

4. Parâmetros ESG

Em quarto lugar, destaco que cada vez mais as empresas são avaliadas de acordo com os parâmetros ESG (Environmental/Ambiental, Social e Governança). Doar reforça o S.

Inevitavelmente, o mercado brasileiro vai seguir a tendência de adotar critérios ESG para orientar os investidores. Fazer doações para projetos sociais e ambientais reafirma o posicionamento da empresa e também contribui para o seu desempenho.

Pesquisas indicam que empresas que doam e com melhores práticas em ESG colhem mais lucros no longo prazo, além do aumento de seu valor de mercado.

5. A democracia precisa da sociedade civil

E fecho reforçando que o livre mercado depende da democracia e a democracia depende de uma sociedade civil forte. As empresas quando doam e dão apoio às organizações da sociedade civil, podem ter um ambiente saudável para os negócios, pois elas defendem a democracia, a livre expressão e os direitos civis. Além disso, trabalham por uma sociedade mais forte e equilibrada, ou seja, uma estrutura melhor dentro da qual as empresas podem operar e prosperar.

Essas são apenas cinco de muitas razões pelas quais convocamos as empresas a readequarem definitivamente o padrão de investimento social que costumam praticar e assumir um compromisso com a solução dos crescentes problemas socioambientais que enfrentamos.

Subam a régua. Doem mais e melhor. Se não for pelo legítimo desejo de construir um Brasil mais justo e acolhedor para todos, que seja pela certeza de que todo Real doado voltará para a empresa na forma de admiração, valorização e resultados.

Saiba mais: cultura de doação

Este artigo foi publicado originalmente pela Folha de S. Paulo.

 

Construindo a Favela 3D: digna, digital e desenvolvida

O terceiro setor — representado por ONGs e empreendedores sociais — tem historicamente um papel fundamental na transformação sistêmica da vida da parcela mais pobre da população. Ele é ambicioso e inovador. Organizações como a Gerando Falcões têm eficiência, velocidade e capacidade de execução porque penetram onde o Estado não chega. No início da pandemia, por exemplo, o terceiro setor se fez presente na vida dos mais pobres semanas antes do governo. Enquanto o Estado tinha dificuldade para localizar os fantasmas brasileiros — quem não têm RG nem CPF — as ONGs sabiam onde eles estavam e os chamavam pelo nome.

Fundada em 2011 no Jardim Kemel, bairro periférico de Poá, na região metropolitana de São Paulo, a Falcões começou como uma iniciativa que oferecia atividades extracurriculares a crianças e adolescentes e cursos de qualificação profissional a jovens e adultos da região.

Dez anos depois, cresceu exponencialmente e se converteu numa aceleradora de desenvolvimento social, que apoia mais de cem líderes e organizações de favelas em 19 estados do Brasil.

O que ela quer, agora, é ainda maior, mas está longe de ser inviável: implementar a primeira Favela 3D — digna, digital e desenvolvida — do país. Trata-se de um projeto multissetorial, com participação do governo e da iniciativa privada, para dar autonomia social e financeira à Vila Itália, favela de São José do Rio Preto (SP). O Favela 3D vai atuar tanto no trabalho de base tradicional — construindo casas, regularizando o uso da área e melhorando a infraestrutura — quanto na criação de ferramentas sociais transformadoras, como programas de capacitação e empreendedorismo que deem soberania financeira aos moradores e tornem a comunidade autossustentável.

A ideia a médio e longo prazo é fazer da Vila Itália um projeto-piloto que possa ser replicado Brasil afora. Os 14 milhões de brasileiros que vivem em favelas estão habituados a ser ignorados pelo poder público, vistos como problema ou ter seu potencial desperdiçado por falta de oportunidades. Com o Favela 3D, eles passam a ser parte da solução, agentes ativos da própria emancipação.

O método para alcançar esse objetivo é o mesmo que consolidou a Gerando Falcões como uma das principais iniciativas sociais do país: localizar as lideranças capazes de gerar mudanças locais na quebrada, investir em treinamento e capacitação e acompanhar os resultados com afinco, usando sistemas como o SROI (sigla em inglês para Retorno Social do Investimento), que quantifica o impacto social em valores financeiros. Uma análise feita com apoio do IDIS mostrou que, a cada R$ 1 investido nas iniciativas avaliadas, R$ 3,50 são gerados na forma de benefício para a sociedade.

Foi identificado também que o investimento social da ONG “paga-se socialmente” (payback) já no segundo ano após o investimento, algo raro para a maioria de ativos financeiros disponíveis no mercado. É o melhor dos dois mundos: propósito e inovação, uma combinação de conhecimento da favela com o conhecimento das empresas que estão mudando o mercado.

São avaliações de impacto como essas que dão à Gerando Falcões a segurança de estar no caminho certo, justificando perante seus apoiadores e sociedade civil a relevância de seu Programa de Aceleração. É assim que essa expertise é levada aos quatro cantos do país, revolucionando a maneira como encaramos o urbanismo e o desenvolvimento social nas periferias brasileiras.

Olhar para trás, para o que foi realizado, identificar o que deu certo, o que poderia ter sido diferente e de fato avaliar exige tempo e dedicação. Mas é assim que conseguimos evoluir e dar escala ao que fazemos. E é reorganizando a forma como o dinheiro circula na favela e dando instrumentos aos seus moradores que o Brasil vai criar condições para quebrar o círculo vicioso da desigualdade, transformar os excluídos em cidadãos e fazer com que a miséria vire item de museu.

Edu Lyra e Nina Cheliga são, respectivamente, fundador e CEO e Diretora de Tecnologias Sociais da Gerando Falcões; Paula Fabiani e Felipe Insunza Groba são, respectivamente, CEO e Gerente de Projetos do IDIS. Este artigo foi publicado em uma versão reduzida no Exame.

Saiba mais sobre Avaliação de Impacto e SROI.

 

Cultura em chamas: o que aprendemos três anos após o incêndio do Museu Nacional

Cultura em chamas: o que aprendemos três anos após o incêndio do Museu Nacional

As chamas do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, há 3 anos estampavam manchetes de jornais brasileiros e foram amplamente divulgadas pela mídia internacional. Desde então, presenciamos com tristeza outros focos de incêndio em aparelhos culturais, como no Museu de História Natural da UFMG, em 2020, ou no acervo da Cinemateca em julho deste ano, e as razões foram semelhantes: verba insuficiente para manutenção.

O que fazer para a história não se repetir? Em 2018, a resposta foi o fortalecimento de um movimento da sociedade civil pela regulamentação dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos no Brasil. Uma coalizão multissetorial, formada por mais de 70 organizações e liderada pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, intercedeu em Brasília por este mecanismo que oferece maior possibilidade de sustentabilidade financeira a organizações e causas, incluindo a cultura, e conquistou, em janeiro do ano seguinte, a promulgação da Lei 13.800/19. Os fundos patrimoniais são uma resposta à falta de recursos para a manutenção de equipamentos culturais tão importantes para a preservação e divulgação da nossa história e cultura.

Um fundo patrimonial, ou endowment, permite que pessoas, empresas e filantropos doem recursos com a segurança de que serão bem geridos e bem aplicados. São investimentos de longo prazo, dos quais a organização beneficiada utiliza apenas os rendimentos, garantindo-lhe recursos perenes. Eles complementam verbas estatais ou aquelas advindas da atividade e captação da organização, e dão maior flexibilidade para investimento em manutenção, expansão ou resposta em casos emergenciais. Por exemplo, o Museu de História Nacional de Nova York, possui 28% da recursos de bilheteria, 25% de doações, 16% de fundos patrimoniais, 16% atividades auxiliares e 9% da prefeitura da cidade. As maiores universidades dos Estados Unidos, como Harvard, contam também com fundos patrimoniais bilionários. Lá, cerca de 35% dos ex-alunos contribuem com doações e os rendimentos representam mais de ⅓ do orçamento anual da Universidade. O Museu Nacional, por sua vez, tem 98% de seu orçamento dependente de verbas federais por meio da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e é diretamente afetado pela crise dos investimentos federais em cultura e educação.

A Lei 13.800 foi sem dúvida uma grande conquista, e desde então, vimos serem estruturados no Brasil o Fundo Patrimonial Rogerio Jonas Zylbersztajn, o Lumina, da Unicamp, o Fundo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), entre outros. Os exemplos na área cultural, entretanto, são poucos e ainda incipientes. Uma das razões é que os recursos advindos de Leis de Incentivo, como a Lei Rouanet, tão comuns nesta área, apesar de serem previstos na Lei para a doação a Fundos Patrimoniais, não estão ainda regulamentados pela Secretaria da Cultura, com o estabelecimento de orientações para a apresentação de projetos culturais. Dessa forma, as organizações da área da cultura não conseguem exercer o direito que lhes foi conferido pela Lei 13.800. Este é um dos pleitos da Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos, afinal é um direito das organizações culturais, é preciso que as autoridades publiquem Instrução Normativa regulamentando este benefício.

A regulamentação é urgente para alavancar a criação ou a ampliação de Fundos Patrimoniais voltados à cultura, em especial neste momento de redução de gastos públicos e drástica diminuição de recursos a essa área. O fogo é histórico: em 1978 no MAM (RJ); 2013 no Memorial da América Latina; 2015 no Museu da Língua Portuguesa; 2016 na Cinemateca; 2018 no Museu Nacional; 2020 no Museu de História Natural da UFMG; e 2021 novamente na Cinemateca. Que das cinzas de tantas memórias e história possam surgir novas formas de cuidarmos de forma sustentável de nossa cultura enquanto sociedade, para que ela perdure e seja de todos e para todos.

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS e Priscila Pasqualin, sócia do PLKC Advogados.

Este artigo foi publicado originalmente no Estadão.

Avaliar o Impacto Social é também uma estratégia de Comunicação e Captação de Recursos

Alguma vez você sentiu que a mensagem que queria transmitir não foi assimilada pelo público da maneira como você esperava? Estabelecer uma boa comunicação está entre os grandes desafios pessoais e organizacionais que todos nós enfrentamos. Transmitir uma mensagem é uma tarefa complexa, porque envolve inúmeras variáveis – a linguagem utilizada, o canal correto para transmiti-la, o repertório e as referências do público, a familiaridade e domínio do tema que ele possui previamente, a forma como você aborda o assunto, e tantas outras.

 

Quando falamos sobre o universo de Programas Sociais, existe uma necessidade constante de comunicar-se com o público-alvo, com a equipe e os parceiros envolvidos, com os investidores e com a sociedade em geral. Cada um desses públicos se relaciona com o Programa de uma forma diferente e, portanto, usar a mesma linguagem e os mesmo materiais de comunicação para todos eles, provavelmente será uma estratégia pouco eficaz.

 

A Avaliação de Impacto Social (estudo que faz uso de métodos de pesquisa para identificar e mensurar a transformação social gerada por um projeto ou programa) é, por vezes, encarada como um documento técnico: um estudo de alta complexidade, que gera um relatório extenso e detalhado, com muitas informações estatísticas e metodológicas, que fica restrito à gestão do Programa, para apoiá-la em processos de tomada de decisão. No entanto, os resultados de um estudo como esse também podem ser grandes aliados na construção de uma estratégica de comunicação da organização.

 

O detalhamento metodológico e estatístico do estudo é, de fato, muito relevante, porque demonstra que a pesquisa foi feita de forma responsável e consistente. Mas quais são as informações geradas pela Avaliação que devem ser transmitidas para a equipe que lida no dia a dia com a operação da Programa Social? Quais são as mensagens que devem ser compartilhadas com os investidores que já apoiam o Programa? E com aqueles que ainda não apoiam e que você encontrará em uma reunião de captação de recursos? Como compartilhar as conclusões de um estudo avaliativo com os beneficiários atendidos pelo Programa? Que informações da pesquisa devem constar no relatório de atividades da organização?

 

Entender a aplicação estratégica que cada tipo de informação obtida por meio de uma Avaliação de Impacto pode ter para o Plano de Comunicação da organização é importante para fazer o melhor uso do aprendizado e das conclusões obtidas ao longo do estudo. A seguir, apresentamos algumas reflexões relevantes para alguns públicos de interesse.

 

A estratégia de comunicação com investidores ou potenciais investidores é uma das mais utilizadas a partir dos estudos de Avaliação de Impacto. Uma mensuração objetiva a respeito da transformação social oriunda de um Programa ou índices de retorno sobre o investimento são supostamente maneiras de fazer um investidor se sentir mais confiante de que seu recurso está sendo bem utilizado e de que a organização tem uma boa gestão sobre a iniciativa. Um erro frequente, no entanto, é apresentar indicadores numéricos de forma isolada, sem contextualizá-los em uma narrativa que explique o que é o trabalho realizado, quem é o público-alvo, como ele participa do Programa e quais são as mudanças que ele vivencia a partir de seu envolvimento com a iniciativa. Tudo isso pode ser, em seguida, ilustrado com indicadores objetivos, porém, não deixe de dar uma perspectiva geral do aspecto humano envolvido do Programa. Os números estão lá para trazer evidências, materialidade e fortalecer a sua narrativa de impacto, mas, sozinhos e sem uma boa contextualização, até os melhores indicadores podem se tornar pouco impactantes para alguém que desconhece como o Programa funciona. Lembre-se de que, na sua maioria, investidores não são especialistas na causa que a sua organização apoia. Portanto, evite termos muito técnicos e acadêmicos, que podem não ser familiares para qualquer pessoa. Por fim, com frequência, uma conversa com um potencial investidor pode não durar mais do que 30 minutos, portanto, selecione as informações mais relevantes em um material de uma ou duas páginas, e tenha à mão links para arquivos complementares, que ele possa consultar mais tarde, caso queira se aprofundar no assunto.

 

A equipe executora do Programa e parceiros implementadores, por outro lado, possuem um conhecimento aprofundado sobre o funcionamento do Programa e seus aspectos metodológicos. Para esse público, vale a pena explorar em profundidade os depoimentos de beneficiários a respeito dos aspectos positivos e pontos de melhoria. As pesquisas qualitativas oferecem extenso material para isso e as pesquisas quantitativas proporcionam boas análises a respeito dos aspectos do programa que são mais ou menos percebidos pelo público-alvo. Esses elementos são muitos ricos para que a equipe reflita sobre as oportunidades de aprimorar sua forma de atuação. Adicionalmente, é muito inspirador para a equipe envolvida na iniciativa ouvir os depoimentos dos beneficiários. Embora estejam em constante contato com eles, nem sempre a equipe tem a oportunidade de ouvir e ler relatos sobre como as pessoas se sentem impactadas e as mudanças que ocorreram em suas vidas com a mesma profundidade em que são coletadas em estudos de Avaliação de Impacto. O momento de compartilhamento dessas informações costuma ser muito gratificante e emotivo para a equipe, e os encoraja a seguir sua jornada de dedicação ao Programa e às causas nas quais acreditam.

 

Por fim, é importante considerar a estratégia de comunicação com os próprios beneficiários, que costumam participar ativamente das Avaliações de Impacto em entrevistas, grupos focais e preenchimento de questionários. Compartilhar as conclusões do estudo com eles, além de ser uma importante etapa de validação, onde a organização se certifica de que eles se reconhecem nos resultados apresentados pelo estudo, mostra consideração e apreço pelo tempo que eles investiram na pesquisa e pela abertura que tiveram ao compartilhar suas opiniões, percepções e histórias de vida. É importante ter o cuidado de planejar a melhor forma de apresentar o conteúdo do estudo com os beneficiários, levando em consideração o perfil do público. Em Avaliações de Impacto realizados pelo IDIS, por exemplo, já preparamos devolutivas sobre os resultados do estudo para crianças de 8 a 12 anos, e foi muito interessante adaptar o conteúdo para um formato e linguagem que fosse interessante e estimulante para eles. Compartilhar as conclusões do estudo com o público-alvo também mostra que a organização está atenta às suas percepções, valoriza suas opiniões e está comprometida em perseguir a evolução contínua da iniciativa ao longo do tempo, criando assim uma maior relação de transparência e confiança.

 

A Avaliação de Impacto é uma ferramenta que se desdobra em muitas aplicações estratégicas. Ajuda as organizações a repensarem o modelo operacional de seus programas, tomarem decisões sobre a continuidade ou expansão de iniciativas, obterem evidências sobre a relevância de sua atuação e fortalecerem seus esforços de captação de recursos. Além de tudo isso, é também uma valiosa ferramenta para seu plano de Comunicação: fazendo as adaptações necessárias na linguagem, enfoque e nível de detalhamento, o conteúdo desse tipo de estudo pode e deve ser compartilhado com os mais diversos públicos, gerando interesse por parte de investidores, alinhamento e inspiração para a equipe do Programa e relações de transparência e confiança junto aos beneficiários.

Por Raquel Altemani, gerente de projetos no IDIS. Este artigo foi publicado em uma versão reduzida na Folha de S. Paulo

 

A estratégia já foi utilizada por organizações como Amigos do Bem, Parceiros da Educação e Fundação Sicredi.

 

 

 

Conheça os cases do IDIS de avaliação do impacto.

Por que ter diversidade e inclusão no terceiro setor?

A sociedade civil não deve escolher as mesmas justificativas de empresas para ter espaços de trabalho diversos e inclusivos

Há mais de um ano falamos de uma só doença – a COVID-19. Há algumas décadas, as pessoas inacreditavelmente também chamavam a homossexualidade de “homossexualismo” e consideravam uma doença que precisava ser tratada. Mas em 17 de maio de 1990 ela foi extinta – a orientação sexual homoafetiva deixava de ser considerada como um distúrbio mental pela Organização Mundial da Saúde, dando lugar ao Dia Internacional de Combate à Homofobia.

Mesmo após 30 anos, ainda enfrentamos barreiras e buscamos curar o preconceito, e aqui destacamos os desafios no ambiente profissional. Em pesquisa realizada pela agência Santo Caos, 40% dos entrevistados relataram já ter sofrido discriminações em relação à orientação sexual no trabalho.

O tema da diversidade, em toda sua extensão, no terceiro setor é obrigatório. Devemos acolher e valorizar todos os gêneros, todas as orientações sexuais, todas as raças, todas as idades, todas classes sociais, as diferentes origens, aqueles que tem algum tipo de deficiência e aqueles que estão começando suas carreiras da mesma forma daqueles que já viveram muito. Afinal, como conseguiremos construir um mundo mais justo e igualitário sem olhar para opressões e violências históricas e sem discutir privilégios?

Não devemos usar justificativas de aumento de inovação, lucros ou criatividade, como é feito por empresas, pois apesar de estes serem benefícios de programas de Diversidade e Inclusão, não devem ser a motivação primária do setor social. A sociedade civil surgiu para responder ao que o primeiro e segundo setor não davam conta, seja na assistência social, defesa de minorias, animais ou do meio ambiente. É por isso que devemos incluir. É um dever das organizações sociais ter um espaço de trabalho diverso e inclusivo para catalisar o ideal de mundo pelo qual trabalhamos. Selma Moreira, diretora do Fundo Baobá e conselheira do IDIS, sintetizou essa ideia em um encontro: “Nós do terceiro setor não podemos deixar a população negra, que sofreu tanto, de fora”.

Mas, é claro, essa não é uma tarefa fácil.

Apesar de muito idealizado, organizações sociais possuem dificuldades crônicas, como financiamentos escassos para área institucional, parte essencial para um fortalecimento da gestão de pessoas. Essa acaba sendo uma justificativa comum para fazerem pouco por esta frente, mas aqui trazemos caminhos que todas podem seguir para que floresçam ambientes mais diversos inclusivos nas organizações.

Ainda que a pesquisa sobre discriminação no trabalho não tenha sido feita exclusivamente com organizações sociais, lembramos que a sociedade civil não é isenta de preconceitos ou reprodução destes. Por isso, a criação de grupos de afinidade sobre gênero, raça, etarismo e sexualidade pode ser um espaço de acolhimento e aprendizado. As lideranças devem ser sensibilizadas e engajadas. Destacar em vagas que a organização terá um olhar atento à diversidade pode atrair pessoas que não se sentiam convidadas, e divulgar estas vagas nos lugares onde elas estão também é um passo importante. Estes são alguns cuidados no dia a dia que estão ao alcance de qualquer tipo de organização. Dicas como essas estão em materiais gratuitos, como na coleção de guias de gestão de pessoas no terceiro setor, lançado pelo IDIS e Instituto ACP.

Com a exclusão da homossexualidade como doença, o movimento LGBTI+ aprendeu que há muitos outros sintomas deixados pelo preconceito ao longo de gerações. Podemos não ter a vacina para acabar com a discriminação, como já temos para a COVID-19, mas podemos tratar os sintomas de um preconceito estrutural. É preciso ainda acolher não só profissionais LGBTI+, mas também com outros marcadores sociais e criar um ambiente de trabalho inclusivo e aberto com o engajamento de toda a organização. Não para lucrar, lacrar ou evitar crises de imagem, mas para lutar por um mundo melhor e justo. É para isto que nós, do terceiro setor, trabalhamos afinal.

 

Por Alexandre Gonçalves, analista de comunicação do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

 

O artigo foi originalmente publicado na Folha de S. Paulo.

Aliança Global : Uma resposta internacional à pandemia

2020 foi um ano diferente de todos os outros. A pandemia causou graves impactos na economia e na saúde das pessoas e evidenciou a desigualdade social em todo o mundo. De acordo com levantamento publicado pela Universidade Johns Hopkins em janeiro de 2021, houve mais de 85 milhões de casos e quase dois milhões de mortes causadas pelo vírus em cento e noventa países. O Banco Mundial estima que a pandemia da COVID-19 levará 49 milhões de pessoas à pobreza.

Durante este período inédito em nossas vidas, o papel e o valor da sociedade civil se tornaram mais evidentes, preenchendo lacunas críticas não atendidas pelos estados e provando ser um bote salva-vidas e a garantia de qualidade de vida para milhões de pessoas.

Em todos países, organizações sociais estão na linha de frente no combate à COVID-19 e se mostram mais sintonizadas com as necessidades das comunidades vulneráveis do que qualquer outro setor. Por outro lado, elas tem ficado em segundo plano na agenda de autoridades mundiais, não sendo reconhecidas como potenciais parceiras estratégicas e tendo suas necessidades básicas de sobrevivência negligenciadas e vendo comprometida e ameaçada sua sustentabilidade no longo prazo.

Se a COVID-19 criou “um antes e um depois” no mundo, algo sem precedentes em nossa época, devemos usar este momento de uma forma positiva, tirar aprendizados e impulsionar a ação.

Neste artigo, apresentamos histórias de projetos desenvolvidos pelos oito representantes da Global Alliance, rede global da CAF – Charities Aid Foudation da qual o IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social faz parte representando o Brasil. Foram ações motivadas pela pandemia e que buscaram contribuir, em seus países, para aplacar suas consequências por meio de uma filantropia mais estratégica.

Essas experiências, somadas à evidente falta de reconhecimento pelos governos, revelou três pilares de ação aos quais nós, como comunidade global, poderemos contribuir.

  • Promoção de soluções emergenciais em escala global, considerando matizes locais, regionais e nacionais, para alavancar as organizações da sociedade civil (OSCs) ao invés de marginalizá-las;
  • Defesa coletiva da sociedade civil e o papel inestimável que esta desempenha no fortalecimento da sociedade em geral;
  • Facilitação de doações que irão apoiar a sociedade civil no futuro e contribuir para um mundo mais unido e empático.

Conheça as respostas locais dadas aos desafios que se apresentaram em cada um dos países:

 

 

 África do Sul – CAF África do Sul

Cenário

Como apenas 16% da população sul-africana tem acesso a seguro saúde, durante a pandemia a maioria teve que recorrer ao setor público de saúde, que tem recursos escassos.

Além disso, um em cada oito domicílios se encontra em assentamentos informais sem acesso a água potável, fazendo com que as medidas básicas de higiene e a quarentena, necessárias para conter a disseminação da COVID-19, não pudessem ser adotadas por uma parcela significativa da população.

Reposta local

A CAF África do Sul sabia que a ajuda emergencial deveria chegar rapidamente às comunidades afetadas para conter a propagação do vírus. Por meio de uma extensa campanha de comunicação, conseguiu aumentar a conscientização sobre seu fundo de emergência entre doadores e parceiros potenciais, o que agilizou a alocação de 100% dos fundos e provisões em um período de quatro semanas.

A parceria com redes existentes permitiu que a CAF África do Sul atingisse as famílias e comunidades mais necessitadas. Por meio do trabalho conjunto com a organização local de educação Gumption Science Advancement, distribuiu cestas básicas às famílias em dificuldades.

O trabalho com a Eye of the Tiger Academy permitiu que a CAF África do Sul fornecesse EPIs às famílias da academia para garantir sua proteção em ambientes em que o distanciamento social era impossível. Além disso, a CAF África do Sul usou sua experiência e suas redes para empoderar empresas locais a gerar impacto positivo rápido.

Gerenciou as contribuições emergenciais feitas pelos funcionários da Sasol e agilizou a distribuição das doações para 10 organizações sem fins lucrativos selecionadas pelos funcionários da Sasol.

Recursos captados

A Fundação Oppenheimer Generations contribuiu com USD 318.000 e mais 4 mil litros de álcool gel.

O CAF África do Sul atuou em parceria com o programa de doações de Auxílio Alimentar Emergencial da Oppenheimer Generations Foundation, trabalhando com 20 organizações sem fins lucrativos registradas para agilizar a distribuição de suprimentos a comunidades de difícil acesso.

 

 

 

Austrália – Good2Give

Cenário

Embora a Austrália tenha uma forte cultura de doação, o início da pandemia da COVID-19 ocorreu imediatamente após os incêndios catastróficos de janeiro de 2020, e o país sentiu uma certa fadiga por parte dos doadores.

Somando-se a isso, o fechamento de fronteiras e confinamento impactaram negativamente os setores de turismo, aviação e varejo da Austrália e Nova Zelândia, levando algumas empresas a reduzirem suas estratégias de RSC.

Resposta local

A Good2Give concentrou seus esforços em captar recursos corporativos e gerenciar programas de doações.

O programa Community Grants, do Australia Post, ofereceu doações de até USD 10 mil para projetos comunitários de apoio a iniciativas de saúde mental.

O fundo de propósito especial COVID-19 da Accor, Accor ALL Heartist Fund, apoiou os funcionários, e a Good2Give monitorou e efetuou pagamentos a milhares de funcionários da Accor em toda a região da Oceania.

Ser parte de uma aliança internacional facilitou doações internacionais e transnacionais. O programa CAF America Expedited Giving concedeu USD 187 mil para entidades filantrópicas australianas que atuam na linha de frente.

Recursos captados

Na Austrália e Nova Zelândia, 90% das doações da COVID-19 foram feitas por empresas. No final de 2020, os programas do Australia Post, Accor Hotels e Facebook, entre outros, contribuíram com USD 5,6 milhões para projetos de emergência.

 

 

 

Brasil: IDIS

Cenário

O Brasil foi um dos países mais impactados pela COVID-19 desde o início da pandemia. Embora seu sistema público de saúde seja referência em termos de acesso universal, não estava equipado para atender às novas demandas que recaíram sobre ele.

A pandemia também evidenciou a profunda desigualdade social do país, com taxas de contaminação e mortalidade significativamente mais altas entre a população mais pobre, que também foi a mais afetada pelo desemprego.

Somando-se a estes desafios, a falta de incentivo às doações por parte do governo e os tributos entre 2 e 8% em diferentes estados dificultaram ainda mais a captação de recursos para atender às necessidades emergenciais.

Reposta local

O IDIS foi o primeiro a apoiar oficialmente o sistema público de saúde público por meio da criação do Fundo Emergencial Para a Saúde – Coronavírus Brasil, em parceria com o Movimento Bem Maior e a BSocial. O Fundo atraiu doações de empresas como TikTok e SulAmérica, bem como de milhares de pessoas físicas.

Um comitê técnico foi instituído. Em encontros semanais, o grupo avaliava e aprovava os pedidos de doações para os hospitais, garantindo agilidade e transparência na destinação dos recursos à linha de frente, destinados à compra de testes, EPIs e equipamentos médicos.

A conceituada rede Raia Drogasil também recorreu ao IDIS para alavancar sua contribuição. Com due dilligence, expertise operacional e supervisão da doação, garantiu o repasse de USD 5 milhões para hospitais filantrópicos em todo o país.

Recursos captados

Fundo Emergencial Para a Saúde – Coronavírus Brasil, captou USD 8 milhões junto a mais de 10 mil doadores até dezembro de 2020.

 

 

 

Bulgária – BCAUSE

Cenário

Com um sentimento generalizado de que a resposta do governo à crise foi lenta e ineficaz, os hospitais locais em toda a Bulgária lutaram contra a falta de equipamentos, proteção adequada e insumos médicos.

Uma resposta única

A BCause usou uma plataforma de doações on-line dedicada, Platformata, para captar recursos emergenciais destinados a equipamentos médicos. Em questão de semanas, foi feita a distribuição de 200 mil máscaras de proteção, 10 mil macacões hospitalares e 10 respiradores a 80 hospitais.

Muitos voluntários manifestaram interesse em apoiar a campanha emergencial e a BCause ajudou a coordenar esse esforço. A empresa SPARK, de compartilhamento de carros elétricos, distribuiu gratuitamente equipamentos médicos a hospitais, enquanto outro grupo de voluntários desenvolveu um protótipo inovador para impressão de protetores faciais usando impressoras 3D, oferecendo proteção a 10 mil profissionais essenciais.

Durante a crise, a BCause também trabalhou junto à sua rede de parceiros de OSCs para distribuir equipamentos de proteção a trabalhadores comunitários, idosos em cidades remotas e residentes e trabalhadores de abrigos que acolhem vítimas de violência doméstica.

E, quando inúmeros profissionais essenciais de saúde e professores com filhos pequenos perderam suas vidas para o vírus, a BCause se uniu à Fundação ‘For the Good’ para criar o ‘Fundo para os Filhos dos Heróis’, inicialmente com recursos da Isobar Commerce da Bulgária e Ubisoft, em apoio aos filhos que perderam os pais.

Recursos captados

A BCause, nossa parceira na Bulgária, assessorou empresas e ajudou entidades e grupos a captar recursos utilizando as plataformas Platformata.bg e DMS para incentivar doações. Até dezembro de 2020, captou em torno de USD 1,8 milhão junto a mais de 270 mil doadores corporativos e individuais.

 

 

 

Estados Unidos: CAF América

Cenário

A COVID-19 atingiu fortemente os EUA e logo se tornou uma questão politicamente polêmica, em um país dividido quanto à gravidade do vírus. Sem uma resposta coordenada por parte do governo federal, as ações emergenciais foram conduzidas pelas esferas municipal e estadual, criando um contexto fragmentado em todo o país.
Muitos trabalhadores da linha de frente sofreram com a falta de EPIs e equipamentos médicos. Sem um programa significativo de auxílio emergencial, muitos desafios econômicos, sociais e de saúde mental mais abrangentes criados pela pandemia não receberam a devida atenção.

Resposta local

A CAF América tem como foco doações internacionais e, durante a crise, criou um banco de dados internacional único para a COVID-19 com OSCs que estão na linha de frente da resposta à pandemia visando facilitar doações transnacionais.

O sistema permitiu a conexão de centenas de doadores individuais, fundações e empresas com OSCs em todo o mundo que precisam de recursos para realizar seu trabalho emergencial.

Foram feitas doações para muitas organizações de base locais, bem como organizações humanitárias, como a Cruz Vermelha na Itália e a Fundação Akshaya Patra na Índia, que forneceram refeições gratuitas para moradores de rua e trabalhadores imigrantes durante a crise. A CAF América também teve um papel determinante na compreensão do impacto da COVID-19 sobre as finanças e operações de milhares de entidades filantrópicas em todo o mundo e usou sua plataforma única para defender suas necessidades críticas.

Recursos captados

A CAF América recebeu contribuições de mais de 30.000 doadores individuais, empresas e fundos patrimoniais. No primeiro mês da pandemia, viabilizou 23 doações para 12 países, totalizando USD 3,5 milhões, e em dezembro de 2020 já havia concedido 33 mil doações para 113 países, totalizando USD 69,8 milhões.

 

 

 

Índia – CAF Índia

Cenário

Na Índia, assim como no Brasil, a COVID-19 levou a infraestrutura de saúde já sobrecarregada à beira do colapso.

A pandemia dizimou o setor de trabalho informal e colocou mais milhões de pessoas na pobreza, intensificando a busca diária por emprego, comida e educação.

Como agravante, muitas OSCs menores, que geralmente são as que mais ajudam as comunidades de difícil acesso, enfrentaram crises com a repentina queda de doações e realocação de recursos para o fundo emergencial PM CARES, administrado pelo governo.

Resposta local

A CAF Índia se envolveu estrategicamente com o departamento de planejamento do governo da Índia para defender as OSCs impactadas, oferecendo apoio para que pudessem seguir atuando na linha de frente e beneficiando mais pessoas.

Em termos práticos, ao alavancar sua ampla rede OSCs e empregar os rigorosos processos de due diligence da CAF, a CAF Índia pôde usar recursos de doadores nacionais e estrangeiros para distribuir suprimentos essenciais aos mais necessitados nas primeiras semanas da pandemia.

O trabalho junto a ONGs como Yuva Unstoppable, Humanitarian Aid International (HAI) e Center for Youth and Development Activities (CYDA) permitiu a entrega de EPIs a médicos e profissionais de saúde atuando na linha de frente.

Também foram firmadas parcerias com organizações que apoiam famílias de trabalhadores informais que ficaram sem renda durante o confinamento.

Assim, até dezembro de 2020, a CAF Índia havia apoiado 50 parceiros locais, permitindo-lhes atingir uma população de 2,6 milhões de pessoas vulneráveis em 19 estados.

Recursos captados

A contribuição da CAF Índia para o Fundo de Resposta de Emergência foi de USD 12.3 milhões no primeiro mês, e de USD 23 milhões até dezembro de 2020.

 

 

 

Reino Unido – CAF UK

Cenário

No Reino Unido, o programa de licença não remunerada criado pelo governo protegeu muitas pessoas dos impactos do confinamento. Porém, entidades filantrópicas, principalmente as pequenas e com poucas reservas, ficaram em situação vulnerável.

No início do confinamento, mais de um terço (37%) das entidades filantrópicas do Reino Unido nos disseram que conseguiriam manter as operações por seis meses ou menos sem ajuda, enquanto mais da metade (54%) relatou que só conseguiria se manter por mais um ano.

Resposta local

As entidades filantrópicas precisavam de acesso imediato a financiamento irrestrito para sobreviver. Assim, em março, a CAF criou o Fundo de Emergência do Coronavírus CAF, um programa de resposta rápida.

Até o final do ano, foram efetuadas mais de 1.250 doações a diversos tipos de organizações, como as que prestam serviços de emergência na linha de frente e aquelas que viram sua capacidade de captar recursos prejudicada, totalizando mais de £ 6,5 milhões.  A CAF também lançou uma série de webinários e disponibilizou recursos para ajudar entidades filantrópicas a se manter, adaptar e prosperar durante e após a pandemia.

Além de apoiar entidades filantrópicas afetadas pela pandemia, a CAF também facilitou o importante processo de doações feitas pelo setor corporativo do Reino Unido.

Para o setor de saúde, especificamente, criou o ‘Fundo de Recuperação da Organização de Pacientes’, para doações a organizações que lidam com pacientes em todo o Reino Unido, e ajudou a Associação de Seguradoras Britânicas na criação e operação do ‘Fundo de Apoio COVID-19’, que obteve doações de 36 empresas superiores a £ 100 milhões.

Recursos captados

A CAF lançou seu próprio fundo emergencial para apoiar entidades filantrópicas do Reino Unido afetadas pela crise e pelos confinamentos impostos. O fundo foi criado com £ 5 milhões, realocados do próprio fundo a pedido dos doadores. Além disso, £ 1,5 milhão adicionais foram captados em seis meses.

 

 

 

Rússia: CAF Rússia

Cenário

Na Rússia, os desafios da pandemia se tornaram mais complexos por causa das diferenças regionais dentro do país. Enquanto Moscou, São Petersburgo e outras grandes cidades eram vistas como os locais mais populosos e de maior risco, áreas remotas e rurais que careciam de recursos para combater a pandemia foram negligenciadas e não receberam a atenção e o apoio necessários. Além disso, os mecanismos de resposta emergencial criados pelo governo não facilitaram o investimento estrangeiro, o que dificultou a contribuição de doadores externos à resposta russa.

Resposta local

O trabalho colaborativo com os parceiros da Aliança Global, incluindo a CAF América, permitiu à CAF Rússia facilitar a doação de recursos advindos de doadores estrangeiros. Assim, as OSCs russas tiveram acesso a um maior volume de doações internacionais que chegaram rapidamente aos mais necessitados.

A experiência da CAF em doações e processos de due diligence reconhecidos foi determinante para a criação de um mecanismo de resposta rápida para agilizar as decisões de financiamento.

Recursos captados

Os esforços de captação de recursos na Rússia se concentraram no período da já consolidada campanha de doações GivingTuesday. O equivalente a USD 119.930 foi arrecadado no primeiro mês e até dezembro de 2020, chegaram a USD 1.3 milhão.

Fortalecimento dos Fundos Patrimoniais | Valor Econômico

Precisamos valorizar instituições públicas e privadas, sem fins lucrativos, que trabalham para causas de interesse público

Por Paula Fabini e Priscila Pasqualin, do PLKC Advogados*

Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos tem trabalhado ativamente para a criação e fortalecimento no Brasil dessa estrutura, também conhecida como Endowment, tão difundida em países desenvolvidos.

Em janeiro de 2019 tivemos a aprovação do marco legal desse mecanismo, mas para que os Endowments se popularizem por aqui, ainda precisamos aprimorar a legislação. Mas, porque os Endowments são importantes para o Brasil?

Os Endowments, ou Fundos Patrimoniais, são formados principalmente por doações feitas por pessoas jurídicas ou físicas, podendo ter algumas fontes alternativas de recursos. Esse conjunto de ativos são aplicados para produzir rendimentos a serem destinados exclusivamente para causas de interesse público.

Depois de doados, ou seja, de estarem incorporados ao Fundo Patrimonial, a titularidade dos ativos passa para uma organização gestora do Fundo Patrimonial, que tem o dever de gerir esses ativos, com dois objetivos: mantê-los íntegros e perenes, no longo prazo, e gerar rendimentos para uso no curto prazo.

Os Fundos Patrimoniais beneficiam diretamente as instituições apoiadas, públicas ou privadas sem fins lucrativos, que, assim, alcançam outro patamar de sustentabilidade financeira para realizar seus programas, projetos ou iniciativas. Por meio dessas organizações socioambientais, os recursos chegam aos beneficiários, ou seja, todas as pessoas e territórios que têm a oportunidade de receber serviços de interesse público com maior qualidade, dada a melhoria da sustentabilidade financeira que o Fundo Patrimonial proporciona.

Além disso, mundo afora, os Endowments são investidores profissionais, pois têm um mandato de extrema importância: gerir um patrimônio privado, legado pela sociedade, em prol de relevantes interesses públicos. Em outros países são investidores tão relevantes quanto os fundos soberanos, os fundos de pensão e os grandes fundos de investimento. E, como tal, também são responsáveis por desenvolver o mercado financeiro, gerando recursos para empresas e empreendimentos, com a paciência e capacidade de tomar risco que só um investidor de longo prazo consegue ter.

No exterior, as universidades, hospitais, centros de pesquisa e instituições culturais e de patrimônio histórico, entre outros, são mantidas, em parte, por Endowments. Além das grandes fundações como a Bill & Melinda Gates Foundation, a Rockefeller Foundation e a Ford Foundation.

Aqui no Brasil, desde a regulamentação dos Endowments, vários fundos foram ou estão em processo de constituição. Alguns exemplos são o Fundo Patrimonial da Unicamp (Fundo Patrimonial Lumina) e o Fundo Rogério Jonas Zylbersztajn.

A Lei dos Fundo Patrimoniais – a Lei 13.800/19 – trouxe benefício fiscal apenas para a área da cultura, que ainda não foi regulamentado pelo governo. No Brasil, tributamos a doação filantrópica e as aplicações financeiras pelo imposto de renda para a maioria das instituições, o que não acontece no exterior. Nos Estados Unidos o incentivo fiscal é bem mais favorável e faz o dinheiro fluir para Endowments, ainda que sem muita convicção ou intencionalidade imediata do doador.

O surgimento de novos Fundos Patrimoniais Filantrópicos no Brasil mostra ainda mais o nosso valor como sociedade, e o potencial de crescimento que esse mercado possui se o governo reduzir um pouco a hostilidade tributária em nosso país.

Precisamos que a legislação exonere os Endowments do imposto sobre doações (o ITCMD) – cuja incidência é vexatória quando se fala de doação filantrópica para causas de interesse público.

Precisamos que a tributação reconheça que os Endowments em prol de instituições públicas e de causas de educação, saúde e assistência social fazem jus à imunidade já prevista na Constituição, ainda que não sejam eles, diretamente, os estabelecimentos públicos ou de atendimento à população.

Precisamos ampliar a isenção do Imposto de Renda sobre aplicações financeiras dos Endowments, para que possam destinar mais recursos às instituições públicas ou privadas, sem fins lucrativos, apoiadas. E seria um grande impulsionador para o surgimento de novos Endowments, a criação de incentivos fiscais para os doadores, que deveriam poder abater de seu imposto de renda, as doações feitas para essa estrutura, que só traz benefícios para o país.

Essas são as principais batalhas da Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos para promover o aumento do número de Fundos Patrimoniais brasileiros. A sociedade deve se apropriar dessa estrutura. Nós, como cidadãos, precisamos valorizar nossas instituições públicas e privadas, sem fins lucrativos, que trabalham para causas de interesse público, tomando a responsabilidade para si  de fortalecê-las.

Empresas públicas não vinculadas e as de economia mista, assim como os órgãos públicos, promotores e juízes que determinam a destinação de recursos em termos de ajuste de conduta e acordos de leniência, poderiam construir estratégias de incentivo à criação de Endowments, oferecendo, por exemplo, parte destes recursos para instituições apoiadas ou Endowments que captarem recursos para sua formação (realizando o matching das captações realizadas).

Os Endowments fortalecerão a sociedade e economia. Seu estímulo é estratégico para o esforço de nossa recuperação e crescimento, e deveria ser uma prioridade. A lei já trouxe instrumentos que permitem a aplicação de recursos no curto, médio e longo prazo. Agora precisamos fazer uso deste poderoso mecanismo de apoio a causas públicas.

*Artigo publicado originalmente no Valor Econômico no dia 8 de fevereiro de 2021 

Dicas para engajar colaboradores em ações solidárias e de impacto

O brasileiro é solidário. Doar dinheiro, fazer um trabalho voluntário ou simplesmente ajudar um desconhecido são atitudes que fazem parte de nosso dia a dia . A pandemia que estamos vivendo em 2020 nos mostrou, mais do que nunca, a relevância desse tipo de ação e como precisam ser ampliadas ainda mais.

A experiência do IDIS e da PYXERA Global indica que o setor privado tem um papel fundamental no estímulo e facilitação dessas ações de solidariedade junto a colaboradores, que podem ser realizadas por meio de programas de engajamento desenhados estrategicamente. Essas iniciativas podem ir muito além do engajamento, criando alinhamento interno entre as estratégias de impacto e de negócio, já que as empresas têm também um papel social relevante.

Quando unimos o investimento social empresarial com os anseios individuais, encontramos um campo fértil para ações solidárias de empresas junto ao seu público interno, porque pessoas são movidas por propósitos. Os resultados possíveis dessa união são muitos, indo além do impacto social gerado. Melhoria do clima organizacional, aumento do sentimento de pertencimento, oportunidade de desenvolvimento de competências, fortalecimento de laços entre colaboradores, aprofundamento do relacionamento com a comunidade da empresa, contribuição à estratégia de impacto e investimento social privado da empresa, contribuição à atração talentos e contribuição à reputação da marca junto a clientes são alguns dos benefícios de ações solidárias envolvendo os colaboradores.

As pesquisas mostram que consumidores esperam, cada vez mais, que as empresas desempenhem seu papel social, demandando ações concretas, recompensando as marcas que admiram e punindo aquelas que não correspondem às expectativas . Ou seja, estamos falando do impacto triplo das ações de engajamento: Impacto nos Colaboradores, Impacto no Negócio, e Impacto na Comunidade.

Neste artigo, trazemos recomendações àqueles que desejam estruturar programas, integrando impacto social e engajamento, com dicas que podem ser seguidas por empresas de todos os portes e segmentos de atuação, organizadas em quatro estágios: diagnóstico; ideação e planejamento; execução; e amplificação e aprendizado.

DIAGNÓSTICO

1. Escolha um foco de atuação e descubra sua causa

Os desafios socioambientais no Brasil são inúmeros e complexos. Como decidir, então, qual será o foco de sua atuação? Em geral, é mais proveitoso investir tempo e recursos em um único foco de atuação do que distribuir para vários projetos de diferentes causas, pois o impacto gerado tende a ser maior.

A escolha da causa deve vir de dentro para fora. A causa deve ser coerente com as práticas organizacionais da empresa e com os interesses do público interno. Quanto mais o investimento social privado (ISP) for uma extensão do comportamento gerencial e uma extensão dos negócios, dos valores e dos princípios da empresa, melhor. Para conhecer os desejos dos colaboradores, faça uma pesquisa. Um jeito legal e divertido de fazer este mapeamento é aplicar o teste Descubra sua Causa. E se houver recursos, estender esse mapeamento a fornecedores e clientes permitirá entender ainda com mais detalhes os interesses daqueles que fazem parte de seu ecossistema.
Engajar os colaboradores em ações solidárias pode contribuir para o clima organizacional, para o envolvimento dos colaboradores com a empresa e até para o desenvolvimento de competências. Se estes são objetivos, vale a pena fazer uma pesquisa para definir uma linha de base.

 

2. Conheça o ecossistema e as necessidades da comunidade

Certo, você já sabe a causa que irá defender, mas antes de começar a agir, é preciso conhecer a fundo o problema que pretende atacar.
Faça uma análise detalhada das necessidades de investimento no foco de atuação escolhido. Identifique as principais demandas sociais relacionadas à causa e avalie como pode contribuir. Não deixe de mapear também quais são os recursos e as pessoas que já contribuem com a causa escolhida e o que pensa a comunidade do entorno.

O bom conhecimento do contexto social levará à construção de uma visão de futuro mais madura e à escolha de um foco de atuação de relevância para o desenvolvimento da comunidade em que a empresa está inserida.
Empresas concorrentes também devem ser foco de atenção. Conheça o que elas estão fazendo e avalie se gostaria de apostar em uma diferenciação ou se há possibilidade para uma atuação conjunta, potencializando o impacto positivo para a causa.

Por fim, conhecer as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento socioambiental também é importante nesse processo. É fundamental verificar se as políticas são boas, mas não estão sendo implantadas, e se existem políticas locais nas regiões em que a
empresa está presente. A partir disso, é possível avaliar se seu o foco pode funcionar como catalisador ou facilitador da implementação dessas políticas, permitindo que certos grupos populacionais se beneficiem do que já existe.

Esse mapeamento permitirá delimitar o foco de atuação da empresa em relação à causa e o delimitar o foco geográfico, avaliando se o investimento será em uma comunidade específica ou em uma cidade, região ou país.

3. Engaje as lideranças

As informações já foram coletadas. É preciso organizá-las e discuti-las com as lideranças da empresa, para que se tome uma decisão de política corporativa em relação ao ISP e sobre como colaboradores podem ser envolvidos. Os objetivos e práticas devem estar alinhados com as políticas de sustentabilidade e responsabilidade social da empresa e o mapeamento interno e externo permitirão uma tomada de decisão consciente e coerente com o negócio, não apenas baseada na intuição ou na opinião pessoal de alguma dessas lideranças.

Nesse âmbito será possível definir também as questões de governança do projeto. Quem será responsável pela implementação? Que outras áreas devem ser envolvidas e de onde virá o orçamento?

 

IDEAÇÃO E PLANEJAMENTO

4. Planeje sua intervenção

Qual o público beneficiário e quais os influenciadores? Qual será a estratégia para implementá-la e quais os resultados que se espera alcançar para a causa e para a empresa?

A área responsável por conduzir o projeto deverá responder a essas perguntas, desenhando com detalhes a iniciativa. Deve considerar o orçamento disponível, assim como a infraestrutura e recursos humanos da própria empresa que podem ser aproveitados em prol da causa.

O processo de desenho do programa e planejamento de impacto inclui compartilhar sua visão com a equipe, tomar decisões sobre os principais aspectos do programa e desenvolver estratégia de programa e materiais básicos.

Aqui também será definida a forma como o público interno poderá participar. Ele contribuirá com dinheiro, bens ou tempo? Haverá algum tipo de ‘matching’ da empresa? Em caso de voluntariado, os profissionais serão estimulados a usar conhecimentos técnicos ou gerais? Poderão atuar durante o período de trabalho ou farão as atividades em seu tempo livre?

Exemplos de ações de engajamento:

      • Programas de voluntariado profissional (pro bono)
      • Programas de mentorias
      • Mutirão ou programa contínuo
      • Estímulo a doações com potencial matching
      • Payroll giving, quando a doação é descontada diretamente da folha de pagamento

 

5. Defina indicadores de impacto

A estrutura de mensuração de impacto deve ser definida nesta fase. Para acompanhar os resultados do investimento social e de seu programa de engajamento de colaboradores, defina os indicadores que irão refletir sua efetividade e monitore o projeto desde o início, verificando se os resultados parciais estão indicando a direção certa.

EXECUÇÃO

6. Comunique e mobilize

Trace um plano de comunicação para disseminar a iniciativa entre todos os públicos da empresa – sejam internos ou externos.

Para conscientizar e mobilizar o público interno, uma estratégia interessante é criar um comitê com representantes de diferentes áreas da organização. Você pode também definir ‘sponsors’ de projeto, pessoas com algum nível de influência dentro da empresa que se disponham a fazer esse papel de divulgação. Costuma ser eficiente utilizar os canais de comunicação usuais da empresa, mantendo o fluxo de comunicação constante sobre o programa, em seus diferentes estágios (ex. período de inscrição; divulgação de projetos selecionados; divulgação do andamento; divulgação dos resultados).

 

7. Implemente a ação

Agora é a hora de botar a mão na massa! Itens a serem executados nessa fase, vão desde a seleção de participantes, desenvolvimento dos projetos em si (seleção de organizações de sociedade civil, apoio aos participantes do programa durante o processo, ações de preparação e reflexão, etc.)

Não deixe de estabelecer maneiras de reconhecer o trabalho voluntário dos participantes do programa. Seja criativo. Os participantes podem receber, por exemplo, camisetas ou sinalizadores de mesa que permitam ser identificados pelos colegas. É recomendável também planejar homenagens em eventos especiais, materiais institucionais, certificados, além de divulgar as atividades, conquistas e resultados em murais internos ou na intranet da empresa. Um bom programa necessita de seus HERÓIS!

 

8. Monitore e avalie

A partir da estratégia de mensuração definida na fase de diagnóstico, é possível identificar o marco zero, isto é, a situação inicial antes da intervenção. É preciso avaliar o benefício social resultante do investimento em termos qualitativos e quantitativos. Acompanhe também, por exemplo, número de colaboradores envolvidos, horas de trabalho dedicadas ou volume doado, atividades realizadas, número de pessoas beneficiadas, recursos arrecadados e doados.

 

9. Compartilhe os resultados

Contar as conquistas de um programa, além de ser muito prazeroso, é uma boa prática de transparência e contribui para fortalecer a confiança em ações de impacto.

Lideranças, todos os colaboradores da empresa, profissionais que se engajaram diretamente e organizações impactadas pela ação, acionistas, consumidores, o poder público, a comunidade são alguns dos públicos que podem ter interesse em conhecer o que foi alcançado por meio de sua intervenção. Planeje a comunicação considerando cada um de seus públicos de interesse e fazendo as adaptações necessárias para cada um deles. Essa fase é fundamental para criar uma cultura dentro da empresa sobre o impacto positivo de tais programas e qualificar o processo de tomada de decisão.

Por último: Ouça todos que participaram do processo e prepare-se para o próximo ciclo a partir de lições aprendidas!

 

Baixe a publicação completa aqui.

Artigo escrito por Paula Fabiani, diretora-presidente do IDIS, e Fernanda Scur, Partnership Strategist for Collective Impact da PYXERA Global, Latin America

NOTA TÉCNICA: Fundos Patrimoniais Filantrópicos

Durante sete anos o IDIS trabalhou pela regulamentação dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos no Brasil, conduzindo uma estratégia articulada de advocacy. Tínhamos a convicção de que esse instrumento, criado para garantir a sustentabilidade financeira no longo prazo de organizações e causas, precisava se propagar no país para promover um salto de qualidade no campo do investimento social privado e desde então apoiamos a criação de mais de uma dezena de Fundo Patrimoniais no Brasil.

A regulamentação aconteceu, finalmente, em 2019, com a aprovação da Lei 13.800, e publicamos um livro para orientar os interessados em criar seus Fundos Patrimoniais.

Neste documento, apresentamos para aqueles que querem ter uma noção mais rápida sobre quais os principais passos para a estruturação de um Fundo Patrimonial, de acordo com as normas estabelecidas na legislação.

Os Fundos Patrimoniais podem beneficiar organizações sem fins lucrativos e instituições públicas. Nesta Nota Técnica, tratamos apenas de Fundos Patrimoniais enquadrados na Lei 13.800/19 e destinados a beneficiar organizações sem fins lucrativos.

Nota técnica: Fundos Patrimoniais Filantrópicos from IDIS

 

Qual é a transformação que você quer ser?

Medir o sucesso de uma empresa costuma ser fácil. Basta checar o faturamento, a lucratividade e a geração de caixa. Mas como medir o sucesso de um projeto social ou ambiental? Como medir o impacto dessas ações? Qual o retorno para a sociedade que podemos atribuir a cada iniciativa? Como melhorar nossos investimentos socioambientais voluntários? Esses e outros questionamentos estão cada vez mais presentes nas preocupações de investidores sociais privados. A avaliação de impacto ganhou ainda mais destaque com as vultuosas doações durante a pandemia. Grandes empresas e grandes doadores querem buscar os melhores caminhos para enfrentar os crescentes problemas do país e certamente uma boa avaliação socioambiental pode ajudar.

Avaliação de impacto

A avaliação de impacto é um instrumento estratégico para a tomada de decisões. Uma avaliação desenvolvida com o devido rigor ajuda na identificação de pontos de ineficiência no uso de recursos, confirma (ou não) a eficácia das estratégias aplicadas, traz luz às consequências imprevistas da intervenção, bem como às relações de causa-consequência das ações realizadas. Além disso, permite o aprimoramento do programa ou projeto e comunica de forma objetiva os resultados aos financiadores e à a sociedade.

No IDIS já realizamos avaliações de projetos em diversas áreas: saúde, educação, cultura, meio ambiente, esporte, combate à pobreza, geração de renda e desenvolvimento comunitário, entre outros. Algumas avaliações levaram projetos a serem ampliados, outras, ao encerramento. E todas identificaram aspectos que poderiam ser aprimorados para aumentar o impacto do projeto. Investir em um ‘ativo’ que você sabe que dará retorno é sempre mais atraente. Com o investimento social privado não é diferente.

SROI – Social Return on Investiment ou Retorno Social sobre o Investimento

Em alguns casos, o resultado é tão importante que pode transformar uma iniciativa social em uma política pública, como foi o caso do Projeto Primeira Infância Ribeirinha (PIR), no Amazonas e que teve a participação e a avaliação de impacto do IDIS. Neste caso, foi utilizada a metodologia SROI – Social Return on Investiment ou Retorno Social sobre o Investimento. Essa metodologia de análise de custo-benefício é reconhecida pelo Cabinet Office do Reino Unido como a mais adequada para avaliar o serviço de saúde oferecido no país. No caso do PIR, a avaliação mostrou que, para cada 1 real investido, o retorno foi de quase 3 reais. O projeto, que começou modesto, cresceu e hoje é lei no Amazonas, beneficiando crianças que, de outro modo, poderiam estar distantes das políticas públicas. E gerou outros frutos em localidades diferentes da região Amazônica.

Um erro comumente cometido é confundir monitoramento com avaliação. O monitoramento acompanha a execução do projeto e apenas informa métricas de processo como o número de beneficiários ou pessoas atingidas pelo projeto. Mas essas métricas não trazem a informação mais importante que é a transformação ocorrida na vida daquele beneficiário. O fato de um indivíduo participar de uma intervenção não é garantia de mudança positiva na sua vida. E a intensidade dessa mudança também vai variar para cada indivíduo. Conhecer o real impacto gerado por uma intervenção na vida de uma pessoa ou comunidade é muito importante. Avaliar questões intangíveis como aumento de conhecimento, autoestima, habilidades sociais etc, não é tarefa simples. Mas esse conjunto de fatores é fundamental para a compreensão dos resultados de um projeto. E monetizar este impacto é ainda mais desafiador. Mas são caminhos primordiais para analisar a eficiência do uso dos recursos.

Esse é o desafio que a metodologia do SROI se propõe a enfrentar. Durante o processo de avaliação, é imprescindível conhecer os beneficiários, entender a mudança provocada em cada indivíduo e nas pessoas ao seu redor, na família, conseguir mapear impactos não intencionais ou imprevistos mas que se mostram relevantes, como a melhoria da qualidade de vida, a redução do estresse, o maior rendimento na escola ou no trabalho, o clima mais feliz na família, entre outros aspectos que vão além dos indicadores planejados.

Tudo isso com rigor na coleta das informações e ética na relação com o público avaliado. Essa lógica fez do Social Return on Investiment (SROI) ou Retorno Social sobre o Investimento um método cada vez mais adotado no mundo todo, uma vez que combina dados qualitativos com dados quantitativos, o que permite uma visão ampla do impacto do projeto e seu potencial de melhoria a partir de ajustes e redefinições. E, ao monetizar os resultados identificados, sejam eles tangíveis ou intangíveis, é possível delinear a relação entre impacto socioambiental e capital investido. Esta é uma pergunta recorrente dos financiadores: quanto de retorno para a sociedade este projeto ou iniciativa foi capaz de entregar?

A primeira vez que aplicamos a metodologia do SROI no Brasil foi no projeto Valorizando uma Infância Melhor (VIM), da Fundação Lúcia e Pelerson Penido, no Vale do Paraíba, no estado de São Paulo. A avaliação mostrou que, para cada 1 real investidor, foram gerados 4 reais em valor social. Isso mesmo, 4 vezes o valor investido. E outros projetos resultaram em valores ainda maiores de retorno como é o caso do Programa Guri que traz de retorno mais de 6 vezes o capital empregado.

A moda do SROI pegou! Iniciativas de grande destaque e resultados expressivos como o Gerando Falcões, Parceiros da Educação e Amigos do Bem também decidiram aderir e avaliar seus projetos usando a metodologia SROI. E empresas como a Petrobras, que está realizando avaliações de vários de seus projetos para conhecer com profundidade o retorno de seus investimentos socioambientais. Cada vez mais as empresas buscam avaliações que tragam respostas objetivas sobre seus financiamentos de ações de impacto socioambiental.

Com essas avaliações é possível descortinar questões relevantes relativas ao impacto socioambiental de programas e projetos e, quem sabe, de políticas públicas. Temos nas mãos uma ferramenta que pode ampliar significativamente a qualidade do olhar para o terceiro setor, que pode gerar novos interessados em apoiar iniciativas e que pode mostrar o quanto as organizações da sociedade civil são capazes de contribuir para transformar realidades no país. A monetização não é o foco, mas sim a identificação da mudança alcançada. Mas a monetização certamente facilita o diálogo entre o financiador e o gestor de ações sociais. A avaliação de impacto traz mais segurança para perseguirem objetivos comuns a ambos, como a melhoria da qualidade de vida de todos os brasileiros.

Por Paula Fabiani, Diretora-Presidente do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social* em Artigo originalmente publicado no Estado de S.Paulo, em 22 de outubro de 2020

O que é Advocacy e como estruturá-lo de forma eficaz

Diversas pessoas falam sobre Advocacy mas o que significa? Qual a diferença entre Advocacy e Lobby? Como estruturá-lo de forma efetiva? Essa nota técnica tem como finalidade abordar o tema e ilustrá-lo com um exemplo de uma experiência de sucesso – o processo que envolveu a criação da Lei 13.800, que regula os Fundos Patrimoniais no Brasil.

Aos que desejam iniciar uma ação de advocacy, o documento traz um passo a passo com dicas claras para atuação.

O advocacy é uma estratégia que pode ser utilizada seguindo muitos caminhos: jurídico, político, comunicação ou mobilização social. O IDIS apoia processos de advocacy e acredita neles para a conquista de mudanças sistêmicas que realmente transformam positivamente a nossa sociedade.

 

NOTA TÉCNICA: 10 dicas para verificar a confiabilidade de uma OSC

O brasileiro é um povo solidário e, cada vez mais, reconhece a importância das organizações da sociedade civil (OSCs) para o enfrentamento de nossos desafios sociais.

Repetidas pesquisas, entretanto, demonstram que nossos níveis de doação poderiam ser maiores se superadas algumas barreiras, entre elas, a desconfiança que muitas pessoas nutrem em relação às OSCs.

Para ajudar a mudar este quadro, elaboramos essa lista de dicas, um passo a passo para a validação básica de organizações sociais.

Diagnóstico de Resiliência: 6 indicadores para auxiliar gestores de OSCs durante e após a pandemia

Por Felipe Insunza Groba, Gerente de Projetos do IDIS

Nesse momento de pandemia e crise econômica, muitas Organizações da Sociedade Civil (OSCs) têm sofrido com a interrupção de suas atividades, falta de recursos e necessidades ainda maiores por parte de seus beneficiários.

Ao mesmo tempo, o crescente desemprego e demandas da saúde pública alavancaram as doações por empresas e famílias ao nível mais alto da história do Brasil, alcançando R$ 5,5 bilhões  somente para campanhas voltadas ao combate das consequências diretas e indiretas do Covid-19, com mais de 371 mil doadores de acordo com os dados do  Monitor das Doações da ABCR até o começo de junho.

Apesar da urgência, editais emergenciais como os lançados pelo Itaú Social (“Comunidade, presente!”) e pela Vale (“Desafio Covid-19”) adotam critérios de elegibilidade para as aplicações que vão da apresentação de documentos fiscais e legais a boas práticas de governança e finanças saneadas.

Com o objetivo de auxiliar as OSCs no diagnóstico de sua resiliência perante essa crise, e também na captação de recursos durante e após a pandemia, preparamos um checklist de documentos e indicadores para orientar os gestores das organizações. A seguir, falamos de cada uma dessas orientações.

Documentos Legais e Certidões de Débito

O processo de validação das organizações por financiadores (empresas, famílias e governos) trata de checar a conformidade das entidades com suas obrigações financeiras e regulatórias, sendo usualmente feito antes da formalização de doações, de modo a evitar riscos reputacionais ou o descumprimento do desejo do doador, com o uso dos recursos para saldar dívidas e passivos pré-existentes. Para gestores e captadores, é importante ter os seguintes documentos regularizados: CNPJ, CND – Certidão Negativa de Crédito, CNDT – Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, Certificado de Regularidade do FGTS, CTI – Certidão Tributária Imobiliária, e outros de âmbito regional aplicáveis. Além da captação de recursos junto a doadores, esses documentos são fundamentais para a tomada de empréstimos de capital de giro ou para investimentos, imprescindíveis para a sobrevivência de muitas OSCs em momentos de crise como a pandemia atual.

Demonstrações Contábeis

Seja para a captação de recursos e prestação de contas, seja para a gestão, é importante manter atualizadas as Demonstrações de Resultado, o Balanço Patrimonial e as razões contábeis mensais da organização, de modo a acompanhar a evolução dos indicadores de receita, custos fixos, despesas variáveis e solvência (passivos tributários e trabalhistas devem estar claros e estimados). A existência de um profissional dedicado às finanças da organização e a contratação de escritório de contabilidade externo são importantes investimentos de gestão e transparência de uma organização. Os passos seguintes no processo de maturidade de uma organização (e cada vez mais exigidos por financiadores e órgão reguladores) são a realização de auditoria externa das demonstrações financeiras e a contabilização de gratuidades e de trabalhos voluntários.

Fundos de Reserva e Stress Tests

Quantos meses duraria sua organização sem receber novas doações? Essa pergunta hipotética foi colocada concretamente à prova para muitas organizações durante a atual crise. A existência de fundos de reserva (ou de contingência) e uma clareza sobre os custos fixos da organização são fundamentais em momentos de estresse. O gestor deve aproveitar tempos de sobra de caixa e fartura, para reservar recursos para períodos de escassez, podendo enfrentar – pelo menos – 3 meses sem receber recursos. No caso de organizações com dependência de recursos governamentais, recomenda-se folga ainda maior (acima de 12 meses), de modo a lidar com incertezas políticas e contingenciamento de recursos públicos. Além disso, é importante simular cenários com possibilidades de estresse (stress tests) para as variáveis sensíveis de sua organização, como a perda de processos trabalhistas, um aumento de despesa por conta da alta do dólar ou mesmo uma queda permanente na captação de recursos.

Monitoramento de Processos e Resultados

A maioria dos investidores sociais exige a apresentação de relatórios sobre os projetos financiados. Para isso, é importante que sua organização possua um cadastro dos beneficiários (respeitando a LGPD), registre as atividades realizadas e seus resultados, como número de participantes e índice de satisfação. Com o tempo, muitos investidores demandarão medidas mais efetivas de impacto, como estudos demonstrando as transformações geradas pelos projetos da sua organização na vida dos beneficiários (ex.: rendimento escolar, ganho de peso, diminuição de adição a drogas, índice de cura em hospitais, etc.).

Indicadores de Eficiência

Nos EUA, onde o terceiro setor representa mais de 5% do PIB, existem Charity Watches responsáveis por ranquear organizações segundo alguns indicadores de eficiência quanto a captação (ex.: razão entre receita e custo de captação) e despesas com projetos (ex.: razão entre despesas com projetos e despesas totais), auxiliando doadores na tomada de decisão dentro de um mesmo segmento. Você pode comparar os indicadores de sua organizações com os benchmarks/referências considerados pela Charity Navigator e pela Charity Watch.

Governança e Conselheiros independentes

Por último, mas não menos importante, está a governança. Muitas organizações nascem de iniciativas pessoais e do trabalho voluntário e dedicado de seus fundadores. No entanto, visando à perenidade e profissionalização da organização, surge a necessidade da contratação de executivos, da instituição de regras claras para o controle dos recursos e mecanismos de deliberação (regulamentos internos), e de instâncias consultivas, deliberativas e fiscalizadoras (conselhos), que zelem pelos valores e finanças da organização no curto e longo prazo. Nesse sentido, a eleição de Conselheiros Independentes – fora do círculo pessoal direto do fundador e/ou do principal executivo – com voz e voto em decisões estratégicas é fundamental como sinalização para investidores sociais. No zelo pela independência de interesses pessoais eventualmente escusos, sugere-se também que no Estatuto Social (ou em regimento interno) constem regras claras quanto a conflitos de interesses e limites ao exercício de funções estratégicas como a de Diretor Executivo e/ou de Presidente do Conselho Deliberativo.Este é um tema que o IDIS sempre discute e produziu vários materiais que estão no nosso site: www.idis.org.br.

Caso sua organização não cumpra algum dos critérios acima, pode ser o momento de uma guinada estruturante. Essa transformação deverá envolver os gestores e o Conselho da organização, podendo contar com o trabalho de consultorias, com a renegociação de termos e restrições com doadores e bancos credores ou até mesmo com a sondagem a organizações similares para eventual processo de fusão, quando for possível encontrar sinergias entre as atuações.

Se a sua organização passou no diagnóstico de resiliência, parabéns! Mas o trabalho não acaba por aí. É importante manter-se vigilante e dar os próximos passos para a maturidade da organização, seu contínuo processo de profissionalização e – quando for o caso – de expansão.

Mas esse será assunto para um próximo artigo.

A hora e a vez da Sociedade Civil

 

Por

Paula Fabiani, diretora-presidente do IDIS Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Marcia Woods, presidente do Conselho da ABCR Assoc. Bras. dos Captadores de Recursos

 

Parar para escrever um artigo é um exercício difícil quando vivemos uma realidade tão dinâmica e desconhecida como a que atravessamos. Vemos o Brasil em seus extremos, no qual coisas muito boas acontecem ao lado de fatos terrivelmente tristes e preocupantes.

As lideranças governamentais se contradizem deixando a população desorientada. Os empresários, do grande ao micro, repentinamente se veem de pés e mãos atados, com suas máquinas paradas, seus estabelecimentos comerciais fechados e sua força de trabalho presa em casa, por um tempo mais longo do que jamais imaginaram em suas piores projeções. A desigualdade e a vulnerabilidade de certos grupos aumentam rapidamente.

Foi nesse contexto caótico que as organizações da sociedade civil (OSCs), comumente conhecidas por ONGs, assumiram a liderança e começaram a criar caminhos para evitar um desastre ainda pior.

Em poucos dias surgiram fundos para a saúde, iniciativas de apoio à população vulnerável, articulação de linhas de crédito. Diversas organizações se mobilizaram, aproveitando suas capacidades específicas, para garantir, rapidamente, melhores condições para o enfrentamento da crise para os mais necessitados.

Um exemplo é o Fundo Emergencial para a Saúde, fruto de parceria entre Idis, Movimento Bem Maior e Bsocial, que se aproxima dos R$ 40 milhões recebidos de mais de 10 mil doadores. Outro é o Movimento Família Apoia Família, que já alcança a marca dos R$ 10 milhões, e a iniciativa do Matchfunding Enfrente de apoio a iniciativas nas periferias, que a cada R$ 1 doado recebe R$ 2 de investimento do fundo.

A sociedade compreendeu, apoiou as ações das organizações sociais e ampliou sua doação. No início de forma mais tímida, mas na medida em que as doações eram divulgadas, novos doadores surgiam. Empresas aderiram como nunca antes, passaram a doar e a incentivar seus funcionários e clientes a participar. Artistas usaram seu prestígio para ampliar as doações.

Os números cresceram e alcançaram inacreditáveis R$ 5 bilhões, mais de 300 campanhas mobilizaram cerca de 320 mil doadores segundo o monitor de doações da ABCR. Isso nos posicionou na quarta colocação em doações no mundo, de acordo com levantamento realizado pelo Candid, organização americana que acompanha as doações nesta pandemia.

Vemos um país com uma cultura de doação destacada, no qual pessoas e empresas se sentem gratificadas ao doar. Um país onde cada um se sente membro da sociedade e se enxerga como responsável pela comunidade, pela cidade e pela nação.

Mostramos que existe uma sociedade civil vibrante, e que ela está pronta para reagir. No meio da insegurança e da dor, se apoiou na solidariedade. Mas isso não surgiu de uma hora para a outra, é fruto de muito trabalho, feito ao longo de muitos anos.

A primeira coisa a ser esclarecida é que, como já acompanhamos há alguns anos na divulgação  do World Giving Index (ou Índice de Solidariedade), em momentos de crise, guerras, desastres da natureza e epidemias, a sociedade se sensibiliza e as doações aumentam. Portanto, parte da mobilização se daria de qualquer forma.

Mas existe toda uma construção de confiabilidade e eficiência que as organizações da sociedade civil vêm edificando desde a redemocratização do país. As denúncias de corrupção que envolveram vários segmentos nos últimos anos, geraram uma nova postura e uma série de instrumentos que acabaram por beneficiar o campo filantrópico.

Os programas de compliance, que eram exclusivos de empresas, agora estão presentes no terceiro setor. Práticas de combate à lavagem de dinheiro também. Cada vez mais, as OSCs passam por validações antes de receber recursos dos doadores, e se acostumam a fazer prestações de contas. Tudo isso veio para ficar e dar mais segurança aos doadores.

Todos esses mecanismos foram fundamentais para que, chegando a pandemia e a crise gerada em diversos setores além da saúde, as ações filantrópicas fossem a resposta natural para a sociedade ajudar o país, para pessoas ajudarem pessoas através da doação.

Quando a emergência da Covid-19 passar, teremos pela frente o desafio de fazer com que essa cultura de doação, demonstrada com tanta força, mantenha sua vitalidade. E para isso, as organizações da sociedade civil que receberam a confiança de seus doadores deverão nutri-la  trabalhando de forma intensa, transparente e eficiente, apoiando os grupos mais vulneráveis do nosso país.

Mas só isso não basta, teremos que lutar para estabelecer um ambiente favorável à doação, aprimorando nossas leis, definindo incentivos fiscais mais amplos e construindo instrumentos que facilitem a vida do doador. Do grande e do pequeno.

O Brasil está no momento certo para fortalecer o caminho da doação e torná-la um hábito da maioria dos brasileiros. Nosso país precisará desse engajamento permanente da população para combater os efeitos pós-pandemia. Pensar que doar é um ato só de quem tem alto poder aquisitivo está errado. A sociedade civil somos todos nós, e todos nós podemos doar.


Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo, em 27 de maio de 2020[irp]

LGPD: uma oportunidade para o Terceiro Setor

Em maio de 2018 entrou em vigor na União Europeia a GDPR – (General Data Protection Regulation) como uma mudança cultural fundamental na maneira de enxergar e usar dados pessoais nos dias atuais. Frente aos diversos casos de vazamento ocorridos nos últimos anos e com o crescimento incontrolável da produção de dados, a legislação precisava se adequar para garantir que a privacidade das informações pudesse ser garantida aos seus titulares. Essa Legislação chegou também ao Brasil, conhecida como LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados pessoais, prevista para entrar em vigor no mês de agosto de 2020, mas com possibilidade de ser postergada para maio de 2021, conforme Medida Provisória nº 959, de 29 de abril de 2020[1].

LGPD terceiro setor

A Serasa Experian realizou um mapeamento no primeiro trimestre de 2019 que mostra que 75% dos consumidores (Pessoas Físicas) têm conhecimento baixo sobre a existência da Lei enquanto 66% das empresas dizem ter entendimento médio e 64% avaliam que estarão adequadas até o início do ano de 2020[2].

O mundo corporativo está relativamente conscientizado sobre essa nova legislação, mas quando olhamos para o universo das Organizações da Sociedade Civil a situação ainda está muito nebulosa. Nessa perspectiva, Jeremy Dron, consultor-associado do IDIS, em parceria com o Atados e o Social Good Brasil, realizou uma pesquisa envolvendo 95 organizações sem fins lucrativos para realização de um mapeamento e de um diagnóstico inicial do Terceiro Setor quanto a essa mudança jurídica importante. Os resultados principais desta são apresentados nesse artigo, assim como alguns pontos principais da Lei no âmbito das Organizações Sociais para entender melhor quais poderiam ser as devidas adequações, mas também porque esse marco precisa ser entendido como uma oportunidade inédita. A coleta de informações foi efetuada entre novembro de 2019 e fevereiro de 2020, quando a Lei ainda estava prevista para entrar em vigor em agosto de 2020.

Dados pessoais

A LGPD está voltada diretamente ao uso de Dados Pessoais e pretende garantir que qualquer cidadã(o) brasileira(o) possa ter controle sobre como, onde e por quem seus dados estão sendo utilizados. Inclusive, esse controle que pode necessitar um prévio consentimento permitiria a qualquer um(a) de solicitar a cessão de uso de suas informações em todo momento.

Para determinar o universo de dados que isso representa, a Lei considera no seu Art. 5º o dado pessoal como “qualquer informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável”[3]. Em outras palavras, “se uma informação permite identificar, direta ou indiretamente, um indivíduo que esteja vivo, então ela é considerada um dado pessoal”[4]. Com isso, é possível entender que dados como nome, RG ou CPF, por exemplo carregam informações que permitem rastrear a origem de seu titular razoavelmente facilmente, mas a Lei vai além em considerar Dado Pessoal também o dado que, ao cruza-lo com outros insumos ou técnicas, possibilita caracterizar e consequentemente identificar seu titular.

Além disso, ela ainda define no Art. 7º da Seção I em quais situações exclusivas o tratamento e compartilhamento de dados pessoais poderão ser realizados, ou seja:

I – mediante o fornecimento de consentimento pelo titular;

II – para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador;

III – pela administração pública, para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres, observadas as disposições do Capítulo IV desta Lei;

IV – para a realização de estudos por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais;

V – quando necessário para a execução de contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual seja parte o titular, a pedido do titular dos dados;

VI – para o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral, esse último nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem);

VII – para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro;

VIII – para a tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária;

IX – quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro, exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais; ou

X – para a proteção do crédito, inclusive quanto ao disposto na legislação pertinente.

 

 

 

 

 

 

 

A pesquisa mostra que a noção de dado pessoal já parece estar amplamente difundida e entendida pelas Organizações da Sociedade Civil. Contudo, devemos ficar ainda mais atentos ao tratamento dos dados pessoais nessas organizações, já que 98% declara fazer uso. Essa informação é fundamental porque pode-se considerar que a imensa maioria das OSCs será impactada pela LGPD e, portanto, terá que se adequar a ela.

Nessa perspectiva, começamos a perceber o alcance que essa legislação possa ter ao se pensar no Terceiro Setor e em particular nos dados armazenados dos funcionários, voluntários e beneficiários das Organizações Sociais. Mas esse quadro tende a chamar mais a nossa atenção ao se tratar de Dados de Crianças e Adolescentes e Dados Pessoais ditos “sensíveis”.

Dados de Crianças e Adolescentes 

Sabemos que muitas propostas de atuação sociais estão voltadas a crianças e adolescentes e torna-se fundamental entender o que a LGPD diz a respeito já que ela também tem uma seção específica sobre esse assunto (Capítulo II – Seção III – Art. 14º) que está reproduzida aqui:

  • 1º O tratamento de dados pessoais de crianças deverá ser realizado com o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal.
  • 2º No tratamento de dados de que trata o § 1º deste artigo, os controladores deverão manter pública a informação sobre os tipos de dados coletados, a forma de sua utilização e os procedimentos para o exercício dos direitos a que se refere o art. 18 desta Lei.
  • 3º Poderão ser coletados dados pessoais de crianças sem o consentimento a que se refere o § 1º deste artigo quando a coleta for necessária para contatar os pais ou o responsável legal, utilizados uma única vez e sem armazenamento, ou para sua proteção, e em nenhum caso poderão ser repassados a terceiro sem o consentimento de que trata o § 1º deste artigo.
  • 4º Os controladores não deverão condicionar a participação dos titulares de que trata o § 1º deste artigo em jogos, aplicações de internet ou outras atividades ao fornecimento de informações pessoais além das estritamente necessárias à atividade.
  • 5º O controlador deve realizar todos os esforços razoáveis para verificar que o consentimento a que se refere o § 1º deste artigo foi dado pelo responsável pela criança, consideradas as tecnologias disponíveis.
  • 6º As informações sobre o tratamento de dados referidas neste artigo deverão ser fornecidas de maneira simples, clara e acessível, consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, com uso de recursos audiovisuais quando adequado, de forma a proporcionar a informação necessária aos pais ou ao responsável legal e adequada ao entendimento da criança.

Percebe-se o quanto o tratamento de dados de Crianças e Adolescentes tem que ser realizado com muito cuidado e a maior transparência, possibilitando seu acompanhamento e entendimento facilitado pelos responsáveis do público atendido. Isso, sem dúvida alguma deve gerar no mínimo a reestruturação de processos de coleta e armazenamento de dados nas Organizações da Sociedade Civil.

Dados Sensíveis

A LGPD não se limita somente aos Dados Pessoais citados acima, mas distingue a informação qualificada como “sensível” e que consequentemente está sujeita a maior privacidade no seu uso e, portanto, existe um risco relativo maior em caso de exposição fortuita.

Para entender o que é um Dado Sensível, precisamos voltar ao artigo 5º da Lei que o define como um “dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”[5].

Quem atua na área social identifica que existe alguns dados citados aqui que são importantes para o entendimento de seu público-alvo e até que possam auxiliar em caracterizar por exemplo sua condição de vulnerabilidade. Isso se torna fundamental na elaboração da justificativa ao propor ou desenvolver um projeto, mas também no decorrer do monitoramento e avaliação das suas ações e do impacto potencialmente causado.

A pesquisa mostra que 60% das OSCs consultadas utilizam dados sensíveis. Portanto é um elemento que precisa ser olhado com cuidado pelos atores do Terceiro Setor para evitar qualquer risco que possa prejudicar sua atuação. Para isso, sugere-se a leitura da Seção II do Capítulo II (Art. 11º, 12º e 13º) da Lei que trata dos casos específicos quanto ao tratamento desse tipo de dados.

Dados anonimizados

A questão que traz a LGPD não é sobre qual a ferramenta mais adequada, mas sobre quais são os processos que precisam ser implantados para garantir a privacidade dos dados pessoais.         

No âmbito da Lei existe um ponto importante para destacar e que possa ser a maneira mais pertinente de se adequar e se proteger contras as consequências do descumprimento da mesma: tratar dado anonimizado, definido como “dado relativo a titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento”[6], isto significa que o dado “era relativo a uma pessoa, mas que passou por etapas que garantiram a desvinculação dele a essa pessoa”[7].

Neste caso, a LGPD não se aplicará a este dado e, consequentemente a organização poderá realizar suas análises de forma segura e respeitando a privacidade.

Privacidade e Ética dos Dados

É infelizmente comum termos, como pessoas físicas, a desagradável sensação que nossos dados e, talvez até nossa identidade possam escapar de nosso controle, gerando certo sentimento de impotência. O surgimento da LGPD vem suprir uma necessidade da sociedade moderna disruptiva onde dados estão sendo utilizados de maneira ainda desgovernada e com pouquíssima transparência, trazendo um auxílio ao titular do dado para que ele não se sinta mais desamparado.

Há de se esperar que o quadro fique mais estruturado e que o domínio de nossos dados volte para nossas mãos. Com ele será reforçado o respeito à privacidade e colocado no meio da discussão um tema muitas vezes desconsiderado porém primordial: o uso ético dos dados. Este precisa ser valorizado para que possamos tratar com humildade e propriedade a informação, sempre tendo em vista o respeito ao seu titular. Somente a alimentação deste diálogo poderá garantir que a legislação seja um ponto de mudança na consideração da pessoa humana num mundo cada vez mais digital e tecnológico e onde a Inteligência Artificial cresce de maneira exponencial.

Papeis importantes na LGPD

Um dos procedimentos novos trazidos pela entrada em vigor da LGPD é a determinação pelas instituições dos agentes de tratamento de dados: o controlador, o operador e o encarregado.

São esses atores que vão garantir a elaboração e o respeito das políticas internas de tratamento de dados pessoais para que a privacidade e o atendimento inequívoco aos direitos dos titulares sejam respeitados.

O encarregado, em particular, será o ponto focal do diálogo das instituições com a Sociedade Civil e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD.

CONTROLADOR: Pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais

OPERADOR: Pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do controlador

ENCARREGADO: Pessoa indicada pelo controlador e operador para atuar como canal de comunicação entre o controlador, os titulares dos dados e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)

Conhecimento da LGPD pelas Organizações do Terceiro Setor

Os dados trazidos pela pesquisa podem parecer paradoxais, porque, enquanto 80% das OSCs responderam que desconhecem a Lei ou ainda não se aprofundaram nela, 91% concordam em dizer que seu impacto será no mínimo moderado, sendo que mais da metade aponta que será significativo.

A LGPD traz exigências que podem não ser tão rápidas de implantar. Portanto, já que a maioria está ciente que haverá impacto, é necessário iniciar, o quanto antes, os processos de adequação para garantir que as instituições estejam preparadas, quando a Lei entrar em vigor.

Além disso, podemos ver no gráfico abaixo que os desafios enfrentados pelas organizações são realmente diversos e soluções precisam ser criadas para que a adequação possa acontecer respeitando os fundamentos da Lei.

Uma oportunidade para o Terceiro Setor

Se a chegada dessa nova legislação pode gerar certa preocupação por parte das Organizações da Sociedade Civil, há de se enxergar esse momento como uma oportunidade para que estas possam usufruir de todo o aprendizado que essa transformação sugere e assim otimizar o uso da informação que possuem para melhorar de forma relevante o impacto social de suas ações. Isso passa por algumas etapas essenciais, dentro as quais:

  1. Entender o que é “dado” e mapeá-lo dentro da instituição;
  2. Organizar os dados com processos claros;
  3. Sensibilizar suas equipes sobre o uso adequado de dados;
  4. Implementar políticas institucionais sobre coleta, armazenamento, tratamento e compartilhamento dos dados que garantem sigilo, privacidade e ética;
  5. Garantir o consentimento e a transparência aos titulares dos dados em todas as etapas;
  6. Aplicar modelos de análise de dados e inteligência artificial que permitem pensar em novas estratégias de atuação;
  7. Publicar seus resultados baseados em evidências, mostrando seriedade e propriedade para a Sociedade Civil e potenciais apoiadores e financiadores.

Vale salientar que esse novo paradigma também poderá redefinir certas regras de parceria entre as instituições e assim influenciar viabilidade destas.

Conclusão

A LGPD traz elementos essenciais para a proteção das informações que caracterizam cada um de nós. E como a tecnologia avançará ainda muito nos próximos anos, essa legislação chega num momento onde é fundamental entender que entramos em uma era totalmente nova e revolucionária no que diz respeito ao tratamento da informação. De fato, é possível extrair mais conhecimento sobre uma pessoa pelo entendimento dos dados que a definem do que pelo seu próprio DNA.

A pesquisa realizada permitiu mostrar que O Terceiro Setor ainda precisa caminhar muito no âmbito da adequação à Lei. Com a situação pandêmica atravessada pelo mundo inteiro, as prioridades voltaram para assuntos mais emergenciais e até de sobrevivência institucional, deixando para outro plano a questão da privacidade dos dados. A Medida Provisória que pode prorrogar até maio de 2021 a entrada em vigor da LGPD deixaria um horizonte um pouco maior para as OSCs se organizarem, porém muitas delas podem sair enfraquecidas da crise atual e precisarão de soluções concretas e práticas para atender as exigências da Lei e conseguir realizar o tratamento adequado de dados. Além disso vale ressaltar que a própria MP pode ainda caducar, o que teria como consequência a volta ao início da vigência original de agosto de 2020. Contudo, algumas etapas ainda acontecerão  que, inclusive, podem postergar a aplicação das sanções para agosto de 2021.

 

Fontes

Pesquisa LGPD e Terceiro Setor: https://drive.google.com/file/d/1aiXz3LHmG9KB3cn9IspPVBbAdyk4mIoa/view

LEI Nº 13.709, DE 14 DE AGOSTO DE 2018: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm

Pesquisa Serasa Experian: https://www.serasaexperian.com.br/blog/o-que-os-consumidores-e-as-empresas-sabem-sobre-lgpd-e-o-que-estao-fazendo-a-respeito

Serpro e LGPD: https://www.serpro.gov.br/lgpd/

1 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv959.htm

[2] https://www.serasaexperian.com.br/blog/o-que-os-consumidores-e-as-empresas-sabem-sobre-lgpd-e-o-que-estao-fazendo-a-respeito

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm (Art 5º – I)

[4] https://www.serpro.gov.br/lgpd/menu/protecao-de-dados/dados-pessoais-lgpd

[5] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm (Art 5º – II)

[6] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm (Art 5º – III)

[7] https://www.serpro.gov.br/lgpd/menu/protecao-de-dados/dados-anonimizados-lgpd

O que o relatório OXFAM 2019 tem a dizer para famílias filantropas brasileiras?

Por Ruth Goldberg*

O ‘Tempo de Cuidar, relatório da OXFAM Internacional, divulgado em paralelo ao Fórum Econômico de Davos em janeiro de 2020, conseguiu, novamente, chocar o mundo. Ele destaca o grande fosso que existe no mundo em termos de distribuição de riqueza (em 2019, os bilionários do mundo que somam apenas 2.153 pessoas, detinham juntos mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas) e os desafios ligados aos extremos de riqueza que coexistem com uma enorme pobreza, com foco no trabalho de cuidado (não remunerado, mal pago e realizado por mulheres e meninas em todo o mundo), que perpetua as desigualdades de gênero e econômica em praticamente todos os países. Ele chama a atenção sobre o modelo vigente, que, a despeito de todos os esforços, continua produzindo desigualdades e injustiças. Mas mudando o ponto de vista e tentando enxergar do lado daqueles que têm mais recursos, o relatório pode servir como excelente guia para ajudar numa tomada de decisão.

Um dos maiores dilemas a serem vencidos por indivíduos e famílias que querem contribuir com a solução dos problemas brasileiros investindo em projetos socioambientais é a definição da causa ou das causas para a sua atuação. Seja atuando apenas como doadores (os chamados grantmakers), ou como operadores diretos dos projetos, a escolha da área de atuação é sempre muito complexa e polêmica.

Entre as razões para essa dificuldade, podemos destacar o uso da lógica racional em contraponto com a emoção, decorrente sobretudo do diálogo intergeracional nas famílias, a necessidade de alinhamento e visão de futuro entre seus membros e por fim, a escassa fonte de dados e informações que garantam uma atuação mais eficaz e alinhada com desafios de longo prazo.

Tendo em vista a importância do trabalho de cuidado (relacionado à atenção às crianças, idosos, pessoas com doenças e deficiências físicas e mentais, trabalhos domésticos), tão essencial para nossas sociedades e portanto para o Brasil, o relatório apresenta soluções estratégicas para reversão deste quadro, baseadas principalmente em ações conjuntas, integradas entre sociedade civil e governos, que abrangem o desenvolvimento de sistemas de cuidado, ações de redistribuição, serviços gratuitos e alteração nas políticas de tributação.

Estudo desenvolvido em 2019 pelo Founders Pledge (www.founderspledge.com), com apoio do PAF – Philantropy Advisory Fellowship para uma organização filantrópica familiar brasileira, pautado na lógica de otimizar o investimento filantrópico versus o impacto social, utilizou um modelo baseado em evidências para elencar áreas de atuação prioritárias que garantam maior eficácia no investimento social no Brasil para os próximos 30-50 anos. Elencou uma lista de nove áreas de intervenção para geração de relevante impacto no Brasil: eficácia em programas governamentais, doenças do envelhecimento, inclusão produtiva, saúde mental, violência interpessoal, política fiscal, primeira infância, eficiência energética e energia limpa e saneamento.

Os atores da filantropia familiar (investidores sociais individuais ou famílias) têm que lidar com uma realidade social muito complexa e com uma variedade enorme de possibilidades (e necessidades) para intervenção. Qualquer que seja a área de atuação escolhida para o investimento social feito por indivíduos ou famílias, as transformações mais estruturantes e necessárias só se darão se houver uma forte articulação entre sociedade civil e governos, alianças e parcerias locais, nacionais e internacionais, adoção de critérios de eficiência, eficácia e efetividade e potente trabalho de advocacy em nome das diversas causas.

Para aqueles interessados em saber um pouco sobre como começar uma atividade filantropa em família, recomendo a leitura da folheto ‘Seu Roteiro para a Filantropia’, publicado pela Rockefeller Philanthropy Advisors e traduzido e publicado em português pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social.

* Ruth Goldberg é Consultora Associada do IDIS Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Artigo originalmente publicado em 19/02/20, no Blog do Fausto Macedo, no Estadão

É hora de enfrentar a desigualdade crescente

Por André Rodrigues de Lara*

Vivemos em um mundo extremamente desigual, que vem aprofundando essa desigualdade ano após ano, o que comprova que o sistema econômico e fiscal vigente está estruturado para elevar a concentração de renda. O relatório “Tempo de Cuidar” da Oxfam, organização da sociedade civil que atua no combate à desigualdade, pobreza e injustiça social, lançado às vésperas do Fórum Econômico Mundial deste ano, trás dados estarrecedores da desigualdade no mundo. Em 2019, apenas 2.153 indivíduos mais ricos do mundo detinham mais riqueza que 4,6 bilhões de pessoas. Os 22 homens mais ricos do mundo detêm mais riquezas que todas as mulheres que vivem na África. Se todas as pessoas do mundo empilhassem seus recursos financeiros em notas de 100 dólares e sentassem em cima, a maior parte da humanidade ficaria sentada no nível do chão, as pessoas de classe média de um país rico ficariam sentadas no nível de uma cadeira enquanto os dois homens mais ricos do mundo estariam sentados além da estratosfera, no espaço sideral. Embora todos essas comparações sejam alarmantes, o dado que mais me impressionou foi que o valor monetário global do trabalho de cuidado não remunerado prestado em sua maioria por meninas, adolescentes e mulheres é de pelo menos US$10,8 trilhões por ano, isso significa que se essa riqueza fosse gerada por um país seria a terceira maior economia do mundo, bem perto do PIB chinês. Esse montante não pago a essas mulheres e meninas sustenta parte da economia mundial e a maior parte dessa fatia está indo para os mais ricos. São mais de 12,5 bilhões de horas de cuidados diárias em tarefas como cozinhar, limpar, buscar água e lenha, cuidar de idosos, outras crianças ou parentes debilitados entre outras atividades que são essenciais.

Esse cenário de desigualdades vem se aprofundando ao longo dos anos e cada ente da sociedade (indivíduos, organizações, empresas e governo) tem seu papel no combate a esta situação. Um primeiro passo é ampliar a consciência, entender o que está acontecendo, como esse mecanismo está estruturado e os impactos que essa desigualdade profunda trás, e trará cada vez mais, para o mundo e consequentemente para si e para o seu entorno. A partir dessa reflexão, podemos compreender como nossos diferentes papéis – eleitor, consumidor, empregado, empregador ou cidadão – influenciam essa dinâmica, para então traçar um plano para mudar hábitos e atitudes que causem efeitos positivos no mundo que desejamos viver.

A mesma reflexão serve também para empresas e organizações. Ao avaliarem sua estratégia de negócio, sua atuação, sua cadeia de valor, seu entorno, suas relações com o poder público e suas ambições de futuro, devem incluir nessa análise metas claras não mais de mitigação de danos, mas sim de efetivos esforços para causar um impacto positivo, trazendo benefícios para a sociedade. Talvez você se pergunte: “Mas por que uma empresa deve pensar em causar impacto positivo se já gera empregos e paga seus impostos?”, minha pequena contribuição para esclarecer esse questionamento é que além da sua intrínseca responsabilidade social e necessidade de licença social para operar, devemos entender que hoje é uma estratégia de sobrevivência contribuir para um mundo mais equilibrado e justo  ambiental, social e economicamente. Os impactos econômicos da desigualdade e dos desequilíbrios ambientais afetarão as empresas. Os mercados consumidores, mão de obra qualificada, acesso a recursos e insumos e legislações cada vez mais rigorosas são alguns dos fatores ligados à desigualdade e aos impactos ambientais que as empresas terão que lidar. Todos nós temos uma decisão a tomar, que papel queremos ter na solução deste problema? É preciso agir para reduzir a desigualdade.
* André Rodrigues de Lara é Gerente de Projetos no IDIS

Evelyn Ioschpe: a face de um Terceiro Setor digno e confiável

Por Marcos Kisil*

Com profundo pesar recebi a notícia da morte de Evelyn. Parceira e amiga de muitos anos desde nosso encontro num grupo de filantropos que buscavam organizar e viabilizar o papel único que a filantropia pode, e deve ter, em criar uma sociedade justa e sustentável.

Corria os anos 90, deixamos os anos de chumbo da ditatura militar, vivíamos uma nova Constituição, tínhamos eleito democraticamente o Presidente Color. Nossa geração vivia um momento muito especial de esperança e de necessidade de participação num novo Brasil.

Porém, a história pátria começa a dar sinais de que os sonhos de muitos são sufocados pelos desejos ignóbeis de poucos.

Assim, num momento de construção da sociedade civil, onde a participação voluntária da cidadania passa a se manifestar por meio de novas organizações que querem ser livres da tutela de governos, nascendo sob o guarda-chuva de ONGs, eis que a sociedade se dá conta da mazela que ocorria na então Fundação Legião Brasileira de Assistência, LBA.

LBA foi criada como um órgão de assistência às famílias necessitadas em geral, em 1942. A LBA tinha como presidentes as primeiras-damas do governo federal, e vinculada ao Ministério da Ação Social do governo Collor.

Em 1991, sob a gestão de Rosane Collor, então primeira dama, foram feitas diversas denúncias de esquemas de desvios de verbas da LBA, como uma compra fraudulenta de 1,6 milhão de quilos de leite em pó. Para este desvio se usavam ONGs no estado de Alagoas.

Como neste momento nosso grupo de filantropos se reuniam informalmente desde 1989, e o escândalo projetava uma sombra sobre todas organizações sem fins lucrativas e não governamentais, tomamos a decisão de nos formalizarmos numa estrutura associativa que veio a se constituir como GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas. E, para tanto, foi instituído um Código de Ética que deveria ser aceito por toda associado que quisesse aderir a nova organização, e que representava um manifesto a favor da probidade, seriedade e transparência que deveria se ter com o uso de recursos em prol do desenvolvimento sustentado.

De maneira natural, e por aclamação, Evelyn foi eleita para ser a primeira presidente do Conselho do GIFE. Tive a honra de ser escolhido seu vice-presidente, e assim acompanhar as difíceis decisões que se impunham para tornar realidade a nova organização.

Dessa maneira passei a disfrutar do convívio da socióloga, jornalista, curadora de artes e cidadã Evelyn Ioschpe.

Então, Evelyn era a presidente da Fundação Ioschpe e do Instituto Arte na Escola.

Posteriormente, já como membro do Conselho da Fundação pude acompanhar o interesse e empreendedorismo da Evelyn em expandir o programa Formare, em que o ensino técnico profissionalizante é realizado dentro da própria fábrica, tendo funcionários voluntários como professores de jovens aprendizes. Criado em 1988, hoje o programa é reconhecido pelo MEC e não se restringe ao ambiente da Ioschpe-Maxxion, sendo aplicado em mais de 50 empresas, da Nívea à Duratex; e já formou mais de 10 mil alunos. A outra iniciativa da Fundação é o Instituto Arte na Escola, voltado para a melhoria do ensino de arte do ensino público por meio da formação de professores. Através de parcerias com universidades de todo o país, a iniciativa já beneficiou 13 mil professores.

Evelyn tinha uma frase que orientou seu pensamento e ação tanto nas ações pessoais como institucionais, seja na Fundação, seja no GIFE, seja nas diferentes entidades que serviu como executiva ou como conselheira:

“Todas as pessoas que têm vocação para o terceiro setor são as que se dão conta de que a vida delas pode transformar a vida de outras pessoas. ”

Transformar as vidas das pessoas era uma motivação que transbordava de sua pessoa. E dizia,

“Entrar para o terceiro setor foi onde eu consegui, na verdade, expressar o meu desejo de mudança, de dar minha contribuição. Queremos ajudar a formar indivíduos mais conscientes, que tenham uma visão mais sólida e mais crítica, para que possam ser cidadãos mais plenos e mais participantes. ”

Assim possibilitou em suas palavras o que esperava de uma organização social, incluindo o GIFE:

 “A visão que tínhamos era de que se havia um trabalho profissional sendo feito, não podíamos mais pensar em atender diretamente a uma determinada população, mas tínhamos que desenhar uma maneira da nossa ação ser multiplicadora”

Neste sentido cumpre reconhecer dois programas que fizeram parte das ações iniciais do IDIS: o Programa de Trainee GIFE, instrumento para apoiar os associados na capacitação de seus quadros mais jovens, e o lançamento do livro 3° Setor – Desenvolvimento Social Sustentado

Este livro, organizado pela Evelyn, constitui ainda a introdução mais prática que existe no Brasil, ao tema do Terceiro Setor, ONGs. Organizações da Sociedade Civil etc. Redigiram capítulos do livro pesquisadores como Lester Salamon, provavelmente o estudioso hoje mais informado sobre o assunto, outra excelente autora como Peggy Dulany, bem como autores brasileiros como Ruth Cardoso, Rubens Cesar Fernandes, Joaquim Falcão, e outros tantos companheiros de jornada da Evelyn, no qual estou incluído.

A construção deste livro é, em larga medida, a construção de um pensamento que, se ao final da leitura parece unívoco, é de fato pluralista e, no entanto, surpreendentemente afinado.

Lançado em 1997, a obra nasceu da realização do III Encontro Ibero-Americano do Terceiro Setor, em setembro de 1996 no Rio de Janeiro, que teve a participação do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), que discutiu o conceito “Terceiro Setor”, suas formas e limites. E aqui encontramos outra importante contribuição da Evelyn para o nosso setor: crença na importância de diálogos entre pensadores do setor, fomentando e participando de encontros nacionais e internacionais.

Um desses encontros foi o Encontro Internacional de Associações que reuniam organizações doadoras de recursos (IMAG) em Oaxaca, México, em 1998. Este encontro reuniu líderes de filantropia de 25 países para se engajarem em programas de aprimoramento de suas ações em prol dos filantropos associados às suas organizações. A reunião mostrou a necessidade da criação de uma rede de associações para ser um centro de informação e conhecimento, propulsor de iniciativas que fizessem da filantropia um instrumento de crescimento e desenvolvimento social. Representando o Brasil estava Evelyn como ativa participante das ideias discutidas e concluídas no encontro. Em 2000, foi então criado a organização WINGS – Worldwide Initiatives in Grantmaking Support. Neste momento, sendo Presidente do Conselho do GIFE, tive a honra se ser co-fundador desta nova organização, e ser membro de seu primeiro conselho. Mais, uma vez tendo a Evelyn como parceira e amiga.

Hoje o WINGs conta como uma rede de mais de 100 associações filantrópicas e organizações de apoio em 40 países ao redor do mundo, cujo objetivo é fortalecer, promover e liderar o desenvolvimento da filantropia e do investimento social. Juntos, os membros da WINGS e os participantes da rede representam mais de 100.000 entidades filantrópicas de todas as regiões, mobilizando bilhões de dólares.

Assim, de maneira singela quero aqui prestar homenagens a esta líder do nosso setor que nos deixa. Testemunhei seu engajamento e participação em diferentes momentos de criação e desenvolvimento da sociedade civil, seus exemplos de cidadã preocupada com uma sociedade equânime e solidária, preocupada com o destino de crianças e adolescentes, contribuinte para a teoria e prática do investimento social privado.

Devo também a Evelyn outro importante ensinamento: o que significa a expressão Tzedaká. Mandamento judaico sobre a responsabilidade em construir a justiça social. É a obrigação de doar algo de si, trabalho ou conhecimento ou recursos materiais. E como encontramos no Maimônides, a forma mais elevada é dar um presente, empréstimo ou parceria que irá resultar no receptor ser autossustentável, em vez de viver com o auxílio dos outros, ou seja “não dar o peixe e sim ensinar a pescar”. Assim, agiu a minha amiga Evelyn em sua vida.

* O Dr. Marcos Kisil é o fundador do IDIS e atualmente membro do Conselho Deliberativo.

Recursos não Tradicionais para Fundos Patrimoniais de OSCs

Fundos patrimoniais (endowments) são estruturas que recebem e administram bens, majoritariamente recursos financeiros, que são investidos com os objetivos de preservar o valor do capital principal no longo prazo. Isso ocorre inclusive contra perdas inflacionárias, gerando resgates recorrentes e previsíveis para sustentar financeiramente um determinado propósito, uma causa ou uma entidade de interesse público ou coletivo, sem fins lucrativos.

Ao estruturar fundos dessa natureza, as organizações se tornam menos dependentes de novas doações e patrocínios, alcançam maior estabilidade financeira e asseguram sua viabilidade operacional, permitindo que cresçam de forma sustentável.

Em países desenvolvidos, os fundos patrimoniais existem há mais de século, como o da Rockefeller Foundation e o Carnegie Endowment for International Peace.

No Brasil, um dos obstáculos encontrados, além de nossa pequena tradição em relação ao assunto, é a falta de uma legislação específica que facilite sua criação, e o uso de incentivos fiscais.

Porém, após muitos anos de um esforço coletivo realizado pela COALIZÃO PELOS FUNDOS FILANTRÓPICOS, o governo federal sancionou a Lei 13.800/19, conhecida como Lei dos Fundos Patrimoniais, em 4 de janeiro de 2019. Ela garante significativa amplitude temática para utilização dos recursos de fundos patrimoniais, possibilitando que sejam destinados para instituições que atuam em diversas áreas como educação, cultura, tecnologia, pesquisa e inovação, meio ambiente, entre outras.

A legislação buscou estabelecer certas diretrizes no que diz respeito à governança aplicável aos fundos patrimoniais, sem, contudo, estabelecer diferenciações entre fundos destinados a apoiar instituições públicas e privadas. Nesse tocante, o texto legal criou a figura das organizações gestoras de fundos patrimoniais (associações ou fundações privadas), estabelecendo requisitos específicos acerca da sua forma de organização interna, incluindo a existência obrigatória de um Comitê de Investimentos, com profissionais registrados na CVM.

Contudo, a sanção presidencial foi acompanhada por vetos importantes, especialmente a supressão da previsão de benefícios fiscais referentes ao imposto de renda de doadores, pessoas física ou jurídica, que aportassem recursos em fundos patrimoniais. A justificativa foi no sentido de que a criação de tais benefícios não observou requisitos da legislação orçamentária e financeira.

A retirada de benefícios aos doadores cria um obstáculo evidente para o êxito dos fundos patrimoniais, que figuram como mecanismo voltado para estimular o aumento do investimento social e a cultura de doação no país. Esses vetos devem ser analisados pelo Congresso Nacional, sendo possível sua rejeição por maioria absoluta dos membros de cada Casa.

Ainda assim, a aprovação da Lei é um fato positivo, especialmente para as entidades da sociedade civil, que poderão ser amplamente beneficiadas pelos fundos patrimoniais na realização de suas atividades em defesa de interesses sociais. A nova lei é particularmente importante por conferir maior segurança jurídica a potenciais doadores, assegurando a individualização e separação entre os patrimônios do fundo e das instituições apoiadas, ainda que haja dúvidas acerca dos entraves que a estrutura de governança prevista pela lei pode representar na criação e no funcionamento dos fundos patrimoniais, na prática.

 

Pesquisa sobre Fundos Não Tradicionais

Sob a liderança do Prof. Lester Salamon, professor da Johns Hopkins University, um grupo de especialistas em filantropia e investimento social privado passou a buscar mecanismos alternativos para a constituição de fundos patrimoniais de organizações da sociedade civil (OSCs).

Por ser um projeto complexo em seu desenho e implantação, foi dividido em fases desde 2012, com estimativa para término em 2022. A primeira fase foi chamada de “Conceitual” para aclarar o significado dos fundos não tradicionais que pudessem ser de alcance global. Ela foi composta por reuniões presenciais ou à distância com o objetivo de revisar os textos produzidos pelos participantes. A segunda fase foi a de “Identificação do Universo” de casos com base no conceito dos fundos não tradicionais. De maneira progressiva e com a ajuda de colaboradores em diversos países, foram identificados aproximadamente 580 casos, que de acordo com suas características foram classificados em grupos que atendem os mesmos critérios de uso de recursos disponibilizados. Por exemplo, casos resultantes da privatização de ativos públicos, de troca de dívidas (debt swap), de punições pecuniárias da justiça para pessoas e empresas, de recursos de corrupção identificados e devolvidos de contas no exterior, de acordos de ajuste de conduta e de leniência.

Na terceira fase, foram identificados em cada grupo os casos que deveriam ser aprofundados. Nesse sentido, o conhecimento adquirido poderia ser orientado para situações similares em circunstâncias políticas e econômicas das diferentes sociedades e estados nacionais. Essa é fase em que o projeto está atualmente. Os achados do estudo em suas fases “Conceitual” e de “Identificação do Universo” já foram publicados, e os casos estão sendo progressivamente selecionados, estudados, sistematizados e publicados durante o período restante do projeto.

Fundos patrimoniais que resultaram de privatizações conduzidas pelos governos demonstram que os bens não pertencem apenas ao Estado, mas também à sociedade. Nesse sentido, a pergunta central é: um bem público pode ser objeto de uma transação de privatização sem a participação da sociedade? Quais são os limites do Estado para agir como único proprietário do bem?

(Conheça também o livro ‘Filantropização via Privatização’, do professor Lester Salamon, publicado pelo IDIS no Brasil)

 

O exemplo alemão

Um bom exemplo do potencial de recursos não tradicionais para a criação e o crescimento de fundos patrimoniais para OSCs é a história da empresa Volkswagen. Apoio importante para a sustentação da máquina de guerra da Alemanha durante o período nazista, ao final do conflito, a empresa se encontrava em território alemão controlado pelos ingleses.

Acreditando no papel que o complexo industrial deveria ter na redemocratização e no reerguimento da nação então destruída, o governo inglês estimulou a criação da Fundação Volkswagen, organização independente da empresa, com um Conselho Curador representativo da sociedade e do governo.

A Fundação se tornou proprietária da empresa com o compromisso de vender suas ações para cidadãos alemães. Os recursos obtidos com a venda criaram um fundo patrimonial para apoiar e promover a ciência na Alemanha. Hoje, a Fundação tem € 2,6 bilhões (US$ 3 bilhões) em ativos e uma longa história de substancial concessão de subvenções e doações para o desenvolvimento científico e tecnológico, que repôs a Alemanha na liderança econômica mundial. A Volkswagen permanece uma empresa independente e uma das líderes do mercado mundial de automóveis.

Dentro dos casos já identificados, foi possível encontrar diferentes tipos de recursos não tradicionais. Os mais prevalentes utilizaram parte dos recursos de processos de privatização/concessão de empresas ou participação pública em empresas que passaram para a iniciativa privada. Alguns utilizaram parte da receita de loterias, esportiva ou não. Outros utilizaram recursos advindos de licenças para a exploração de depósitos minerais, incluindo petróleo. E há ainda os que resultaram de trocas de contratos de dívidas internacionais (debt swap) em que o cedente de recursos autoriza que parte da amortização da dívida pode ficar no país endividado desde que os recursos sejam destinados a fundos patrimoniais de OSCs.

 

O caso brasileiro

Assim, deveríamos perguntar: por que não se aplicou esse modelo na privatização da Vale? Ou da Eletropaulo? Ou da Companhia Siderúrgica Nacional? Também poderíamos estender a pergunta para o universo das concessões dos portos, aeroportos, rodovias e outras.

Diferentemente do que muitos imaginam, a privatização é um processo relativamente comum no Brasil desde a década de 1980, mas o país apenas ingressou nessa era, de fato, a partir dos anos 1990. Ao todo, foram privatizadas mais de 100 empresas, que, até 2005, geraram uma receita de 95 bilhões de dólares, o que, corrigindo para valores de 2013, equivale a 143 bilhões de dólares.

Embora o processo de privatização tenha tido leis específicas nos governos Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, nenhum deles contemplou a sociedade civil como destinatária de parte dos recursos auferidos.

Já nos governos Lula e Dilma, o processo de privatização arrefeceu por razões ideológicas, e várias empresas e setores foram retirados do Plano Nacional de Desestatização. Além disso, o Estado agregou empresas ao seu portfólio, como é o caso da incorporação do Banco do Estado de Santa Catarina (BESC) e do Banco do Estado do Piauí (BEP) ao Banco do Brasil.

Em contrapartida, como reação à profunda crise financeira e econômica enfrentada pelo governo brasileiro depois de sua reeleição, a presidente Dilma Rousseff anunciou, em junho de 2015, um novo pacote de medidas do Programa de Investimento em Logística (PIL). Esse programa pode atingir até R$ 198 bilhões em concessões e outorgas feitas pelo governo à iniciativa privada, especialmente nas áreas de Portos (R$ 37,4 bilhões), Aeroportos (R$ 8,5 bilhões), Ferrovias (R$ 86,4 bilhões) e Rodovias (R$ 66,1 bilhões). Infelizmente, não houve nenhuma palavra ou aceno para que parte desses recursos seja distribuída para OSCs.

A venda de ativos ou privatização de serviços públicos é vista como uma das alternativas para obter recursos extras a fim de reduzir os rombos das contas públicas, aliviar as despesas e também aumentar o volume de investimentos em infraestrutura.

Se durante o governo Dilma tínhamos uma previsão de R$ 198 bilhões, no governo Bolsonaro trabalha-se com a estimativa de R$ 127,4 bilhões em investimentos ao longo dos próximos anos, considerando apenas 87 projetos com maiores chances de acontecer, de acordo com o próprio governo. Desse total, R$ 113,6 bilhões são de projetos federais, R$ 9,6 bilhões de estaduais e R$ 4,2 bilhões de municipais. O atual governo trabalha com o valor de R$ 142 bilhões em privatizações. Tirar esses projetos do papel, no entanto, não depende apenas de decisão política, mas também da capacidade de elaboração de estudos técnicos e de estruturação de modelagem que garanta o interesse de investidores. Em média, projetos de desestatização costumam levar, no mínimo, de um ano e meio a dois para chegar à fase de assinatura.

Para poderem ser levados a leilão, os projetos antes precisam passar por uma série de etapas, incluindo audiências públicas, análise de tribunal de contas e, dependendo do ativo, aprovação do Legislativo e mudança de lei. Isso se ao longo de todo o trâmite também não surgirem ações na Justiça pedindo mudanças ou simplesmente o impedimento da licitação.

De acordo com informações colhidas pelo projeto americano, a média de recursos que poderia ser destinada para fundos patrimoniais da sociedade civil gira em torno de 15% do valor do ativo. Isso implicaria em quase R$ 20 bilhões para o setor social. A importância desses recursos para organizações sociais pode ser demonstrada pelo caso envolvendo entidades como as Santas Casas de Misericórdia.

Esses hospitais filantrópicos são responsáveis por 74% dos leitos oferecidos pelo SUS. Portanto, são essenciais para o atendimento oferecido aos brasileiros. Até maio de 2015, tinham acumulado uma dívida de R$ 21,5 bilhões e chegaram à beira da falência, fechando suas portas para a população. De acordo com as evidências, a maior razão dessa dívida foi a diminuição da participação do governo federal no financiamento do SUS.

Se 15% dos recursos gerados pelas futuras privatizações e concessões contemplassem essas organizações, aproximadamente R$ 20 bilhões poderiam ser direcionados para fundos patrimoniais de Santas Casas. Isso representa que renderiam aproximadamente R$ 1,2 bilhão/ano, já descontados os efeitos da inflação. E seguramente seriam direcionados em benefícios às organizações, à comunidade e, especialmente, aos pacientes atendidos.

 

Outros recursos não tradicionais

No caso do Brasil, os recursos não tradicionais incluem aqueles oriundos de outras fontes e que se tornaram mais frequentes à medida que a Operação Lava Jato avançou. Assim, instrumentos como termos de ajuste de conduta, acordos de leniência, retorno de recursos encontrados em contas bancárias no exterior resultantes de corrupção, penalidades pecuniárias e multas para empresas corruptas passaram a ser fontes de recursos que poderiam ser importantes para a sociedade civil. Podem-se juntar a eles os recursos apreendidos que resultaram de crimes como tráfico de drogas, contrabando e arrecadação de jogos ilegais, que passaram a fazer parte não só do mundo legal punitivo, mas também da linguagem do cidadão comum ao entender que a sociedade foi prejudicada e deve ser aquinhoada com parte desses recursos.

Esse esforço depende também do universo regulatório e de dispositivos legais, exigindo a participação de escritórios de advocacia, promotores públicos e juízes, representantes de organizações interessadas e visitas periódicas a autoridades públicas para conhecer os avanços necessários.

Com relação aos recursos mobilizados devido à Operação Lava Jato, até o início de 2019 houve um retorno ao governo federal de R$ 12,3 bilhões, e os condenados devem pagar R$ 40,3 bilhões pelos danos causados. Já para os acordos de leniência, esperam-se R$ 27,6 bilhões. E sabemos que esses casos representam uma simples amostragem do tamanho dos recursos não tradicionais que poderiam contribuir para os fundos patrimoniais.

Em síntese, as ideias e casos apresentados aqui devem ser analisados pela sociedade brasileira junto às autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário e aos investidores que buscam aproveitar as oportunidades de recursos oriundos das privatizações/concessões, bem como as ações de ressarcimento que estão sendo efetuadas pelo sistema judicial. Talvez, assim, tenhamos novos instrumentos para criar uma sociedade mais justa e sustentável com uma participação eficaz e efetiva de organizações sociais como parceiros da res publica.

 

Por Marcos Kisil, fundador do IDIS e atualmente membro do Conselho Deliberativo. O artigo foi originalmente publicado na revista Rede Filantropia, em 06 de setembro de 2019

Tendências e Desafios da Avaliação de Impacto no Brasil

O que é Avaliação de Impacto?

Estudos de Avaliação de Impacto ganham cada vez mais importância entre filantropos e investidores sociais pelo mundo todo. É crescente também a preocupação das organizações em mensurar o impacto de seus projetos e programas e doadores estão interessados em verificar se seus recursos estão alocados em iniciativas que trazem benefícios efetivos à sociedade.

Mas o que é impacto e como mensurá-lo? Este artigo traz uma perspectiva sobre o tema a partir da experiência do IDIS.

Consideramos impacto a mudança social produzida por um programa ou projeto. Enquanto resultados se relacionam com as conquistas concretas, que, em geral, representam o alcance e a amplitude da iniciativa, o impacto pode ter uma natureza mais subjetiva – relacionado à ideia de transformação social. Quando mensuramos o impacto de um programa, ponderamos o quanto este muda a vida das pessoas envolvidas. Ou seja, é uma prática reflexiva que visa buscar evidências para identificar se uma iniciativa tem alcançado as transformações sociais que estabeleceu como objetivos.

Há diversos motivos pelos quais a Avaliação de Impacto é uma ferramenta estratégica valiosa. Ela fornece às organizações dados e evidências que permitem refletir sobre as abordagens adotadas e oferecem suporte para o processo de tomada de decisão. Ademais, torna possível analisar a relação de causalidade entre as intervenções e os impactos percebidos, identificando fatores que são fundamentais para impulsionar as transformações, outros que não contribuem de forma tão direta e, ainda, limitadores e fatores que criam obstáculos. Assim, estudos de Avaliação de Impacto vão muito além da mensuração – permitem também refletir sobre estratégias para potencializar as transformações desejadas. Por fim, estudos avaliativos têm o potencial de fortalecer o diálogo com investidores e com o setor público, auxiliando organizações a manterem um relacionamento transparente com doadores, reivindicarem melhorias nas políticas públicas e negociarem a ampliação de programas sociais efetivos.

Estudos de Avaliação de Impacto não apenas monitoraram resultados, adentram profundamente na relação de causa e efeito entre as atividades de um programa e os desdobramentos na vida das pessoas. Isso pode ser uma atividade complexa, especialmente em programas que trabalham com questões abstratas como empoderamento ou habilidades sociais. Mesmo quando esse tipo de impacto é perceptível, pode ser muito desafiador mensurá-lo e traduzi-lo em termos objetivos e quantitativos.

 

O que é SROI e por que ele é útil?

O ‘SROI – Social Return on Investment’, ou Retorno Social sobre Investimento, é um protocolo de avaliação que propõe uma análise comparativa entre o valor dos recursos investidos em um projeto ou programa e o valor social gerado para a sociedade com essa iniciativa. Para isso, aplica diversas técnicas para estimar o valor intangível de ativos que não podem ser comprados ou vendidos.

O SROI é uma ferramenta poderosa de mensuração, que transcende a monetarização do impacto social. Ainda que a relação custo-benefício (ou retorno sobre o investimento) seja o que geralmente atrai a atenção dos investidores sociais, que veem a possibilidade de uma avaliação objetiva e financeira sobre o uso de seus recursos, este processo não deve ser considerado somente um índice. Cada uma de suas etapas é capaz de revelar informações pertinentes sobre o projeto ou programa e gerar insights que favorecem a tomada de decisão e a busca por impactos cada vez maiores e mais consistentes.

Um aspecto chave desse protocolo é seu foco na percepção do beneficiário – o envolvimento dos stakeholders é um dos princípios da SROI, o que significa que o impacto social deve ser avaliado a partir do ponto de vista daqueles que estão diretamente envolvidos no projeto social. Ademais, esse método favorece a integração de dados qualitativos e quantitativos. O primeiro fornece uma visão mais clara sobre a natureza do impacto do projeto por meio de depoimentos dos públicos envolvidos. A abordagem quantitativa, por outro lado, proporciona um trabalho com amostras estatisticamente significativas que mensuram a intensidade das mudanças percebidas.

 

A demanda por avaliação de impacto e SROI no Brasil

Apesar da demanda crescente por Avaliação de Impacto no Brasil, trata-se de prática ainda pouco desenvolvida. Seus conceitos são frequentemente mal utilizados ou pouco claros e organizações enfrentam dificuldades em definir os indicadores. Por exemplo, muitas declaram que mensuram seu impacto, quando na verdade estão mensurando seus resultados, informando o número de pessoas ou famílias atendidas, por exemplo. Evidentemente, analisar os resultados da organização é muito importante e deve ser feito regularmente. Contudo, avaliar impacto é um processo mais profundo e uma oportunidade de refletir sobre como um projeto pode gerar valor social a seus beneficiários e à sociedade como um todo.

O desafio é ainda maior quando consideramos o SROI especificamente. A monetização do impacto é uma tarefa desafiadora, devido à falta de bases de dados de estimativas financeiras no País (instrumento bastante desenvolvido em outros países). Portanto, quando são definidos os valores das estimativas, muitas vezes é necessário coletar dados de fontes primárias, porque praticamente não há dados secundários disponíveis para sustentar as pesquisas.

É muito necessário disseminar conhecimento sobre esse assunto no Brasil, enfatizando a importância de avaliar o impacto de projetos e programas sociais, mesmo com os desafios e limitações envolvidos neste processo. Mensurar o impacto pode nem sempre resultar em conclusões precisas, mas, recomendamos sempre trabalhar com estimativas viáveis (construídas e analisadas com responsabilidade e critérios) do que trabalhar sem nenhum tipo de evidência sobre as consequências das suas intervenções.

Certamente ainda iremos amadurecer e evoluir nessa temática. Por isso, no IDIS, vamos além da realização de trabalhos de consultoria. Procuramos disseminar conceitos e práticas, por meio de publicações, de cursos, do compartilhamento de relatórios de projetos realizados e da participação em eventos.

 

Qual horizonte enxergamos para a Avaliação de Impacto?

Esperamos que, no futuro, avaliar o impacto seja parte integrante do processo de concepção e planejamento de projetos sociais e programas. Tanto organizações sociais, quanto filantropos e investidores sociais, precisam reconhecer o quão essencial é esta prática e devem trabalhar juntos para fortalecê-la e disseminá-la.

Também esperamos que a Avaliação de Impacto influencie as políticas públicas, revelando o valor de projetos para o desenvolvimento social e contribuindo para a ampliação de sua escala. Para ilustrar esse potencial, destacamos um exemplo. Em 2016, o IDIS conduziu a avaliação do Retorno Social sobre Investimento – SROI de um projeto dedicado à primeira infância na região da Amazônia (conheça o relatório aqui). O resultado positivo evidenciado pelo estudo – a notável mudança social que o projeto provia aos seus beneficiários – ofereceu argumentos irrefutáveis para que o projeto se tornasse uma política pública, beneficiando uma parcela significativamente maior da população e contribuindo para a melhoria da vida de mais crianças. Iniciativas como essa poderiam ser ainda mais regulares caso houvesse uma cultura de avaliação de impacto em organizações brasileiras – não apenas nas organizações privadas, mas também nos programas mantidos pelo setor público.

Novas ferramentas tecnológicas podem contribuir para o futuro da Avaliação de Impacto, reduzindo seu custo e tempo necessário para coleta de dados e aumentando a precisão dos estudos. A coleta e análise de dados poderá se tornar mais fácil, rápida e permitirá a mensuração de mudanças sociais no longo prazo. A tecnologia permitirá que a sociedade tenha maior acesso a informações relevantes sobre soluções, podendo, assim, aprender mais rapidamente com experiências prévias, e, com isso, ampliar os benefícios àqueles que mais precisam.

Quer saber mais sobre Avaliação de Impacto? Conheça nossa publicação Avaliação de Impacto Social – metodologias e reflexões.

Para perguntas e comentários, entre em contato conosco por meio do comunicacao@idis.org.br

Adaptação deste artigo foi publicada também no blog da Social Value International.

Brasil é um dos países com os maiores desafios para atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

Social Progress Index 2019 mostra que o mundo não atingirá as metas até 2073 e o Brasil está regredindo ao invés de avançar

Em 2015, os líderes mundiais presentes na ONU se comprometeram ao plano desafiador de construir um futuro inclusivo e sustentável para as pessoas e para o planeta – os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs), uma mudança definitiva na qualidade de vida mundial até 2030. A realidade, no entanto, contraria essa promessa. De acordo com o recém-lançado levantamento do Social Progress Index (Índice de Progresso Social), o mundo não atingirá as metas dos ODSs até, no mínimo, 2073 e o Brasil está regredindo ao invés de avançar.

A boa notícia do Social Progress Index 2019 – uma mensuração detalhada sobre a verdadeira qualidade de vida das pessoas a partir unicamente de indicadores sociais e ambientais – é que o mundo como um todo está melhorando. Desde 2014, quando o Índice foi lançado, temos visto evolução. Há mais pessoas nas universidades e houve grandes avanços no acesso à informação a partir da maior penetração de telefones celulares. Temos visto melhorias constantes na redução da fome, ganhos na prevenção de doenças e na universalização do acesso à água e saneamento básico. No entanto, o mundo não progrediu em aspectos relacionados à segurança, à educação e questões relacionadas à inclusão estão estagnadas. Mais alarmante ainda, o mundo está retrocedendo no que tange direitos individuais.

Isso significa que, globalmente, não estamos progredindo rápido o bastante para atingir os ODSs. No ritmo atual, estamos, na melhor hipótese, 43 anos atrasados para atingir as metas para 2030. Se as mudanças climáticas não forem devidamente abordadas, o atraso será ainda maior, ou talvez nem atingiremos as metas. Alguns países, como Nepal e Etiópia, estão conquistando avanços rápidos. Porém, na maioria dos países emergentes como China, Paquistão, Bangladesh, Nigéria e as Filipinas, o progresso está lento demais. Da mesma maneira, boa parte do mundo abastado está progredindo vagarosamente. É vergonhoso como os países que estariam mais próximos de atingir as metas da Agenda 2030 e os que mais tem recursos para isso estejam indo tão mal.

Os outliers, ou pontos fora da curva, mais significativos, que representam os maiores empecilhos ao desenvolvimento sustentável, são aqueles países que estão regredindo. Apenas quatro estão nesse grupo desvantajoso: Nicarágua e Sudão do Sul, que enfrentam crises políticas profundas e não surpreendem tanto, conjuntamente a Estados Unidos e Brasil. A queda nos rankings de progresso social dos Estados Unidos é nítida desde 2014. Os EUA se posicionam atualmente como apenas 26 no mundo, atrás da República Tcheca e Estônia.

 

POSIÇÃO DO BRASIL NO SOCIAL PROGRESS INDEX

O Brasil ocupa a posição 49 no ranking mundial do Social Progress Index – um pouco atrás da Romênia (45) e um pouco à frente do México (55) e de outros países do BRICS (Rússia ocupa a posição 62, África do Sul, 73, e Índia, 102). No entanto, o que preocupa no Brasil é sua mudança de direção. O Brasil caiu 5 posições desde 2014, enquanto o México, por exemplo, subiu 6 e quase cessa a diferença entre os dois.

Por que então será que o Brasil presencia uma queda (-0,72) em sua nota no Social Progress Index desde 2014? Os principais fatores são o declínio em Direitos Individuais, desde liberdade de expressão até direitos de propriedade para mulheres, e Inclusão, que considera discriminação contra minorias e baixa equidade de gênero. O Brasil também está estagnado, ou presenciando quedas menores, em questões como segurança, acesso à eletricidade, qualidade na educação e saúde. Os poucos pontos favoráveis estão no avanço ao acesso à água e saneamento, penetração dos telefones celulares e o aumento no ingresso a universidades.

A retração evidenciada no Brasil em relação ao avanço social é ainda mais entristecedora, pois já foi um dos países que melhor usava seus recursos para servir à população. Mesmo hoje, a 49ª posição no ranking de progresso social do País, excede sua colocação no ranking do PIB, no qual ocupa o 65º lugar. Nas décadas recentes, o Brasil fez um progresso significativo na redução da pobreza e combate à exclusão. O Brasil poderia, e deveria, ser o líder no cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – o mundo hoje precisava desse tipo de liderança.

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Por Michael Green, CEO do Social Progress Imperative. O artigo foi desenvolvido com exclusividade para o IDIS.

Força das Comunidades – Protagonismo, Mobilização e Transformação

 

Comunidades. Pessoas unidas pela geografia, ligadas pelo território que ocupam. Coletivos que se formam a partir de afinidades, ideais, interesses, causas. A tecnologia potencializando e dando escala às conexões.

O poder transformador está em estabelecer um percurso de dentro para fora, ou seja, a partir da demanda da comunidade surgem iniciativas e soluções próprias que favorecem o bem comum – e que podem contar com apoios externos, desde que conectados com os interesses e prioridades do grupo. Cidadãos assumem o controle de suas histórias e exercem sua cidadania. Mais do que nunca, é preciso reconhecer a força das comunidades e criar condições para que possam florescer.

Esse fenômeno cresce no Brasil e na América Latina, especialmente nesse momento de turbulência, desconfiança e preocupação com o ambiente democrático. O indivíduo experimenta sua capacidade de mobilização para gerar mudanças. Paradoxalmente, não se trata de um movimento individual. A sociedade civil e suas comunidades se fortalecem quando governos, filantropos e investidores sociais, tanto familiares quanto corporativos, olham para elas e as ouvem. Pensam suas ações com elas e não para elas. A boa notícia é que há um desejo genuíno para que esta aproximação aconteça e há muitos exemplos positivos e inspiradores.

A Primavera X propõe uma gincana para jovens, que realizam mutirões comunitários em prol do cuidado com a água em todo o Brasil. A LALA – Latin American Leadership Academy vai além, e oferece um programa de desenvolvimento de liderança a jovens que querem fazer a diferença em suas comunidades. Empresas se comprometem com causas, se engajam em torno de temas como diversidade, igualdade e equidade – mudam práticas internas, influenciam suas cadeias de outros segmentos, apoiam organizações da sociedade civil. Governos criam programas que consideram e estimulam os saberes e protagonismo locais e estabelecem mecanismos regulatórios, como a recente Lei dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos, no Brasil, que favorece a sustentabilidade de longo prazo de instituições. As petições promovidas por meio da plataforma Change.org permitem com que demandas da sociedade cheguem a tomadores de decisões. Segundo a organização, 25.000 petições são realizadas por mês no mundo todo e a cada uma hora, uma delas é vitoriosa, seja alterando uma lei, uma prática corporativa ou uma decisão de alguém com poder institucional e impactando diretamente a vida de milhares ou milhões de pessoas.

Não por acaso, neste setembro, escolhemos o tema ‘Força das Comunidades’ para o Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais, evento anual promovido pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, que reuniu mais de 300 filantropos, representantes de empresas, institutos, fundações e governos. Mais do que um dia para troca de conhecimentos e experiências, foi um chamamento. Para construirmos um futuro mais justo e solidário, é preciso que todos façam a sua parte. É preciso acreditar na força das comunidades, protagonistas de suas histórias, capazes de mobilizar pessoas e recursos e de provocar a transformação social que desejamos ver. Vamos juntos?

 

Por Luisa Gerbase de Lima, Gerente de Comunicação no IDIS em artigo originalmente publicado no blog Giro Sustentável, da Gazeta do Povo, em 20 de setembro de 2019. O IDIS é parceiro do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável e contribui mensalmente com histórias relacionadas ao Investimento Social Privado.

Por que doadores privados não dão dinheiro para o setor público?

Por Marcos Kisil*

Neste momento de minguados recursos públicos para manter o funcionamento de serviços essenciais para a sociedade brasileira, surge a pergunta: por que os doadores privados não doam para organizações públicas? Existem várias razões. A primeira, e talvez a mais importante, é a dificuldade do Estado brasileiro, por meio de Executivo e Legislativo, em entender o que representa a filantropia ou o investimento social privado para o desenvolvimento sustentável.

Em uma sociedade democrática e capitalista é sempre esperado que ocorra a liberdade para exercício da livre iniciativa econômica, mas também a livre iniciativa para apoiar as necessidades de áreas como educação, saúde, cultura, meio ambiente. Para tanto, os países que entenderam essa necessidade produziram um marco legal que estimula a doação e o aparecimento de uma cultura de doação. O recurso não precisa ser canalizado a uma estrutura do Estado, mas sim servir à res publica desde a ação de cidadãos, como iniciativas de organizações da sociedade civil que atuem em setores específicos. Essas ações, muitas vezes, vêm em apoio à definição e implementação de políticas públicas essenciais, como é a criação de creches e melhoria da educação básica.

No caso brasileiro, encontramos muitas vezes um não entendimento por parte dos governantes, explícito ou não, sobre o papel das ONGs e dos projetos, financiados com recursos privados. Vide o atual entendimento sobre as organizações não governamentais na questão ambiental. Em países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Austrália essa participação cidadã é bem-vinda e estimulada por marco legal.

Uma segunda questão está na interpretação limitada da Constituição de 1988. Todos os capítulos sociais se iniciam com a frase: direito do cidadão, dever do Estado. Normalmente se faz uma leitura ideológica de que o Estado deve ser o único provedor de saúde, educação, cultura. Neste sentido, a cidadania não floresce e os serviços passam a ser uma exigência a ser cumprida pelo Estado. Essa ação reivindicatória leva muitas vezes a uma demora nas ações necessárias, com o deterioro da situação original.

Uma terceira razão está na existência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação, conhecido como ITCMD. Este é um imposto absolutamente ilógico, que mistura transmissão de bens por causa mortis, onde o direito à propriedade de bens se dá no interior de relações interpessoais, com doação para entidades de benefício público, como as Santas Casas. Por sua vez, pune aquelas entidades que, mercê de um esforço de captação de recursos do setor privado, têm de pagar ao Estado tributo em que o Estado não é incentivador e, muito menos, produtor da riqueza que gerou a doação. E quando de maneira limitada define valores de isenção baixos, demonstra que a intenção é realmente cobrar o tributo.

Assim, chegamos a uma quarta razão, que não deixa de ser resultado das anteriores: o modelo institucional e de incentivos que adotamos simplesmente não favorece o desenvolvimento da filantropia. Ele incentiva que as pessoas esperem que o Estado resolva seus problemas. Um exemplo: no Brasil, o abatimento para pessoas físicas é limitado a 6% do Imposto de Renda a pagar. Nos EUA, é possível abater de 30% a 50%.

Vivemos ainda com a tutela do Estado sobre a doação que se pode deduzir do Imposto de Renda por meio de incentivos fiscais. O governo entende o recurso dos incentivos como forma de suprir o orçamento de diferentes ministérios e programas. E essa posição explica, por exemplo, os recentes vetos da Presidência à nova lei dos “fundos de endowment” ou fundo patrimonial para que se tivesse incentivo fiscal para sua criação nas organizações sociais.

A justificativa para um fundo patrimonial é bem simples: uma poupança de longuíssimo prazo, destinada a crescer, ano a ano, da qual a instituição retira parte dos rendimentos para seu custeio. E para que isso aconteça há a necessidade de ter os incentivos fiscais que estimulem os doadores. Somente em 2018 a Michigan State University (MSU) recebeu doações de US $ 2,9 bilhões, de acordo com The Chronicle of Higher Education. Naquele mesmo ano, a Penn State University recebeu US$ 4,2 bilhões e a Ohio State, US$ 5,2 bilhões.

Em resumo, necessitamos urgentemente de uma maior atenção dos poderes públicos federais e também dos governos estaduais, para que percebam o papel do recurso privado em apoiar as causas públicas. Não se trata de uma questão ideológica. Nossa legislação ainda é muito tímida em reconhecer importância e transcendência das doações.

*Marcos Kisil é professor titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e fundador do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Artigo originalmente publicado no Jornal O Estado de S.Paulo em 30 de agosto de 2019.

Qual é o impacto que você causa no mundo?

Por Raquel Altemani, gerente de projetos no IDIS

Uma das tendências no campo do investimento social é o aumento do interesse das organizações em avaliarem o impacto social de seus projetos e programas.

Afinal, o que é avaliação de impacto e por que uma organização deveria recorrer a esse tipo de estudo? A avaliação de impacto é um processo realizado para descobrir se o projeto realmente provocou a mudança que pretendia. Não é para medir o que foi feito, mas sim as consequências do que foi feito. Por exemplo, um programa de atendimento a gestantes viabiliza várias consultas de pré-natal, mas seu objetivo final é promover a saúde da mãe e do bebê. Portanto, o seu impacto não será avaliado pela quantidade de consultas de pré-natal feitas, senão pelos indicadores de saúde das mães e bebês atendidos. Um programa de contraturno escolar oferece aulas de reforço para alunos em condições de vulnerabilidade. Seu impacto não será avaliado pela quantidade de aulas de reforço que foram dadas, senão pela evolução do desempenho escolar dos estudantes.

Nesse sentido, a avaliação de impacto pode ser entendida como um processo de reflexão. Assim como na nossa vida paramos para refletir sobre as consequências de nossas escolhas e sobre o quanto nossas decisões têm nos aproximado ou afastado de nossos objetivos, os estudos de avaliação de impacto buscam responder as mesmas dúvidas para os programas sociais.

Muitos esforços e recursos são investidos para que um programa seja implementado e mantido e, para não navegar em águas escuras, é preciso criar mecanismos para verificar se as transformações sociais desejadas estão de fato sendo alcançadas. A avaliação de impacto permite identificar eventuais erros de estratégia e realizar ajustes para potencializar o impacto que queremos criar no mundo. Programas sociais são organismos vivos e devem ser permanentemente aprimorados ao longo de sua trajetória com base no processo de aprendizagem das organizações que os mantêm e nas mudanças na própria realidade e contexto do país. Abordagens que funcionavam há cinco anos podem não surtir o mesmo efeito hoje. Portanto, é preciso criar momentos de reflexão estruturada para entender o que está funcionando da maneira que esperamos e o que pode ser aprimorado para termos o maior impacto social possível a partir dos recursos disponíveis.

Além da satisfação de saber o quanto sua atividade transformou a realidade, quanto mais uma organização dispõe de evidências concretas e objetivas para compartilhar sobre as mudanças positivas geradas pelo seu trabalho, maior é a sua capacidade de atrair investidores e parceiros que podem potencializar e aumentar a escala do impacto que se busca obter.

No entanto, mesmo com o ganho de espaço e visibilidade dos estudos de avaliação de impacto entre as organizações, a grande maioria das notícias sobre programas sociais ainda se restringem a informações sobre o número de pessoas atendidas, o número de famílias alcançadas, o número de jovens formados, como mencionei no início do texto. Esses são apenas os ‘resultados’. Os estudos de avaliação de impacto aprofundam a análise bem além dos resultados, explorando as relações de causa e consequência entre as atividades de determinado projeto ou programa social e todos os desdobramentos, diretos e indiretos, de curto prazo ou de longo prazo, que acontecem na vida das pessoas a partir de sua participação na iniciativa.

Isso pode ser bastante complexo, sobretudo em programas que trabalham aspectos intangíveis e abstratos, como, por exemplo, a autoestima, a capacidade de sociabilização, a disposição para sonhar e traçar objetivos e tantos outros. Ainda que sejam impactos facilmente percebidos, são elementos difíceis de se traduzir em números. No entanto, existem várias organizações ao redor do mundo que se dedicam a desenvolver metodologias para traduzir e mensurar impactos intangíveis em indicadores concretos. Uma delas é a organização britânica Social Value*, que há mais de 10 anos se dedica a estabelecer técnicas para mensurar o valor de elementos não comercializáveis, ou seja, métodos para estimar o valor que pessoas atribuem a coisas que não podem ser compradas ou vendidas.

Independentemente dos desafios envolvidos, identificar, mensurar e analisar os impactos de programas sociais é sempre uma medida positiva e recomendável. Entender as transformações decorrentes dos esforços realizados, além de muito gratificante, é uma ferramenta fundamental para a gestão e a tomada de decisão dentro das organizações.

 

Se interessa pelo tema? Leia também a publicação Avaliação de Impacto Social – metodologias e reflexões.

* http://www.socialvalueuk.org/

Artigo originalmente publicado no blog Giro Sustentável, da Gazeta do Povo, em 18 de julho de 2019. O IDIS é parceiro do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável e contribui mensalmente com histórias relacionadas ao Investimento Social Privado.

Doação e Cidadania: como pensa e age o doador brasileiro

O artigo a seguir integra o Boletim de Análise Político-Institucional (Bapi), organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A edição, composta por onze artigos, está dividida em três partes – ‘O que sabemos sobre as Organizações da Sociedade Civil?’, ‘Trabalho nas OSCs: avanços e desafios’ e ‘Sustentabilidade das OSCs: estratégias e limites’. Conheça aqui o relatório completo.

Por Andréa Wolffenbüttel, Diretora de Comunicação no IDIS

INTRODUÇÃO

Uma sociedade civil forte pressupõe uma vasta gama de organizações que representem os anseios, necessidades, temores e problemas da população. Que consigam ser porta-vozes da sociedade junto ao governo e iniciativa privada. E que trabalhem, de forma independente, na defesa dos direitos individuais e coletivos, e na busca de soluções para a promoção do bem comum.

Para ter realmente voz na mesa de negociações junto aos demais tomadores de decisão, essas organizações, comumente conhecidas pela sigla ONG (organização não governamental), precisam de independência financeira, operacional e ideológica, que lhes permita fazer propostas, exigir garantias e recusar condições sem temer por sua própria sobrevivência.

Essa independência só será verdadeira se ela contar com fontes de financiamento variadas, constantes e confiáveis. Em outras palavras, se ela tiver doadores, fiéis, não relacionados entre si, que garantam sua operação e demonstrem confiança no trabalho desenvolvido pela organização.

Portanto, a figura do doador tem um papel relevante no cenário de uma sociedade saudável, plural e democrática, mas não se sabe, ao certo, se os indivíduos, de um modo geral, têm consciência dessa responsabilidade. Para descobrir é preciso estudar. São necessárias pesquisas qualitativas e quantitativas, o que, em um país das dimensões do Brasil, representa um gasto considerável com o qual poucas ONGs teriam condições de arcar.

Não é de surpreender, então, que a primeira pesquisa de abrangência nacional a tentar entender o comportamento doador do brasileiro tenha vindo de fora do país. Trata-se do World Giving Index, uma pesquisa anual, realizada por iniciativa da Charities Aid Foundation (CAF), uma organização britânica de promoção à filantropia. Essa pesquisa trouxe os primeiros números objetivos sobre o brasileiro como indivíduo solidário e será tema da próxima seção.

Em 2015, seis anos após o aparecimento do World Giving Index, foi feita a mais ampla pesquisa sobre doação individual no Brasil, cobrindo todo o país. Ela foi liderada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), uma organização social brasileira, igualmente promotora da filantropia, que representa a britânica Charities Aid Foundation na América do Sul. Esse levantamento chamado Pesquisa Doação Brasil é tratado na segunda seção.

Inspirada pela Pesquisa Doação Brasil, a Charities Aid Foundation decide, em 2017, fazer investigações mais detalhadas sobre o comportamento dos doadores nos países onde mantem seus principais escritórios de representação, incluindo o Brasil. Essa terceira pesquisa chamada Country Giving Report ocupa uma posição intermediária entre as duas anteriores, em termos de abrangência, e será apresentada na terceira seção deste artigo.

Adotando metodologias diversas e amostras diferentes, as três pesquisas apresentam fotografias do doador brasileiro sob vários ângulos. A penúltima seção traz quadros comparativos que tentam explicar as características de cada uma. Por fim, a reflexão sobre os diferentes dados e os desafios que ainda temos para conhecer mais a fundo o doador brasileiro é conteúdo abordado na Conclusão.

1. WORLD GIVING INDEX – 2009

A mais antiga e sistemática pesquisa sobre o comportamento doador da população brasileira é o World Giving Index (WGI), traduzido no Brasil para Índice Global de Solidariedade. Optou-se por essa tradução não literal porque, como veremos a frente, o índice considera outras iniciativas além da doação de recursos e a tradução fiel, que seria Índice Global de Doação, poderia conduzir a interpretações errôneas.

O World Giving Index é uma pesquisa de frequência anual, promovida pela Charities Aid Foundation (www.cafonline.org), também conhecida como CAF. Trata-se de uma organização inglesa de promoção à filantropia, fundada em 1924 pelo governo britânico e que se tornou independente em 1974. A CAF possui uma rede internacional de escritórios presentes em nove países cobrindo os cinco continentes. No Brasil, a CAF é representada pelo IDIS (www.idis.org.br).

O processo operacional da pesquisa WGI é conduzido pelo Instituto Gallup, abrangendo de 140 a 155 países, variando devido a conflitos ou problemas que, eventualmente, dificultem ou impeçam o acesso a determinadas localidades. O Brasil consta em todas as edições da pesquisa. A quantidade de entrevistados total da WGI gira em torno de 150 mil pessoas, o que permite estimar o comportamento de mais de 90% da população mundial.

A metodologia da pesquisa WGI é bastante simples, de modo a ser aplicada com a mesma objetividade nos diferentes países com culturas e realidades distintas, e também tornar possível a comparação entre os resultados de cada um. Ela mede, basicamente, o percentual da população que, no mês anterior à entrevista, realizou as seguintes ações:

1. Ajudou um desconhecido;
2. Doou dinheiro para uma organização;
3. Fez trabalho voluntário.

Após obter os três percentuais, ela faz a média aritmética deles, resultando no Índice Global de Solidariedade daquele determinado país. Portanto, o Índice pode variar de 0 a 100 por cento, sendo 0 quando ninguém no país realizou alguma dessas ações no mês anterior à entrevista, e 100 quando toda a população realizou as três ações no mesmo período.

A primeira edição da pesquisa WGI foi lançada em setembro de 2010, trazendo resultados referentes ao ano de 2009. Na ocasião, o Brasil apareceu em 76º lugar, em uma lista de 153 países. 49% dos brasileiros haviam afirmado ter ajudado a um desconhecido, 25% declararam ter doado para uma organização, e 15% disseram ter feito trabalho voluntário. É interessante notar que, ao longo dos anos, o tamanho das parcelas se manteve proporcional, ou seja, ainda que a classificação do país suba ou desça, é sempre maior a quantidade de pessoas que ajudou a um desconhecido, seguida das que doaram dinheiro e, por último, com um contingente menor, aquelas que fizeram trabalho voluntário. Essa ordem demonstra claramente o nível de engajamento exigido para cada uma das iniciativas.

Fonte:World Giving Index 2009

Na primeira edição do WGI, a 76ª posição era uma condição confortável para o Brasil, pois estava em 5º lugar na América do Sul, logo abaixo da Argentina e acima de Peru e Uruguai. Também era o primeiro colocado entre os países do BRICS, grupo formado pelas economias em ascensão, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

A divulgação do primeiro WGI reafirmou a vocação doadora dos países de cultura anglo-saxã, que ocuparam seis das dez primeiras posições do ranking.

Desde então, oito novas edições do WGI foram realizadas e o desempenho brasileiro variou significativamente. O melhor resultado foi registrado em 2015 quando o Índice do Brasil chegou a 34, o que lhe garantiu a 68ª posição no ranking global. O pior ocorreu dois anos depois, na mais recente pesquisa WGI publicada, na qual o país ficou na 122ª posição com um Índice de 23.


Fonte: World Giving Index, 2015 e 2017

A pesquisa WGI não oferece nenhum tipo de análise que contribua para o entendimento das oscilações no comportamento das pessoas, apenas consolida as respostas recebidas e faz as projeções para toda a população dos países. Porém, no caso do Brasil, vale a pena fazer algumas reflexões.

Entre 2009, ano da primeira pesquisa, e 2017, ano da última pesquisa divulgada, o país passou por três eleições presidenciais e um processo de impeachment, e presenciou uma avassaladora onda de protestos em 2013, que ecoou por alguns anos. Enfrentou uma das maiores, senão a maior, crise econômica de sua história, e viu toda uma geração de políticos e profissionais, dos três poderes, ser soterrada sob uma montanha de escândalos de corrupção. É de se esperar que essa sequência de acontecimentos tenha efeitos significativos sobre a condição e, sobretudo, a disposição das pessoas para a solidariedade.

Nesse período, os níveis de confiança dos brasileiros nas instituições desceram a marcas impressionantes. O noticiário expôs diariamente as denúncias de desonestidade dos agentes do governo, envolvendo diretamente grandes empresas e usando, com frequência, organizações da sociedade civil como fachada legal para operações ilícitas. A pesquisa de confiança global Trust Barometer, divulgada anualmente pela agência de comunicação Edelman (www.edelman.com.br), mostrou que, em apenas um ano, de 2016 para 2017, o grau de confiança dos brasileiros nas instituições caiu 18 pontos percentuais, colocando o país entre os seis mercados nos quais a desconfiança mais aumentou de um ano para o outro. Esse, seguramente, é um elemento que minou a disposição dos brasileiros de contribuir com organizações da sociedade civil, seja com recursos, seja com trabalho voluntário.

2. PESQUISA DOAÇÃO BRASIL – 2015

A mais completa e abrangente pesquisa sobre o comportamento doador do brasileiro é a Pesquisa Doação Brasil, liderada pelo IDIS, realizada nos anos de 2015 e 2016, trazendo dados referentes a 2015. Essa pesquisa surgiu especificamente para responder a perguntas mais complexas como, por exemplo, quais as motivações que levam o brasileiro a doar ou a não doar, como a população enxerga as organizações do terceiro setor e quais suas causas prediletas, entre outras. Além disso, também se propôs a, pela primeira vez, estimar o volume financeiro total das doações realizadas por indivíduos no Brasil, portanto, desconsiderando o investimento social de empresas, institutos e fundações.

Para garantir que o levantamento fosse capaz de responder às principais dúvidas do universo das organizações sociais que dependem de doações, o IDIS optou por um processo coletivo de concepção da pesquisa, do qual participaram cerca de vinte entidades, entre organizações da sociedade civil, empresas e academia. O resultado do trabalho colaborativo foi um questionário com 52 perguntas, que pode ser solicitado ao IDIS pelo email comunicacao@idis.org.br.

A Pesquisa Doação Brasil começou com uma etapa qualitativa, na qual foram formados dez grupos focais, com oito participantes cada, nas cidades de Porto Alegre, Recife e São Paulo. O objetivo dessas conversas foi permitir que a equipe do Instituto Gallup, responsável pela condução dos trabalhos, pudesse entender melhor o contexto, aprofundar-se no tema e obter mais subsídios para a posterior etapa quantitativa, que entrevistou 2.230 pessoas.

A pesquisa demonstrou que, em 2015, dois terços da população brasileira havia se envolvido em algum tipo de doação, seja dinheiro, bens ou tempo (em forma de trabalho voluntário). A prática mais comum é a doação de bens, adotada por 62% dos brasileiros, seguida por doação de dinheiro, com 52%, e do trabalho voluntário, com 34%. Os dados foram bastante surpreendentes para quem supunha que no Brasil não havia uma cultura de doação.

O levantamento das características demográficas mostrou que a região mais doadora é a Nordeste, que as mulheres costumam doar mais que os homens e que ter uma religião influencia positivamente as doações. A prática da doação aumenta com a idade e com a renda, porém tem um leve decréscimo quando a renda familiar mensal supera os 15 salários mínimos. O nível de escolaridade tem um efeito curioso, sendo mais presente a doação entre os que têm até o ensino fundamental e nos que têm ensino superior, e sendo menos frequente no grupo dos que possui até ensino médio. Os resultados da pesquisa podem ser consultados em www.idis.org.br/pesquisadoacaobrasil. A partir desses dados é possível traçar o perfil mais provável do doador brasileiro.

Fonte: Pesquisa Doação Brasil, IDIS, 2015

Além do perfil doador, a Pesquisa Doação Brasil também mapeou as características das doações. E concluiu que 66% dos doadores fazem doações 12 vezes ou mais por ano, o que os coloca na condição de doadores recorrentes, o tipo mais importante para as organizações porque garante uma renda mensal. A partir dos valores declarados pelos entrevistados, foi possível estimar o valor médio doado pelos brasileiros. Essa quantia varia de R$ 240 a R$ 480 por ano, o que representa uma média mensal entre R$ 20 e R$ 40 reais. Essa média permitiu a projeção do total doado pelos indivíduos em 2015. O montante seria de R$ 13,7 bilhões, equivalente a 0,23% do PIB do mesmo ano.

Porém, talvez a maior contribuição da pesquisa tenha sido a investigação sobre o que motiva os doadores a contribuir com as organizações da sociedade civil. Ao responder espontaneamente quase metade dos doadores (49%) afirmou que o que os leva a fazer doações é a solidariedade com os mais necessitados. Já, ao serem convidados a escolher entre diversas razões, 89% dos doadores disseram que são levados a doar porque isso os faz sentir-se bem. É curiosa essa mudança de postura, porém, percebe-se que ambas as respostas têm um forte componente emocional, indicando que a doação é um ato que nasce de uma motivação subjetiva ‘do coração’.

Ao selecionar as causas que mais os sensibilizam, os doadores se concentraram nas seguintes respostas: Saúde, Crianças, Combate à Fome e à Pobreza, e Idosos. As escolhas indicam certa confusão entre causa e público beneficiário, e mostram uma clara preferência pelos problemas presentes no cotidiano da população, enquanto outras questões mais complexas e distantes, como proteção do meio ambiente, por exemplo, quase não são mencionadas.
Outra característica importante da Pesquisa Doação Brasil é que ela é a única a investigar e traçar também o perfil dos não doadores.

Fonte: Pesquisa Doação Brasil, IDIS, 2015

Também vale a pena destacar as principais motivações apresentadas pelos não doadores para não contribuírem com as OSCs. Ao responderem espontaneamente explicam que não dispõem de dinheiro, que não há uma razão específica, que não confiam nas organizações que pedem doações ou que nenhuma causa os sensibiliza. Já quando são colocados diante de várias alternativas, as mais escolhidas são que resolver os problemas sociais é responsabilidade do governo, que não confiam nas organizações que pedem doações, que não têm dinheiro e que têm medo de se comprometer com uma doação periódica e não poder cumprir. É interessante observar que as duas alternativas que permanecem entre as quatro primeira colocadas são a falta de dinheiro e a desconfiança nas organizações. Mais uma vez, o problema da falta de confiança nas instituições aparece como obstáculo às doações.

3. COUNTRY GIVING REPORT – 2016

Ao perceber como a divulgação dos resultados da Pesquisa Doação Brasil provocou discussões e reflexões no campo do investimento social privado e das organizações da sociedade civil no Brasil, a Charities Aid Foundation (CAF) decidiu produzir pesquisas semelhantes nos países onde se encontram seus principais escritórios.

A pesquisa ganhou o nome de Country Giving Report, isto é, Relatório de Doação do País, e em sua primeira edição foi realizada na África do Sul, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Índia Reino Unido e Rússia. A CAF declarou a intenção de repetir anualmente esta pesquisa.

Ao contrário do World Giving Index, o Country Giving Report cobre as ações realizadas nos doze meses anteriores à entrevista, o que proporciona um panorama mais consistente do comportamento dos doadores.

No caso específico do Brasil, os resultados se referem ao período de agosto de 2016 até julho de 2017, e para entender melhor os dados é importante saber que, diferentemente do World Giving Index e da Pesquisa Doação Brasil, as entrevistas para o Country Giving Report foram feitas via questionário on-line, o que exclui do grupo investigado aqueles que não têm acesso à internet. Na ocasião 34% dos brasileiros não tinham acesso à internet, de acordo com levantamento da ‘We are Social & Hootsuite 2017’ . Também é preciso destacar que o Country Giving Report considerou como doação os recursos destinados a templos e igrejas, enquanto a Pesquisa Doação Brasil não os contabilizou como doações a organizações da sociedade civil.

Os resultados do Brazil Giving Report foram ainda mais otimistas do que os da Pesquisa Doação Brasil e é possível entender esse efeito já que há uma parcela da população que não integrou o grupo de entrevistados – os que não têm acesso à internet – e também por ter incluído doações para templos e igrejas.

A pesquisa constatou que mais de dois terços das pessoas pesquisadas havia doado dinheiro no período investigado (68%), seja doando a uma organização social, igreja ou organização religiosa. O apoio às organizações religiosas era a causa mais popular, com cerca de metade das pessoas pesquisadas fazendo doações dessa natureza (49%). A quantia típica (mediana) doada pelos que fizeram doações naqueles 12 meses foi de R$250 e doar dinheiro diretamente na sede/escritório de uma organização social foi a forma de doação mais comum (37%). Mais da metade dos pesquisados (52%) fez trabalho voluntário nos últimos 12 meses, e “ter mais dinheiro” foi o fator mais citado pelos pesquisados como incentivo a doar mais nos 12 meses seguintes, com cerca de seis em cada dez (59%) dizendo que isso seria um grande estímulo.

Um ponto interessante do Country Giving Report é que ele fez o cruzamento entre características do doador e o valor doado. O levantamento mostrou que o grupo com renda familiar anual acima de R$50 mil é o mais propenso a ter realizado alguma atividade de solidariedade (doar dinheiro, bens ou tempo) nos últimos 12 meses, com 86% respondendo afirmativamente em comparação com 71% dos que têm renda familiar anual inferior a R$10 mil. Porém, as pessoas de mais baixa renda tendem a doar mais, proporcionalmente à sua receita, do que aqueles de alta renda. Enquanto os que ganham acima de R$ 100 mil por ano doam, em média, 0,4% de sua renda, aqueles que ganham menos de R$ 10 mil por ano doam, em média, 1,2% de sua renda.

A doação média do brasileiro é de R$ 250 por ano, mas existe uma diferença significativa entre homens e mulheres. Para as mulheres, esse valor é de R$ 200, enquanto para os homens, ele sobe para R$ 350. Porém como há mais mulheres do que homens doando, conforme indicou a Pesquisa Doação Brasil, a média tende a cair.

Em termos de adesão a causas, o Brasil Giving Report identificou que os brasileiros preferem, em primeiro lugar, as causas religiosas, seguida de crianças e de ajuda aos pobres. Quando se trata das motivações para doar, a maior delas é o fato da doação fazer com que se sintam bem, indicaram 51% dos entrevistados, enquanto 41% afirmaram se preocupar com a causa para a qual doam. Considerando que essas foram respostas estimuladas, elas corroboram o apurado pela Pesquisa Doação Brasil, ao perguntar pelas motivações usando a mesma metodologia.

4. COMPARAÇÕES

As três principais pesquisas dedicadas ao perfil do doador brasileiro apresentam algumas diferenças que devem ser levadas em consideração antes de qualquer análise comparativa conforme apresentadas no quadro a seguir.


Fonte: elaboração da autora

Dois fatores influenciaram a definição das características para cada uma delas. O primeiro é o orçamente disponível para sua realização. Esse quesito foi determinante para definir o tipo de entrevista, considerando que levantamentos presenciais são mais caros do que aqueles realizados por telefone, que, por sua vez, são mais caros do que aqueles feitos via internet.

Outro elemento importante na definição da metodologia e do conteúdo das pesquisas foi a necessidade de adequação a diferentes realidades nacionais. O World Giving Index e o Country Giving Report são aplicados em diversos países e precisam adotar critérios e conteúdos neutros o suficiente para não sofrerem com as mudanças de cultura. Já a Pesquisa Doação Brasil foi concebida por uma organização brasileira para ser aplicada especificamente dentro do país, o que deu liberdade maior a seus realizadores.

Isso posto, apresentamos abaixo quadros com as principais vantagens e desvantagens de cada pesquisa.

Fonte: elaboração da autora

CONCLUSÃO

Devido às diversas diferenças expostas no capítulo anterior, não é possível fazer comparações quantitativas diretas entre as três pesquisas, mas elas apontam para valores e tendências muito semelhantes.

A primeira coisa a chamar a atenção é que a maior delas, a Pesquisa Doação Brasil, foi realizada em um ano especialmente generoso, já que 2015 foi quando o Brasil bateu seu recorde histórico de classificação no ranking mundial do World Giving Index. Como o período que se seguiu a 2015 no Brasil foi turbulento e marcado por profunda e prolongada crise econômica, política e moral, tudo indica que os números apresentados pela Pesquisa Doação Brasil podem não se repetir em sua próxima edição, que deverá cobrir o comportamento dos brasileiros em 2020.

Outra coisa que chama a atenção é a sensibilidade dos brasileiros. Estudando as séries históricas do World Giving Index, observa-se sempre que a demonstração mais frequente de solidariedade dos brasileiros é a ‘ajuda a um desconhecido’. Isso demonstra que quando o brasileiro testemunha e percebe a necessidade diante de si, ele se mobiliza. Porém, ações que exigem mais planejamento, tais como doação para uma organização social ou trabalho voluntário, ainda não são tão frequentes.

Trata-se de um doador instintivo, que se move mais pelo que ‘os olhos veem e o coração sente’ do que pelo estímulo racional de realizar uma transformação da realidade. A etapa qualitativa da Pesquisa Doação Brasil trouxe a indicação clara de que os brasileiros enxergam a ajuda ao próximo como uma ação mais do ser humano do que do cidadão. “Aquilo que eu queria que fizessem comigo, eu faço com os outros” é uma afirmação comum entre os entrevistados.

Percebe-se a mesma característica quando o brasileiro é questionado sobre as causas de sua preferência. As causas mais populares são aquelas mais facilmente percebidas pelos sentidos, tais ‘saúde’’ e ‘combate à fome e à pobreza’. Também aparecem, em ambas as pesquisas que cobrem esse item, as ‘crianças’ como uma causa importante. E surpreende que a ‘educação’, considerada por muitos como o mais importante instrumento de transformação de uma sociedade não conste sequer entre as cinco causas mais populares.

Isso mostra que temos um espaço grande para trabalhar e disseminar o conceito de causa com o intuito de mobilizar novos doadores. Também é preciso mobilizar as organizações sociais para que comuniquem melhor sua função e os resultados de seus trabalhos, para (re)conquistar a confiança dos cidadãos brasileiros.

As três pesquisas juntas representam um salto de qualidade, dado nos últimos três anos, no conhecimento sobre o doador brasileiro, porém, ainda não temos dados maduros porque nossos números não foram submetidos a comprovações ao longo dos anos.

Duas lacunas grandes ainda precisam ser preenchidas. Primeiro uma nova estimativa do valor total por indivíduos no Brasil, já que a projeção de R$ 13,7 bilhões, feita pela Pesquisa Doação Brasil pode não estar mais nesse patamar. E em segundo lugar, recortes por gênero, faixa de renda, local de residência e escolaridade, por exemplo, que sirvam de ferramenta de trabalho para aqueles que se dedicam a levantar os recursos necessários para a sobrevivência e o bom desempenho das organizações da sociedade civil no Brasil.

PARA SABER MAIS

Entre as diversas publicações indicadas na Bibliografia, existem duas de especial interesse para quem quer saber mais sobre o estado da cultura de doação no Brasil, pois trazem conteúdo mais reflexivo do que quantitativo. O primeiro deles é a publicação da Pesquisa Doação Brasil, que além de apresentar os resultados do levantamento, também contém artigos que analisam os dados sob diferentes pontos de vista. O olhar psicanalítico, o olhar de uma especialista em pesquisas e o olhar de um acadêmico do campo do Terceiro Setor. Esses três textos, além de outras reflexões dos profissionais envolvidos na realização da pesquisa ajudam a ampliar o conhecimento trazido pelos números.

O segundo é o relatório Perspectivas para a Filantropia Global: O Poder Transformador da Doação da Classe Média. Trata-se de um trabalho que projeta o futuro, propondo uma ação no presente para que esse futuro seja alcançado. É muito interessante por se basear em dados concretos e por trazer um pequeno trecho especificamente dedicado à realidade brasileira, fazendo recomendações para que o engajamento da classe média na cultura de doação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

EDELMAN TRUST BAROMETER 2018. Disponível em edelman.com.br/propriedades/trust-barometer-2018/ Acesso em 05 de janeiro de 2019.

GIVING REPORT 2017 BRASIL. Disponível em www.idis.org.br/country-giving-report-2017-brasil/ Acesso em 05 de janeiro de 2019.

PERSPECTVAS PARA A FILANTROPIA GLOBAL: O PODER TRANSFORMADOR DA DOAÇÃO DA CLASSE MÉDIA. Disponível em www.idis.org.br/perspectivas-para-a-filantropia-global-o-poder-transformador-da-doacao-da-classe-media/ Acesso em 05 de janeiro de 2019.

PESQUISA DOAÇÃO BRASIL – PUBLICAÇÃO. Disponível em www.idis.org.br/pesquisa-doacao-brasil/ Acesso em 05 de janeiro de 2019.

PESQUISA DOAÇÃO BRASIL – RESULTADOS. Disponível em www.idis.org.br/pesquisadoacaobrasil/ Acesso em 05 de janeiro de 2019.

WORLD GIVING INDEX 2010. Disponível em www.cafonline.org/about-us/publications/2010-publications/world-giving-index Acesso em 05 de janeiro de 2019.

WORLD GIVING INDEX 2011. Disponível em www.cafonline.org/about-us/publications/2011-publications/world-giving-index-2011 / Acesso em 05 de janeiro de 2019.

WORLD GIVING INDEX 2012. Disponível em www.cafonline.org/about-us/publications/2012-publications/world-giving-index-2012 / Acesso em 05 de janeiro de 2019.

WORLD GIVING INDEX 2013. Disponível em www.cafonline.org/about-us/publications/2013-publications/world-giving-index-2013 / Acesso em 05 de janeiro de 2019.

WORLD GIVING INDEX 2014. Disponível em www.idis.org.br/caf-world-giving-index-2014/ Acesso em 05 de janeiro de 2019.

WORLD GIVING INDEX 2015. Disponível em www.idis.org.br/caf-world-giving-index-2015/ Acesso em 05 de janeiro de 2019.

WORLD GIVING INDEX 2016. Disponível em www.idis.org.br/publicacoes/world-giving-index-2016/ Acesso em 05 de janeiro de 2019.

WORLD GIVING INDEX 2017. Disponível em www.idis.org.br/world-giving-index-2017/ Acesso em 05 de janeiro de 2019.

WORLD GIVING INDEX 2018. Disponível em www.idis.org.br/world-giving-index-2018/ Acesso em 05 de janeiro de 2019.

 

O impacto da Lei dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos

No início deste ano tivemos uma notícia muito boa para o desenvolvimento do setor sem fins lucrativos no Brasil. Foi aprovada pelo presidente Jair Bolsonaro uma legislação importante para a sustentabilidade das causas, organizações sem fins lucrativos e instituições públicas que trabalham nas mais diversas áreas. A Lei dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos, que foi publicada sob o nº 13.800 no dia 7 de janeiro.

Os Fundos Patrimoniais Filantrópicos são estruturas criadas para apoiar uma organização ou uma causa. São chamados de endowments nos países anglo-saxões, que são os campeões na estruturação deste mecanismo. São instituídos, em sua maioria, com o compromisso de perpetuar o valor recebido como doação, repassando apenas seus rendimentos para a manutenção de uma organização sem fins lucrativos ou para o financiamento de projetos. Universidades de destaque como Harvard e Yale possuem seus fundos, e organizações bilionárias como as fundações Bill & Melinda Gates, Rockefeller e Ford.

Os Fundos Patrimoniais Filantrópicos são instrumentos que contribuem para a sustentabilidade financeira de organizações sem fins lucrativos que trabalham pela educação, saúde, assistência, cultura, direitos humanos, meio ambiente, esportes, deficiência, entre outras causas de interesse público. Organizações podem contar com uma fonte perene de recursos e se tornam menos dependentes de novas doações e patrocínios. Com isso, alcançam maior estabilidade financeira e asseguram sua viabilidade operacional, permitindo que se estruturem com profissionalismo e desenvolvam suas atividades de forma sustentável e contínua.

O potencial desta lei é relevante. Segundo estimativas do Hauser Institute for Civil Society e do Banco Mundial, no mundo já encontramos US$ 1,5 trilhão alocados em endowments. Além dos volumosos fundos de universidades e fundações, organizações independentes da sociedade civil já possuem seus fundos patrimoniais. E eles estão sendo estruturados em vários países, como a Índia e os Emirados árabes, onde já encontramos fundos gigantescos.

Importante mencionar que a Lei brasileira determina a instituição de uma organização gestora de fundos patrimoniais, cujo objeto será a captação e gestão de recursos filantrópicos, ou seja, ela não poderá operar programas e projetos. Esta organização pode ser uma fundação ou associação, alternativas legais para uma organização sem fins lucrativos no Brasil. Com isso, dentre os benefícios da Lei, temos a desejada proteção patrimonial dos recursos. Desta forma, o fundo não sofrerá com eventuais passivos das organizações e projetos financiados. Além disso, a legislação estabeleceu regras de governança e incentivos fiscais para as doações para a cultura.

Vale mencionar que o processo de estabelecimento de um fundo patrimonial filantrópico não é simples. São diversas as possibilidades de estrutura e devem ser criteriosos o planejamento societário, tributário, contratual, e de governança. São necessárias regras para os investimentos no mercado financeiro e para o uso dos recursos em programas, projetos e organizações.

A aprovação desta importante legislação para o setor sem fins lucrativos é resultado da ação conjunta de diversos atores da sociedade civil e do governo. O IDIS vem liderando este trabalho desde 2012 e criou, em 2018, a Coalizão pelos Fundos Filantrópicos (www.idis.org.br/coalizao)

Esta legislação pode produzir um grande efeito positivo para o país. A Coalizão e seus membros continuam os esforços para dar clareza ao processo de adoção da lei. Na França, logo após a aprovação de regulamentação similar, mais de 200 fundos foram criados. Com normativas claras e precisas o Brasil certamente pode repetir esse número!

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Por Paula Fabiani, CEO do IDIS, em artigo originalmente publicado no blog Giro Sustentável, da Gazeta do Povo, em 17 de junho de 2019. O IDIS é parceiro do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável e contribui mensalmente com histórias relacionadas ao Investimento Social Privado.

Como podemos aumentar a participação cívica?

2ª Artigo da série

Em agosto deste ano, o IDIS publicou o artigo ‘O que leva as pessoas a apoiarem organizações da sociedade civil? ’, primeiro texto baseado dissertação de mestrado de Economia do aluno do Insper, Rubens Sanghikian, que buscou compreender, por meio de análise das estatísticas existentes, como é possível aumentar a participação cívica.

No primeiro artigo, ele explorou quais são as características individuais que mais interferem para estimular ou inibir a participação cívica. Neste artigo, ele amplia o olhar e apresenta quais são as características de um país que podem afetar o nível de participação cívica de sua população.

Qual o perfil de um país que apoia organizações da sociedade civil?

Por Rubens Sanghikian, mestre em economia pelo Insper

A fonte dos dados desse artigo é a minha tese de mestrado em Economia, elaborada sob a orientação da professora Drª Regina Madalozzo

No primeiro artigo apresentei o perfil de um indivíduo com alta probabilidade de apoiar uma organização da sociedade civil. Vimos que o perfil de um apoiador seria o de uma pessoa que confia nas pessoas, com alta instrução e alta classe social, que gosta de política, tem religião e com alto acesso à informação. Neste segundo artigo discutirei quais são as características de países que têm alta participação da população em atividades como doação, trabalho voluntário e ajuda a desconhecidos.

Através de um amplo levantamento da literatura, selecionei as principais características que podem impactar o nível de participação em doações trabalho voluntário e ajuda a desconhecidos. Utilizei dados da pesquisa World Giving Index, publicada desde 2010 pela Charities Aid Foundation, representada no Brasil pelo IDIS, e conduzida anualmente pela Gallup. Meu estudo tem o propósito de complementar a análise sobre participação cívica, sob a perspectiva de países e não de indivíduos, como vimos no artigo 1.

A pesquisa realiza as seguintes perguntas para entrevistados em mais de 140 países, considerando apenas se esses atos foram realizados no último mês:

• “Doou dinheiro para uma organização social?”.
• “Fez trabalho voluntário ou doou tempo para uma organização?”
• “Ajudou um estranho, ou alguém que você não conhecia que precisava ajuda?”.

Baseando-se nas respostas, a pesquisa cria três indicadores para os países que são: porcentagem da população que realizou doação, porcentagem que fez trabalho voluntário e porcentagem que ajudou um desconhecido.

Através da revisão bibliográfica e de modelos econométricos, consegui identificar os principais fatores que afetam a taxa de participação da população de um país. Os resultados dizem respeito ao efeito médio de vários países, mas tudo indica que se aplicam bastante bem à sociedade brasileira.

Principais resultados:

1) PIB per capita:
O modelo aponta que quanto maior o PIB per capita de um país, maior a participação em doação, porém não tem efeito sobre trabalho voluntário e ajuda a desconhecidos, corroborando as evidências do levantamento literário realizado por Bekkers e Wiepking (2012). Encontrei que 10% de aumento no PIB per capita aumenta em média 0,67% da participação em doações de um país. Vale a pena destacar que este efeito é uma média e não leva em conta participação por classe social.

No Brasil, a Pesquisa Doação Brasil realizada pelo IDIS, indica que a prática da doação aumenta com a renda até 15 salários mínimos, apresentando uma queda na participação da doação para indivíduos que ganham mais de 15 salários mínimos no Brasil.

2) Índice de percepção de corrupção:
Já o aumento da transparência, medido pelo índice de percepção de corrupção, faz com que o engajamento aumente em todas as atividades, principalmente na doação em dinheiro. Um ponto de melhora no indicador de percepção de corrupção aumenta a participação, em média, 0,38% para doação, 0,12% para trabalho voluntário e 0,24% para ajuda a desconhecidos. Encontra-se mais uma evidência que falta de confiança reduz a participação cívica da população, em linha com o trabalho de Evers e Gesthizen (2011) e o resultado apresentado no artigo 1.

3) Desigualdade social:
O quociente de desigualdade humana impacta apenas as doações, de forma inversa, ou seja, quanto menor a desigualdade social, maior a prática de doação. Apesar do aumento da desigualdade social aumentar a percepção de necessidade dos indivíduos, ela aumenta também a distância social e dificulta a empatia entre grupos de renda muito diferentes. Principalmente, a desigualdade muitas vezes está relacionada a alto nível de pobreza e alta concentração de renda. De acordo com Andreoni, Nikiforakis e Stoop (2017), dificuldade financeira diminui a capacidade dos mais pobres realizarem uma atitude altruísta envolvendo dinheiro, e se um país possui muitas pessoas nesta situação, a participação tende a diminuir. Uma diminuição de 0,01 no quociente, que vai de zero a um, aumentaria em média 0,57% a participação em doações.

4) Anos de Educação:
Quanto maior o nível educacional maior a probabilidade de uma pessoa fazer trabalho voluntário. A educação aumenta a percepção dos problemas existentes no mundo, além de dar ideias de como solucioná-los, motivando as pessoas a ajudar. Estima-se que um ano a mais de educação aumenta, em média, 2,2% a participação em trabalho voluntário, porém não impacta doações e ajuda a desconhecidos.

5) Porcentagem da população acima de 65 anos:
Constatei o crescimento do grupo de idosos em uma sociedade provoca queda do engajamento cívico. Estimei que 1% a mais da população nesta faixa etária reduz a participação na doação, em média, 1,37%. Já para trabalho voluntário reduz, em média, 0,92% e ajuda a desconhecidos 0,85%. Os modelos apresentados neste trabalho apresentam evidência de redução nas atividades cívicas em grupos de idade mais avançada, também relatado nos trabalhos apresentados por Bekkers e Wiepking (2011) que mostram queda na doação.

O relatório Volunteering and Older Adults (2013) levanta uma série de barreiras para pessoas em idade mais avançada fazerem trabalhos voluntários, tais como transporte, saúde, custos, acesso à informação sobre instituições, barreiras culturais e experiências negativas no passado nessas atividades. Tudo isso impacta negativamente a probabilidade de fazer trabalho voluntário. Esses fatores também devem impactar negativamente outras atividades cívicas como doação, ajuda a desconhecidos e associação voluntária.

6) Gastos do governo em porcentagem do PIB:
Essa é uma questão muito discutida: se o gasto do governo inibe a participação na sociedade civil. Quando maior o gasto, as pessoas poderiam argumentar que é maior a responsabilidade do governo em prover os serviços e resolver os problemas sociais. Porém, não encontrei esta relação para participação, entretanto, há forte evidência na literatura que há redução no valor doado quando os gastos do governo são altos, por exemplo, no estudo de Andreoni (1993).

Tabela resumo:

Conclusão:

A importância deste estudo é que ele ajuda a identificar características que aumentam ou diminuem a participação de pessoas na sociedade civil, podendo auxiliar no direcionamento de políticas públicas para o seu fortalecimento. Um país com alto PIB per capita, baixa corrupção, baixa desigualdade social e alto nível educacional tende a ter grande participação da sua população na vida cívica.

Um ponto que eu acredito ser muito interessante e muitas vezes não abordado, é a participação do público da terceira idade na vida cívica. Com o envelhecimento da população mundial, há um impacto negativo na sociedade civil.  Se altos gastos dos idosos, problemas de locomoção e experiências negativas no passado podem inibir a participação deles, devemos focar na solução desses desafios para engajá-los. Há forte evidência na literatura que idosos que realizam trabalho voluntário possuem menos depressão, maior satisfação e maior estimativa de sua expectativa de vida.

No próximo artigo da série, apresentarei como podemos aumentar a captação de recursos utilizando a teoria sobre nudges, desenvolvida pelo economista, ganhador do prêmio Nobel, Richard Thaler.

Referências:

ANDREONI, J. An experimental Test of the Public-Goods Crowding-Out Hypothesis. The American Economic Review, v. 83, n.5, p. 1317-1327, 1993.

ANDREONI, J.; NIKIFORAKIS N; STOOP, J. Are the rich more selfish than the poor, or do they just have more money? A natural field experiment. NBER Working Paper, n. w23229, 2017.

BEKKERS, R.; WIEPKING P. Who gives? A literature review of predictors of charitable giving. Part One: Religion, education, age and socialization. Voluntary Sector Review, v. 2, n. 3, p.337-365, 2011.

BEKKERS, R.; WIEPKING P. Who gives? A literature review of predictors of charitable giving. Part Two: Gender, family composition and income. Voluntary Sector Review, v. 3, n. 2, p.217-245, 2012.

EVERS, A.; GESTHUIZEN M. The impact of generalized and institutional trust on donating to activist, leisure, and interest organizations: individual and contextual effects. International Journal of Nonprofit and Voluntary Sector Marketing, v. 16, p. 381-392, 2011.

Pesquisa Doação Brasil. São Paulo: Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, 2016. Disponível em: http://idis.org.br/pesquisadoacaobrasil/wp-content/uploads/2016/10/PBD_IDIS_Sumario_2016.pdf. Acesso: 30 de julho de 2018.

SANGHIKIAN, Rubens. Participação cívica: associação, doação e trabalho voluntário. 2017. 44 f. Dissertação (Mestrado profissional em economia) – Instituto de Ensino e Pesquisa – INSPER, São Paulo, 2017.

VOLUNTEERING AND OLDER ADULTS. Ottawa: Volunteer Canada, 2013. Disponível em: <https://volunteer.ca/content/volunteering-and-older-adults-final-report>. Acesso em: 12 de nov. 2017.
WORLD GIVING INDEX. Kings Hill: Charities Aid Foundation, 2011-2016. Disponível em: https://www.cafonline.org/about-us/publications. Acesso em: 18 de jun. 2017.

 

 

As futuras gerações vão nos julgar

Por Paula Fabiani*

Tudo começou com uma provocação de Kofi Annan, ex- Secretário Geral da ONU: é preciso reestabelecer a confiança para avançarmos e retomarmos a esperança num mundo mais justo. Foi com esse direcionamento que o Global Philanthropy Forum deste ano convocou cada um de nós a tomar parte na construção de um mundo melhor.

O evento, que aconteceu na Califórnia (Estados Unidos), contou com a participação de mais de 400 filantropos e representantes de organizações que buscam impacto social (e nós contribuímos com uma delegação de 10 brasileiros!).

Durante três dias foram apresentados alguns antídotos para a falta de confiança e a desesperança que dificultam o surgimento de soluções para os problemas globais. A tecnologia aliada à imaginação e tenacidade dos jovens é a grande aposta para as transformações na próxima década. Mas a tecnologia poderá ser um aliado ou um inimigo do processo. Ela pode ajudar em muitas frentes, seja na mobilização, seja em soluções efetivas, como em um interessante projeto que usa imagens de satélites para ações comunitárias. Porém, temos os desafios éticos e as ameaças do mau uso da tecnologia, aspectos que exigem uma ação imediata.

Soluções com grande potencial de escala demostram que é possível sonhar com um mundo mais justo para os todos. Novas abordagens para a questão da segurança alimentar, saúde e doenças evitáveis em países menos desenvolvidos chamam a atenção. Um destaque foi a eloquente apresentação de Chris Hughes, que fundou, junto com Zuckerberg e Moskovitz, o Facebook, e está investindo em pesquisas e experimentos com transferência de renda para reduzir a pobreza nos Estados Unidos e promover o desenvolvimento (Economic Security Project). Mas o próprio Facebook também estava no centro do debate que tratou de privacidade e acesso à informação. O papel das mídias sociais e ferramentas digitais nos processos democráticos, os riscos da manipulação da informação e a polarização proposital, foram pontos de grande preocupação dos palestrantes e participantes.

Em muitas plenárias o sentimento que emergiu é de que o futuro já faz parte do presente. E a comunidade filantrópica precisa se transformar para enfrentar os novos desafios. Como um dos palestrantes colocou: “O Fórum reforça uma reflexão sobre nosso papel neste mundo tão injusto e desigual. As futuras gerações vão nos julgar, tentamos mesmo resolver os problemas atuais e fazer a diferença?”.

(*) Paula Fabiani é Diretora-Presidente do IDIS Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – www.idis.org.br

Como podemos aumentar a participação cívica?

Por Andréa Wolffenbüttel, diretora de Comunicação do IDIS

De vez em quando, mais raramente do que eu gostaria, aparecem algumas pessoas trazendo informações interessantes. Uma dessas ocasiões aconteceu no final de julho, quando recebi, aqui no IDIS, o Rubens Sanghikian, que elaborou sua dissertação no mestrado de economia pelo Insper.

O rapaz entrou em contato pelo e-mail do nosso site, oferecendo-se para apresentar os resultados da sua tese, uma pesquisa sobre o que leva as pessoas a desenvolverem algum tipo de participação cívica.

Quando o estudante chegou, trouxe consigo um relatório de mais de quarenta páginas com muitas, mas muitas informações valiosas. Ao final da apresentação, aconselhei-o a escrever um artigo com os principais dados da pesquisa para ser divulgado no universo do terceiro setor e evitar que todo o trabalho ficasse ‘escondido’ no meio da produção acadêmica em geral.

Ele fez uma contraproposta, sugerindo não um, mas uma série de quatro artigos discutindo o perfil de indivíduos que apoiam organizações e fatores que influenciam a decisão de doar dinheiro e fazer trabalho voluntário.

Aqui está o primeiro artigo.

1ª Artigo da série
‘O que leva as pessoas a apoiarem organizações da sociedade civil? ’

Por Rubens Sanghikian, mestre em economia pelo Insper

A fonte dos dados desse artigo é a minha tese de mestrado em Economia, elaborada sob a orientação da professora Drª Regina Madalozzo.

Antes de entrar no tema do artigo propriamente dito, vale a pena falar um pouco sobre sociedade civil. Apesar da expressão ser muito usada, nem sempre existe um consenso sobre seu significado. Sociedade civil é o conjunto das organizações voluntárias que servem como mecanismo de articulação de uma sociedade. E a principal característica dessas organizações é não estarem apoiadas na força do Estado (governo) ou do mercado.

Portanto, quando falamos de participação cívica, estamos nos referindo a qualquer tipo de ação ligada às organizações da sociedade civil, tal como associação, doação de recursos financeiros ou realização de trabalho voluntário.

Para as organizações da sociedade civil, um dos principais desafios, se não o maior, é a dificuldade em captar recursos financeiros e humanos para completar seus objetivos. Esta foi uma das razões que me levaram a estudar o tema.

Qual o perfil de uma pessoa que apoia organizações da sociedade civil?

Com o objetivo de responder esta pergunta, utilizei o extenso e rico trabalho de Bekkers e Wiepking (2011, 2012) que realizaram um levantamento da literatura para verificar o perfil de quem faz doações.  Com base nesta ideia, fiz uma revisão de literatura para selecionar as principais características individuais que poderiam indicar o perfil de alguém que ajuda organizações. Utilizando a pesquisa World Values Survey, realizada de 2010 a 2014, obtive informações de aproximadamente 80 mil pessoas de 55 países.

Através da revisão bibliográfica e de modelos econométricos, consegui identificar os principais fatores que afetam a probabilidade de um indivíduo apoiar diferentes organizações: religiosas, ligadas ao esporte, partidos, ligadas à educação, sindicatos, profissionais, instituições de caridade, causas do consumidor, grupos de auto ajuda e ambientais. Os resultados dizem respeito à população desses diversos países, mas tudo indica que se aplicam bastante bem à sociedade brasileira.

Principais resultados

1) Ter confiança nas outras pessoas:
Fundamental para o estabelecimento de vínculos, a confiança se mostra bastante relevante para todas as participações cívicas. Um indivíduo que acredita que se pode confiar nas outras pessoas tem maior probabilidade de se associar a uma organização,.

2) Ter interesse por política:Os debates e a busca por resolver um conflito, elementos presentes na política, estão presentes nas organizações da sociedade civil. Um indivíduo que declara que possui alto interesse por política tem maior probabilidade de se aproximar de entidades, independente da natureza da organização.

3) Classe Social à qual pertence:
O modelo aponta que quanto mais alta a classe social, maior a probabilidade de apoio. Indivíduos em situação financeira mais frágil possuem menos tempo e capacidade de ampliar a participação na sociedade. Organizações também buscam indivíduos com maior status social, devido a maior influência que eles possuem dentro da sociedade. Porém, devemos realizar ressalvas sobre a relação classe social e participação cívica. Por exemplo, a Pesquisa Doação Brasil indica uma queda participação da doação para indivíduos que ganham mais de 15 salários mínimos no Brasil. Já o Country Giving Report mostra que em termos de proporção da renda, pessoas de classe mais baixa contribuem mais.

4) Nível de educação:
Quanto maior o nível educacional maior a probabilidade de uma pessoa apoiar uma organização. A educação aumenta a percepção de problemas que existem no mundo, além de dar ideias de como solucioná-los, motivando as pessoas a ajudar.

5) Frequência com que assiste TV:
Um estudo realizado por Putnam (1995) afirma que a participação cívica poderia estar caindo devido ao fato das pessoas passarem mais tempo assistindo TV. Não consegui confirmar esta relação.

6) Frequência com que acessa à internet:
Um indivíduo que acessa diariamente a internet tem maior probabilidade de apoiar uma instituição. A internet e redes sociais são uma importante ferramenta de comunicação para as organizações, aumentando o número de solicitações a potenciais apoiadores.

7) Idade:
O estudo sugere que quanto maior a idade, maior a probabilidade de apoio para muitos tipos de organizações, menos para as ligadas ao esporte.

8) Ter religião:
O fato de uma pessoa ser religiosa se mostrou importante, indicando que é mais provável uma pessoa religiosa se aproximar de muitos tipos de organizações, tanto de ajuda a terceiros, quanto de autoajuda.

9) Ser estudante:
Quando comparamos estudantes em relação às pessoas que trabalham, vemos que eles tendem a participar mais em organizações educacionais, desportistas e religiosas. Porém, são menos ativos em sindicatos e organizações profissionais.

10) Ser do sexo feminino:
Este é um quesito onde a determinação biológica sofre alterações de acordo com as normas e convivência social. Percebe-se uma diferença significativa no tipo de organização que homens e mulheres escolhem para contribuir. É menos provável que mulheres estejam ligadas a organizações não religiosas, como partidos, desportistas e sindicatos. O estudo aponta que as mulheres sofrem com a desigualdade em relação aos homens até no terceiro setor, sendo menos representadas em certas atividades. Na mesma linha, os estudiosos Rotolo e Wilson (2007) destacam que mulheres em organizações têm maior probabilidade de realizarem trabalhos relacionados à alimentação, levantamento de recursos e eventos, enquanto homens têm maior probabilidade de participação em comitês de decisão, ensino e manutenção.

Tabela resumo

As tabelas abaixo mostram como as características das pessoas ou as atividades que elas praticam exercem influência sobre a probabilidade de ela vir atuar junto a determinado tipo de organização.

 

 

 

 

 

Conclusão

A importância deste estudo é que ele ajuda a identificar variáveis características que aumentam ou diminuem a probabilidade de pessoas apoiarem organizações, podendo auxiliar no direcionamento de recursos e escolha de público alvo durante captação de recursos e recrutamento de voluntários, por exemplo.

O perfil de um apoiador seria o de uma pessoa que confia nos indivíduos, com alta instrução e alta classe social, que gosta de política, tem religião e com alto acesso à informação.

No próximo artigo da série, apresentarei características de países com grande participação em doações, trabalho voluntário e ajuda a desconhecidos.

Referências

BEKKERS, R.; WIEPKING P. Who gives? A literature review of predictors of charitable giving. Part One: Religion, education, age and socialization. Voluntary Sector Review, v. 2, n. 3, p.337-365, 2011.
BEKKERS, R.; WIEPKING P. Who gives? A literature review of predictors of charitable giving. Part Two: Gender, family composition and income. Voluntary Sector Review, v. 3, n. 2, p.217-245, 2012.
PUTNAM, R. D. Bowling Alone: America’s Declining Social Capital. Journal of Democracy, v. 6, n.1, p. 65-78, 1995.

ROTOLO , Thomas; WILSON, John. Sex segregation in Volunteer Work. The Sociological Quartely, v. 48, n. 3, p. 559-585, 2007.
SANGHIKIAN, Rubens. Participação cívica: associação, doação e trabalho voluntário. 2017. 44 f. Dissertação (Mestrado profissional em economia) – Instituto de Ensino e Pesquisa – INSPER, São Paulo, 2017.

WVS WAVE 6. Madrid: World Values Survey, 2010-2014. Disponível em: <http://www.worldvaluessurvey.org/WVSDocumentationWV6.jsp>. Acesso em: 18 de jun. 2017.
Country Giving Report 2017 – Brasil. São Paulo: Charities Aid Foudation e Instituto para o

Desenvolvimento do Investimento Social, 2017. Disponível em: https://www.idis.org.br/wp-content/uploads/2017/11/country-giving-report-2017-brasil.pdf .Acesso: 30 de julho de 2018.
Pesquisa Doação Brasil. São Paulo: Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, 2016.

Disponível em: http://idis.org.br/pesquisadoacaobrasil/wp-content/uploads/2016/10/PBD_IDIS_Sumario_2016.pdf. Acesso: 30 de julho de 2018.

O Papel da Filantropia Familiar para o Desenvolvimento Sustentável no Brasil

Por Paula Fabiani *

The Role of Family Philanthropy for Sustainable Development in Brazil

In recent years, the world has witnessed an important socioeconomic movement. Developing countries – such as Brazil, China, and India – recorded strong growth, which led to wealth generation, and an increase in the middle class and the number of millionaires. According to the Charities Aid Foundation’s report on The Potential of Global Philanthropy , middle-class spending 76 across the globe is expected to reach US$200 trillion by 2030, double the amount spent in 2015. This movement has the power to transform our society. As the report points out, if 0.5% of these expenditures were directed to civil society organizations, we would have the impressive number of R$1 trillion at the disposal of socioenvironmental causes. Imagine if part of these resources were targeted at organizations committed to the Sustainable Development Goals (SDGs). The participation of philanthropy is critical for the sustainable development of nations. As 77 Eduardo Giannetti has stated on the importance 78 of private social investment: “There are many relevant, socially demanded things that neither the market nor the state in a democratic environment can actually meet. In addition, philanthropy and private social investment are on the demand side because there are things to be done.” Jane Wales has 79 c o m m e n t e d o n t h e e m e r g e n c e o f n e w philanthropists, driven by rapid economic growth in developing countries. For her, the new philanthropists have “a view that the benefts of this new economy must be shared in a broad way – social development, economic development, and growth should not only be rapid but also inclusive”. 80 Brazil has followed the worldwide trend of wealth growth but has not yet reached its philanthropic potential. According to the Brazilian Donation Survey , 46% of Brazilians (over 18 years 81 old, living in urban areas and with a family income above the minimum wage) donated to civil society organizations in the year 2015 R$13.7 Billion, which corresponds to 0.23% of the Brazilian GDP of that year. The amount seems signifcant, but if we compare to the US, where the population donated 2.1 percent of GDP in the same year, we realized 82 that we can and should invest in our philanthropic potential. It is worth mentioning that 2015 was a highlight in donations to non-proft organizations. The percentage of Brazilians who donated in 2016 has declined, according to the World Giving Index , and Brazil’s position is still behind Chile 83 and Colombia. And the families that hold the greatest fortunes? What about private family social investment? What diference can it make in achieving the SDGs? According to the CAF report, mentioned at the beginning of this article, until 2026 the world will see a growth of 43% in the number of ultramillionaires (UHNWI) , individuals that have at 84 least US$30 million to invest. In Brazil, the data is also impressive. According to the Global Wealth Repor t 2016 , we already have 172,000 85 millionaires in Brazil. Meanwhile, the country has 24 million people with incomes lower than US$249 per year. There is a lot to do, and solutions are certainly going to happen through partnerships, strategic allocation of philanthropic resources, and collective eforts to achieve the SDGs. However, Brazilian family philanthropy still has an evolutionary path to follow. According to a GIFE (Group of Institutes, Foundations and Companies)86 survey, most family investors donate a relatively small portion of their assets to their organizations and civil society organizations, and even fewer are those that direct their investment to endowments, willing to ensure long-term socio-environmental transformations. Many do not even disclose what they do and how much they donate, partly because of security concerns, and partly because of the perception, pointed out by the report, of the existence of prejudice against the rich in the country, assuming that “they are motivated only by their own interests”. More important, however, in discussing the role of private family social investment is the fact, pointed out in the report, that family foundations and institutes are still far from investing in public policy improvements and have difculty in establishing partnerships. Both are crucial to reaching the SDGs. In addition, these groups should align eforts in this direction. It is worth adding that private family social investment can take risks more than corporate giving, and therefore can function as a space for R&D (Research and Development) in public policies, forming an ideal environment for experimentation in addressing systemic problems. This is a path with great potential in the quest for innovative solutions for achieving the SDGs. However, we also have good news to celebrate. Family philanthropy has been growing and gaining relevance in recent years in Brazil. Important goals among the SDGs, especially in the area of education, are the focus of many familiar social investors. The environmental issue is also a prominent area. Moreover, the SDGs have a great potential for sensitization and mobilization of these investors. Beyond the issue with the areas of action, the impact assessment is also increasingly signifcant for Brazilian family social investors, which is fundamental for understanding the contribution of each one in this process. This is certainly evidence that our industry qualifes and aims for more efciency and efectiveness. Finally, among family social investors, the SDGs can represent an opportunity to connect generations. It is a concern of many families, not only Brazilians, and the SDGs are a good place to connect because they refect discussions and debates that have involved individuals and groups representing diferent generations across the world. In addition, participating in a movement to address global issues will enable these families to reach out to organizations and families from other nations who share the same ambitions to contribute to achieving goals to make the world a better place for all. All eforts from all sectors will be necessary to reach the SDGs. Joining forces in this direction will be a prominent path in the coming years that will widen the impact of private social investment on the global development agenda. And family philanthropy will certainly engage in this important agenda.

(*) Paula Fabiani é diretora-presidente do IDIS.

Artigo publicado na página 57 do relatório “Filantropia e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, do PNUD.  Pode ser baixado gratuitamente em https://goo.gl/cocjJm ou pode ser lido online em http://bit.ly/2kwAlT

“Doadores Brasileiros e sua relação com a tecnologia: alguns dados e reflexões”

Por Paula Fabiani e Andrea Wolffenbuttel – O artigo integra a publicação “TIC ORGANIZAÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS – Pesquisa Sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nas Organizações Sem Fins Lucrativos Brasileiras. Escrito por Paula Fabiani (presidente do IDIS) e Andrea Wolffenbuttel (diretora de Comunicação e Relações Institucionais do IDIS),  focou na avaliação dos doadores brasileiros sobre os recursos tecnológicos disponibilizados para fazerem doações.

O texto,  publicado pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), usou como base de dados a pesquisa Doação Brasil, iniciativa coordenada e divulgada pelo IDIS e que revelou quem são e o que pensam os doadores brasileiros.

O NIC.br é uma entidade civil, sem fins lucrativos, que implementa as decisões e projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Para acessar a publicação,  basta clicar em

http://cetic.br/media/docs/publicacoes/2/tic_osfil_2016_livro_eletronico.pdf

 

 

 

 

Sobre confiança, filantropia e organizações sociais

Por Paula Fabiani*

A confiança, ou melhor, a falta de confiança, é uma preocupação presente ao redor do mundo nos dias atuais. Além do Brasil, países desenvolvidos como os Estados Unidos e a Inglaterra passam por períodos de desconfiança nas instituições e nos governos, o que gera grande ansiedade em relação ao futuro. Estive nas últimas semanas nestes dois países em eventos do universo da filantropia e, enquanto na Inglaterra o clima é mais calmo, apesar de toda a incerteza sobre o futuro, nos Estados Unidos a inquietação é latente.

Na Inglaterra participei de discussões sobre como a tecnologia pode contribuir para o resgate da confiança por meio do aumento da transparência no campo filantrópico. O encontro foi promovido pela Charities Aid Foundation (CAF) para membros da Global Alliance, uma rede de organizações filantrópicas ligadas à CAF, da qual o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – IDIS faz parte.

Um dos casos interessantes apresentados foi a tecnologia de block chains, um sistema digital de controle e validação de transações via redes de computadores, que começa a ser aplicado em start ups com foco na melhoria dos processos de doação e monitoramento dos resultados. A Alice é um bom exemplo. Trata-se de uma plataforma que busca reduzir a falta de confiança nas ONGs por meio de um sistema de pagamentos por resultado, que utiliza a tecnologia dos block chains. A doação é comprometida em um contrato, porém os recursos só vão sendo transferidos conforme o resultado é alcançado.

Nos Estados Unidos, o Global Philanthropy Forum, conferência realizada anualmente com participantes das principais instituições filantrópicas de atuação global, teve como temas transversais Confiança e Legitimidade. O evento apresentou caminhos para organizações filantrópicas e da sociedade civil fomentarem processos de reconstrução da coesão social ao redor de questões fundamentais, para o nosso futuro e do planeta.

As palavras dos presidentes do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostraram que os grandes organismos multilaterais também se afligem com o tema porque a falta de confiança torna mais difícil a atuação em parceria, que é fundamental para a promoção do desenvolvimento. Inspirações para agir vieram de indivíduos que, apesar das dificuldades, trabalham pela paz motivados por experiências pessoais traumáticas, como a perda de um familiar para movimentos extremistas na Síria ou por um sequestro pela guerrilha FARC na Colômbia.

Por fim, tanto na Inglaterra como nos EUA, as discussões giraram em torno de como as organizações filantrópicas e os negócios sociais podem contribuir para a recuperação da confiança e o fortalecimento da sociedade civil na construção de um mundo mais justo e sustentável. E nós no Brasil, será que não precisamos nos debruçar nesta discussão com mais atenção, engajando, além do terceiro setor, o governo e as empresas?

(*) Paula Fabiani é diretora-presidente do IDIS.

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em abril de 2017: http://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/colunas/2017/04/1879087-sobre-confianca-filantropia-e-organizacoes-sociais.shtml

A filantropia é uma ação política

Por Paula Fabiani*

Entre os dias 22 e 24 de abril, mais de 300 especialistas em filantropia se reuniram na cidade do México em um Fórum promovido pelo WINGS, uma associação mundial de organizações de apoio a doadores e investidores sociais.
O principal de tema das conversas foi o preocupante encolhimento do espaço da sociedade civil em diversos países. Na Rússia, o governo está controlando a entrada de doações estrangeiras e de recursos para movimentos de defesa dos direitos humanos e outras causas relevantes para a mobilização social. Na Turquia e em alguns países do norte da África e Oriente Médio emergem posturas semelhantes. Na América do Sul, vivemos, há vários anos, a triste repressão a qualquer tipo de manifestação contrária ao regime na Venezuela. Sem falar sobre os Estados Unidos, onde tudo indica que o ambiente para o ativismo e a defesa de causas se tornará mais hostil.

O evento contou com representantes de organizações de 44 países, e o IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social) foi uma das instituições brasileiras presentes. O Fórum discutiu questões como a emergência do populismo em vários países e a delicada gestão da relação entre os três setores para a promoção de transformações sociais: governo, empresas e sociedade civil.

Foram apresentados dados sobre a infraestrutura global de apoio à filantropia, com destaque às ações de advocacy que começam a crescer nos últimos anos. Advocacy é como são chamadas as iniciativas que buscam influenciar o poder público para que crie e aprove leis e políticas com foco em agendas socioambientais. Trata-se de uma importante ferramenta do terceiro setor na batalha contra a diminuição do espaço na sociedade civil.
A má notícia para nós é que os recursos financeiros e as organizações doadoras continuam concentrados nas regiões onde a filantropia já está consolidada, EUA e Europa. E os desafios a serem enfrentados, na América Latina, vão precisar de muito advocacy para mudanças regulatórias relativas aos impostos e à falta de incentivos para filantropia, em especial no Brasil.

A mensagem que emergiu, depois de muitos debates, é que doadores e todos que trabalham com doações devem entender que a filantropia, apesar de na maioria dos casos ser apartidária, é uma ação política, que tem impacto político e responsabilidades políticas. A filantropia precisa trabalhar para garantir seu própria espaço, para melhorar seu próprio ambiente regulatório e para fortalecer a sociedade civil, que, em última instância, é porta-voz dos anseios do povo.

Paula Fabiani é diretora-presidente do IDIS
Artigo publicado na Folha de S. Paulo em março de 2017: http://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/colunas/2017/03/1867346-a-filantropia-e-uma-acao-politica.shtml

Como definir indicadores para a captação de recursos?

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Todo projeto deve ser avaliado para compreensão de seus resultados em relação às expectativas e objetivo inicial. Não é diferente com planos de captação de recursos. Desde o início, deve ser considerado no plano de captação como serão medidos os resultados alcançados. Com base nas metas que se deseja atingir, devem ser elaborados os indicadores para acompanhamento dessas metas, quem será responsável pela coleta de dados, quais suas atribuições e como será esse processo.

Ter indicadores que qualificam doadores e o atingimento das metas permite às organizações acelerar investimentos em ações bem-sucedidas ou repensar aquelas que não trazem os resultados esperados em relação ao investimento dispendido. Ter bons indicadores é crucial para que esse exercício seja realmente efetivo. Os indicadores devem ser analisados a partir de sua relação custo/benefício e, quando necessário, substituídos por mecanismos de controle mais simples e econômicos. Métricas interessantes para essa análise podem ser custo por real captado (Cost per Dollar Raised) e o retorno do investimento da captação (Fundraising Return On Investment)*.

Os indicadores devem cobrir aspectos gerais da captação (como custo/benefício das ações), das doações (volume, crescimento etc.), dos doadores (número, crescimento etc.) e engajamento deles com a organização (inclusive digital). Dados quantitativos e qualitativos do processo de captação devem ser coletados. Os dados quantitativos são objetivos e servem para conferir se os números esperados foram atingidos e se as atividades planejadas estão sendo realizadas. Como exemplo de indicadores quantitativos podemos citar a taxa de retenção e perda dos doadores e o valor médio das doações. Mas os quantitativos sozinhos não são suficientes. Existe uma curva natural de perda de doadores e é fundamental saber o que motiva e o que não motiva uma pessoa a doar para sua organização e, mais ainda, o que a motiva a se tornar um doador recorrente ou aumentar a doação. Para se conseguir essas informações, em geral, precisamos de um indicador qualitativo que pode variar de acordo com a atividade fim da organização. Os indicadores qualitativos servem para trazer dados subjetivos que demonstram o impacto das atividades realizadas.

Em geral, a captação de recursos financeiros em organizações sem fins lucrativos se utiliza de indicadores de gestão de doadores e recursos, mas também precisa de informações sobre os beneficiários e as atividades da organização para reportar aos doadores. Os dados coletados sobre a captação e o cumprimento do plano devem ser responsabilidade dos profissionais da área de captação, assim como os dados coletados sobre o impacto da organização e o cumprimento de suas metas devem ser responsabilidade dos profissionais da área de programas e projetos. A direção da organização deve ser envolvida e apoiar ambos os processos. E a interação e troca de informação entre as áreas deve ser constante, pois as informações sobre o impacto da organização alimentam o processo de captação, assim como os resultados da captação reforçam a legitimidade das atividades e o impacto gerado pela organização.

Uma vez realizada a coleta de informações, os dados levantados devem ser sistematizados e analisados. Segundo artigo publicado na Revista da USP sobre o tema recomenda-se a ajuda de especialistas no processo avaliativo. Entretanto, mesmo sem a presença de profissional especializado toda organização deve realizar processos avaliativos. A equipe de avaliação pode possuir alguém da área de captação de recursos e alguém com conhecimento de monitoramento e avaliação. Essa equipe deve apresentar suas conclusões e recomendações na forma de um relatório ou apresentação, se possível analisando a relação entre a captação e o impacto gerado pela organização. O conteúdo desse relatório pode ser incorporado em diversos materiais da organização, de acordo com o público a que se destina o material (público interno, externo, doadores etc.). Para os doadores, por exemplo, é importante ressaltar a destinação dos recursos e eventuais economias ou despesas extras. Além de reportar o impacto das atividades da organização realizadas com o recurso doado, sempre que possível.

A concorrência acirrada por recursos aumenta a importância de se criar mecanismos de captação eficientes e eficazes. E para tanto, bons indicadores são ferramentas muito úteis. Ao reportar de forma objetiva, as organizações facilitam a compreensão e aumentam a consciência dos potenciais doadores sobre a organização, seu impacto e o destino dos recursos recebidos, além de apresentar de forma clara os objetivos e as razões pelas quais o possível apoiador deveria oferecer seus recursos. Dessa forma, as organizações aprimoram o seu relacionamento com os doadores e parceiros, permitindo o desenvolvimento de relações mais duradouras e fortalecendo sua relevância na sociedade.

*Mais informações sobre esses indicadores em http://www.donorsearch.net/nonprofit-fundraising-metrics/ 

Por Paula Fabiani, diretora-presidente do IDIS .

Medindo o Retorno do Investimento em Captação

paulaPor Paula Fabiani

A busca por dados para apoiar esforços de captação de recursos ganhou maior importância na última década no Brasil. Dentre esses esforços vale mencionar a Pesquisa Doação Brasil , cujos resultados podem beneficiar muito esse campo, trazendo informações tais como as formas preferidas, pelos doadores, de abordagem e de pagamento. Saber que os brasileiros preferem fazer doações em dinheiro vivo e não gostam de cobranças via cartão de crédito, por exemplo, ajuda quem precisa ir a campo captar recursos.

Nesta busca por números, vale mencionar também a relevância que vem ganhando a avaliação de impacto. Entretanto, enquanto a avaliação de impacto ganha destaque no Brasil com a realização de eventos sobre o assunto, publicações e a incorporação desse tema por parte de grandes fundações e institutos, pouco se fala sobre a avaliação de resultados da captação de recursos. Não encontramos modelos prontos para esta medição e pouco se discute o assunto.

A medição dos resultados dos esforços de captação pode ser muito importante para justificar as despesas atreladas a essa ação, já que se trata de uma “área meio” e, portanto, muitas vezes desvalorizada em sua relevância para o alcance dos objetivos da organização. É preciso despertar para a valorização da contribuição (ou não) de uma área tão relevante de uma organização.

Mas como realizar esta avaliação? Em primeiro lugar é necessário estabelecer mecanismos de medição robustos, que tragam a informação desejada. Quanto é realmente gasto na conquista de um novo doador? Quais os processos e pessoas da organização estão envolvidos? Quanto tempo a organização leva nesse processo? Como menciona uma análise sobre o tema em relação à universidade, o tempo do líder da organização na captação de recursos deve ser incorporado nos cálculos . Em países como os Estados Unidos, já encontramos um bom número de mecanismos e literatura sobre o tema como por exemplo: Measuring Fundraising Return on Investment and the Impact (Medindo o Retorno do Investimento e Impacto da Captação de Recursos) da Wealth Engine, Financing not Fundraising (Financiando ao Invés de Captando) da Social Velocity e até um software para isso da Webserves.

Mas é preciso ir além da análise “custo-benefício” da conquista de um doador. É necessário refletir sobre a qualidade desse doador e seu potencial de fidelização à causa e à organização. Uma vez considerados os aspectos monetários e qualitativos de um novo doador, é possível estimar o retorno do valor investido em um determinado esforço de captação. Essa avaliação gerará muito mais do que um número, também indicará caminhos para uma captação mais efetiva. Além de permitir um diálogo mais objetivo entre a organização que precisa investir para colher frutos futuros na sua captação e um potencial financiador desse esforço de captação, que muitas vezes compreende uma linguagem econômica ou financeira. O processo de captação exige tempo para dar resultados, bons números ajudam a justificar o investimento.

Apesar de não existirem muitas análises de “custo-benefício” sobre esforços de captação no Brasil, é possível comparar com valores apurados por organizações estrangeiras semelhantes. Certamente análises dessa natureza pode alavancar o potencial de esforços de captação, pois aumentam as possibilidades de aproveitamento das iniciativas. E, por fim, ajudam as organizações a realizarem sua missão e transformarem o Brasil em um país mais justo e sustentável.

Paula Fabiani é diretora-presidente do IDIS 

Populações em movimento: tema do Global Philanthropy Forum e desafio para toda a humanidade

Por Paula Fabiani

O mundo nunca teve tantos movimentos migratórios como nos dias de hoje. Sessenta milhões de pessoas estão longe de suas casas, vinte milhões estão fora de seus países e, só no ano passado, 1,5 milhão de imigrantes desembarcaram nas areias ou cruzaram as fronteiras da Europa, de acordo com dados da ONU.

Toda essa população precisa de casa, comida, educação e trabalho. Perderam tudo o que tinham e o que lhes resta é a esperança de um futuro melhor. O drama dessas famílias e o desafio dos países que as acolhem foram o tema do Global Philanthropy Forum deste ano, que terminou na quarta-feira, dia 6 de abril, em San Francisco, na Califórnia, EUA.

O evento reuniu os mais diversos olhares, desde o ministro da Educação do Líbano, que falou sobre as dificuldades de seu país, ao receber mais de 400 mil crianças sírias que precisam ir para a escola, até o depoimento de um ex-refugiado da guerra civil do Burundi, que chegou a viver como sem-teto no Central Park, em Nova York, e hoje em dia coordena uma organização sem fins lucrativos que presta serviços médicos às populações mais vulneráveis de sua pátria.

Durante os três dias do Fórum, painéis discutiram temas como urbanização e infraestrutura, recolocação profissional, e mesmo como evitar que as condições precárias de vida acabem contribuindo para o aliciamento de jovens por organizações terroristas. Uma tônica comum aos vários palestrantes é a preocupação com estes imigrantes. Se eles representam o principal foco de insatisfação e rebeldia, também podem ser o elemento de integração, se tiverem suas opiniões ouvidas e seus apelos considerados.

O presidente da Open Society, a organização fundada pelo megainvestidor George Soros, que defende o estabelecimento de democracias vibrantes e tolerantes ao redor do mundo, propôs a criação de uma aliança global para apoiar processos migratórios. O tamanho do desafio requer uma ação mundial e que envolva todos as esferas da sociedade.

Atualmente, um refugiado fica, em média, 17 anos fora de seu país. Existem muitos que fogem crianças e só conseguem voltar já casados e com filhos. A dificuldade de melhorar as condições de vida dessas pessoas é imensa, e remete um pouco às condições que os imigrantes bolivianos enfrentam no Brasil, trabalhando em condições sub-humanas, vivendo em cortiços, sem acesso a serviços básicos.

A boa notícia é que muitas iniciativas inovadoras que estão surgindo para um melhor acolhimento da massa de refugiados poderão ser adaptadas e levadas para o Brasil, entre elas as que criam escolas utilizando a mão de obra dos próprios imigrantes, preservando suas culturas originais e ajudando-os a adaptar-se ao seu novo universo.

O tema seguramente fará parte da 5ª edição do Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais, a versão brasileira do Global Philanthropy Forum, que ocorrerá em outubro no Brasil, quando nossos filantropos e investidores sociais discutirão sua contribuição para construir novos caminhos para o capitalismo, nos quais a ética e a responsabilidade cidadã façam parte das relações das empresas com o governo e com a sociedade.

Após os três dias de debate no Global Philanthropy Forum, todos concordaram que esse é um dos maiores desafios que a filantropia já enfrentou. Nunca tantas pessoas, em um espaço de tempo tão curto, passaram a precisar de ajuda humanitária. Portanto, a solução terá contar com a força de todos os setores. A comunidade filantrópica fez um apelo para que os governos sejam mais abertos e para que a iniciativa privada também contribua para a solução de um problema que não é de um povo ou de um país, mas do mundo todo.

Paula Fabiani é diretora-presidente do IDIS 

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em abril de 2016

Como se comportam doadores do Brasil e do mundo

Por Paula Fabiani

O tema das doações vem ganhando destaque no Brasil no último ano. A corajosa decisão de Elie Horn, dono da Cyrela, de se juntar ao movimento Giving Pledge e se comprometer a doar 60% (isso mesmo, 60%!) de sua fortuna em vida é realmente uma notícia positiva e um maravilhoso exemplo para indivíduos detentores de grandes fortunas no país. Entramos para o radar do mundo nesta questão como mostra o destaque dado ao Brasil no webinar ‘Analisando as tendências globais de doação’, realizado antes do Carnaval pela WINGS (Worldwide Initiative for Grantmaking Support), uma associação global de organizações que apoiam a filantropia no mundo.

Susan Pinkney, coordenadora de Pesquisas da CAF (Charities Aid Foundation), da Grã-Bretanha, destacou que, no mundo todo, há um crescimento do volume de doações para organizações sociais e das iniciativas individuais de ajuda a estranhos, enquanto o número de pessoas que realizam trabalho voluntário vem caindo. O aspecto cultural que mais chama a atenção é a forte presença dos países de língua inglesa entre os mais generosos do mundo. No ranking do World Giving Index (Índice Global de Solidariedade) aparecem cinco países de língua inglesa entre os seis primeiros colocados. Susan também mostrou que, nem sempre, uma economia rica implica em generosidade. Apenas cinco países do G20 (grupo que reúne os vinte países mais ricos do mundo) constam entre os 20 mais generosos, sendo Mianmar (a antiga Birmânia), país com PIB per capita de US$ 824 (14% do PIB per capita brasileiro) o primeiro colocado! Este país chegou ao topo por influência da religião budista, adotada pela grande maioria da população, que prega a doação como uma das obrigações dos fiéis. Mais de 90% da população realiza doações.

Maria Chertok, diretora da CAF Rússia, relatou que, em seu país não existe a tradição de doação para organizações sociais. Apesar do povo russo ser considerado generoso, o percentual de pessoas que contribuem para organizações sociais é muito baixo, cerca de 9%, contra uma média mundial de 31,5%. Ela explica que o grande obstáculo é a falta de confiança nas instituições e, por isso, os russos preferem doar diretamente para os necessitados, em vez fazê-lo para organizações sociais. Mesmo assim, o volume de doação vem crescendo, ainda que lentamente, e Maria acredita que, na medida em que a população tenha mais acesso a informações sobre os resultados dos projetos e trabalhos das ONGs, esse quadro pode mudar.

Mas e o Brasil? Infelizmente, as informações sobre nosso país não são positivas. O Brasil vem caindo sistematicamente no ranking de países mais solidários e isso, talvez, possa ser atribuído à crise política iniciada há cerca de três anos, fazendo com que os brasileiros temam pelo futuro e passem a pensar mais em si próprios. O único ponto em que o Brasil vem registrando crescimento é na ajuda a estranhos, o que demonstra que, apesar de doar menos recursos financeiros, os brasileiros continuam sensíveis quando percebem alguém em necessidade.

Neste cenário, o que é possível fazer? Em primeiro lugar, tentar entender melhor a nossa realidade. O IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), em parceria com organizações da sociedade civil, está conduzindo uma pesquisa, em escala nacional, para mapear o comportamento do brasileiro em relação à doação. Os resultados desse levantamento vão servir de base para que todos os interessados possam traçar estratégias para promover a cultura de doação no Brasil!

Paula Fabiani é diretora-presidente do IDIS (Instituto pelo Desenvolvimento do Investimento Social) – www.idis.org.br

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em fevereiro de 2016

Fundação comunitária: um modelo para o futuro sustentável de Mariana

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Por Marcos Kisil

Mais de um mês após o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em Mariana (MG), as causas e os impactos do derramamento de 34 milhões de metros cúbicos de lama no meio ambiente, segundo o Ibama, ainda estão sendo apurados. Sabemos que a onda destruiu vilarejos da cidade histórica de Mariana e, só no distrito de Bento Rodrigues, deixou mais de 600 desabrigados, pelos menos 17 mortos, e pessoas desaparecidas. A lama chegou ao Rio Doce afetando as cidades que dependiam de suas águas para consumo, e prejudicando os pescadores que atuavam nos rios da Bacia, e no mar próximo de onde o Rio Doce desagua.

Esses são alguns dados relativos à dimensão socioambiental da tragédia. Além dela, temos também a dimensão econômica provocada pela paralização das atividades da mineradora, que é a décima primeira exportadora do país, atuando na área de minério de ferro, um dos principais componentes da matriz exportadora brasileira, e que contribui significativamente para manter a balança comercial superavitária. Isso significa que a arrecadação dos municípios e estados nos quais está localizada a Samarco é fortemente dependente dos royalties e impostos recolhidos pela empresa. Presente em 81 comunidades de 29 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. as atividades da Samarco influenciam diretamente mais de 840 mil pessoas e têm participação importante no fomento às cadeias de suprimentos locais: em 2013, cerca de 38% de todas as compras realizadas pela mineradora contemplaram fornecedores locais.

Procurando conter os impactos nefastos da tragédia, o Governo Federal e os governos estaduais anunciaram, no final de novembro, a pretensão de iniciar ação legal contra a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP Billiton, para cobertura dos custos de limpeza e dos danos. O anúncio indica que a ação legal exigirá que as empresas estabeleçam um fundo de R$20 bilhões de forma agregada (aproximadamente US$5.2 bilhões nas taxas de câmbio atuais) para a recuperação e compensação ambiental.

Em seu site, a BHP Billiton informa sobre “o compromisso em apoiar a Samarco a reconstruir a comunidade e restaurar o ambiente afetado pelo rompimento das barragens”, o que inclui planos de trabalho conjunto com a Vale para estabelecer um fundo voluntário, sem fins lucrativos, para apoiar a recuperação do sistema fluvial do Rio Doce.

Convém lembrar que Samarco, Vale e BHP Billinton têm seus próprios programas de Investimento Social, criados e mantidos de maneira voluntária, e que primordialmente orientam seus recursos para as comunidades onde se localizam suas operações. Em seu último relatório, a Samarco reporta 72 iniciativas sociais apoiadas pela empresa. Em 2012 e 2013 foram investidos de forma voluntária cerca de R$ 8,6 milhões para projetos sociais.

Assim, se juntarmos o capital já existente nos programas de investimento social, com os fundos específicos desenhados e implantados devido a tragédia, somados aos recursos advindos de eventuais decisões judiciais, teremos um capital importante para minorar, reconstruir, e estabelecer as condições para um desenvolvimento sustentável das comunidades e municipalidades atingidas.

É aqui que surge a oportunidade de utilização de um instrumento para gestão desses recursos, já testado em outros países, com resultados e impactos comprovados. Este instrumento chama-se Fundação Comunitária. Trata-se de uma instituição sem fins lucrativos que mobiliza e investe recursos técnicos e financeiros com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população de um determinado território.

Esse tipo de entidade tem três funções principais: a) o desenvolvimento de ações de doação para apoio a projetos ou iniciativas de base comunitária; b) ser um veículo para a filantropia de indivíduos e empresas que tenham interesse no desenvolvimento daquela comunidade e, c) ocupar um lugar de liderança na comunidade e desenvolver ações de advocacy ou defesa de direitos de populações vulneráveis.

As fundações comunitárias se caracterizam por:

  • Manter independência de governos, de doadores e de organizações da iniciativa privada;
  • Ter um Conselho Curador independente cuja composição reflete a diversidade de atores presentes no território onde atua;
  • Fazer doações a outras organizações da sociedade civil;
  • Possuir uma base diversa de doadores e investidores sociais;
  • Desenvolver estratégias de sustentabilidade como a formação de fundos permanentes ou patrimoniais.

O modelo de Fundação Comunitária hoje é presente em mais de 50 países, principalmente nos Estados Unidos, México e União Europeia.

Em todos os casos é necessário a criação de um fundo patrimonial para fins filantrópicos ou de investimento social, ou seja, um conjunto de ativos dedicados a fins de beneficência ou de utilidade pública e sob o controle de uma entidade jurídica com significativo grau de autonomia que é a Fundação Comunitária.  Sua administração se faz de maneira autônoma por um Conselho de Curadores que pode ter representantes de órgãos públicos e de empresas, mas com maioria de líderes da comunidade.

Para a Samarco, Vale e BHP Billinton, especialmente neste momento em que necessitam resgatar suas condições de empresas-cidadã, apoiar a criação de uma Fundação Comunitária representa uma decisão altamente estratégica de compromisso com as comunidades atingidas, não pelas atividades de socorro imediato, mas pelo compromisso com o desenvolvimento de um futuro sustentável. Isto representaria uma postura empresarial que investe recursos financeiros, tecnológicos, mão-de-obra em projetos comunitários de interesse público; ganha a confiança, o respeito e a admiração dos consumidores – sinergia com o público, bem como lidera seus fornecedores, funcionários e outros grupos de interesse e que fazem parte de sua cadeia de negócio.

Assim, a crise pode se transformar numa grande oportunidade para o avanço do desenvolvimento sustentado de comunidades e municípios tendo nas próprias empresas envolvidas a decisão de inovar, criar e preparar as melhores condições de vida para as populações a serem beneficiadas.

Marcos Kisil é médico, professor titular da Faculdade de Saúde Pública da USP e fundador do IDIS – Instituto pelo Desenvolvimento do Investimento Social

Artigo publicado no portal do Estadão em janeiro de 2016

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil