Gestão Financeira no Terceiro Setor: um guia para garantir sustentabilidade e transparência nas organizações sociais

13 de novembro de 2025

Por Marcelo Destito e Felipe Medina, gerentes administrativo-financeiros do IDIS; Julia Magnani, analista administrativo-financeira do IDIS; e Juliana Carreira, ex-gerente administrativo-financeira do IDIS

Cuidar da gestão financeira numa Organização da Sociedade Civil (OSCs) não é apenas ‘pagar contas’, é também garantir que cada recurso cumpra a missão com eficiência, ética e transparência. Na prática, isso significa planejar receitas e despesas, acompanhar o caixa, registrar operações com rigor, analisar resultados e prestar contas de um jeito claro. Quando a casa está organizada, os projetos seguem adiante, a confiança cresce e a instituição ganha fôlego para enfrentar imprevistos.

Diferente das empresas, a rotina financeira de uma OSC tem suas particularidades. As fontes de receita costumam ser diversas e menos previsíveis, doações, patrocínios, editais, leis de incentivo, às vezes venda de produtos ou serviços sociais, e os financiadores tendem a pedir transparência permanente. Ao mesmo tempo, muitas organizações convivem com limites de equipe e processos.

Em um contexto de recursos incertos, uma boa gestão amplia a autonomia institucional e reduz riscos. É ela também que permite demonstrar, de forma verificável, como cada real se transforma em impacto social. Neste texto, você vai encontrar os procedimentos básicos que devem constar na gestão financeira das OSCs e alguns direcionamentos sobre como colocá-los em prática. Vamos lá?

 

Como organizar o básico (e fazer as áreas conversarem)

Três frentes precisam caminhar juntas: orçamento, caixa e contabilidade. O orçamento nasce realista, ajusta-se conforme a execução e pode ser construído de forma participativa para aproximar áreas e metas institucionais.

O caixa cuida da liquidez: entradas, saídas, reservas e conciliações para evitar sustos. Já a contabilidade registra fielmente as operações e prepara demonstrações como Balanço Patrimonial, DRE (Demonstrativo do Resultado do Exercício) e DFC (Demonstração do Fluxo de Caixa), que dão transparência e leitura de saúde financeira.

Ferramentas simples ajudam muito, como, por exemplo, planilhas de prestação de contas por projeto, controles de fluxo de caixa e, quando possível, softwares de gestão integrada (ERPs) adaptados ao terceiro setor, CRMs para relacionamento e plataformas de doação. Integrar esses sistemas reduz retrabalho, melhora a precisão dos dados e acelera relatórios. Para completar o ecossistema, a controladoria acompanha orçamento e desvios, e a auditoria revisa políticas e registros de forma independente. Os nomes variam conforme a estrutura, mas as funções precisam estar claras e coordenadas.

 

Governança, transparência e prestação de contas

Uma boa gestão financeira das OSCs começa com uma governança viva: conselho deliberativo atuante, políticas internas claras (compras, viagens, adiantamentos, doações), alçadas de aprovação bem definidas e segregação de funções. Transparência é o passo seguinte e visível: registro e arquivo de documentos, conciliação bancária regular, divulgação de informações relevantes para diferentes públicos e, quando a maturidade permitir, auditorias independentes.

No campo fiscal e trabalhista, ainda que existam isenções possíveis, as obrigações devem estar em dia (INSS, IRRF, FGTS e demais tributos aplicáveis). Ter contabilidade interna ou assessoria externa, manter certidões negativas atualizadas, controlar o patrimônio e organizar comprovantes prepara a organização para auditorias e prestações de contas e evita problemas com contratantes e órgãos de controle.

Nessa mesma lógica de cuidado, contratos bem estruturados com fornecedores e parceiros previnem ruídos e dão segurança jurídica. É importante que os documentos tragam dados das partes, dados bancários e condições de pagamento, a descrição dos serviços (no corpo do contrato ou em anexo), cronograma e responsabilidades. Entre os instrumentos mais usados estão o Contrato de Prestação de Serviços, o Termo de Doação para repasses voluntários de empresas, institutos, fundações ou pessoas físicas e os Termos de Parceria. Todos têm validade jurídica e podem ser firmados em papel ou por assinatura digital, o que traz agilidade sem abrir mão de integridade e rastreabilidade.

Prestar contas, por fim, é mostrar de forma documentada que os recursos foram usados como planejado. O percurso é conhecido: começa no planejamento e no orçamento (com metas, escopo e rubricas), segue com a execução e o registro das despesas por rubrica e período, sempre com comprovação, culmina em um relatório financeiro objetivo com demonstrativo, conciliação bancária e notas explicativas e termina na análise e aprovação. Cada financiador pode ter regras próprias, mas a lógica permanece a mesma: coerência entre o proposto, o realizado e o gasto, tudo devidamente comprovado. Quando isso acontece, a confiança aumenta, a parceria se fortalece e novos apoios tendem a surgir.

 

Desafios e o que fazer com eles

É comum lidar com receitas sazonais e incertas, exigências distintas de financiadores, equipe enxuta, sistemas fragmentados e recursos vinculados a projetos, o que limita pagar contas institucionais. A sustentabilidade financeira é uma construção contínua, que pede diversificação de fontes e profissionalização da equipe financeira.

O lado bom é que há um conjunto claro de oportunidades. Capacitar e estruturar a área financeira, adotar tecnologia e automação (ERPs, CRMs, plataformas de doação), formar parcerias estratégicas (com empresas, universidades, consultorias), buscar certificações e selos de transparência e planejar no longo prazo, com orçamentos plurianuais, fundos de reserva e análise de cenários são alguns caminhos. Esse pacote aumenta a previsibilidade, reduz riscos e dá lastro institucional.

 

Próximos passos práticos

Para começar ‘sem travar’, foque no essencial:

1 – Mapeie funções e lacunas (pessoas, processos, sistemas) e defina responsabilidades claras;

2 – Orce por projeto e institucional e estabeleça uma reserva mínima de caixa;

3 – Padronize classificação de despesas, conciliações e arquivo de comprovantes, centralizando o que for possível;

4 – Aprove políticas e alçadas e compartilhe com a equipe e comitês;

5 – Automatize o que mais dói (ex.: conciliação e relatórios) e só depois avance para soluções mais complexas.

Gestão financeira é meio, não fim. É a cultura que sustenta decisões responsáveis, dá previsibilidade ao trabalho e traduz, em números, o compromisso público das OSCs. Quando orçamento, caixa, registros e prestação de contas funcionam de forma integrada e transparente, a confiança aumenta e os projetos ganham fôlego para atravessar ciclos bons e desafiadores.

Para além de cumprir regras, trata-se de preservar propósito e entregar resultados consistentes, ano após ano, para as pessoas e causas que motivam a existência da organização.