×

Avaliação de impacto como estratégia para excelência em sustentabilidade

por Denise Carvalho, Gerente responsável pela área de Monitoramento e Avaliação no IDIS e Daniel Barretti, Gerente de projetos, especialista em Avaliação de Impacto

A integração da ideia de impacto às estratégias de ISP corporativas tem se tornado cada vez mais constantes. Empresas que adotam essa abordagem não apenas alinham suas iniciativas de ISP com objetivos de sustentabilidade mais amplos, mas também facilitam a interpretação e integração de dados e indicadores monitorados através de frameworks ESG. Essa prática permite uma visão panorâmica do impacto socioambiental, orientando decisões estratégicas.

Ou seja, a interseção entre o ISP e a sustentabilidade corporativa não só redefine o propósito empresarial, mas também demonstra um potencial significativo para impactar positivamente a sociedade e o meio ambiente. A avaliação de impacto, dentro deste contexto, serve como uma bússola, guiando as empresas em direção a práticas mais sustentáveis e responsáveis.

A estratégia de incorporar o ISP nas práticas de sustentabilidade de uma empresa não é apenas uma questão de responsabilidade social corporativa; é uma abordagem que pode gerar valor substancial. A teoria da Criação de Valor Compartilhado¹, proposta por Michael Porter e Mark Kramer, oferece uma sustentação teórica robusta para entender a interconexão entre o ISP e a performance em sustentabilidade. Segundo essa teoria, as empresas podem gerar valor econômico de uma maneira que também produza valor para a sociedade, enfrentando suas necessidades e desafios. Neste sentido, a avaliação de impacto permite que as empresas quantifiquem e comuniquem como suas iniciativas de ISP estão contribuindo tanto para seus objetivos de negócios quanto para objetivos sociais mais amplos.

O caráter de aprendizagem inerente ao processo de monitoramento e avaliação é outro aspecto relevante. Empresas que diligentemente monitoram e avaliam suas iniciativas de ISP demonstram uma curva de crescimento acentuada em sua performance de sustentabilidade. Esse crescimento é atribuído ao aprendizado contínuo e à capacidade de adaptação, evidenciando como a avaliação de impacto transcende a mera conformidade, tornando-se um vetor de inovação e melhoria contínua.

Além disso, o papel do monitoramento, em conjunto com a avaliação, é fundamental. Indicadores de processo e resultados, usuais nos frameworks ESG, promovem a uniformização e disseminação de boas práticas. Essa padronização não apenas assegura a robustez dos resultados de sustentabilidade, mas também facilita a comparação e a competição saudável entre empresas por melhorias sociais significativas.

Os resultados da análise feita neste estudo reforçam a importância dessas práticas. Empresas que avaliam o resultado de suas iniciativas de ISP não só apresentaram uma performance superior no ISE B3 como um todo, mas também registraram um aumento significativo em sua performance entre 2022 e 2024.

Em termos práticos, a coleta sistemática de indicadores de impacto permite que se olhe, de maneira reflexiva e estratégica, para a eficiência de determinada intervenção social e consequentemente permite a revisão e o aprimoramento periódicos com vistas à maximização dos benefícios sociais almejados e gerados. Não raro, projetos sociais acabam por gerar impactos positivos não intencionais e que passariam despercebidos caso não houvesse uma avaliação que levasse em conta, por exemplo, a percepção dos beneficiários quanto às mudanças geradas em suas vidas.

Em oposição, iniciativas que se atém apenas a indicadores de processo e de produto não conseguem refletir de maneira estratégica sobre suas ações e propósito, e também, invariavelmente, pecam na compreensão e consequente comunicação de seus resultados e impactos.

Considerando a importância de uma abordagem holística e integrada à avaliação de impacto, sugere-se que, para alcançar e manter uma performance de sustentabilidade de alto nível, as empresas devam adotar práticas de monitoramento e avaliação que sejam tanto rigorosas quanto adaptáveis à realidade de cada iniciativa. À medida que o cenário empresarial continua a evoluir, a capacidade de avaliar e responder efetivamente ao impacto socioambiental das iniciativas de ISP será cada vez mais vista como um componente essencial da liderança em sustentabilidade.

¹ PORTER, M. E.; KRAMER, M.R. Creating Shared Value: how to reinvent capitalism and unleash a wave of innovation and growth. Harvard Business Review, 2011.

Este artigo faz parte da publicação ‘Investimento Social Privado: estratégias que impulsionam a Agenda ESG’. Acesse a publicação para obter mais dados e análises completas sobre a relação entre ISP e a Agenda ESG.

Captcha obrigatório

O ISP como forma de se relacionar mais e melhor com as comunidades

Por Felipe Groba, gerente de projetos do IDIS, e Whilla Castelhano

Já ficou para trás o tempo em que as doações das empresas para projetos socioambientais eram baseadas exclusivamente nos desejos dos altos executivos. Cada vez mais, é exigido das empresas um alinhamento com as expectativas e necessidades de quem recebe as doações, fortalecendo suas potencialidades e, principalmente, investimentos alinhados com os anseios locais. Progressivamente, vemos as empresas respondendo à altura, adaptando-se às novas demandas e compreendendo que não podem crescer e gerar lucros sem considerar a geração de impactos positivos para os públicos com os quais se relacionam e para a sociedade. Ora a passos rápidos, ora a passos muito lentos, avançamos para um entendimento de que é preciso trabalhar em conjunto e de forma estratégica para o desenvolvimento socioeconômico e ambiental do mundo onde vivemos.

Este estudo corrobora esses conhecimentos empíricos e experiências que compartilhamos no IDIS. Em 2024, 79% das empresas avaliadas no triênio afirmaram conduzir consultas com stakeholders relevantes e com a comunidade para estabelecer uma agenda conjunta. Esse é um processo de construção importante para o setor social e uma experiência que gerará estratégias inovadoras de investimento e resolução de problemas.

Um outro dado que respalda a importância do envolvimento da comunidade para um ISP estratégico é a empresa criar condições de autossuficiência financeira e organizacional para as organizações apoiadas. Para o desenvolvimento sustentável do setor social, execução de projetos melhores e com mais impacto, remuneração adequada, investimento e expansão das atividades, e até propor ações e soluções inovadoras, uma organização social demanda investimento e segurança financeira, assim como uma empresa. Em 2024, 50 empresas informaram atuarem desta forma junto às organizações e, com pontuações altas e similares entre si, mostram que este é um novo caminho que as empresas estão aderindo.

Podemos considerar que essas ações surgem como resultado também dessa relação com atores locais e canais de comunicação constantes para o processo de decisão? Acreditamos que sim! Afinal, envolver novos atores traz novos olhares e conhecimentos, mostra novas prioridades e fragilidades, que as empresas em conjunto com as organizações podem apoiar e inovar. Consequentemente, temos projetos e organizações sociais mais estruturadas, com mais impacto e atuando de forma mais estratégica para endereçar as demandas locais e reduzir as desigualdades no Brasil.

Diálogos locais, impacto social positivo coerente com a empresa, canais abertos e transparência do ISP movem o ponteiro de atuação e exigem das empresas novos olhares. É preciso, porém, que empresas avancem ainda mais nesta agenda, buscando maneiras de se envolverem com atores locais, atuando em parceria com o Terceiro Setor de maneira complementar. O ISP possui um importante papel: ao construir um relacionamento voltado para a comunidade e o entorno, junto às diretrizes e demandas internas da empresa, as estratégias de investimento socioambiental são mais assertivas, direcionadas e promovem melhorias em territórios. Um ISP construído em parceria, que considere as narrativas daqueles que já foram e estão sendo beneficiados por diferentes iniciativas, terá resultados mais longevos e de maior impacto e retorno para a empresa no longo prazo.

É uma relação de reciprocidade. As empresas, ao ouvirem e investirem de acordo com as demandas locais e ao estabelecerem processos de construções conjuntas, contribuem para o fortalecimento das organizações sociais, que ficam mais bem estruturadas, mais sólidas e robustas. Essas organizações ganham maior capacidade para gerar impactos positivos e resultados mais sustentáveis. Um ciclo virtuoso em que todos ganham, em especial, a sociedade.

Este artigo faz parte da publicação ‘Investimento Social Privado: estratégias que impulsionam a Agenda ESG’. Acesse a publicação para obter mais dados e análises completas sobre a relação entre ISP e a Agenda ESG.

Captcha obrigatório

Quero promover impactos socioambientais positivos. Devo criar uma fundação?

Por Henrique Barreto e Andrea Hanai, ambos gerentes de projetos do IDIS

O aumento das demandas públicas e das pressões sociais por posturas proativas e compromissadas das empresas em sua atuação social resultou em um aumento significativo da criação de institutos e fundações empresariais durante meados dos anos 90. Podemos enxergar essa onda como um primeiro movimento marcante de resposta das organizações, que passaram a ser cada vez mais cobradas a reconhecer a importância de assumir responsabilidades para além do lucro.

As fundações e institutos criados, concentrariam, então, os esforços das empresa para promover um impacto social positivo, representando um compromisso perene e operando com autonomia e independência no enfrentamento de uma ou mais causas caras ao desenvolvimento socioambiental, de forma conectada, ou não, ao negócio de suas instituidoras. Estas estruturas passaram a concentrar especialistas, desenvolver metodologias, criar projetos proprietários ou apoiar projetos de terceiros (grantmaking), estabelecer pontos de contato com o setor público e a gerar impacto positivo, ajudando efetivamente a construir reputação e cidadania para suas marcas instituidoras. Ainda assim, no início, de forma geral, eram pequenas e médias células de impacto, com equipes formadas por especialistas, apartadas do negócio e mais resistentes a cortes e mudanças de direção.

A expectativa social de que as empresas devem atuar sobre outras dimensões que não apenas a econômica não parou de crescer desde então. A esse debate, somaram-se as discussões sobre propósito e gestão ESG, que equilibra a produção econômica com os impactos sociais e ambientais positivos, buscando aprofundar a responsabilidade social e o investimento social privado como partes de uma atuação integrada, que permeia todas as áreas do negócio. Nesse sentido, a existência de veículos filantrópicos empresariais configura-se como parte relevante dessa atuação responsável e sólida. Isso não quer dizer, entretanto, que possuir um instituto ou fundação empresarial seja suficiente, uma vez que o desempenho positivo socioambiental de uma empresa é fortalecido por um conjunto de fatores.

Anteriormente, os veículos filantrópicos operavam de forma mais independente, complementando as ações da empresa. Atualmente, a agenda ESG introduz novas complexidades e proporciona maior integração entre o investimento social e a estratégica corporativa. Por meio de parcerias com outras organizações e empresas, os projetos conduzidos por institutos e fundações podem promover uma cultura colaborativa e demonstrar um compromisso significativo com determinadas causas, utilizando não apenas recursos financeiros, mas também outras competências em prol do benefício público.

Essas observações apontam para uma mudança no paradigma dos projetos conduzidos por institutos e fundações empresariais, que parecem menos proprietários e mais altruístas, sendo capazes de atrair coalizões e parcerias. É o caso, por exemplo, do fundo de combate à violência contra meninas e mulheres, parceria do Instituto Avon com a Accor Hotels, e que também se mantém aberto para novos participantes e financiadores.

De fato, ao observar a pesquisa, nota-se que a performance no tópico de Investimento Social Privado é levemente melhor, tanto na média quanto na mediana, em empresas que atuam por meio de veículo filantrópico proprietário. Isso pode representar maior maturidade das empresas que possuem esse tipo de veículo, sugerindo que o compromisso de constituir um instituto ou fundação também carrega maior responsabilidade e desempenho mais elevados em relação ao Investimento Social Privado e a Cidadania Corporativa em geral. Também observamos menor variação no desempenho de empresas que possuem veículos próprios, como se sua constituição também representasse um patamar mínimo de sucesso nesse quesito. Por exemplo, em 2024, empresas com um veículo filantrópico não tiveram desempenho abaixo de 60%, e apresentaram uma menor distribuição das notas em relação às empresas que não possuem veículos filantrópicos.

Por outro lado, considerando as 85 empresas que responderam durante todo o triênio,
não há diferença estatisticamente significativa para a diferença em performance no ISE
B3 entre empresas que atuam via veículo filantrópico e aquelas que não. Isso sugere que, mesmo sem a criação de um instituto ou fundação empresarial, o que sugere um compromisso mais firme e duradouro, com mandato e agência próprios, e protegidos das flutuações empresariais, ainda é possível obter um bom desempenho no ISE B3. Nesse sentido, é possível imaginar empresas que incorporaram a responsabilidade social em várias áreas como parte de suas operações, atuando sob a coordenação e o engajamento de uma área de responsabilidade social corporativa integrada ao negócio.

Podemos estabelecer que é possível pontuar bem em sustentabilidade empresarial, mesmo na ausência de veículos filantrópicos específicos. No entanto, esses veículos permanecem como estruturas importantes (ao lado de fundos filantrópicos, outra modalidade capaz de fomentar o co-investimento), que demarcam compromissos empresariais firmes diante de inúmeros dilemas e questões sociais. Eles serão ainda mais efetivos caso consigam conectar seus focos de atuação ao negócio, constituindo-se como elementos importantes, inclusive, para impulsionar o crescimento de uma agenda ESG mais ampla e profunda, ligada ao propósito e que deve permear toda organização.

Este artigo faz parte da publicação ‘Investimento Social Privado: estratégias que impulsionam a Agenda ESG’. Acesse a publicação para obter mais dados e análises completas sobre a relação entre ISP e a Agenda ESG.

Captcha obrigatório

A relevância do Investimento Social Privado na composição do ISE B3

Por Marcos Alexandre Manoel, diretor de projetos no IDIS

Desde que aspectos relacionados a impacto socioambiental e avaliação de riscos passaram a integrar a estratégia de negócios de um número cada vez maior de empresas, vimos o mercado virar do avesso e o assunto ganhar potência e escala. É evidente que a ideia de sustentabilidade e responsabilidade social corporativa não é recente, mas a lógica do mercado certamente mudou desde que foi sugerido que os recursos alocados em projetos socioambientais de interesse público não fossem mais encarados como despesas, mas, sim, como investimentos que trazem retornos de curto, médio e longo prazos. Isso é o que chamamos de Investimento Social Privado (ISP) – ou filantropia estratégica, integrada a uma agenda ESG.

Dentro dessa agenda, que ganhou corpo na última década com o reporte ao mercado financeiro desses aspectos sociais, ambientais e de governança, o ISP é apenas uma dentre as tantas variáveis que impulsionam uma empresa em direção à sustentabilidade. Entendemos, porém, que as práticas de ISP possuem alta capilaridade e podem potencializar substancialmente as ações socioambientais de uma empresa. Ou seja, quando bem-feito, o investimento social pode ajudar a destravar diversos outros pontos de uma agenda de sustentabilidade empresarial. Empiricamente, o Terceiro Setor vem trabalhando há anos para demonstrar o impacto que o ISP pode causar nas métricas ESG de uma organização, especialmente no campo social.

Para comprovar essa hipótese, o IDIS se propôs a analisar a correlação entre o ISP e as notas do ISE B3, o maior índice de sustentabilidade do País. Foi muito gratificante identificar, por meio deste estudo, que o ISP se manteve, nos últimos três anos, entre os dez tópicos que possuem maior correlação com a nota do ISE B3. Ou seja, empresas que têm um bom desempenho em filantropia estratégica tendem a ter um bom desempenho em sustentabilidade empresarial como um todo. É interessante, inclusive, observar que as práticas de ISP figuram lado a lado com aspectos como ‘fundamentos de gestão da sustentabilidade empresarial’, ‘ética nos negócios’ e ‘tendências e propósito’. A aproximação com tópicos que naturalmente possuem uma maior transversalidade, indica o caráter tático do ISP na formulação e implementação de estratégias integradas de sustentabilidade empresarial.

Uma estratégia de ISP alinhada à estratégia ESG ajuda a materializar o propósito da organização para seus stakeholders, gerando resultados tangíveis para a empresa e para a sociedade. O investimento de uma empresa em projetos socioambientais pode ser uma boa maneira de engajar diferentes partes interessadas e iniciar agendas coletivas com o poder público e sociedade civil organizada, promovendo benefícios tanto para a sociedade quanto para as empresas. Além disso, contribuiu para que empresas demonstrassem seus compromissos socioambientais de forma clara e robusta, sinalizando para o mercado e consumidores um compromisso real com diferentes causas.

Apesar de parecer lógico, esse alinhamento não é tarefa fácil. Além de ser preciso conectar as ações com os desafios do negócio e o propósito das marcas, uma atuação estratégica deve considerar aspectos materiais do negócio e um bom mapeamento de partes interessadas e diferentes formas de engajá-las. Além disso, ações socioambientais devem ser complementares aos esforços empreendidos pelo Terceiro Setor, promovendo trocas que enriquecem a atuação de todos os atores. Os dados do estudo mostram que essa é uma tarefa relevante e que deve ser tratada com importância pelo setor privado, já que está altamente correlacionada a uma gestão abrangente da sustentabilidade empresarial.

Em resumo, empiricamente sabemos que, ao conectar o conceito e as práticas de ISP ao propósito e aos valores institucionais, considerando o viés econômico do negócio e a perspectiva dos principais stakeholders em relação ao valor socioambiental a ser criado pela empresa, é possível potencializar a capacidade da organização de gerar impacto positivo para a sociedade e valor real para o negócio. Essa relação está agora comprovada quantitativamente, considerando uma amostra extremamente relevante de empresas brasileiras.

Este artigo faz parte da publicação ‘Investimento Social Privado: estratégias que impulsionam a Agenda ESG’. Acesse a publicação para obter mais dados e análises completas sobre a relação entre ISP e a Agenda ESG.

Captcha obrigatório

A hora de doar é sempre, e precisamos falar sobre isso

Artigo originalmente publicado no jornal Correio Braziliense

As tragédias nos lembram da urgência da doação, mas é importante frisar a necessidade da continuidade. Afinal, se os problemas são recorrentes e de longo prazo, a ajuda também precisa ser

Por Luisa Gerbase de Lima, gerente de comunicação e conhecimento do IDIS

O Brasil e o mundo assistiram, com tristeza e revolta, à tragédia que acometeu o Rio Grande do Sul e soma números assustadores de vítimas, além dos estragos em habitações, infraestrutura e consequências para a economia local. As cenas ainda geram comoção e sensibilizam pessoas. A solidariedade se manifesta de maneira acalentadora. Essa que é — ou deveria ser — tendência.

Dia a dia, acompanhamos a mobilização de organizações da sociedade civil, empresas, celebridades e de muitos, muitos indivíduos. Doam dinheiro, bens, tempo, na forma de voluntariado, e contribuem para que tudo chegue a quem mais precisa. Alguns podem ter se admirado com a potência desse apoio, mas o que presenciamos foi a reafirmação de que, no Brasil, existe uma cultura de doação pujante e que precisa ser incentivada para além dos momentos de crise.

O processo de tomada de consciência sobre o papel e o poder do cidadão foi destacado na Pesquisa Doação Brasil, que mostrou que 84% dos brasileiros acima de 18 anos e com rendimento familiar superior a um salário mínimo fizeram ao menos um tipo de doação, seja de dinheiro, bens ou tempo, em 2022, sendo esse o maior percentual registrado na série. Mantém-se relevante também a consciência do protagonismo cidadão, refletido nos 86% de doadores que o fazem porque acreditam que cada um de nós precisa participar da solução de problemas sociais, para além dos governos, empresas e organizações sociais. Tendência que é ainda mais relevante no recorte da geração Z, que diz acreditar ainda mais no poder transformador das ONGs, além de priorizar compras a partir de causas e crenças do que é melhor para o mundo.

O despertar da consciência participativa diante dos desafios sociais e ambientais é um fenômeno cada vez mais evidente e relevante em nossa sociedade. Independentemente dos desafios do aprofundamento da cidadania e da participação política, é inegável o crescente protagonismo da sociedade civil, seja em sua expressão organizada, seja no comportamento individual, assumindo um papel proativo para incidir sobre a desigualdade, em suas diferentes formas.

Ao mesmo tempo em que cresce a participação, cai a crença de que não devemos falar sobre doações. O ditado “o que a mão esquerda faz a direita não deve saber” começa a perder adeptos, e essa é uma ótima notícia. Quando falamos sobre doações é quando instigamos os outros também a agir. Ainda segundo a Pesquisa Doação Brasil, celebridades ou perfis nas redes sociais influenciaram a decisão de 17% da população que realizou alguma doação. Olhando o recorte da geração Z, a influência é ainda maior: chegando a 25%. Ou seja, quanto mais falam sobre doações, mais crescem as doações em geral!

Mas há sempre o clássico argumento que justifica a não doação: a desconfiança. Como vamos saber se o dinheiro chegará mesmo ao seu destino e se será aplicado na causa ou na ação desejada? Para superar essa barreira, as organizações sociais têm investido em instrumentos e mecanismos de transparência, além de práticas de comunicação que dão mais visibilidade ao fluxo dos recursos e aos impactos alcançados.

A imprensa também tem tido um papel importante, cobrindo com mais amplitude o tema, contribuindo para dar luz às iniciativas e esclarecendo notícias falsas quando são veiculadas. Destaca-se também a iniciativa Sociedade Viva, que usa a força da comunicação para mostrar à população a importância e o impacto do trabalho das ONGs para as pessoas e para a democracia.

As tragédias nos lembram da urgência da doação, mas é importante frisar a necessidade da continuidade. Afinal, se os problemas são recorrentes e de longo prazo, a ajuda também precisa ser. Enquanto a calamidade estampa o noticiário e domina a atenção dos espectadores, o pós-catástrofe acontece fora dos holofotes. Após o socorro emergencial, a destinação de artigos de urgência, será necessário reconstruir a vida.

Por isso, doar precisa ser hábito. Doar é investir em um legado para o país e no fortalecimento do papel da sociedade civil organizada como agente essencial no combate às desigualdades. É preciso doar, e precisamos falar sobre isso.

O que é investimento social privado?

Você já ouviu falar em Investimento Social Privado? O termo é um sinônimo do que conhecemos como filantropia estratégica, uma prática que passou por transformações ao longo do tempo.

Até o século XIX, a filantropia ainda era um conceito bastante ligado às doações esporádicas e assistencialistas feitas por famílias de alto poder aquisitivo ou por igrejas. Enquanto isso, entre as empresas, em plena revolução industrial, pouco se falava sobre o assunto.

Apenas por volta de 1950 é que surge o conceito de responsabilidade social corporativa, que passa a considerar a empresa como corresponsável pelo contexto socioambiental em que está inserida e sugere a atuação de forma intencional para soluções externas, buscando compensar algum dano causado à sociedade; e internas, buscando promover práticas éticas, sustentáveis e socialmente responsáveis dentro da própria organização.

No fim década de 1980 o assunto ganha força com o crescimento da pauta da sustentabilidade, que é muito mais ampla, e considera o equilíbrio das dimensões ambiental, social e econômica.

Já no final do século XX, por fim, surge o conceito de investimento social privado (ISP), propondo que os recursos alocados em projetos socioambientais não sejam mais encarados como despesas, mas como investimentos que trazem retornos – tanto para a organização, quanto para sociedade, comunidade e meio ambiente. Quando a camada de intencionalidade passa a fazer parte das decisões sobre doação, passamos a nos referir à filantropia estratégica.

Neste texto, você entende o conceito de investimento social privado e mais sobre sua evolução.


O que é o investimento social privado e por que é importante?

O investimento social privado (ISP) é, resumidamente, a destinação voluntária e estratégica de recursos em benefício da sociedade. Esses recursos não são necessariamente apenas financeiros, podendo incluir mão de obra, tecnologia, produtos, inteligência, entre outros.

Também são variadas as formas de realização, já que a prática pode acontecer por meio do desenvolvimento de iniciativas próprias – por exemplo, quando uma empresa decide criar um projeto de educação para pessoas em situação de vulnerabilidade. Ou pelo repasse de recursos para ações e projetos desenvolvidos por terceiros, como o apoio a uma ONG ou coletivo que já esteja engajado em uma causa e já possua projetos estruturados nesse sentido.

Quando uma empresa decide implementar ações de ISP, ela geralmente procura identificar áreas em que suas ações podem ter o maior impacto positivo possível. Isso significa escolher áreas em que a empresa tenha expertise, recursos ou uma presença significativa, para que suas contribuições sejam mais eficazes e possam gerar mudanças relevantes. Para identificar pontos de sinergia entre o negócio e as oportunidades de investimento social, é necessário conhecer os principais indicadores sociais e ambientais dos locais em que a empresa atua, os elementos chave de sua cadeia de produção, o perfil do beneficiário do programa, entre outros aspectos relevantes.

Ao realizar um investimento social estratégico, a empresa se compromete com a sustentabilidade de seus entornos, apoiando, inclusive, ações que podem estar alinhadas com agendas globais, como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O mecanismo não é apenas benéfico para causas e organizações apoiadas, mas para as empresas que o praticam. Alinhar o posicionamento da marca a causas sociais comunica uma mensagem positiva para a sociedade, reforça os valores e o propósito da empresa, além de promover sua aproximação com a comunidade em que atua.

A pesquisa Edelman Trust Barometer 2022, que mede a confiança das pessoas nas instituições, mostrou que, no Brasil, valores e posicionamentos das empresas são determinantes para pessoas comprarem ou defenderem marcas (65%), para escolherem um lugar para trabalhar (58%), ou para investirem em empresas (60%).

Outro estudo, a Pesquisa Doação Brasil 2022, que avalia o comportamento do doador individual brasileiro, demonstrou que mais pessoas passaram a considerar empresas como corresponsáveis pelas soluções dos problemas do país. 92% dos respondentes concordavam com a afirmação naquele ano, comparado a 82% na edição de 2020 e 34% em 2015.


O Investimento Social Privado tem a ver com o ESG?

Continuando a evolução da discussão sobre responsabilidade empresarial, no início do século XXI foi cunhada a sigla ESG (a partir das iniciais em inglês de ‘Ambiental’, ‘Social’ e ‘Governança’). Ela se tornou muito importante porque traz para a conversa os investidores financeiros, que passam a considerar em suas decisões o alinhamento de uma empresa às boas práticas nas três dimensões. Torna-se um critério para estabelecer o valor da companhia. Novamente, segundo o Edelman Trust Barometer 2022, 88% dos investidores avaliam o posicionamento ESG das empresas tão rigorosamente quanto outros indicadores.

Conheça o estudo clicando aqui

E o que isso tem a ver com ações de ISP? O investimento social privado é justamente um caminho para que empresas atinjam metas e compromissos ESG. Por meio da filantropia estratégica, as empresas podem direcionar recursos para projetos, organizações da sociedade civil (OSCs) e iniciativas que contribuam para o desenvolvimento socioambiental da comunidade. Como entendemos que o ISP atua alinhado ao negócio, a agenda ESG torna-se uma aliada na formulação dessas práticas, mensurando e mitigando riscos não financeiros.


Investimento Social Privado no Brasil

Por aqui, a prática de Investimento Social Privado é encontrada em muitas empresas, mas ainda há muito espaço para crescimento. Dados do Censo GIFE 2022-23 revelam um panorama interessante. Em 2022, o valor total investido pelas organizações respondentes foi de R$ 4,8 bilhões. Em 2021, o volume foi de R$ 4,4 bilhões, ou seja, houve um crescimento significativo.

No entanto, os números ainda não se equiparam a 2020, quando o valor alcançou R$ 6,1 bilhões, o maior desde o início da série histórica. Há uma explicação para isso. O pico, em grande parte, pode ser atribuído ao contexto da pandemia. A crise sanitária teve um impacto direto nas estratégias de investimento das empresas, levando a uma ampliação nos recursos destinados a projetos sociais. Temos assim, um indicativo do potencial de ISP que podemos perseguir.

Mesmo com esse ponto fora da curva, os números de 2021 e 2022 são maiores do que a média anterior à pandemia, indicando uma tendência geral de crescimento do Investimento Social Privado no Brasil. Com isso, temos diante de nós uma oportunidade de reflexão e busca por novas abordagens para impulsionar o Investimento Social Privado.

O IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social é uma organização social independente fundada em 1999 e pioneira no apoio técnico ao investidor social no Brasil. Nossa atuação baseia-se no tripé geração de conhecimentoconsultoria e realização de projetos de impacto, que contribuem para o fortalecimento do ecossistema da filantropia estratégica e da cultura de doação.

Tem interesse em conhecer mais sobre nossos serviços? Acesse a página ou entre em contato com comunicacao@idis.org.br.  Ou, assine nossa newsletter mensal e fique por dentro de conteúdos como esse.

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

A força do ODS 17: colaboração como base de um futuro resiliente

Artigo publicado originalmente no portal Um Só Planeta

por Guilherme Sylos, Diretor de Prospecção e Parcerias no IDIS ; e Marcel Fukayama é Co-fundador Sistema B Brasil e Conselheiro no IDIS.

A coletividade sempre foi um valor importante para o avanço da sociedade. Não à toa, compõe o imaginário popular em contos e fábulas infantis, e por meio ditados como ‘a união faz a força’. Não é de se surpreender o esforço quase intuitivo dos adultos de fazer jovens aprenderem desde cedo a importância da coletividade, já que a vida em sociedade é intrinsecamente ligada à colaboração e ao apoio mútuo. O princípio, por mais básico que soe, precisa ser constantemente reforçado, para que cheguemos a resoluções comuns para problemas de todos.

A Organização das Nações Unidas (ONU) pensou nisso ao delimitar os dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O conceito é visto em peso justamente no ODS 17 – Parcerias e meios de implementação, que indica a importância de parcerias como um meio para acelerar e garantir o desenvolvimento sustentável. Justamente o último ODS da base que fomenta e fortalece todos os outros.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entretanto, revelam que, dos 24 indicadores monitorados pelo Brasil relacionados ao ODS 17, apenas seis foram totalmente desenvolvidos até o momento, enquanto treze estão em fase de construção ou análise. Com apenas seis anos para o alcance das metas da Agenda 2030, é nas parcerias que poderíamos encontrar parte das soluções que faltam, unindo recursos, conhecimentos e experiências.

A construção de pontes entre governos, empresas e sociedade civil organizada gera forças para enfrentar desafios que, individualmente, seriam intransponíveis. Pensemos, por exemplo, na filantropia estratégica. Como o próprio nome sugere, trata-se da alocação de recursos privados para benefício público, de forma estratégica. Esses recursos fortalecem iniciativas e soluções que nem sempre seriam viáveis apenas pelo braço estatal, além de serem mais flexíveis, possibilitando a adoção de abordagens experimentais e o desenvolvimento de soluções criativas para problemas complexos. A prática, por si só, já é muito poderosa no âmbito do impacto social.

Acontece que a filantropia estratégica pode ser ainda mais eficaz quando respaldada por parcerias sólidas de outros setores, ao invés de apenas permanecer fechada em si mesma. Colaborações potencializam os impactos das iniciativas, tornando-as mais duradouras e sustentáveis.

Enquanto os governos detêm o poder regulatório e os recursos do setor público, as organizações filantrópicas contribuem com uma visão estratégica, agilidade e recursos privados que impulsionam o impacto social. A sociedade civil, por sua vez, traz uma perspectiva direta da comunidade, guiando o direcionamento final dos recursos e garantindo que as soluções sejam verdadeiramente alinhadas com as necessidades da população atendida.

Um dos exemplos que evidencia o sucesso desse tipo de parceria é o Juntos Pela Saúde. Lançado em 2023, o Programa é uma iniciativa do BNDES, gerido pelo IDIS. Em parceria com doadores privados, o Juntos Pela Saúde reúne recursos para apoiar e fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. A perspectiva é que, até 2026, sejam destinados aproximadamente R$ 200 milhões não reembolsáveis (R$ 100 milhões da iniciativa privada e R$ 100 milhões do BNDES) para projetos de saúde que visem beneficiar atividades de atendimento às populações que vivem nestas regiões do país, incluindo os serviços da atenção primária; a média e a alta complexidades; os serviços de urgência e emergência e o apoio diagnóstico. A cada real doado por outras instituições, o BNDES aporta outro real, em um modelo de matchfunding.

O desafio não é simples, uma vez que a gestão desses multi-stakeholders é complexa. Para o alcance do objetivo do Juntos pela Saúde, foi necessária a construção de diversas dessas pontes entre iniciativa privada, setor público (secretarias de saúde dos municípios, estados e ministério da saúde) e organizações da sociedade civil que ficarão responsáveis por executar os projetos apoiados pelo programa. Até o momento, o programa já direcionou cerca de R$ 96 milhões em recursos, destinados a três projetos que, juntos, chegarão a mais de 300 municípios.

Outro grande exemplo brasileiro de incidência coletiva e que atua em rede em busca de mudanças estruturais é o movimento global Catalyst 2030, formado por cerca de 127 empreendedores e inovadores sociais mobilizados em acelerar o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O grupo passou a fazer parte em 2023 do Comitê da Estratégia Nacional para Economia de Impacto (ENIMPACTO), a quem apresentou uma carta com propostas de como a rede pode contribuir ainda mais com políticas públicas e avançar nas soluções.

Uma referência adicional evidencia como a parceria entre os setores empresarial e social podem criar novos paradigmas. Em 2023, três Empresas B: a incorporadora MagikJC, a securitizadora Grupo Gaia e orquestradora Din4mo, criaram o Sistema Organizado para Moradia Acessível (SOMA), uma organização sem fins lucrativos que busca oferecer habitação de interesse social em centros urbanos.

O SOMA levantou 15 milhões numa operação na B3 em um certificado de recebível imobiliário (CRI) com investidores como Gerdau, Votorantim, Dexco, Movida e P4 Engenharia. O recurso viabilizou a construção de um prédio no Largo do Arouche e agora está provendo locação social a famílias em situação de vulnerabilidade.

Reconhecendo o papel essencial do trabalho conjunto e da união de esforços e recursos, podemos avançar em direção a um futuro mais inclusivo, equitativo e regenerativo.

Responsabilidade e confiança: conheça o Trust Based Philanthropy

Por Aline Herrera, Letícia dos Santos e Luiza Helena, integrantes do time de consultoria do IDIS

Investidores sociais que atuam essencialmente no financiamento de projetos e iniciativas de terceiros correspondem a menos de 25% entre institutos, fundações e empresas, de acordo com o último Censo GIFE. Dentre os investidores sociais considerados como híbridos – ou seja, que tanto executam, como financiam projetos (41% da amostra da pesquisa), a maioria – cerca de 55% – possui um perfil mais voltado para a execução de projetos do que para o financiamento.

O volume de recursos repassados a terceiros em 2022 correspondeu a 37% do volume total do investimento social privado (ISP) realizado, o equivalente a R$ 1,8 bilhões. Mais da metade desses recursos foram recebidos por organizações da sociedade civil (OSCs), escolhidas principalmente pela sua confiabilidade, transparência e conhecimento em suas áreas de atuação. Ao relatarem as dificuldades em investir em OSCs, os investidores sociais apontam para os desafios no monitoramento e avaliação das iniciativas, bem como a fragilidade na gestão ou baixa capacidade das OSCs que buscam apoio.

Do outro lado, a pesquisa Periferias e Filantropia: As barreiras de acesso aos recursos no Brasil, realizada pelo Instituto PIPA, em parceria com o Instituto Nu, evidencia que 95% dos respondentes, responsáveis pela implementação de iniciativas socioambientais na periferia, relataram dificuldades para acessar financiamento. Esses obstáculos impostos às organizações da sociedade civil nos leva à seguinte pergunta: como o investimento social privado pode ir mais longe no enfrentamento das desigualdades sociais?

Uma das respostas já no radar de quem pensa nos limites e avanços no campo da filantropia é simples: a confiança. No texto ‘Aprofundando a conversa sobre a importância de confiar, a ativista Joana Mortari sinaliza que há um reconhecimento do setor sobre a necessidade de desenvolver a confiança, no entanto, é necessário partir para o próximo passo, desenvolver o exercício de confiar. 

Assim, este texto traz reflexões acerca do papel dos investidores sociais privados, sobretudo enquanto financiadores grantmakersou seja, que repassam recursos a terceiros – neste caminho de relações mais inovadoras e horizontais, fundamentadas nos princípios da Trust Based Philanthropy, em português filantropia baseada em confiança.

 

 

O contexto do Trust Based Philanthropy

 

“Acreditamos que as equipes com experiência na linha de frente dos desafios saberão melhor como colocar o dinheiro em bom uso”.

Mackenzie Scott

 

O trecho destacado foi retirado de uma reflexão da filantropa Mackenzie Scott, feita após a realização de mais uma de suas doações bilionárias. A americana, que detém 4% das ações da Amazon, é conhecida por realizar doações robustas e irrestritas a organizações sem fins lucrativos ao redor do mundo, totalizando mais de US$ 16,5 bilhões repassados.

Esse modelo de doação começou a se fortalecer em 2020, durante a pandemia, para fundos de auxílio emergencial destinados ao apoio à vítimas e se estendeu a organizações da sociedade civil que atuam em prol das comunidades, as quais historicamente enfrentam mais dificuldades no acesso a recursos financeiros.

A pandemia escancarou (não só para Mackenzie Scott) a necessidade da atuação filantrópica pelo mundo, especialmente diante dos inúmeros cenários de calamidade e urgências sociais desencadeados pela disseminação da Covid-19. O cenário foi a catálise para a discussão da necessidade de uma doação simplificada ganhar ainda mais força, procurando redesenhar as relações e os vínculos entre organizações e investidores. 

De acordo com o material Filantropia Baseada em Confiança: Ferramenta de Autorreflexão, proposto pelo GIFE, a adoção dos valores da Filantropia Baseada em Confiança parte de uma análise interna em torno de 4 pontos centrais: a cultura organizacional do investidor, os seus processos de tomada de decisão, as estruturas através das quais opera e, por fim, suas práticas. Portanto, discutiremos a seguir caminhos para iniciar essa jornada em direção à confiança.

 

Como o Trust Based Philanthropy pode virar o jogo?

Para mudar as regras do jogo e tornar a filantropia uma ação mais democrática e convidativa, o Trust Based Philanthropy ressignifica posições, trazendo maior paridade entre o papel dos atores envolvidos na luta pela garantia da equidade social. 

As práticas mais difundidas por essa modalidade de grantmaking consistem em promover uma ‘doação livre’ (não vinculada a projetos), irrestrita (sem restrição de alocação orçamentária), e multi-anual. Na ponta, praticar uma filantropia baseada na confiança requer um exercício de escuta ativa das necessidades dos beneficiados. Valores como flexibilidade e transparência são essenciais para garantir que as demandas e limitações sejam compreendidas dos dois lados da relação. Aqui, também vale a construção de relações mais próximas e humanizadas entre doador e beneficiário, simplificando fluxos de trabalho e partindo da premissa do Trust based Philanthropy de que deve haver uma mudança na relação com o financiador, que sai da posição de ‘patrão’ e passa a ser parceiro. Assim, uma boa alternativa passa por criar espaços de feedback, já que 67% das organizações recebedoras de doações relatam que essa prática, mesmo que ocorra, não é institucionalizada.

Outra ação possível é a não restrição do recurso doado. É comum que o repasse de recursos seja estritamente direcionado para custos diretamente relacionados ao projeto, sem considerar a sustentabilidade e a estruturação da organização que o executa. Nesse sentido, pensar em uma doação livre e irrestrita é garantir autonomia para que as organizações façam o gerenciamento de seus recursos com base no que identificam como mais prioritário, levando em conta sua sobrevivência, a ampliação e escalabilidade dos projetos. Aqui, cabe também a proatividade dos doadores em entender as prioridades da organização e possíveis oportunidades adicionais de apoio.

Também para esse fim, uma boa prática é a promoção de capacitação técnica, feita de forma voluntária e gratuita, das organizações apoiadas, orientando-as sobre ferramentas que podem auxiliar a gestão e continuidade dos projetos, como Teoria da Mudança e indicadores. Também segundo a pesquisa Periferias e Filantropia da Iniciativa Pipa, 95% das organizações sociais em territórios periféricos respondentes sinalizaram que gostariam de receber formação sobre gestão financeira e de projetos e acreditam que a formação impacta na capacidade de captação de recursos financeiros. 

 

Quais são os desafios para essa prática?

Como aponta a Charities Aid Foundation no World Giving Index de 2023, fortalecer um ecossistema robusto de filantropia requer não apenas a adoção de boas práticas de governos e financiadores internacionais, mas também um trabalho contínuo das organizações da sociedade civil em relação à sua governança e transparência, a fim de conquistar a plena confiança pública. 

Neste ponto, é evidente como a prática da filantropia baseada em confiança funciona em uma via de mão dupla, onde tanto os financiadores quanto as organizações precisam confiar uns nos outros, além de ambos ouvirem as pessoas e comunidades impactadas. Também é imprescindível para essa prática que a organização recebedora da doação esteja disposta a compartilhar informações-chave sobre sua estratégia e atuação, garantindo assim a horizontalidade e a co-construção entre as partes envolvidas, tanto no recebimento quanto no repasse de recursos.

Para muitos investidores sociais, investir em organizações com projetos próprios ainda é visto como um risco, seja pela falta de transparência ou por um desconhecimento da metodologia baseada na confiança. Nesse sentido, o crescimento da prática é exponencial: quanto mais executada e divulgada, mais amplamente difundida se torna a metodologia e maior a tendência de adesão. Causas originárias de movimentos sociais que já pleiteam representação e equidade estão abrindo fronteiras nessa modalidade, dando voz a grupos invisibilizados e investindo em fundos com práticas embasadas na co-criação e nas práticas de confiança, como o Fundo Fós Feminista (dedicado às questões de gênero) e o The Black Fund (voltado para questões raciais).

 

Estudo de Caso: Instituto Chamex e Transformando Territórios

Apesar da modalidade de Edital não ser a mais apropriada para esses princípios, organizações que queiram se iniciar nesse tema, ou que apresentem uma menor capacidade institucional de promover essas mudanças sistêmicas, também podem aderir a esse movimento a partir de ações mais simples em seus processos já existentes de repasse de recursos.

O IDIS incentiva seus parceiros e clientes a praticarem princípios da filantropia baseada na confiança dentro de suas práticas de grantmaking. Um dos financiadores que trabalha junto com nossa equipe de consultoria, o Instituto Chamex, tem evoluído a cada ano em sua abordagem junto às organizações financiadas. Desde a primeira Edição do Edital Educação com Cidadania, o Instituto preza por uma relação aberta e direta com seus beneficiários. 

Além do aporte financeiro, as cinco organizações contempladas pelo edital também passam por um workshop de Teoria da Mudança e construção de indicadores junto à equipe especialista do IDIS, garantindo que o acompanhamento dos projetos seja de qualidade, bem como fortalecendo sua permanência e replicabilidade. No último ano, a 3ª Edição do Edital Educação com Cidadania abriu espaço para que até 50% do recurso aportado seja utilizado para despesas de pessoal (próprio ou terceirizado) e até 10% para despesas administrativas (como água, luz, aluguel e outras), mantendo a diretriz para a Edição deste ano.. 

Como ação adicional, as organizações finalistas e contempladas são convidadas para integrarem o Portal de Projetos, uma iniciativa estilo vitrine desenhada para atração de parceiros e divulgação do trabalho social desenvolvido. 

Dando um passo à frente, o programa Transformando Territórios (TT), do IDIS em parceria com a Charles Stewart Mott Foundation, visa apoiar Fundações e Institutos Comunitários (FICs). Essas organizações atuam no fortalecimento de um determinado território como pontes entre organizações e iniciativas sociais locais, doadores, sociedade civil e poder público. Na modalidade de Filantropia Comunitária, as FICs analisam o território em que estão inseridas de forma integral, possuindo total autonomia para alocar os recursos conforme necessidades e prioridades da região. Dessa forma, os repasses financeiros e o apoio técnico são direcionados de maneira mais eficaz para o fortalecimento local.

O grande trunfo do TT consiste nos seus valores estruturantes, sendo estes pilares para uma filantropia orientada por confiança. A defesa do protagonismo comunitário, valores democráticos, transparência, práticas sustentáveis e atuação em rede, promove um engajamento ativo das comunidades locais como impulsionadoras do desenvolvimento regional. Isso estimula processos participativos, liberdade de expressão e respeito à diversidade por meio de iniciativas colaborativas voltadas para a conscientização e o cuidado com os recursos naturais. Tudo isso é complementado pela ênfase na comunicação transparente, incentivando o compartilhamento de informações e a divulgação de dados.

Esse modelo de gestão, atrelado a uma doação irrestrita e plurianual estabelece uma relação de confiança entre o doador (empresas e parceiros apoiadores do TT) e as organizações diretamente impactadas (FICs). Parte-se do princípio de que a atuação das FICs pode ter um impacto maior no território do que doações diretas verticalizadas. Além disso, o aporte tem um papel de fortalecer o desenvolvimento institucional das FICs, promovendo essas organizações no território brasileiro não apenas por meio de recursos financeiros, mas também por meio de capacitações e assistência técnica.

As doações podem ser realizadas por empresas e filantropos, adotando organizações ou territórios do programa. Caso tenha interesse, visite o site ou entre em contato com o IDIS.

 

A mudança que esperamos

O IDIS vem se aprofundando nessas novas tendências de filantropia. A última edição do Perspectivas para a Filantropia no Brasil, destacou que o apoio ao fortalecimento institucional de organizações da sociedade civil, do ponto de vista da governança e transparência, pode gerar mudanças catalisadoras em direção a níveis mais elevados de confiança, em um círculo virtuoso. 

Conheça mais cases e entre em contato para construirmos esse caminhos juntos.

Renda e doações em países de renda média: evidências do Brasil

A renda desempenha um importante papel na formação do comportamento social, especialmente no contexto das doações para causas sociais. No entanto, a literatura existente apresenta resultados contraditórios ao abordar as nuances dessa relação.

Em um artigo publicado na revista acadêmica Journal of Philanthropy and Marketing, na plataforma Wiley, Paula Fabiani, CEO do IDIS, juntamente com Marcos Paulo de Lucca Silveira e Flavio Pinheiro, avaliaram as principais hipóteses sobre a influência da renda nas doações para causas sociais. Eles se basearam em dados da Pesquisa Doação Brasil 2020, que envolveu 2099 respondentes no Brasil. Este estudo contribui com novas evidências para o tema, especialmente no contexto de um país latino-americano de renda média, um aspecto frequentemente negligenciado em análises anteriores. A análise concentrou-se em como a renda familiar de um indivíduo influencia três aspectos-chave: a probabilidade de doação, o valor doado e a proporção da renda doada.

Os resultados indicam que os indivíduos de famílias com renda mais alta tendem a doar quantias maiores de dinheiro, mantendo a mesma proporção de renda doada que outras famílias com menor renda. No entanto, a renda familiar não parece ter um impacto significativo na probabilidade de doação ou na proporção da renda doada.

Confira o artigo completo aqui.

Socioambiental: a integração das esferas social e ambiental

por Yasmim Araujo Lopes, estagiária da célula ESG no IDIS

A busca pela sustentabilidade tem se tornado uma meta fundamental para as organizações, considerando o seu valor para a sociedade e preservação de recursos naturais e meio ambiente, além de ser benéfico para o desenvolvimento e crescimento da própria organização. Essa busca envolve as esferas econômica, social e ambiental, que, apesar de serem frequentemente abordadas de maneira separada, possuem alta correlação. 

O atual cenário de adoção de práticas sustentáveis se torna ainda mais frequente pela emergência das mudanças climáticas. Essas mudanças são, segundo o sexto relatório Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, indiscutivelmente causadas devido às atividades de uso insustentável de energia, do uso da terra e da mudança no uso da terra, e dos estilos de vida e dos padrões de consumo e produção desiguais, resultando em altas emissões de gases de efeito estufa. Estas alterações já causaram um aumento de 1,1ºC na temperatura superficial média do planeta em comparação com a época pré-industrial. Seus impactos abrangem desde saúde e bem-estar humano, até a biodiversidade e ecossistemas.

 

Mas, afinal, como as esferas ambiental e social se atravessam?

De maneira geral, é verdade que todas atividades econômicas têm algum impacto ambiental e social. Com a evolução da sustentabilidade empresarial, hoje incorporada à agenda ESG (em tradução, ambiental, social e governança), as organizações buscam mitigar seus impactos dentro da esfera social e ambiental, por meio de iniciativas que vão desde diversificação de portfólio de produtos e de fornecedores até o engajamento de stakeholders e ações de investimento social privado (ISP). A complexidade da correlação das esferas social e ambiental pede que essas iniciativas também sejam complexas. 

Apesar do meio ambiente ser entendido no senso comum apenas como os elementos do mundo natural (água, ar, solo, biodiversidade de animais e plantas), seu conceito é mais abrangente. Geralmente, o meio ambiente inclui não apenas esses elementos do mundo natural, mas também, as relações entre pessoas e o local onde vivem, considerando aspectos políticos, econômicos, culturais, de saúde etc. Dessa maneira, ao abordar iniciativas ambientais, já se presume um olhar integrado que considere também a dimensão social

Alterações na esfera social frequentemente vão estar associadas a impactos ambientais de diversos níveis, e vice-versa. Entre os diversos possíveis impactos e correlações, no exemplo a seguir vamos focar no impacto hídrico, ou seja, as alterações que acontecem nas águas:

Percebe-se então, por meio deste exemplo, o funcionamento interdependente dessas esferas. Mas, existiria a  possibilidade de atuar com um projeto ambiental, mesmo que em local remoto, sem interações diretas com a sociedade? De início, aparentemente sim, porém ao se considerar os impactos sistêmicos do meio ambiente – ou seja, o meio natural e suas relações com a sociedade – fica claro que a interdependência dos conceitos é inerente. O mesmo vale para um projeto social; é necessário considerar os fatores ambientais.

Portanto, é evidente a necessidade da abordagem conjunta das esferas. Não considerar a transversalidade socioambiental dentro dos projetos e iniciativas diminuem seus impactos efetivos e sua capacidade de abrangência. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, já afirmou a necessidade da integração de todos os atores da sociedade e ações transversais que lidem com a complexidade da interdependência entre clima, ecossistemas, biodiversidade e  sociedades humanas, quando se trata de mudanças climáticas, e o mesmo se aplica a integração socioambiental.

 

O papel da filantropia e do Investimento Social Privado

A interdependência das esferas e, consequentemente, das causas associadas a cada uma delas, forma um problema complexo no qual a filantropia e o investimento social privado já estão bem equipados para atuar, sem perder o foco no beneficiário, ou seja, aqueles mais afetados pelos danos socioambientais.

Em nosso material, Perspectivas Para a Filantropia No Brasil 2024, abordamos a policrise gerada por essa interdependência das esferas e a transversalidade de causas e respostas tem destaque, deixando como aprendizado a incorporação na estratégia de atuação do ecossistema dos temas com os quais lidamos. Incluir nos projetos as conexões, os atores envolvidos, as causas e as consequências propicia decisões mais assertivas para a geração de mudanças estruturais

Essa atuação transversal pode ser observada, por exemplo, no Edital da Água, do Instituto Mosaic, que incentiva projetos comunitários voltados para a gestão dos recursos hídricos, e que também trabalhem com agricultura sustentável. 

No edital de 2024, o Instituto oferece até R$45 mil para pelo menos 12 projetos que contribuirão com a ODS 6 –  Água Potável e Saneamento – da Agenda 2030 da ONU, através boas práticas de gestão de recursos hídricos, aumento da disponibilidade e acesso de água e saneamento, ampliação de sistemas de coleta e tratamento de esgoto e água, preservação e restauração de ecossistemas relacionados com a água, qualificação profissional de organizações da sociedade civil e cooperação intersetorial.

 

O IDIS na promoção da atuação socioambiental

Por meio de um investimento social privado bem planejado e monitorado, as empresas podem navegar melhor nas relações entre o Social e o Ambiental, tangibilizando seu compromisso socioambiental com públicos-chave. Além disso,  podem engajar partes interessadas em processos colaborativos para a resolução de problemas sociais e ambientais complexos. 

O IDIS oferece apoio técnico a famílias, empresas e organizações sociais que desejam iniciar ou aprimorar seu investimento social privado com uma visão integrada do E do S. Atuamos de forma customizada e participativa em 6 frentes de atuação.

Para mais detalhes, entre em contato conosco em comunicacao@idis.org.br

 

Referências bibliográficas

BURSZTYN, Maria. A. e BURSZTYN, Marcel. Fundamentos de política e gestão ambiental: os caminhos do desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2012

MONZONI, Mario; CARREIRA, Fernanda. O metaverso do ESG. GV Executivo, [S. l.], v. 21, n. 1, p. 4-11, 16 mar. 2022. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/gvexecutivo/article/view/85510/80703. 

Como fazer uma Teoria da Mudança consistente para sua avaliação de impacto?

Por Isadora Pagy, analista da área de monitoramento e avaliação do IDIS

A Teoria da Mudança (TdM ou TM) é uma ferramenta muito valiosa tanto para o planejamento estratégico de uma iniciativa, quanto para a avaliação de impacto. O processo de sua construção pode ser desafiador e gerar muitas dúvidas, então, elaboramos uma série de dicas que podem te ajudar.

Antes de tudo, é preciso entender o que é, para que serve e como sistematizar uma Teoria de Mudança.

Quando utilizamos a TdM com o intuito de avaliar o impacto de uma determinada iniciativa, ela apoia na maior compreensão das relações causais do projeto ou programa em questão, trazendo um resumo dos públicos-alvo que foram beneficiados pela iniciativa, das atividades que foram realizadas, dos impactos que se espera gerar e do objetivo estratégico a ser alcançado.

Entender quem são os stakeholders

Assim, o processo de sistematização se inicia por um mapeamento de quais foram os stakeholders, ou partes interessadas, envolvidos no projeto. Busca-se entender quem foram os beneficiários diretos, indiretos, os executores, parceiros e investidores da iniciativa. E, com isso, definimos quem será consultado para a construção da TdM.

1 – Saiba separar quem são os beneficiários diretos e quem são atores intermediários. Por exemplo, muitos projetos que trabalham com educação realizam atividades com escolas, mas tem como objetivo impactar as crianças que frequentam as aulas. É possível que os públicos de gestores pedagógicos sejam apenas intermediários para beneficiar os estudantes, não sendo considerados beneficiários diretos. Muitos projetos se deparam com ausência de informações e base de dados de seu público beneficiário direto, por não definir bem, logo no início da intervenção o seu púbico principal e assim, consequentemente, não coletar e monitorar dados a contento, o que por sua vez cria dificuldades a pretensão de uma avaliação de impacto.

 

A importância de um escopo bem definido

Em seguida, passamos para a definição de quais foram as atividades realizadas pelo projeto. Para isso, é importante realizarmos uma análise dos materiais e documentos do mesmo, o que nos dará insumos para maior compreensão sobre o que foi inicialmente proposto para ser realizado e aquilo que aconteceu de fato. Alinhado a isso, é realizada uma série de entrevistas com a equipe técnica da iniciativa para entendermos como foi a sua execução e se houve mudanças de rumo relevantes.

2 – Seja curioso! Entenda o que aconteceu na prática e fora do papel, questione os dados e busque uma compreensão maior do projeto.

3 – Tenha um escopo bem definido. Se houve mudanças metodológicas muito grandes, talvez não seja possível incluir todas as iniciativas de uma organização. E talvez nem todas estejam ajudando a alcançar um objetivo de longo prazo único e consistente.

Escuta ativa

Definidas as atividades realizadas, investigamos aquilo que mudou na vida das pessoas que participaram do projeto ou programa. Nessa etapa, realizamos entrevistas com os beneficiários e buscamos ir além de resultados imediatos e nos aprofundar nos impactos de médio e longo prazo que a intervenção gerou. Para isso, preste atenção nos seguintes pontos:

4 – Tenha uma escuta ativa. Busque proporcionar um espaço confortável para que os entrevistados falem abertamente sobre o impacto que sentiram e tente não os influenciar presumindo impactos que não foram ditos.

5 – Cuidado com o double counting, ou dupla contagem. Principalmente se você estiver realizando uma avaliação que envolve uma etapa de monetização, evite contar o mesmo impacto duas vezes, estruturando uma cadeia de causalidade entre os resultados e impactos mapeados. Por exemplo, em uma iniciativa de geração de emprego e renda que trabalha com cursos profissionalizantes, os participantes relatam ampliação de conhecimento técnico em informática e um aumento de renda por conta do emprego que conseguiram através desses novos conhecimentos. Nesse caso, uma das mudanças (conhecimento) gera a outra (emprego), se monetizarmos ambas, estaremos contando duas vezes o impacto da mesma cadeia de causalidade, superestimando assim o impacto gerado pelo projeto.

Por fim, entendemos qual é o objetivo estratégico que aquela iniciativa tentou (e possivelmente conseguiu) alcançar com suas atividades. Isso pode ser feito relembrando alguns dados já coletados e respondendo algumas perguntas importantes: O que foi realizado? Para quem foi realizado? Por quê? Com qual ambição?

Nem sempre a equipe técnica terá uma mesma visão sobre o objetivo estratégico, mas realizando uma consulta com atores importantes e respondendo essas perguntas, o processo de estabelecimento de um objetivo pode ser facilitado. O que nos leva a última dica:

6 – Não esqueça de validar seus entendimentos com a equipe executora. A apresentação da TdM para quem realizou o projeto na ponta é muito importante. Esse é o momento para todos ficarem na mesma página e obtermos um escopo bem definido, o que facilitará nos próximos passos da sua avaliação de impacto.

O processo de construção de TdM é tão importante quanto seu resultado, ao percorrer o passo a passo o avaliador consegue compreender melhor o acesso aos beneficiários e a disposição de dados do projeto, e assim reavaliar o escopo e o desenho de avaliação. Reduzindo as chances de futuros infortúnios que oneraria a avaliação em tempo e recursos.

Tendo cumprido essas etapas, podemos sistematizar a Teoria de Mudança de forma visual e utilizá-la como uma ferramenta que guiará o restante da avaliação, caso você vá realizar uma pesquisa qualitativa ou quantitativa, por exemplo.

Valoração do impacto social impulsiona o “S” do ESG

Texto publicado originalmente no Valor Econômico

Neste artigo, Denise Carvalho, gerente do IDIS, defende que a mensuração das ações relacionadas ao pilar Social da agenda ESG traz materialidade aos resultados e contribui para narrativas do verdadeiro impacto a longo prazo

Por Denise Carvalho, gerente sênior de monitoramento e avaliação do IDIS

Na sopa de letrinhas do mundo corporativo, o ESG já é uma unanimidade para avaliar e validar se uma empresa é socialmente consciente, sustentável e com boa governança. São critérios corroborados por metodologias de mensuração de impacto que apontam boas empresas para se investir. Afinal, o ESG está diretamente ligado à sustentabilidade – aqui relacionado à própria viabilidade de existência e geração de lucros dos negócios.

Migrando para o cenário dos investidores sociais, no qual o lucro não é o objetivo fim, o ESG é uma bússola que direciona a atuação estratégica das organizações e abre portas para mensurar o impacto que os projetos desenvolvidos geram nas comunidades atendidas. Mas, como saber se o impacto positivo justifica os investimentos envolvidos?

A mensuração de impacto ambiental, por exemplo, promove diversas relações: quantos hectares deixaram de ser desmatados, quantos gases causadores do efeito estufa deixaram de ser emitidos, quais corpos hídricos foram despoluídos, quantos resíduos deixaram de ser gerados. No social, entretanto, a conta pode ser um pouco diferente.

Um dos principais obstáculos enfrentados pelos investidores sociais, conforme o próprio ecossistema destaca, é a obtenção de dados de qualidade relacionados ao pilar social da Agenda ESG. Esta percepção foi corroborada pela pesquisa global ESG Global Survey 2023, conduzida pelo BNP Paribas, na qual 71% dos entrevistados apontaram a mensuração dos resultados como a maior preocupação dos investidores. Esta agenda é vista como elemento norteador para as organizações em direção a práticas mais responsáveis, mas, ainda assim, persiste o desafio da padronização e consistência dos dados, particularmente no âmbito social.

Atualmente, as metodologias de avaliação de impacto são capazes de medir, de forma rigorosa, os resultados gerados pelas ações dos projetos sociais. Essas metodologias proporcionam uma análise minuciosa e fundamentada sobre como as atividades de uma organização influenciam pessoas, comunidades e o meio ambiente, buscando compreender a extensão e os efeitos de suas ações, programas e projetos.

Uma avaliação de impacto não se limita a estudar o “o quê”, mas também medir “o quanto”, o “porquê” e o “como” as mudanças ocorrem. Uma vez que as avaliações de impacto estão sempre baseadas em dados e podem apresentar informações em uma linguagem comum, a comunicação dessas análises podem trazer grande visibilidade para a própria organização, além de enriquecer o debate da agenda ESG no mundo corporativo.

Algumas empresas e organizações já reconhecem o potencial das avaliações de impacto como aliadas da Agenda ESG. A Petrobras, por exemplo, vem realizando análises rigorosas em seus diversos projetos sociais e ambientais como parte de seu compromisso com a pauta. Para isso, a empresa iniciou um trabalho de diagnóstico e harmonização de indicadores alinhados com sua estratégia socioambiental, o que permitiu uma identificação mais clara do impacto nas comunidades nas quais opera. Os dados, utilizados com inteligência, permitem o direcionamento estratégico das ações e a ampliação do impacto positivo dos projetos.

Outro aspecto para ficar de olho quando se fala em mensuração dos impactos sociais é a adoção de ferramentas como Inteligência Artificial e blockchain como aliados deste processo, visando garantir ainda mais transparência para os investidores sociais. A natureza descentralizada do blockchain, por exemplo, impede eventuais manipulações de dados, o que aumenta a credibilidade dos relatórios de impacto. Isso permite que os investidores avaliem os resultados socioeconômicos dos projetos financiados de forma mais precisa, segura e eficiente. A fintech Moeda Seeds e a plataforma Banqu são exemplos de organizações que têm realizado trabalho com o apoio dessas ferramentas para aumentar a credibilidade dos dados apresentados.

É por meio da materialização do impacto que os gestores são municiados de dados que permitem a atuação estratégica das organizações, relacionando o valor investido com o retorno social dos projetos. O antídoto para os famosos “washing”.

A avaliação de impacto é fundamental para estabelecer um alicerce sólido para o sucesso sustentável das organizações. Ela transcende a mera medição e se torna um guia estratégico, orientando as empresas em direção a caminhos mais alinhados à agenda ESG. Embora realizar avaliações de impacto possa ser algo desafiador, os benefícios que ela oferece superam, de longe, os possíveis obstáculos.

O que é ESG e como ele se relaciona com o Investimento Social Privado?

Em 2005, durante a conferência Who care wins’ promovida pelo International Finance Corporation (IFC) em conjunto com a ONU, líderes mundiais examinaram o papel de valores ambientais, sociais e de governança para a gestão de ativos e pesquisa financeira. Na ocasião, houve um consenso que esses três fatores desempenham um papel bastante importante no contexto de investimentos de longo prazo.

Assim, ficou oficializado a criação da agenda ESG (em tradução, ambiental, social e governança) e, com ela, a expectativa de que as empresas relatassem suas ações de forma consistente e ativa. A agenda aproximou, por fim, o mercado financeiro ao debate sobre sustentabilidade. Ao mesmo tempo, passou a considerar em suas decisões os riscos que estas pautas podem representar ao valor e à perenidade das organizações privadas.

Nesse artigo, você entende um pouco mais sobre o que é ESG e como ele influencia – e é influenciado – por outras pautas como o Investimento Social Privado (ISP).

 

O que significa ESG?

Apesar de já existir há quase vinte anos, foi em 2020, durante o cenário pandêmico, que a agenda se popularizou, ganhando força especialmente a partir do posicionamento de grandes atores do setor econômico em favor da sustentabilidade corporativa.

Antes de mais nada, é importante esclarecer que quando o assunto é ESG, falamos principalmente das relações entre iniciativa privada e o mercado financeiro. Ou seja, ao considerar investir em uma empresa, investidores passam a incorporar em seu processo de decisão, questões ambientais, sociais e de governança. Os elementos são considerados critérios importantes para avaliar a qualidade do investimento e os riscos não financeiros.

Compreende-se que, dessa forma, empresas passam a dar consideração mais séria à forma como mitigam ou endereçam de maneira mais propositiva os aspectos que afetam todas as partes envolvidas e interessadas em sua atuação; desde colaboradores, a fornecedores e sociedade ao redor. Isso é incorporar a agenda ESG na empresa para que, assim, seja possível alcançar um mundo e sociedade mais sustentáveis.

“Não se trata apenas de identificação, mensuração e gestão de riscos sob perspectiva ampla, mas também de busca ativa pela geração de resultados positivos em todos os âmbitos que circundam a atividade empresarial.”
Guia Prático ESG para Investidores, escritório de advocacia Mattos Filho

Agenda ambiental

O ‘E’ (environmental, em inglês, geralmente traduzido para ambiental ou meio ambiente), foca em ações que visam reduzir e mitigar o impacto ambiental causado pelas empresas, como a gestão eficiente de recursos naturais, mitigação das mudanças climáticas, redução da emissão de carbono, gestão de resíduos, adoção de práticas de produção mais sustentáveis e assim por diante.

Agenda social

Já o ‘S’ da agenda ESG aborda questões relacionadas ao bem-estar das pessoas tanto internamente (colaboradores) quanto nas comunidades em que a empresa opera. Essa letra do tripé busca olhar com cuidado desde questões de saúde e segurança do trabalho, políticas de diversidade e inclusão, relacionamento com a comunidade, até programas de responsabilidade social corporativa, voluntariado e investimento social privado, entre outros temas.

Agenda de governança

Por fim, mas não menos importante, o ‘G’ trata das práticas de governança corporativa. Os princípios de governança corporativa mapeiam práticas relacionadas à integridade, equidade, transparência, accountability (responsabilização) e sustentabilidade das estruturas e práticas de governança de uma empresa. Passando pelos conselhos e comitês de uma organização, até suas políticas de remuneração e prestação de contas.

Como o Investimento Social Privado se aproxima da agenda ESG?

Entende-se por Investimento Social Privado (ISP) ou Filantropia Estratégica, a alocação voluntária e estratégica de recursos privados, sejam eles financeiros, em espécie, humanos, técnicos ou gerenciais para o benefício público. Para promover a transformação social, essa doação precisa ser feita com planejamento estratégico ancorado em dados, com indicadores pré-definidos, execução cuidadosa, monitoramento dos resultados e avaliação do seu impacto.

Nesse sentido, quando uma organização define o foco e estratégia de suas doações, compreende-se que essas práticas necessariamente estarão alinhadas ao propósito e valores da instituição, além de conversar com todos os atores que são impactados ou impactam a atuação da empresa. Esses atores, chamamos de stakeholders (ou partes interessadas).

Mas e o ESG, onde entra nisso tudo? Bom, através da filantropia estratégica, as empresas podem direcionar recursos para projetos, organizações da sociedade civil (OSCs) e iniciativas que contribuam para o desenvolvimento socioambiental da comunidade. Como entendemos que o ISP estratégico atua alinhado ao negócio, a agenda ESG atua como uma aliada na formulação dessas práticas, mensurando e mitigando riscos não financeiros.

É uma via de mão dupla. Ao passo que a agenda ESG contribui para decisões mais estratégicas em relação ao ISP; o ISP atua como ponto essencial para atingimento de metas e compromissos ESG.

 

Atuação do IDIS na Agenda ESG

Com o crescimento da importância da Agenda ESG, o IDIS tem investido no fortalecimento da equipe com especialistas e na produção de conhecimento sobre o tema, incluindo o desenvolvimento de metodologias que apoiam investidores sociais em tomadas de decisões.

Acesse mais conteúdos sobre o assunto clicando aqui

Em 2023, foi oficializada a criação de uma célula ESG no time de consultoria, oferecendo apoio técnico a empresas e organizações sociais que desejam aprimorar suas estratégias ESG e conectá-las a suas práticas de investimento social. Entre os serviços oferecidos, estão estratégia ESG conectada ao Investimento Social Privado; mapa de riscos e oportunidades; (re)estruturação de projetos socioambientais; estabelecimento de Comitês Temáticos; e alinhamento de indicadores e métricas para um reporte consistente.

Perspectivas para a filantropia no Brasil em 2024

Texto publicado originalmente na Folha de S.Paulo

Por Paula Fabiani, Luisa Lima e Marina Negrão

O 18º Relatório de Crises Globais do Fórum Econômico Mundial preconiza que “choques simultâneos, riscos profundamente interligados e a erosão da resiliência estão originando o risco de uma policrise – onde crises díspares interagem de forma que o impacto global excede em muito a soma de cada parte”.

A crise climática está conectada ao agravamento da fome e ao aumento de refugiados. A guerra na Ucrânia amplia o debate sobre o uso de energia fóssil, e a crise sanitária deflagrada pela pandemia de Covid-19 levou países a repensarem estruturas de distribuição de renda, moradia, acesso a saneamento básico e a própria cooperação internacional.

Os problemas interagem entre si, estão entrelaçados. É uma crise múltipla, cujas partes se retroalimentam e avança com uma velocidade e escala nunca antes experimentadas.

Este cenário foi o ponto de partida para a nova edição do Perspectivas para a Filantropia no Brasil, publicação anual do IDIS, que explicita os movimentos que são importantes para o agora, que se destacam e para os quais filantropos, investidores sociais e todos aqueles que atuam neste campo devem estar atentos.

Não por acaso, a primeira perspectiva da lista, que traz oito achados, revela como a filantropia começa a responder de forma integrada, propondo-se a contribuir para mudanças estruturantes.

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, por exemplo, é um movimento composto por mais de 350 representantes do setor privado, setor financeiro, academia e sociedade civil, que têm como objetivo articular múltiplas causas e facilitar ações para promover o uso harmônico, inclusivo e sustentável da terra no país e assim viabilizar a transição para a nova economia.

A seis anos do prazo para o cumprimento da Agenda 2030, proposta pela ONU, crescem os compromissos públicos. Governos assinam tratados e cartas de intenção. Empresas divulgam metas, adotam novos modelos de negócios e reorientam suas práticas de investimento social para gerar transformações positivas.

Os detentores de grandes fortunas declaram que parte do que possuem será destinado à promoção da justiça social. Neste cenário, um risco: os ‘washings’, termo em inglês que significa ‘lavagem’ e que foi adotado para denominar discursos falsos e pouco ancorados em fatos.

Ou seja, compromissos assumidos podem não passar de promessas vazias, que não se concretizam ao longo do tempo. No Brasil, é crescente também iniciativas filantrópicas regionais, mais atentas às demandas dos territórios onde atuam, com uma abordagem mais sensível às particularidades locais.

O momento do país, que busca voltar a ter protagonismo na agenda ambiental, também é explorado. Mesmo organizações que atuam em temas específicos como educação ou cultura se veem estimuladas a olhar para sua relação com o meio ambiente e mudanças climáticas.

O relatório chama atenção ao fato de a filantropia beneficiar também a infraestrutura do Terceiro Setor, investindo em ações que promovem a melhoria do ambiente regulatório, apoiando a geração de dados e ações para incidência coletiva, como a Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, que teve papel importante para a conquista da primeira legislação sobre Fundos Patrimoniais no Brasil.

Outros aspectos abordados são a adoção de processos de avaliação de impacto por empresas e sua contribuição à Agenda ESG, a importância da diversidade em conselhos e o uso da Inteligência Artificial por organizações sociais.

A recém-lançada publicação apresenta uma fotografia mais nítida do horizonte do investimento social e é um convite à reflexão e à ação. Uma contribuição dos profissionais do IDIS para um futuro resiliente e sustentável em todas suas instâncias.

O Investimento Social Privado e Investimento estatal na promoção da equidade racial

A busca por equidade racial no país e no ambiente profissional é objeto crescente de debate no Brasil e no mundo. Governos, empresas e organizações da sociedade civil têm se organizado para que a pauta esteja presente nas mais variadas esferas de participação popular, da constituição de partidos políticos e acesso às universidades públicas e colégios privados, até processos seletivos de empresas e nas representações artísticas – todas são esferas capazes de reconstruir o imaginário popular e com grande potencial de empoderamento de grupos subrepresentados.

Além do resgate da identidade negra e do estabelecimento de políticas afirmativas (em universidades, dentro de empresas e instâncias públicas), a baixa qualidade da educação pública é comumente apontada como responsável pela desproporcional representatividade de negros em universidades e cursos de prestígio, e em cargos de
liderança e governança de grandes empresas.

Nos Estados Unidos, em um estudo publicado na Economic Policy Institute, foi estimado um gap salarial médio de 22% para homens negros na comparação com homens brancos e de 11,7% para mulheres negras na comparação com mulheres brancas, mesmo controlando por fatores como educação, anos de experiência e região, indicando a existência de um racismo estrutural persistente no país ao longo do tempo.

No Brasil, a situação é ainda mais alarmante: a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-IBGE) apontou que em 2019 a diferença salarial entre brancos e negros foi de 45% em média. Estudo econométrico publicado pelo BID para o Brasil (Garcia, Ñopo e Salardi, 2009) aponta para um crônico descompasso salarial entre negros e não-negros, também controlando por fatores observáveis (gênero, idade, região e ocupação) e para todos os percentis salariais. Vale ressaltar que para os percentis salariais mais altos a diferença é maior. Os autores atribuem o resultado não só ao racismo estrutural, como também à qualidade da educação pública que cobre proporcionalmente mais negros do que não-negros no Brasil.

Cabe lembrar que a educação de qualidade é hoje considerada um direito humano e também um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS 2030) elencados pela ONU, tendo por finalidade a formação de sujeitos cidadãos, com capacidade reflexiva e potencial produtivo para o mercado de trabalho, e colaborando para a diminuição das desigualdades sociais.

Além disso, a educação pública é comumente encarada como reflexo de um projeto de país e uma das principais trilhas para a inclusão social. Reforçando essa compreensão, historicamente no Brasil enraizou-se a percepção de que o acesso à escolarização de qualidade traz como consequência lógica a propensão à ocupação de cargos intelectuais e com maior estabilidade financeira, em oposição a trabalhos braçais e muitas vezes precários. Ainda que problemático, esse paradigma brasileiro só será revertido com a melhoria da educação pública,  a qual o setor privado também deve se envolver por meio do investimento social privado.

Durante a participação do IDIS na concepção do Pacto de Promoção da Equidade Racial, foi produzido um material que se aprofunda justamente nesse assunto, apresentando dados e referências para o fortalecimento da equidade racial, além de formas de mensura-la em empresas e organizações privadas.

Acesse a partir do formulário abaixo:

Captcha obrigatório

Conheça o Pacto de Promoção da Equidade Racial

O Pacto de Promoção da Equidade Racial é uma iniciativa que propõe implementar um Protocolo ESG Racial para o Brasil, trazendo a questão racial para o centro do debate econômico brasileiro e atraindo a atenção de grandes empresas nacionais e multinacionais da sociedade civil para o tema.

Seu principal objetivo é propor e implementar um Protocolo ESG Racial para o Brasil e promover sua adoção por empresas e investidores institucionais, contemplando ações que estimulem uma maior equidade racial – muito centrada na adoção de ações afirmativas, na melhoria da qualidade da educação pública e na formação de profissionais negros.

O IDIS, ao lado de outras diversas organizações, é um dos membros fundadores da iniciativa

 

SÉRIE | O Investimento Social Privado e Agenda ESG: sinergias e aprendizados

O que o investimento social privado e a agenda ESG possuem em comum? Qual a relação com a mensuração de impacto? Como a atuação das organizações sociais podem contribuir nesta equação?

Buscando responder a esses e outros questionamentos, Marcelo Modesto, gerente de projetos e líder do núcleo ESG do IDIS, e Gabriel Bianco, coordenador de projetos,  prepararam a série ‘O investimento social privado e a agenda ESG: sinergias e aprendizados’. Em três artigos, abordam metodologias e práticas do investimento social privado que podem ajudar empresas e organizações a melhor navegarem no universo do capitalismo de stakeholders. Exemplos práticos de investidores sociais e organizações que estão inovando na busca por uma melhor gestão da sustentabilidade e seu impacto socioambiental positivo ilustram o conteúdo. 

Acesse os três capítulos da série:

Com o crescimento da importância da Agenda ESG, o IDIS tem investido no fortalecimento da equipe com especialistas e na produção de conhecimento sobre o tema, incluindo o desenvolvimento de metodologias que apoiam investidores sociais em tomadas de decisões.

Em 2023, foi oficializada a criação de uma unidade ESG no time de consultoria, oferecendo apoio técnico a empresas e organizações sociais que desejam aprimorar suas estratégias ESG e conectá-las a suas práticas de investimento social. Entre os serviços oferecidos, estão estratégia ESG conectada ao Investimento Social Privado; mapa de riscos e oportunidades; (re)estruturação de projetos socioambientais; estabelecimento de Comitês Temáticos e alinhamento de indicadores e métricas para um reporte consistente.

Tem interesse em conhecer mais sobre esses serviços? Entre em contato com comunicacao@idis.org.br

Do planejamento ao monitoramento e avaliação: como instituições podem potencializar seu impacto?

Planejando um Investimento Social Privado estratégico

A partir da alocação voluntária e estratégica de recursos privados para o benefício público, empresas podem ir além do lucro financeiro e contribuir para o desenvolvimento socioambiental sustentável. A agenda ESG é uma poderosa aliada na formulação de práticas de filantropia estratégica, com ênfase na mensuração e mitigação de riscos não financeiros. Por exemplo, uma empresa que possui riscos não financeiros bem mapeados, pode utilizá-los para criar ou aprimorar sua estratégia de investimento social privado, não só mitigando impactos negativos da operação, como também gerando impactos positivos e ampliando o diálogo com públicos de interesse.

Em outras palavras, uma estratégia de investimento social privado alinhada à uma estratégia ESG ajuda a materializar o propósito da organização para seus mais variados stakeholders, gerando resultados tangíveis para a empresa e para a sociedade. Apesar de parecer lógico, esse alinhamento não é tarefa fácil. Em pesquisa realizada pela Amcham e Humanizadas, com 574 CEOS, vice-presidentes, gerentes e implementadores de estratégias ESG, 38% dos respondentes destacaram que o principal desafio na agenda ESG é a dificuldade em mensurar e monitorar indicadores ESG, e 32% indicaram ser a ausência de uma cultura forte de sustentabilidade.

Como uma estratégia de investimento social privado (ISP) pode ajudar a endereçar esses desafios? Em primeiro lugar, se há clareza quanto aos objetivos e visão de impacto, já existe uma base para práticas de monitoramento e avaliação. Além disso, a definição de causas prioritárias/focos de atuação ajuda a empresa e seus stakeholders (públicos interessados) a elencar prioridades e comunicarem melhor – tanto interna quanto externamente – as ações realizadas, facilitando o entendimento e engajamento de colaboradores e sociedade e contribuindo para ganhos reputacionais, atração e retenção de talentos, entre outros.

A metodologia do IDIS parte da compreensão de que é preciso conectar o conceito e as práticas de ISP ao propósito e valores institucionais, considerando o viés econômico que rege o negócio e a perspectiva dos principais stakeholders em relação ao valor socioambiental a ser criado pela empresa. Este olhar integrado ISP-ESG permite potencializar a capacidade da organização de gerar impacto positivo para a sociedade e valor real em curto, médio e longo prazo para o negócio e sua cadeia de stakeholders.

Aumentando o engajamento de stakeholders

“O propósito de uma empresa é engajar todas suas partes interessadas na criação de valor sustentável. Ao criar tal valor, a empresa não atende somente a acionistas, mas a todas suas partes interessadas – colaboradores(as), clientes, fornecedores(as), comunidades locais e sociedade em geral. A melhor maneira de compreender e equilibrar os interesses divergentes de todas as partes interessadas é por meio de um comprometimento compartilhado com políticas e decisões que fortaleçam a prosperidade da empresa a longo prazo”. O trecho foi extraído do Manifesto de Davos 2020, proposto pelo Fórum Econômico Mundial e que exemplifica os novos paradigmas que regem as corporações na 4ª. Revolução Industrial. 

Novas maneiras de se relacionar com diversas partes interessadas já ocupam espaço central em estratégias eleitorais, de marketing e na criação de produtos. No entanto, observa-se que o investimento social privado nem sempre acompanha essa tendência. Investidores sociais, de maneira geral, ainda utilizam abordagens verticais e centralizadoras na hora de definir seus aportes e estabelecer vínculos com seus públicos.

Apesar de possuírem um escopo de atuação limitado, ao criarem suas estratégias ESG e de Investimento Social Privado, empresas precisam considerar o envolvimento de múltiplos stakeholders. Para cada perfil, para cada desafio, um arranjo diferente, ainda que colaboração e o trabalho em rede surjam como pontos comuns que devem ser considerados.

Ao adotar uma estratégia que envolve e aprofunda os laços com as partes interessadas, uma empresa passa a gerar maiores e melhores resultados para suas ações sociais. Além disso, ela pode se beneficiar de relacionamentos mais estratégicos e duradouros com as comunidades de seu entorno, poder público, tomadores de decisão e influenciadores.

Do ponto de vista das organizações da sociedade civil, é preciso se preparar para um envolvimento mais estratégico com seus parceiros do setor privado, contribuindo de forma programática para o enfrentamento de desafios socioambientais, para além do apoio a projetos pontuais. Embora essa colaboração demande mais esforço no curto prazo, pode levar a laços mais fortes e recursos mais estáveis para a organização.

 

Medindo e comunicando os resultados e impacto

Na hora de mensurar a contribuição e o impacto socioambiental das ações de uma empresa, é necessário estabelecer diretrizes de monitoramento e avaliação. Essas diretrizes não apenas auxiliam a definição e acompanhamento de tópicos materiais, avaliação e comunicação de resultados, como também contribuem para a construção de uma governança de sustentabilidade empresarial que traduza aprendizados em decisões estratégicas, referentes à cultura organizacional, riscos e oportunidades, performance socioambiental, entre outros aspectos.

As práticas de monitoramento e avaliação do investimento social privado podem ajudar empresas a avançarem na maneira como medem o sucesso de suas iniciativas e de suas contribuições para o desenvolvimento sustentável e redução de riscos não financeiros, hoje ainda muito pautadas por frameworks insuficientes, que avaliam somente processo e nível de compliance.

Do ponto de vista das organizações da sociedade civil, o desafio é outro: traduzir a importância do trabalho realizado e seus resultados em uma linguagem que agregue valor para o relatório de sustentabilidade das empresas. A capacidade de comunicar de forma clara esses resultados pode ser o diferencial para aumentar a qualidade e a profundidade do relacionamento com as partes interessadas.

Uma maneira de aproximar essas duas pontas, no contexto das empresas, é por meio de uma teoria de mudança que estabeleça de forma clara a conexão entre o impacto esperado e as ações realizadas, assim como critérios de seleção de projetos e elementos que contribuam para a comunicação dos compromissos públicos e resultados obtidos.

 

A série ‘O investimento social privado e a agenda ESG: sinergias e aprendizados’ é uma iniciativa de Marcelo Modesto, gerente de projetos e líder do núcleo ESG do IDIS, e Gabriel Bianco, coordenador de projetos do IDIS. Em três artigos, abordam metodologias e práticas do investimento social privado que podem ajudar empresas e organizações a melhor navegarem no universo do capitalismo de stakeholders. Exemplos práticos de investidores sociais e organizações que estão inovando na busca por uma melhor gestão da sustentabilidade e seu impacto socioambiental positivo ilustram o conteúdo. 

 

Acesse também os outros artigos da série:

 

Com o crescimento da importância da Agenda ESG, o IDIS tem investido no fortalecimento da equipe com especialistas e na produção de conhecimento sobre o tema, incluindo o desenvolvimento de metodologias que apoiam investidores sociais em tomadas de decisões.

Em 2023, foi oficializada a criação de uma unidade ESG no time de consultoria, oferecendo apoio técnico a empresas e organizações sociais que desejam aprimorar suas estratégias ESG e conectá-las a suas práticas de investimento social. Entre os serviços oferecidos, estão estratégia ESG conectada ao Investimento Social Privado; mapa de riscos e oportunidades; (re)estruturação de projetos socioambientais; estabelecimento de Comitês Temáticos; e alinhamento de indicadores e métricas para um reporte consistente.

Entre em contato conosco para contar sua história ou dar os próximos passos de sua organização nesta jornada através do e-mail comunicacao@idis.org.br

Como empresas estão promovendo o diálogo e engajamento de seus stakeholders?

Como o investimento social privado pode desempenhar um papel significativo nos processos de mapeamento e gestão de stakeholders? E no relacionamento com a comunidade e ampliação do impacto social positivo de uma empresa?

Não há fórmula pronta para uma estratégia de investimento social, e a ascensão da agenda ESG trouxe novos desafios e oportunidades para empresas que desejam promover o benefício público por meio da alocação de recursos próprios.

Nesse segundo artigo da série ‘O investimento social privado e a agenda ESG: sinergias e aprendizados’, conheça três exemplos que mostram como empresas podem, na prática, potencializar sua atuação social.


Sicoob: Investimento Social que produz Inteligência Social

Estar próximo das comunidades é uma marca do cooperativismo de crédito. Essa prática vem ganhando força nos últimos anos e, em 2022, o número total de cooperados no Brasil passou a marca de 15 milhões, um crescimento de 14,5% em relação ao ano anterior, segundo dados do Banco Central (BC). As cooperativas de crédito operam em mais de metade dos municípios do país e possuem considerável carteira composta por micro e pequenas empresas e produtores rurais, promovendo, desta forma, a inclusão financeira.

Um exemplo de cooperativa de crédito é o Sicoob, que possui 7,5 milhões de cooperados em 338 cooperativas singulares. “O relacionamento próximo às comunidades é um diferencial essencial para o Cooperativismo de Crédito. Por isso, nossa diretriz central, presente no planejamento do Sicoob, é Cidadania e Sustentabilidade, abordagem que orienta as diretrizes sistêmicas da nossa responsabilidade social, ambiental e climática, guiando-nos para que o crescimento dos negócios e a prosperidade da sociedade caminhem juntos”, destaca Luiz Edson Feltrim, Superintendente do Instituto Sicoob.

“As cooperativas singulares protagonizam o diálogo com as comunidades em seus territórios de atuação e são responsáveis por levantarem insumos para a formulação das diretrizes estratégicas sistêmicas, incluindo também o Investimento Social”, continua.

Essa proximidade com as comunidades reflete não só o propósito do sistema cooperativista, mas também suas iniciativas de investimento social, estruturadas desde 2004 por meio de entidade estratégica, o Instituto Sicoob, que tem como missão a difusão da cultura cooperativista e contribuição para a promoção do desenvolvimento sustentável das comunidades. A relação entre Sistema e Instituto é horizontal: “o Instituto Sicoob participa de todo o processo do planejamento estratégico do Sicoob, pois a organização entende que o investimento social é ferramenta fundamental para cumprir o papel do Cooperativismo Financeiro na Cidadania Financeira, sobretudo para contribuir com a promoção da inclusão e da educação financeira” continua Feltrim.

Na prática, há contribuições claras do Instituto Sicoob à agenda ESG da organização, respondendo diretamente a três temas materiais (cooperativismo, comunidades e cidadania financeira), e contribuindo efetivamente para a estratégia do negócio. “Os critérios ESG legitimam o investimento social como parte estratégica dos negócios. Nesse sentido, temos enxergado a oportunidade de nos posicionar internamente como a área que promove inteligência social para o negócio e contribui diretamente para o posicionamento da organização no mercado como protagonista na Agenda ESG”, conclui Feltrim.

 

Ambev: foco em executar metas ambiciosas

Inteligência social e contribuição para a estratégia de negócio também são o norte da atuação de impacto positivo da Ambev, empresa brasileira do setor de bebidas com atuação em 16 países e mais de 30 mil colaboradores. “Temos dentro de casa uma agenda ESG robusta com metas ambiciosas para os próximos anos. Nossos pilares de atuação estão intimamente ligados à sustentabilidade do negócio. Uma das principais mudanças que atravessamos, além da evolução cultural, foi trazer a escuta ativa, inovação e tecnologia para cada frente de atuação da companhia”, afirma Carlos Pignatari, Diretor de Impacto Social da Ambev.

Um exemplo dessa ambição é a meta de alcançar 1 milhão de pessoas, até 2025, em projetos que buscam levar água potável para pessoas que não têm acesso. Até o momento, mais de R$ 9 milhões foram investidos em 115 projetos sociais, por meio da água AMA – primeiro produto social da Ambev, que tem todo o lucro destinado a esses programas. Mais de 600 mil pessoas já foram impactadas, colocando a empresa em linha para atingir sua meta.

Outra ambição é a inclusão de 5 milhões de pessoas no mercado produtivo até 2032, por meio da plataforma Bora.

“Estamos investindo em iniciativas focadas em inclusão produtiva que impulsionam o acesso a uma rede de conexões, conhecimento e empoderamento financeiro para os brasileiros. O projeto, alinhado ao ODS 8, nasceu como a representação do nosso compromisso com a sociedade e está em total sinergia com o novo capítulo de transformação da Ambev. Além disso, nosso CEO é o embaixador da ODS 8 e nos estimula sempre a buscar formas de apoiar esse objetivo”, explica Pignatari.

Esses dois exemplos se relacionam diretamente à estratégia da empresa. “Estamos sempre atentos às principais necessidades da sociedade e buscamos sempre reforçar nossa escuta ativa para proporcionar soluções para os problemas que nosso ecossistema enfrenta. E esse ecossistema começa com o agricultor, passa pelos nossos colaboradores e pelas comunidades onde estamos inseridos, pelos donos e donas de bar e pelos mercados, parceiros, até chegar aos milhões de consumidores brasileiros”, conta o executivo. Uma leitura rápida dos programas pilotos oferecidos na plataforma Bora demonstra essa conexão, com o oferecimento de trilhas de conhecimento para a formação de profissionais para atuarem em bares, hotéis e restaurantes, por exemplo; ou a promoção da conexão de empreendedoras com negócios locais e rede Ambev em São Luís – MA e Recife – PE, por meio de parceria com a Rede Mulher Empreendedora (RME).

 

RD: fortalecendo o diálogo em prol do impacto

O grupo RD tem um portfólio integrado de ativos focados na saúde e no bem-estar: RD Farmácias (Droga Raia e Drogasil), RD Serviços (4Bio Medicamentos Especiais, Univers, plataforma de gestão de saúde, Stix Programa de Pontos e Fidelidade e RD Marcas (Needs, Natz, Caretech, Bwell e Nutrigood).

O objetivo da atuação social do grupo RD é contribuir para a saúde integral de pessoas em situação de vulnerabilidade, para que vivam mais e melhor. Desta forma, a empresa atua em quatro pilares: saúde física e mental, saúde social, saúde ambiental e saúde integral das comunidades, organizadas pela Teoria da Mudança, que define a estratégia de investimento social do grupo.

A partir dessa estrutura organizacional, torna-se viável a alocação de recursos, que, somente em 2022, atingiu a quantia de R$ 29,5 milhões, em projetos alinhados com os objetivos estratégicos do grupo. Esses objetivos incluem, entre outros aspectos, a conformidade com políticas públicas e o foco no apoio a aceleradoras de negócios de impacto.

“Nós procuramos manter um relacionamento próximo e de longo prazo com as organizações sociais que apoiamos. Além das visitas frequentes e do envolvimento do nosso voluntariado, as organizações são chamadas para apoiar nos processos importantes como a construção de um painel de indicadores e alteração no processo de apoio via leis de incentivo”, afirma Maria Izabel Toro, Gerente Executiva de Investimento Social.

Estratégia, ações consistentes e transparência fazem o investimento social do grupo se destaca. Mas no centro desses fatores está o diálogo com a comunidade.

 

A série ‘O investimento social privado e a agenda ESG: sinergias e aprendizados’ é uma iniciativa de Marcelo Modesto, gerente de projetos e líder do núcleo ESG do IDIS, e Gabriel Bianco, coordenador de projetos do IDIS. Em três artigos, abordam metodologias e práticas do investimento social privado que podem ajudar empresas e organizações a melhor navegarem no universo do capitalismo de stakeholders. Exemplos práticos de investidores sociais e organizações que estão inovando na busca por uma melhor gestão da sustentabilidade e seu impacto socioambiental positivo ilustram o conteúdo. 


Acesse também os outros artigos da série:

 

Com o crescimento da importância da Agenda ESG, o IDIS tem investido no fortalecimento da equipe com especialistas e na produção de conhecimento sobre o tema, incluindo o desenvolvimento de metodologias que apoiam investidores sociais em tomadas de decisões.

Em 2023, foi oficializada a criação de uma unidade ESG no time de consultoria, oferecendo apoio técnico a empresas e organizações sociais que desejam aprimorar suas estratégias ESG e conectá-las a suas práticas de investimento social. Entre os serviços oferecidos, estão estratégia ESG conectada ao Investimento Social Privado; mapa de riscos e oportunidades; (re)estruturação de projetos socioambientais; estabelecimento de Comitês Temáticos; e alinhamento de indicadores e métricas para um reporte consistente.

Entre em contato conosco para contar sua história ou dar os próximos passos de sua organização nesta jornada através do e-mail comunicacao@idis.org.br

Como construir parcerias mais estratégicas e inclusivas entre organizações sociais e empresas?

O potencial de parcerias entre organizações da sociedade civil e empresas é enorme. O olhar para a sustentabilidade empresarial, em todas as suas dimensões, pode ajudar empresas a buscarem uma relação mais transparente e efetiva com a sociedade civil organizada, além de contribuírem entre si por meio do desenvolvimento de ferramentas de gestão e estratégias. Atentas a este movimento, as organizações da sociedade civil aprimoraram sua capacidade de articulação em rede, assim como a apresentação clara do impacto de suas ações.

Nesse terceiro artigo da série ‘O investimento social privado e a agenda ESG: sinergias e aprendizados’, conheça iniciativas bem-sucedidas na construção de parcerias estratégicas e inclusivas entre organizações sociais e empresa

 

Parceiros da Educação: movimentos em prol da construção coletiva

Com 19 anos de atividade, a Parceiros da Educação possui números expressivos em sua atuação em prol da educação, tendo impactado mais de 700 escolas públicas, 900 mil estudantes e 75 mil professores. A organização atua por meio de quatro pilares prioritários: pedagógico, com vista à evolução da qualidade da educação; gestão, direcionado às equipes gestoras nas escolas; comunitário, com ênfase na corresponsabilidade das famílias em relação à educação; e infraestrutura, por meio de investimentos diretos nos espaços pedagógicos.

Mesmo com essa atuação já estabelecida, a organização continua buscando maneiras de potencializar seu impacto. Segundo o diretor geral Rafael Machiaverni, “nos últimos anos, nosso orçamento praticamente triplicou devido ao envolvimento e apoio de empresas em nossos projetos e na causa”. Ele destaca alguns fatores-chave para esse crescimento: em primeiro lugar, a capacidade de demonstrar resultados claros e objetivos do investimento social realizado pela empresa e a diferença que o trabalho promove na sociedade.

Em segundo lugar, destaca-se o envolvimento do parceiro na ação como parte presente e não apenas como investidor de recursos, vivenciando os projetos e entrando em contato com beneficiados. “Percebe-se o amadurecimento das empresas com relação ao investimento social de médio e longo prazo e planos estratégicos, alinhados às suas estratégias ESG”, destaca também Rafael.

O crescimento do investimento social privado em educação é uma tendência que pode ser observada na pesquisa BISC – Benchmarking do Investimento Social Corporativo. Em 2021, entre as empresas que compõe a Rede BISC, o investimento em educação ocupou a segunda posição, ficando atrás apenas de patrocínios de eventos culturais, recuperando o espaço de destaque que ocupava antes da pandemia e que durante o período mais agudo da crise foi temporariamente ocupado por investimentos em saúde.

Algumas das lições da Parceiros da Educação podem ser valiosas, inclusive, para organizações que atuam com diferentes causas e focos.

“Nos últimos anos, temos percebido que as empresas têm se organizado com relação às áreas de atuação de seu investimento social, com um aumento no foco específico. Além disso, nota-se uma maior atenção e acompanhamento dos resultados de projetos apoiados. Por outro lado, há uma iniciativa de proporcionar momentos de formação em gestão para as organizações apoiadas como forma de melhoria da qualidade dos serviços, além de aumento do prazo de parceira com os projetos sociais, visando impacto social estrutural e não somente ações pontuais”, afirma Rafael.

Com o apoio mais estratégico do setor privado e o aumento da capacidade de execução do terceiro setor, é possível pensar em soluções cada vez mais coletivas para desafios comuns. A sociedade civil organizada possui como uma de suas maiores potencialidades a propensão à atuação em rede ressaltado também pelo Parceiros da Educação com a ‘Frente pela Educação Paulista’. Essa iniciativa foi articulada com a participação de mais de 30 organizações, colaborando na construção de um documento que norteia a implantação de ações que fortalecerão políticas públicas da educação, visando resultados efetivos de melhora da qualidade do ensino público.

“Avaliamos essa construção coletiva como muito positiva. Saberes diversos, cada qual com sua especialidade, contribuindo para a construção de um plano de ação e investimento de médio e longo prazo com foco na causa, com tempo de investimento que seja suficiente para alcançar resultados de impacto, e não apenas ações pulverizadas e pontuais”, conclui Rafael Machiaverni.

Práticas de monitoramento e avaliação possuirão cada vez mais um papel fundamental no relacionamento entre OSCs e seus parceiros. Essa relação também pode ser fortalecida com um maior envolvimento das empresas na implementação e planejamento das atividades. Por fim, as parcerias caminham para uma visão de longo prazo e numa atuação em rede, com mais contribuições e visões sendo construídas em conjunto por atores especializados.

 

Suzano: relacionamento estratégico com os territórios

Com o propósito de contribuir para impulsionar o desenvolvimento social das áreas vizinhas às suas operações, a Suzano, em parceria com outros atores, prioriza o fortalecimento das relações com as comunidades e do investimento em educação, oportunidades de trabalho e geração de renda. Em 2022, a atuação social da empresa atingiu mais de 47 mil pessoas, envolvendo seis frentes adaptadas às características regionais: extrativismo sustentável, reciclagem inclusiva, empreendedorismo, redes de abastecimento, acesso a emprego e cadeia de valor Suzano.

“A estratégia de ‘territórios resilientes’ une a necessidade de aprimorar o relacionamento com as comunidades do entorno das nossas operações com a possibilidade de contribuir para que as famílias deixem a condição de pobreza monetária, a partir de projetos de geração de renda. A seleção de projetos e identificação de organizações sociais parceiras se dá pelo processo de editais abertos, mapeamento de oportunidades no território e parcerias com instituições alinhadas à mesma agenda social”, explica Giordano.

As diretrizes para essa atuação foram consolidadas em uma Teoria de Mudança (TdM), formulada em 2022, que definiu um compromisso de retirada de 200 mil pessoas da linha da pobreza até 2030. O método torna visível o caminho necessário para se alcançar uma transformação social real a curto prazo (1-2 anos), médio prazo (5 anos) e longo prazo (10 anos). O primeiro passo na aplicação da TdM é admitir a existência de um problema social. Em seguida, são estabelecidos um propósito e uma visão de impacto. O investimento social da empresa, então, foi direcionado para atingir esse público em situação de vulnerabilidade socioeconômica, e a iniciativa possui um papel relevante na estratégia de sustentabilidade da empresa como um todo.

“Entre os oito temas materiais da Suzano, temos o Desenvolvimento Territorial, onde conflitos com comunidades, incluindo populações indígenas e tradicionais, podem afetar a capacidade de uma empresa de operar em algumas regiões, resultar em ações regulatórias e pode causar impactos de marca. Por outro lado, as empresas podem proporcionar benefícios às partes interessadas da comunidade por meio de oportunidades de emprego, compartilhamento de receita e aumento do comércio. As organizações podem adotar várias estratégias de engajamento comunitário para gerenciar os riscos e oportunidades associadas aos direitos da comunidade e seus interesses, tais como manter relações positivas com as partes interessadas locais e acomodar as necessidades das comunidades”, afirma Giordano. “Esse tema material é o plano de fundo para nossa estratégia social que tem como pilares o relacionamento com as comunidades e os compromissos de contribuir para reduzir a pobreza e melhorar a educação nos territórios de atuação da companhia”, conclui.

O relacionamento com organizações da sociedade civil, dentro desta lógica, passa a ser ainda mais estratégico. A partir de um Manual Corporativo de Gestão do Relacionamento com Comunidades, que orienta toda a companhia quanto às diretrizes para assegurar a legitimidade social do negócio, por meio da interação com as comunidades vizinhas, a empresa estabelece algumas ferramentas e fluxos específicos, como:

1. Rotina e instrumentos de identificação e caracterização das comunidades;

2.Mecanismos para incorporação das informações e demandas oriundas da comunidade no processo decisório das operações da empresa (por exemplo, Diálogo Operacional – DO, que são encontros agendados com as comunidades antes das operações da Suzano, visando antecipar informações sobre as operações, receber sugestões e orientações, identificar possíveis impactos e, consequentemente definir ações mitigatórias; e Matrizes de Aspectos e Impactos Sociais das operações da Suzano, que incluem possíveis impactos negativos das operações, assim como todas as ações preventivas e mitigatórias relacionadas a eles) e;

3.Consulta e Engajamento Comunitário, focada no desenvolvimento de estratégias de fortalecimento das instituições sociais locais, contribuindo diretamente com o desenvolvimento territorial.

“Nas comunidades que são caracterizadas como de alta prioridade, considerando critérios de vulnerabilidade socioeconômica, impacto gerado pelas atividades da empresa e importância da localidade para o negócio, são estruturadas iniciativas customizadas. A definição da iniciativa mais indicada para cada comunidade é feita de maneira conjunta com os moradores e/ou associações locais. Importante destacar que, além do processo de implantação de iniciativas, podemos também fortalecer iniciativas já existentes nas localidades”, explica Giordano.

O perfil das organizações apoiadas nesse cenário também passa por mudanças. “Ao mesmo tempo em que o volume de repasse de recursos foi ampliado, o foco passa a ser mais direcionado a organizações que trabalham especificamente com projetos de geração de renda, visando o alcance dos compromissos sociais de longo prazo estabelecidos pela empresa. Além disso, o perfil das organizações que recebem esses recursos também está mudando, diminuindo a concentração de recursos em organizações rurais e de base comunitária, para um equilíbrio do investimento entre essas organizações de base, e em organizações mais maduras, que inclusive apoiam diretamente no fortalecimento institucional das demais”, finaliza Giordano.

A inclusão do investimento social de uma empresa tanto na formulação, quanto como resposta aos temas considerados estratégicos pode produzir insights valiosos para a gestão da sustentabilidade empresarial. Quando essa resposta estratégica se desdobra em metas públicas, que, por sua vez, se desdobram em uma estratégia de implementação que considera o contexto local e o envolvimento de atores relevantes nos territórios, o investimento social privado não só se torna mais estratégico, como passa a gerar ainda mais valor socioambiental para diversos stakeholders.

A série ‘O investimento social privado e a agenda ESG: sinergias e aprendizados’ é uma iniciativa de Marcelo Modesto, gerente de projetos e líder do núcleo ESG do IDIS, e Gabriel Bianco, coordenador de projetos do IDIS. Em três artigos, abordam metodologias e práticas do investimento social privado que podem ajudar empresas e organizações a melhor navegarem no universo do capitalismo de stakeholders. Exemplos práticos de investidores sociais e organizações que estão inovando na busca por uma melhor gestão da sustentabilidade e seu impacto socioambiental positivo ilustram o conteúdo. 

 

Acesse também os outros artigos da série:

 

Com o crescimento da importância da Agenda ESG, o IDIS tem investido no fortalecimento da equipe com especialistas e na produção de conhecimento sobre o tema, incluindo o desenvolvimento de metodologias que apoiam investidores sociais em tomadas de decisões.

Em 2023, foi oficializada a criação de uma unidade ESG no time de consultoria, oferecendo apoio técnico a empresas e organizações sociais que desejam aprimorar suas estratégias ESG e conectá-las a suas práticas de investimento social. Entre os serviços oferecidos, estão estratégia ESG conectada ao Investimento Social Privado; mapa de riscos e oportunidades; (re)estruturação de projetos socioambientais; estabelecimento de Comitês Temáticos; e alinhamento de indicadores e métricas para um reporte consistente.

Entre em contato conosco para contar sua história ou dar os próximos passos de sua organização nesta jornada através do e-mail comunicacao@idis.org.br

Por que é importante que o terceiro setor se comunique com a Geração Z?

Por Luisa Lima e Lavínia Xavier

A cultura de doação é caracterizada pelo hábito das pessoas em contribuir com recursos, tempo ou talentos para causas e organizações que beneficiam a coletividade. Sua construção é um processo gradual, moldado ao longo do tempo pelas mudanças, novas demandas socioambientais e, sobretudo, pela participação ativa da sociedade e sua confiança de que essas doações farão, de fato, a diferença.

A juventude desempenha um papel essencial na edificação dessa cultura, trazendo consigo energia, criatividade e perspectivas inovadoras sobre formas de engajamento cívico e filantrópico. O estudo ‘Future of Giving’, conduzido pela sparks&honey, aponta que os jovens buscam mais significado em suas doações e desejam apoiar organizações que gerem impacto sustentável a longo prazo, indicando que o propósito e o sentimento de contribuir positivamente têm mais valor para o grupo do que para qualquer outra geração.

O acesso à informação instantânea pela internet e redes sociais aproxima os jovens aos eventos e desafios globais. Além disso, a educação e sensibilização sobre essas questões estão cada vez mais presentes no cotidiano. À medida que as novas gerações naturalmente desenvolvem uma consciência mais aguçada das questões socioambientais que afetam o mundo, tendem também a desempenharem um papel mais ativo na construção e manutenção de uma cultura de doação de longo prazo.

A Pesquisa Doação Brasil 2022, promovida pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e realizada pela Ipsos, revelou que 84% dos jovens pertencentes à faixa etária de 18 a 27 anos, conhecida como ‘Geração Z’, efetuaram algum tipo de doação em 2022. Esse dado demonstra um aumento significativo em relação ao levantamento de 2020, no qual 63% dos respondentes dessa mesma faixa declaravam ter realizado doações. As formas mais comuns de doação incluem a contribuição de bens materiais (76%), seguida por doações em dinheiro (43%) e doações de tempo/trabalho voluntário (30%). A Geração Z tende a doar proporcionalmente mais por meio do trabalho voluntário do que o restante da população e menos em dinheiro. Essa discrepância pode ser atribuída à menor renda média desse público se comparado a gerações mais maduras.

A pesquisa também revela que os jovens que fazem doações têm uma tendência significativa a promover ou contribuir de alguma forma para campanhas de arrecadação ou mobilização. Este dado foi confirmado por 7 em cada 10 jovens doadores em 2022, sendo que 20% deles afirmam ter feito isso em mais de uma ocasião. O grupo também demonstra um otimismo maior em relação às Organizações Não Governamentais (ONGs), quando comparados à população em geral. Entre os jovens, 73% concordam que as ONGs desempenham um papel fundamental no combate aos problemas socioambientais, e 83% concordam com a afirmação de que ‘as ONGs dependem da colaboração de pessoas e empresas para obter recursos e funcionar’.

Além disso, mais do que o presente, na Pesquisa Doação Brasil 2022, 52% dos doadores da Geração Z não apenas afirmaram planejar continuar suas doações, como também acreditam que doarão mais em comparação com o ano anterior. Essa abertura indica uma oportunidade para as organizações filantrópicas de se envolverem com a Geração Z.

Algumas iniciativas já compreenderam o potencial da juventude no engajamento com causas socioambientais. Nos Estados Unidos, a DoSomething, autodenominada como um centro de ativismo que inspira os jovens a mudar o mundo, conseguiu motivar milhões deles em todos os estados norte-americanos e em mais 189 países a agirem em prol das questões que afetam suas comunidades. De acordo com a própria organização, esses esforços resultaram em conquistas como o registro de 415 mil novos eleitores nas eleições americanas.

Outro exemplo é a parceria entre o TikTok e a iniciativa britânica Blue Cross, dedicada ao bem-estar animal. A organização recebia uma doação de 1 dólar para cada vídeo compartilhado com a hashtag #PetBFF. A campanha atingiu mais de 500 bilhões de visualizações apenas durante seu ano de lançamento, em 2019. No Brasil, é interessante notar que as mídias sociais desempenham um papel relevante nas decisões de doação, com 25% dos jovens admitindo sua influência nesse processo, em comparação com 17% da população geral. Entre as plataformas mais influentes para o público estão o Instagram (89%), Facebook (37%) e TikTok (13%).

Por aqui, a organização TETO, dedicada à melhoria das condições de moradia, se destaca por seu sólido programa de voluntariado que atrai muitos jovens e universitários, inclusive com um pilar específico voltado para grupos escolares. O ambiente escolar e universitário desempenha um papel significativo na motivação dos jovens a fazerem doações e se envolverem em causas sociais, conforme também demonstra a Pesquisa Doação Brasil. 18% dos respondentes da Geração Z afirmam serem influenciados por campanhas realizadas em seus locais de trabalho, escolas ou faculdades, em comparação com 14% da população em geral.

Esses exemplos evidenciam como a conexão com a juventude e a como a identificação de tendências de comportamento podem gerar resultados, criar oportunidades para o envolvimento ativo do grupo, fortalecendo o terceiro setor e criar uma cultura de doação mais robusta.

É verdade que, apesar de alguns exemplos promissores, ainda são relativamente escassas as organizações e iniciativas do terceiro setor que têm se empenhado ativamente na captação e comunicação direta com o público mais jovem, especialmente no Brasil. Isso pode ser atribuído a diversos fatores, incluindo desafios específicos na identificação das melhores estratégias de comunicação para a Geração Z, bem como a limitação de recursos humanos nas organizações, que frequentemente operam com equipes enxutas.

No entanto, é fundamental que se reconheça a relevância da oportunidade que o terceiro setor possui para envolver mais pessoas e angariar mais recursos ao direcionar seus esforços de comunicação para a Geração Z. É necessário observar de perto o comportamento, as motivações e as tendências desse grupo.

É importante que o terceiro setor brasileiro esteja atento e aberto a se adaptar e se conectar efetivamente com a Geração Z, aproveitando todo o seu potencial. O compromisso dessa geração com causas sociais, aliado à sua proficiência tecnológica, abre novas portas para a inovação e para gerar um impacto significativo. Os jovens de hoje representam o futuro do terceiro setor, e não deveriam precisar esperar para que seu potencial seja reconhecido e demandado.

Doar nos faz mais humanos

Por Paula Fabiani e Luisa Lima, respectivamente CEO e gerente de comunicação e conhecimento no IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Brasil cai no ranking global de generosidade e é preciso ir além do óbvio para entender motivos

Pessoas passando fome, educação de má qualidade, temporais levando casas e vidas, animais abandonados. De quem é a responsabilidade por resolver estas questões? Alguns podem dizer que exclusivamente dos governos. Outros, implicam também empresas e ONGs. Mas as mudanças apenas acontecerão na velocidade que precisamos, quando cada indivíduo também se perceber como parte da solução.

Eu e você, cada um de nós, temos a possibilidade de contribuir de diversas formas. De acordo com o recém-lançado World Giving Index, o ranking global de generosidade promovido pela Charities Aid Foundation e lançado no Brasil pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, em todo o mundo, 4,2 bilhões de pessoas ajudaram alguém que não conheciam, fizeram trabalho voluntário ou doaram dinheiro para uma organização social no ano passado.

Entre 142 nações, Indonésia, Ucrânia e Quênia lideram o ranking. O Brasil aparece na 89ª posição, depois de ocupar a 18ª apenas um ano antes. Enquanto esses comportamentos se mantiveram estáveis na maioria dos países, o Brasil foi na contramão e apresentou reduções. O percentual de brasileiros que reportaram ter realizado uma doação caiu de 41% em 2021 para 26% em 2022, doação de tempo (voluntariado) foi de 25% para 21%, e ajuda a um desconhecido, a forma mais básica de solidariedade, recuou de 76% para 64% entre os respondentes.

A diversidade de perfis entre os países bem posicionados não nos permite dizer que o engajamento é maior em função do grau de desenvolvimento econômico, religião ou continente a que pertence. Dentre os dez mais bem colocados há países de várias partes do mundo e com diferentes religiões praticadas. Apenas três dos dez países mais solidários estão entre as maiores economias do mundo, e a Libéria, um dos países mais pobres do mundo aparece em quarto lugar no ranking. É preciso ir além do óbvio para entender o que contribui para o fortalecimento da cultura de doação.

Um ponto já foi mencionado – os cidadãos devem se perceber como parte da mudança. De acordo com a Pesquisa Doação Brasil 2022, estudo do IDIS acerca do comportamento do doador individual, 93% dos respondentes reconheceram que pessoas comuns são também responsáveis por resolver os problemas sociais e ambientais no Brasil. Sete anos antes, apenas 61% concordaram com a afirmação. Apesar da doação informal também ser importante, ela é potencializada quando é feita a organizações sociais, as ONGs, pois elas têm em sua atuação a atenção a causas e territórios e podem agir de forma sistemática. A confiança no trabalho dessas organizações, dessa forma, é um outro fator determinante.

No Brasil, o protagonismo das ONGs no período da pandemia e a visibilidade que ganharam na mídia, contribuíram para um crescimento acentuado em sua confiança. Passado o efeito da pandemia, segundo a Pesquisa, os níveis caíram, mas ainda assim, ficaram em 2022 em um patamar superior a 2015. Somado a isso, é necessário que exista uma infraestrutura que conecte doadores a organizações, como plataformas, redes, coalizões, meios de pagamento, consultorias, capacitações e legislações que facilitem e incentivem o ato da doação. No caso da Ucrânia, que vinha ganhando posições no World Giving Index desde 2019 e ocupa agora a segunda posição, foi determinante haver um ecossistema constituído para receber as doações e atuar com agilidade quando a guerra, infelizmente, teve início.

Outros aspectos que também têm influência são o nível de satisfação das pessoas com a vida de forma geral – quanto mais felizes, mais doadores, com destaque aos habitantes dos países nórdicos – e o nível de segurança em relação ao futuro – em épocas de eleições conturbadas ou crises econômicas, as pessoas tendem a ficarem mais cautelosas e doarem menos, e isso pode explicar, em partes, a queda do Brasil no ranking.

Doar é se conectar com os seres vivos que nos cercam, estejam eles do outro lado da rua ou do outro lado do país. Doar é praticar a nossa humanidade: doar nos faz mais humanos. Governos, empresas, ONGs e cada um de nós deve se comprometer a espalhar essa prática e a agir. Que isso faça parte de nós e da cultura do nosso Brasil.

 

 

Artigo originalmente publicado pela Folha de S. Paulo na coluna “Papo de Responsa” em 14/12/2023

Como definir o foco do investimento social corporativo?

Num contexto de recursos limitados, definir o foco do investimento social corporativo é fundamental para fazer melhor uso desses recursos e ampliar o impacto positivo das ações sociais desenvolvidas.

Quando a empresa define em que área vai investir, concentra seus recursos e esforços em torno de determinada causa, evitando a pulverização de sua atuação e eventual perda de benefício que poderia advir dos recursos investidos. Por outro lado, a acolhida ou não aos pedidos de apoio, é facilitada, já que a corporação desenvolve argumentos precisos, profissionais e respeitosos, para justificar ao demandante o motivo da recusa.

Mas definir o foco do investimento social corporativo não é tarefa simples, sobretudo num país como o Brasil, onde se acumulou progressivamente uma dívida social com relação a diferentes necessidades da população. Assim, definir um foco representa a necessidade de se explorar diferentes possíveis necessidades do agente financiador. A corporação deve buscar um mínimo de alinhamento do foco com sua própria operação, determinando se atuará em toda ou qualquer comunidade, onde sua planta está situada, ou nos lugares em que tem ponto de venda. Precisa avaliar se dará atenção a
algum grupo populacional específico (como mulher, adolescente, criança, idosos) ou se optará por uma área temática – como saúde, educação, geração de empregos.

Texto originalmente publicado em ‘Foco investimento social corporativo’ em 2007. 

Publicada em maio de 2007, a nota técnica explica a importância da definição do foco do investimento social corporativo e seu processo de construção. Também descreve o que a empresa deve observar na hora de estabelecer o foco de um programa de Marketing Relacionado a Causas.

Isso exige da empresa a tomada de decisões de caráter estratégico, alinhadas com seus valores e compromissos, com seu histórico de atuação social, com as expectativas de seus líderes, e com as necessidades das comunidades. Também exige uma definição do valor agregado que a empresa quer dar a sua marca e imagem, o que pede uma busca por conhecer com que diferenciais ela se apresentará junto aos diversos públicos de interesse, e por como deseja ser vista quando comparada
aos seus concorrentes. Sendo assim, a definição do foco demanda um olhar para dentro da própria corporação e para o contexto no qual ela está inserida, de forma que, nesse processo, seja possível identificar a “vocação” da empresa para sua atuação social.

Como operacionalizar uma decisão de foco: olhar para dentro

Como explica Paola Marinoni, o primeiro passo dessa importante decisão é identificar quais as ações sociais já realizadas pela empresa. “Não se deve jogar fora o passado da empresa. A causa a ser apoiada deve vir de dentro para fora. É, portanto, fundamental organizar o histórico das ações sociais, identificando em que iniciativas o dinheiro foi depositado, e de forma bastante ampla”. Assim, é importante levantar não apenas as doações, projetos e programas sociais
da empresa, mas também seus patrocínios, para avaliar se, mesmo que de forma inconsciente, a empresa já tem uma lógica de apoio, porém ainda não explicitada.
A definição de foco para o apoio externo deve ser coerente com as práticas organizacionais da empresa para o público interno. Não teria lógica, por exemplo, defender um foco em diversidade se a empresa não a pratica com seus próprios recursos humanos. Ou, como Paola Marinoni diz, “não adianta criar um programa de apoio a minorias étnicas se, internamente, na política de contratação de pessoal, a diversidade não é assumida como um valor. Isso significaria correr o risco de dar um tiro no próprio pé”.

Nesse sentido, a especialista defende que pode ser interessante criar um projeto social interno, voltado para os funcionários, e, só depois de a empresa fazer sua “lição de casa”, abrir o foco para a comunidade. “O investimento social corporativo não pode, de forma alguma, servir como ferramenta para amenizar os problemas internos da empresa. Quanto mais o investimento for uma extensão do
comportamento gerencial e uma extensão dos negócios, dos valores e princípios da empresa, melhor”, pondera a gerente.

O ideal, portanto, é que a ação de investimento social esteja o mais inserida possível na empresa, envolvendo todos os funcionários, pois isso aumenta a chance de bons resultados. Uma estratégia interessante pode ser observar se os colaboradores da empresa desenvolvem atividades voluntárias. Uma pesquisa junto aos funcionários pode revelar se há foco nessas iniciativas, que poderia ser assumido pela empresa. Com isso, a causa apoiada pela empresa já nasceria disseminada entre os funcionários.

Sem esquecer, evidentemente, o papel das lideranças da empresa nesse processo, que devem ser reunidas para explicitar a visão que têm em relação à atuação social. Esse momento deve ser usado para construir um consenso entre opiniões muitas vezes divergentes. Portanto uma assessoria externa pode ter um papel importante de facilitador nessa tomada de decisão, fazendo quem que ela esteja alinhada com os diferentes elementos explicitados, e que fazem parte da vida da empresa.

Um último ponto a ser observado dentro da empresa é como seu know-how pode ser usado nas  ações sociais. Se a corporação é forte na área comercial, pode criar um programa de geração de renda via empreendedorismo; se tem grande capacidade de planejamento, pode apoiar o fortalecimento de organizações sociais.

Definindo foco com olhar o “para fora”

Além de observar seus elementos internos, a empresa deve olhar para fora de si. Se ela tem planta industrial, por exemplo, é interessante escutar a comunidade em que está inserida, tentando entender suas características e necessidades. Se é do ramo do varejo, pode montar uma pesquisa junto a seus consumidores, para identificar que causas os clientes gostariam que ela apoiasse ou com quais delas eles gostariam de se engajar.

A concorrência também deve ser foco de atenção por parte da empresa. Se o objetivo dela é obter um diferencial de marca, ela não deve apoiar causas já sustentadas pelos concorrentes, sobretudo quando eles têm uma imagem bastante consolidada junto a uma determinada causa. Em outros casos, no entanto, o investidor social pode avaliar que vale a pena trabalhar de forma colaborativa com a concorrência. Exemplo disso é quando empresas se unem para realizar pesquisas conjuntas visando ao melhor aproveitamento do solo ou à preservação de florestas.

Conhecer as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento socioambiental também é importante nesse processo. É fundamental verificar se as políticas são boas, mas não estão sendo implantadas, e se existem políticas locais nas regiões em que as empresas estão presentes. A partir disso, a empresa pode avaliar se seu o foco pode funcionar como catalisador ou facilitador da implementação dessas políticas, permitindo que certos grupos populacionais se beneficiem o que já existe.

Durante o mapeamento interno e externo, as lideranças vão amadurecendo e descobrindo a própria vocação da empresa. Assim, tornam-se aptas para tomar decisões conscientes e coerentes com o negócio, não apenas baseadas na intuição ou na opinião pessoal de alguma destas lideranças. Mas é importante ainda destacar que delimitar o foco da empresa não significa apenas definir a área de atuação. É necessário fazer recortes mais específicos.

Se o foco programático é educação, é preciso resolver se serão apoiadas atividades de educação infantil, ensino fundamental ou médio; de educação formal ou complementar; para crianças e  adolescentes ou para jovens e adultos. Também é preciso saber o que será apoiado na área da educação: capacitação de professores, infraestrutura, bolsas para estudantes, apoio para as famílias? E o delimitar o foco geográfico, avaliando se a empresa vai investir na comunidade em que está inserida, na cidade, na região ou no país.

O foco de um programa de MRC

Quando se pretende definir o foco de um programa de Marketing Relacionado a Causas (MRC), o recorte deve ser ainda mais preciso, conforme explica Márcia Woods. O MRC é uma parceria comercial entre uma empresa e uma causa/organização da sociedade civil, que utiliza o poder de suas marcas para vender um produto, ideia ou serviço que trará benefício mútuo. Sendo assim, é uma forma de investimento social corporativo, que está intimamente relacionado à estratégia do negócio, pois envolve um produto, sua
comunicação e marketing, seus clientes, sua reputação e marca.

Por ser uma forma muito eficiente de comunicar os valores de responsabilidade social de uma empresa, apoiando a construção da sua reputação, a causa para um programa de MRC deve ser distinta da concorrência, tornando-se também um sendo diferencial de mercado. Como um de seus objetivos é sensibilizar e mobilizar os consumidores para a causa apoiada pela empresa, a consulta aos clientes ganha maior relevância, já que é preciso encontrar a causa certa – não só para a corporação de forma geral, mas também para o produto que participará do programa.

Depois de fazer o levantamento junto às diversas fontes de informação (consumidores, lideranças, histórico da empresa, ações dos funcionários, concorrência etc), é interessante estabelecer critérios para avaliar qual a causa que mais se encaixa com o negócio da empresa. O MRC pressupõe um compromisso público assumido pela empresa, portanto é necessário avaliar se a causa terá resultados facilmente mensuráveis, se ela é pouco abraçada por outras empresas, se tem apelo de mídia, se tem coerência com a política de sustentabilidade da empresa, e se tem perenidade.
A partir desses critérios, é mais fácil eliminar as causas não condizentes com a estratégia da empresa. Sem esquecer que todo esse processo deve estar baseado em dados estatísticos sobre a relevância da causa no âmbito nacional e a real possibilidade de a empresa provocar a transformação social.

Texto originalmente publicado em ‘Foco investimento social corporativo’ em 2007. 

 

 

Nota técnica: A diferença de ‘impacto’ no desenho e na avaliação dos projetos sociais

Nunca se falou tanto sobre impacto de projetos socioambientais. Organizações da Sociedade Civil usam o termo ao comunicarem suas intervenções. Investidores Sociais usam o impacto como critério para suas linhas de financiamento. No entanto, nem sempre as pessoas têm mesma compreensão sobre o termo.

Nesta Nota Técnica, elaborada por Thais Bassinello, Gerente de Projetos do IDIS, apresentamos os diferentes significados atribuídos à palavra “impacto” no desenho de projetos e na teoria/prática avaliativa.

Baixe a nota clicando aqui ou leia abaixo:

Compromisso para o futuro

por Paula Fabiani, CEO do IDIS, e Rodrigo Pipponzi, confundador e co-CEO do Grupo MOL

Imagine uma instituição com sólido trabalho no combate à desigualdade social que, mesmo após vários anos de funcionamento e desenvolvendo projetos relevantes para a comunidade, se vê constantemente em sufoco financeiro e sempre à beira de fechar as portas. Até que, em meio à pandemia da Covid-19, ela viu as doações, ainda que emergenciais, alavancarem iniciativas importantes e, enfim, teve um respiro para seguir lutando por causas que beneficiam diversas pessoas, direta ou indiretamente.

Eis que, no entanto, esse patamar volta a cair, flertando com os índices pré-pandemia. Se pensarmos no enfrentamento à pobreza: é possível realmente transformar realidades com tantas oscilações em investimentos?

Essa não foi – nem é – uma realidade distante para muitas das mais de 800 mil organizações da sociedade civil presentes hoje no Brasil. Divulgado recentemente, o Benchmarking do Investimento Social Corporativo (BISC), estudo conduzido pela Comunitas, traz justamente o retrato do pico de investimento social corporativo (ISC) em 2020, seguido por consecutivas quedas nos anos seguintes.

Se no ano inicial da pandemia a mediana do percentual de ISC em relação ao lucro líquido das empresas pesquisadas ultrapassava os 2%, em 2022 esse índice é menor que 1%.

Fonte: BISC 2023

Mas então como manter o patamar observado em tempos emergenciais? De que forma esse ponto fora da curva pode se transformar em curva e fomentar ainda mais um setor que, segundo recente estudo da Fipe encomendado pelo Movimento por uma Cultura de Doação, representa 4,27% do PIB do Brasil?

Para construir a resposta a essa pergunta é preciso de fato um olhar não só para a atuação dos governos, mas sim das empresas. A Pesquisa Doação Brasil 2022, coordenada pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, mostra que as companhias são vistas como uma das principais responsáveis pela solução de problemas socioambientais.

Cabe aqui lembrar que hoje as mesmas empresas que carregam esse “peso” também estão cada vez mais comprometidas com a temática e a agenda ESG (do inglês, Ambiental, Social e Governança), mas o S da sigla é ainda um desafio.

A The ESG Global Survey, pesquisa divulgada pelo BNP Paribas em 2021, mostra que, para 51% dos entrevistados, o pilar social é o componente mais desafiador, já que os dados são mais difíceis de se obter e há uma grande falta de normalização em torno das métricas sociais. Então o que fazer para tornar as iniciativas relacionadas ao pilar S mais palpáveis?

É comum que, ao analisar e divulgar as iniciativas relacionadas à esfera social, as empresas olhem mais para dentro de casa e implementem ações que equacionem questões como diversidade e equidade de gênero ou raça.

Não obstante sejam ações relevantes e urgentes, é necessário também olhar para fora das organizações e entender o S como um bom balizador de responsabilidade e investimento social corporativo, inclusive com a possibilidade de fornecer dados consistentes de impacto social.

E nesse contexto o terceiro setor desempenha papel fundamental, já que temos no Brasil instituições sérias que trabalham há muito tempo e de forma impactante com o componente social. Assim, financiar a atuação e o fortalecimento dessas iniciativas é o que vai garantir a transformação social no médio e longo prazo –e de forma mais eficaz que ações internas isoladas.

Todo esse pano de fundo leva Grupo MOL e IDIS à apresentação de um novo projeto: o Compromisso 1%, uma iniciativa que incentiva empresas a se comprometerem com a doação anual de pelo menos 1% de seu lucro líquido para organizações da sociedade civil. Empresas de qualquer porte e com balanço auditado poderão participar e a ideia é criar um movimento de inspiração para líderes corporativos que possa mudar o patamar de doações empresariais no Brasil.

As organizações que assinarem esse compromisso público de força e engajamento social estarão juntas em um esforço para garantir um patamar de doações acima do 1%, não só atrelado a emergências. Essa será uma jornada viável e uma construção ativa para que o investimento social seja sistemático, sustentável e estratégico ao longo do tempo.

E aqui os benefícios são claros, não só reputacionais ou ao trazer melhorias para a comunidade, mas também em termos de engajamento de funcionários e alinhamento com os propósitos de cada empresa.

O Compromisso 1% é um projeto ambicioso e de impacto, capaz de impulsionar e acelerar a forma com que empresas se comprometem com o presente e futuro da sociedade, investindo para fortalecer projetos relevantes que precisam de recursos para seguirem sua caminhada.

Nossa meta é que os próximos levantamentos do setor mostrem justamente uma nova realidade, a se firmar ao longo dos anos, de que o percentual de investimento social corporativo em relação ao lucro líquido esteja já em patamar próximo de 2%. E isso não só em momentos de emergência, mas sim como a expressão de uma escolha consciente e estratégica de país e sociedade.


Texto originalmente publicado no BISC (Benchmarking do Investimento Social Corporativo) 2023 e Folha de São Paulo em 16/11/2023.

Avaliação de impacto para inclusão produtiva: Metodologias, desafios e limitações

Artigo publicado originalmente na Revista Brasileira de Avaliação – Edição Especial Inclusão Produtiva

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS, e Denise Carvalho, Gerente de Monitoramento e Avaliação do IDIS

A inclusão produtiva é um componente essencial das sociedades contemporâneas. O trabalho tem um papel fundamental na vida de grande parte dos indivíduos, e a geração de renda está diretamente ligada à qualidade de vida de uma família. Entretanto, muitos jovens e adultos em idade ativa enfrentam dificuldades de inserção no mercado de trabalho, que ocorre tanto pela via do trabalho assalariado quanto pela geração de negócios autônomos individuais e coletivos. Para superar essas barreiras e promover a inclusão produtiva, empresas, governos e sociedade civil têm trabalhado juntos, criando políticas públicas, programas de capacitação e iniciativas de diversidade e inclusão. Este tema tem se destacado cada vez mais como objeto de estudos na área de avaliação, uma vez que as políticas e programas voltados para a promoção da inclusão no mercado de trabalho podem ser aprimorados a partir de seu monitoramento e avaliação de resultados e impactos.

A avaliação de impacto é uma prática já disseminada e adotada amplamente como ferramenta de tomada de decisão em países como Estados Unidos, Canadá, Alemanha e Inglaterra. No Brasil, ainda apresenta uma aplicação menos destacada, especialmente em decorrência da complexidade e do tempo e custos envolvidos. Entretanto, vemos avanços nos últimos anos, sendo cada vez mais valorizada e aplicada, em especial no contexto do Terceiro Setor¹. Essa prática permite que sejam mensurados os efeitos gerados por projetos e ações dessas organizações, além de ser um importante instrumento para tomada de decisões e aprimoramento de estratégias. Mensurar o impacto é, portanto, o caminho para se desenhar intervenções cada vez mais eficazes e ajudar a edificar sociedades mais justas e sustentáveis.

A Avaliação de Impacto difere de outras formas de avaliação de projetos devido a sua busca por elementos que possibilitem estabelecer uma relação de causa e efeito entre a intervenção e seus impactos. Essa relação de causa (intervenção) e efeito (impacto) é chamada de ‘inferência causal’, ou ‘laços de causalidade’².

Na busca por elementos que possibilitem estabelecer uma relação de causa e efeito –
“inferência causal” – entre a intervenção e seus impactos, existem diversos métodos avaliativos que podem ser aplicados. Alguns desses métodos incluem análise de custo-benefício, análise de custo-efetividade, análise de retorno sobre investimento, análise de impacto social, entre outros. A escolha do método deve ser coerente com a amplitude, duração e objetivos estratégicos do investimento socioambiental, conforme detalhado na Nota Técnica Metodologias de Avaliação Custo-Benefício³. Neste artigo, iremos explorar, entre os métodos avaliativos, o Retorno Social do Investimento (SROI, na sigla em inglês), método de análise custo benefício que vem sendo adotado pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social⁴, para avaliar o impacto social gerado por ações socioambientais. Abordaremos, ainda, os principais benefícios, desafios e limitações para avaliar o impacto social de projetos e programas de inclusão produtiva, bem como as principais tendências e abordagens para o futuro.

O SROI é um protocolo emergente que tem ganhado destaque nos últimos anos como uma ferramenta eficaz para avaliar o retorno social do investimento. Foi criado em meados dos anos 1990 por uma organização britânica chamada The Roberts Enterprise Development Fund (REDF), fundada por George R. Roberts⁶. O objetivo da REDF era apoiar iniciativas de negócios sociais que oferecessem oportunidades de trabalho e gerassem impacto social positivo em comunidades vulneráveis. Nesse sentido, foi desenvolvido como uma forma de avaliar o impacto social gerado pelas organizações sem fins lucrativos apoiadas pelo fundo, considerando tanto os resultados tangíveis como intangíveis.

O protocolo se tornou cada vez mais popular nos anos seguintes, especialmente pelo papel fundamental desempenhado pela Social Value UK⁷ na sua evolução e difusão, sendo adotado por outras organizações ao redor do mundo como uma forma de medir e comunicar o valor social gerado pelas suas atividades.

Hoje em dia, o SROI é amplamente utilizado como uma ferramenta de avaliação de impacto social e financeiro de iniciativas de negócios sociais e de organizações sem fins lucrativos. Ela tem como premissa que projetos e programas devem ser avaliados não apenas pelo retorno financeiro, mas também pelo valor social e ambiental que geram para a comunidade, ou seja, o impacto gerado nas vidas das pessoas, nos bens e serviços públicos, no meio ambiente, entre outros. O SROI utiliza métodos qualitativos e quantitativos em sua jornada avaliativa e valoriza a escuta do público beneficiário em seu processo. No contexto brasileiro, a aplicação do SROI tem crescido em diversas áreas, incluindo os projetos voltados para a inclusão produtiva, tema importante para promoção de desenvolvimento econômico e social, e uma das principais formas de combate à pobreza e desigualdade. Dessa forma, a mensuração do impacto gerado por projetos de inclusão produtiva se torna essencial para avaliação da eficácia e efetividade dessas iniciativas. Vale ressaltar que a aplicação do SROI para avaliação de projetos de inclusão produtiva no Brasil ainda pode ser expandida.

Apesar de existirem alguns estudos e iniciativas nesse sentido, ainda há um grande potencial a ser explorado. Para isso, é fundamental que organizações que atuam com inclusão produtiva incorporem em suas práticas a mensuração do impacto gerado por seus projetos.

Um exemplo ilustrativo no Brasil é a avaliação de Impacto SROI conduzida pelo IDIS para os Amigos do Bem⁸ – organização que atende 150 mil pessoas no sertão nordestino, o semiárido mais populoso do mundo, e que conta com mais de 11 mil voluntários. A avaliação apontou para uma relação de R$ 6,45 em benefícios para a sociedade para cada R$ 1,00 investido pela organização, considerando investimentos realizados no período de 2012 a 2021. O que vale destacar é que esse resultado foi puxado, sobretudo, pela frente de inclusão produtiva, responsável por 37% do resultado. Os impactos nessa frente ocorrem por meio de programas de qualificação profissional, emprego direto em plantas produtivas da organização e em suas atividades meio, assim como o impacto indireto na economia local. Chama a atenção a decisão estratégica dos Amigos do Bem em maximizar o número de postos de trabalho gerados, evitando a mecanização de atividades, e assim contar com as externalidades positivas do emprego em uma região marcada pela seca, agricultura familiar de baixa produtividade e ocupações informais, muitas vezes em condições precárias de trabalho.

Dentre algumas das externalidades positivas aferidas nota-se a redução da violência doméstica, do consumo de álcool e da taxa de natalidade local. Cabe notar, por outro lado, a importância dos demais programas da organização – nas frentes de educação, saúde, habitação, acesso à água e infraestrutura – em proverem as bases para que a inclusão produtiva se efetive e perdure. Nesse sentido, a geração de emprego e renda torna-se o ponto complementar e final para a emancipação socioeconômica dos beneficiários dos Amigos do Bem, que ao longo dos anos são envolvidos por uma jornada de desenvolvimento humano que vai da participação em programas de complementação escolar e de mudança de mentalidade ao acesso a atendimento médico, água, alimentação e condições dignas de moradia.

Conforme demonstrado acima, a aplicação do SROI em projetos de inclusão produtiva
no Brasil pode trazer diversos benefícios. Primeiramente, essa técnica permite que
sejam identificados e mensurados os resultados gerados por esses projetos, de forma a representar sua efetividade e eficácia. Além disso, a avaliação de impacto por meio do SROI pode ajudar a demonstrar a importância e o valor social gerado por projetos de inclusão produtiva, o que pode ser útil para atração de recursos⁹ e engajamento de stakeholders¹⁰, contribuindo para a construção da estratégica de comunicação da organização.

Outro exemplo interessante de SROI de projeto voltado para a inclusão produtiva é o a
avaliação da atuação do CEAP¹¹.

As necessidades dos investidores sociais envolvidos na iniciativa também devem ser
consideradas numa avaliação de impacto. No entanto, não se deve perder de vista os
objetivos da avaliação, que deve buscar analisar a contribuição da iniciativa para o alcance dos objetivos propostos, bem como obter uma visão ampla e objetiva da iniciativa e identificar pontos de melhoria para ampliar o impacto e Nesse sentido, é importante que a avaliação seja conduzida de forma independente e imparcial, visando o interesse geral da iniciativa e dos beneficiários envolvidos, além de ser conduzida com transparência e ética, garantindo assim a confiança dos investidores ao identificar a eficácia do projeto ou programa avaliado.

Outro benefício da aplicação do SROI em projetos de inclusão produtiva é a possibilidade de identificar lacunas e oportunidades de melhoria nessas iniciativas. Por meio da mensuração do impacto gerado, é possível identificar quais aspectos dos projetos estão funcionando bem e quais precisam ser aprimorados. Isso pode levar a um aperfeiçoamento das práticas e estratégias de inclusão produtiva, tornando-as mais efetivas e eficazes, ampliando assim não apenas seus resultados, mas principalmente os impactos gerados para seus beneficiários e para a sociedade.

No entanto, a aplicação do SROI em projetos de inclusão produtiva no Brasil apresenta desafios e possui limitações. Um dos principais é a necessidade de se obter dados confiáveis e precisos para a mensuração do valor social gerado pelos projetos. Isso pode ser um fator limitante, especialmente em regiões remotas ou em comunidades mais vulneráveis, onde a coleta de dados pode ser mais difícil. Além disso, a falta de conhecimento e capacitação em relação à aplicação do SROI também pode ser um obstáculo para sua implementação.

Para superar esses desafios, é fundamental que as organizações que atuam com inclusão produtiva invistam em capacitação e formação de suas equipes, bem como na coleta de dados precisos e confiáveis. Além disso, é de grande importância que haja uma cultura de avaliação de impacto e mensuração do valor social gerado, de forma a tornar essa prática uma parte integrante do planejamento e execução de projetos de inclusão produtiva, ou projetos de qualquer natureza. Outro ponto importante é a necessidade de se estabelecer parcerias e colaborações entre organizações que atuam com inclusão produtiva e outros atores da sociedade, como universidades, institutos de pesquisa e empresas. Essas parcerias podem contribuir para a geração de dados mais precisos e confiáveis, bem como para a disseminação do conhecimento em relação à aplicação do SROI.

Um outro desafio importante de destacar se refere à dificuldade de se avaliar, de maneira rigorosa e precisa num custo acessível, projetos que envolvem mudanças complexas e de longo prazo. No entanto, mesmo nesses casos, é importante não perder o olhar avaliativo, pois existem maneiras simples e pouco custosas de se olhar para o impacto gerado. Uma abordagem possível é a utilização de indicadores de processo, que medem o progresso em relação às atividades planejadas, mesmo que não sejam capazes de medir o impacto real. Além disso, as avaliações qualitativas, como entrevistas e grupos focais, podem fornecer informações valiosas sobre a percepção dos beneficiários e as mudanças comportamentais que foram observadas. Por fim, é possível também utilizar uma abordagem de comparação, confrontando os resultados observados com um grupo de controle (pode ser mais custoso, no entanto) ou com resultados anteriores, para identificar as mudanças que ocorreram. Mesmo que algumas dessas abordagens não forneçam uma avaliação tão rigorosa e precisa, elas ainda são importantes para monitorar o progresso e garantir que o projeto caminhe na direção certa.

A escuta dos beneficiários é outro desafio, mas é um aspecto fundamental da avaliação
de impacto social, uma vez que são as pessoas o foco direto ou indireto dessas avaliações. A percepção dos beneficiários é crucial para entender o impacto que um projeto ou programa está causando em suas vidas, bem como se suas necessidades e expectativas estão sendo atendidas.

Além disso, essa escuta é uma forma de identificar a responsabilização dos projetos e
programas, uma vez que os beneficiários podem fornecer feedback sobre a qualidade dos serviços prestados e a efetividade das intervenções. Ela pode ser realizada por meio de diferentes métodos, como entrevistas individuais, grupos focais, pesquisas e outras técnicas participativas, sempre de forma ética e respeitando a diversidade cultural, garantindo que os beneficiários possam fornecer feedback de forma livre e segura.

Nesse sentido, a avaliação de impacto social também deve considerar a perspectiva de temas transversais, como raça e gênero, para garantir que as intervenções tenham uma abordagem inclusiva e não reproduzam desigualdades sociais. Ao incorporar a perspectiva de gênero e raça na avaliação, é possível identificar se as intervenções estão tendo impactos diferentes em diferentes grupos, permitindo a correção de desigualdades e de injustiças sociais. Além disso, a consideração desses temas transversais é fundamental para que os projetos e programas considerem as necessidades e perspectivas de todos os envolvidos, independentemente de sua identidade de gênero ou raça. Por fim, a incorporação desses temas também ajuda a
promover a conscientização e o engajamento em torno da promoção da igualdade de gênero e racial, um objetivo fundamental da avaliação de impacto social.

O uso de metodologias avaliativas complementares é uma estratégia que também pode gerar resultados interessantes e contributivos na avaliação de impacto social. O uso de diferentes métodos e técnicas, como avaliações qualitativas e quantitativas, pode fornecer uma visão mais completa e precisa dos impactos de um projeto ou programa, bem como de seus fatores de sucesso e desafios. Por exemplo, a combinação de avaliações qualitativas, como grupos focais e entrevistas, com avaliações quantitativas, como pesquisas, pode ajudar a obter informações sobre a efetividade de um projeto ou programa, bem como sobre as percepções e experiências dos beneficiários. Além disso, a utilização de abordagens participativas e de
engajamento dos beneficiários pode ajudar a aumentar a transparência e a responsabilidade do projeto ou programa, além de promover o envolvimento dos beneficiários na melhoria contínua do mesmo. A utilização de metodologias avaliativas complementares é uma forma de aumentar a precisão e a relevância das avaliações de impacto social, gerando resultados mais interessantes e contributivos. O SROI faz uso dessa estratégia uma vez que utiliza métodos qualitativos e quantitativos em seu processo avaliativo.

O campo da avaliação de impacto social está em constante evolução, e novos métodos e tecnologias estão sendo desenvolvidos para melhorar a coleta e análise de dados. Atualmente, há uma pluralidade de métodos disponíveis para avaliar o impacto social de um projeto ou programa, e a escolha do método depende das características do projeto, dos objetivos da avaliação e recursos disponíveis para sua realização. Além disso, a tecnologia tem desempenhado um papel importante no processo de avaliação, permitindo a coleta de dados em tempo real e a análise de grandes quantidades de informações. A inteligência artificial (AI) e outras tecnologias de análise de dados estão sendo cada vez mais utilizadas para melhorar a precisão e eficiência da avaliação de impacto social. No entanto, é importante lembrar que a avaliação de impacto social é uma atividade complexa que envolve a consideração de diversos fatores, e a tecnologia deve ser utilizada com cuidado e sempre em conjunto com outras ferramentas e métodos de avaliação.

Em suma, o SROI é uma técnica avaliativa que apresenta um grande potencial para avaliação de impacto de projetos sociais, incluindo os de inclusão produtiva no Brasil. Permite identificar quais intervenções são mais efetivas em promover a inclusão produtiva, quais as barreiras que ainda precisam ser superadas e quais os grupos que ainda estão sendo excluídos. Além disso, é fundamental que as organizações e a sociedade reconheçam os benefícios da avaliação de impacto de iniciativas de inclusão produtiva, e invistam em estratégias efetivas para promovê-la. Apesar dos desafios mencionados, o processo avaliativo pode trazer diversos benefícios para além da apresentação dos resultados e impacto, como a demonstração do valor social gerado, identificação de lacunas e oportunidades de melhoria. É fundamental que as organizações que atuam com inclusão produtiva invistam em capacitação, coleta de
dados precisos e estabelecimento de parcerias para tornar a avaliação de impacto uma prática integrante de seus projetos. Assim, poderão contribuir ainda mais para o desenvolvimento econômico e social do país, de forma sustentável e inclusiva.

NOTAS

¹O terceiro setor é formado por organizações sem fins lucrativos que atuam em prol do interesse público e buscam solucionar problemas sociais, ambientais e culturais. Entre as principais organizações que compõem o terceiro setor, estão: Organizações não governamentais (ONGs); Organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs); Fundações e Institutos, Cooperativas, entre outros. Essas organizações atuam de forma complementar aos setores público e privado, prestando serviços e desenvolvendo projetos em áreas onde estes setores não conseguem atuar de forma eficiente ou eficaz.
²Fabiani et al. (2018).
³Faleiros (2021).
⁴O IDIS é uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP) fundada em 1999 e pioneira no apoio técnico ao investidor social no Brasil. Com a missão de inspirar, apoiar e ampliar o investimento social privado e seu impacto, trabalha junto a indivíduos, famílias, empresas, fundações e institutos corporativos e familiares, assim como organizações da sociedade civil em ações que transformam realidades e contribuem para a redução das desigualdades sociais no país. Mais informações, acesse o site (IDIS, 2023b).
⁵IDIS (2022b, 2023a).
⁶Buffett & Eimicke (2018).
⁷Para mais informações sobre a o protocolo SROI, consultar o website da Social Value UK (2023).
⁸8 IDIS (2022a).
⁹IDIS (2021).
¹⁰Stakeholders são indivíduos ou grupos que possuem interesse, direito ou impacto numa intervenção (programa, política ou projeto). Eles podem incluir, mas não se limitam a beneficiários diretos e indiretos do projeto, parceiros locais, governos, organizações da sociedade civil e doadores. A identificação e a gestão adequada dos
stakeholders são fundamentais para garantir a sustentabilidade e o sucesso do projeto, já que suas necessidades e expectativas devem ser atendidas e equilibradas para garantir a sua aceitação e engajamento.
¹¹IDIS (2018).

Investimento Social Privado e Responsabilidade Social Corporativa: aproximações entre as práticas

por Letícia Santos e Paloma Pitre, ambas analistas de projetos no IDIS

O investimento de empresas em projetos socioambientais tem aumentado, refletindo uma tendência crescente de adoção de práticas sustentáveis. Algumas empresas optam até mesmo por desenvolver programas de impacto próprios, demonstrando um comprometimento ainda mais direto com práticas de responsabilidade socioambiental. De acordo com dados do Benchmarking do Investimento Social Corporativo (BISC) da Comunitas, em 2022, 40% das empresas acompanhadas pela pesquisa registraram um aumento em seus investimentos sociais. Destaca-se, especialmente, o crescimento dos aportes financeiros das empresas em iniciativas socioambientais, em relação ao seu lucro bruto. No período em questão, foram destinados R$ 4 bilhões voluntários para projetos sociais.

Esse fenômeno pode ser atribuído, entre outros fatores, à crescente pressão por parte de consumidores e investidores, que estão cada vez mais exigentes em relação às práticas socioambientais das empresas. Segundo a Pesquisa Doação Brasil 2022, 44% da população leva em consideração se as marcas e empresas fazem investimento social e/ou apoiam causas, ao decidir comprar um produto ou contratar um serviço.

No entanto, as razões não se limitam apenas a esse aspecto. Ocorre, igualmente, o fenômeno da conscientização por parte das próprias empresas sobre a necessidade de contribuírem positivamente para as comunidades em que estão inseridas.

Diante desse cenário, é importante compreender as diversas maneiras pelas quais as empresas interagem com o campo socioambiental. Neste artigo, discorremos sobre a responsabilidade das empresas na gestão de seus impactos e as oportunidades para ampliar os valores proporcionados à sociedade.

 

As diferentes formas de empresas contribuírem com o campo socioambiental

Os esforços em prol do desenvolvimento ou financiamento de iniciativas socioambientais podem ser justificados tanto pela responsabilidade da empresa em mitigar danos ou impactos negativo, comportamento que representa a forma mais fundamental de envolvimento esperada, quanto por investimentos voluntários alinhados com o propósito da empresa.

A Responsabilidade Social Corporativa (RSC) é caracterizada pelo comprometimento das empresas em reduzir riscos e danos potenciais decorrentes do desempenho de suas atividades em determinados territórios ou ecossistemas. Assim, a responsabilidade social emerge como um elemento básico que se espera de empresas que buscam condutas corporativas adequadas.

Uma prática amplamente adotada no campo da responsabilidade social corporativa é a realização do chamado due diligence (devida diligência, em tradução livre). A due diligence, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), abrange esforços para identificar quais são os possíveis impactos negativos relacionados à atividade empresarial em áreas como direitos trabalhistas, direitos humanos, meio ambiente, transparência, entre outras. O objetivo é desenvolver estratégias de prevenção, mitigação e remediação de danos.

Já o Investimento Social Privado (ISP) representa esforços voluntários das empresas em alocar recursos para contribuir positivamente para o impacto socioambiental. São muitas as formas de realizar esse tipo de investimento, seja por meio do desenvolvimento de iniciativas próprias ou pelo repasse de recursos para ações e projetos desenvolvidos por terceiros.

Idealmente, o ISP busca a geração de maior impacto nas áreas de sustentabilidade em que a empresa possui maior potencial de contribuição. Para identificar pontos de sinergia entre o negócio e as oportunidades de investimento social, é importante conhecer os principais indicadores sociais e ambientais dos locais em que a empresa atua, os elementos chave de sua cadeia de produção, o perfil do beneficiário do programa, entre outros aspectos relevantes.

Uma das possibilidades para se buscar maior integração entre o social e o propósito corporativo é a adoção do modelo de Empresas B ou Benefit Corporations. O Movimento B tem reunido diversas empresas em um novo paradigma corporativo, cujo foco está na promoção de impactos socioambientais positivos. Alinhado aos mesmos princípios da responsabilidade social, esse movimento introduz um novo modelo econômico, no qual as empresas certificadas com o Selo B se comprometem a impulsionar melhorias contínuas em suas práticas, tendo a governança e a sustentabilidade socioambiental como parte integrante do propósito do negócio. Atualmente, há 286 Empresas B registradas no Brasil.

Nota-se, portanto, a existência de um espectro amplo no campo de ações socioambientais corporativas, que vai desde a realização das ações mínimas esperadas (responsabilidades), passa pelos investimentos voluntários e avança até a geração intencional de impacto socioambiental positivo, pensados como um dos pilares estratégicos e gerenciais da empresa.

 

ASSINE NOSSA NEWSLETTER E RECEBA CONTEÚDOS SOBRE ESSE TEMA MENSALMENTE

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

 

Integrações e aproximações entre Responsabilidade Social Corporativa e Investimento Social Privado

Em meio aos diversos graus de maturidade e envolvimento com as causas sociais e ambientais, nota-se que as empresas podem se encontrar alinhadas a diferentes espectros do impacto social e ambiental. De qualquer forma, a presença e a preocupação das empresas não apenas com o impacto que geram, mas também com a sociedade em que operam, e de que maneira podem contribuir para promover melhorias nessa sociedade, são tendências em ascensão.

Assim, as iniciativas de ISP e de RSC não devem ser compreendidas como excludentes entre si. Pelo contrário, é esperado e recomendado que elas se complementem. Nesse sentido, por exemplo, um processo de due diligence pode ser utilizado não somente para antever riscos do negócio, mas também para identificar áreas de investimento por meio do ISP.

A coerência nesse alinhamento é importante, uma vez que o conhecimento da empresa sobre o campo temático no qual está investindo pode tornar a alocação mais eficaz, além de se integrar ao planejamento estratégico e, consequentemente, facilitar a captação de recursos para projetos futuros. A tendência é que as práticas de ISP e RSC, embora conceitualmente distintas, se aproximem cada vez mais, convergindo para os objetivos intrínsecos das empresas.

Perspectivas para os Fundos Patrimoniais no Brasil

Por Carolina Learth, Sr. Head de Negócios de Impacto Social no Santander Brasil

Em minha jornada recente como responsável por negócios envolvendo o Terceiro Setor, tive a oportunidade de mergulhar a fundo no universo dos endowments no Brasil. Esse conhecimento veio se somar aos mais de 17 anos dedicados ao campo da Sustentabilidade, incluindo a pauta de investimento social privado, que tive a alegria de liderar nos últimos anos.

No Santander Brasil, iniciamos nossa atuação em endowments no ano de 2020 e desde então, temos avançado na interação com basicamente três grupos de clientes:

1)  os interessados em saber do que se trata esse tal fundo patrimonial;

2)  os que já decidiram criar seu fundo, mas não sabem como;

3)  os que já possuem endowments.

Alguém me perguntaria…há algo de comum entre eles? A resposta é sim – os questionamentos. Em geral, são sempre as mesmas questões e que têm a ver com os desafios de quem vai implementar ou gerenciar um fundo de investimento, que tem como principal objetivo buscar a perenidade de causas e propósitos de uma instituição e cujos rendimentos irão garantir no longo prazo, sua atuação e o tão sonhado legado. Governança, captação de recursos e tributação compõem a lista de itens de maior dúvida das instituições.

Em 2019, a Lei 13.800 se tornou a referência para a implementação dos fundos patrimoniais no Brasil. Ela trouxe como parâmetros a segregação contábil, administrativa e financeira do patrimônio do fundo e das instituições apoiadas, evitando que problemas financeiros, trabalhistas e fiscais ocorridos nas instituições apoiadas, por exemplo, afetem seus ativos. A nova legislação também previu parâmetros específicos de governança, buscando endereçar a perpetuidade dos fundos e a profissionalização da gestão, mas, infelizmente, não trouxe incentivos fiscais para quem doa.

Observando todos estes elementos, posso dizer que iniciar ou gerenciar um fundo patrimonial no Brasil é um desafio por alguns motivos:

1)  O desafio de estruturar a governança da OGFP – Organização Gestora do Fundo Patrimonial. Na maioria das vezes não é um conhecimento que está instalado nas organizações, carece de apoio externo e enfrenta resistências internas dentro da própria gestão;

 

2)  A criação de um estatuto que busque de fato impactar, direcionando recursos que alcancem os indicadores esperados, a longo prazo. Criar este documento envolve decisões que vão muito além da definição da causa. Por exemplo: definir que a universidade doará bolsas de estudo orientadas para diversidade e inclusão pode ser o primeiro passo, mas como distribuir as cotas entre os públicos vulneráveis? Quais são os dados que embasam essa decisão? Aqui me parece um trabalho árduo de gestão para que se possa tomar decisões estruturadas;

 

3)  Enfrentar o “bicho de sete cabeças” da captação. Item apontado como um dos grandes desafios pela pesquisa e corroborado pela conversa com grande parte das organizações com quem nos relacionamos e que já tem um fundo patrimonial. Muitos não têm exatamente uma estratégia para tal e como resultado os fundos não crescem, outros “hibernam” por anos sem entradas significativas de recursos. Há ainda aqueles que perdem recursos, em um claro conflito entre a governança da Instituição e a gestão da OGFP;

 

4)  Não menos importante, é preciso perseverar e vencer todos os itens acima, sem qualquer incentivo fiscal.

Há diferentes motivos para uma organização decidir iniciar um endowment com todo este esforço, mas a primeira palavra que me vem à cabeça é LEGADO. Meu principal conselho para famílias filantropas, hospitais, universidades, igrejas, fundações e ONGs é que caso seu propósito não seja esse, nem comece. Fundos patrimoniais não são investimentos comuns, não são fundos de reserva e não são caixa. Tampouco devem ser confundidos com a gestão financeira das organizações de origem. Este é um princípio fundamental para quem quer começar e ser bem-sucedido na jornada. O fato é que poucos ainda têm esse entendimento.

Em um país de vulnerabilidades, escolher causas que impactem a sociedade de forma lúcida e estruturada é fundamental. Para que os fundos patrimoniais ganhem tração no Brasil será preciso:

1)  Ampliar a cultura de doação e da gratidão;

2)  Preparar profissionais especialistas para apoiar as OGFPs, principalmente nas áreas jurídica e de gestão;

3)  Desenvolver soluções de captação específicas para endowments por especialistas que já atendem o terceiro setor;

4)  Ter mais serviços financeiros especializados na gestão dos fundos;

5)  Evoluir sistematicamente em mecanismos prestação de contas buscando a vinculação de doadores;

6)  Fortalecer os esforços de advocacy no tema de incentivos tributários.

Temos muito pela frente, mas também muito para celebrar. Claramente há um aumento no interesse pelo tema e um mercado em evolução nos próximos anos. Como banco de referência para muitas famílias (wealth management) e clientes dos setores de saúde, educação e terceiro setor, temos um terreno fértil para estimular a filantropia estratégica, aumentando a capacidade de olhar para o longo prazo como forma de perpetuar memórias, projetos e negócios de impacto.

Deixo aqui meu abraço a todos os que colaboraram com o IDIS neste belo trabalho de referência para a evolução dos fundos patrimoniais no Brasil, a quem temos orgulho de chamar de parceiros.

Artigo originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022

 

Mais sobre fundos patrimoniais

Acesse mais conteúdos nesta temática produzido pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, clique aqui.

Caso queira saber mais sobre fundos patrimoniais ou queria conhecer nossos serviços, envie um e-mail para comunicacao@idis.org.br.

Governança: elemento-chave para a gestão de Fundos Patrimoniais

Por José Luiz Egydio Setúbal e Márcia Kalvon Woods, presidente do Conselho Superior e assessora da Fundação José Luiz Egydio Setúbal

Considerando que fundos patrimoniais são reservas financeiras criadas com o objetivo de proporcionar robustez, autonomia e sustentabilidade a instituições filantrópicas, com o propósito de fortalecer sua atuação, servindo sua missão no longo prazo e buscando garantir a perenidade da instituição, devem ser administrados de acordo com princípios de boa governança, com ênfase na responsabilidade fiduciária, transparência e prestação de contas. 

Observar de que maneira os recursos dos fundos patrimoniais são gerenciados, supervisionados e alinhados com a missão da entidade que os instituiu, por meio da implementação de um conjunto de diretrizes, princípios e práticas que regulam as interações entre os Conselhos, a equipe executiva e outros órgãos de fiscalização, é de importância fundamental para garantir sua efetividade.

A governança é essencial para o sucesso dos fundos patrimoniais, pois eles garantem a continuidade e o impacto das iniciativas filantrópicas, fornecendo uma base sólida para a tomada de decisão.


Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) a boa prática da governança traz cinco princípios que são:

Integridade: Praticar e promover o aprimoramento da cultura ética na organização, evitando decisões sob a influência de conflitos de interesses, mantendo a coerência entre discurso e ação e preservando a lealdade à organização e o cuidado com suas partes interessadas (públicos estratégicos), com a sociedade em geral e com o meio ambiente.

Transparência: Disponibilizar, para as partes interessadas (públicos estratégicos), informações verdadeiras, tempestivas, coerentes, claras e relevantes, sejam elas positivas ou negativas, e não apenas aquelas exigidas por leis ou regulamentos. Essas informações não devem restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, contemplando também os fatores ambiental, social e de governança. A promoção da transparência favorece o desenvolvimento dos negócios e estimula um ambiente de confiança para o relacionamento de todas as partes interessadas (públicos estratégicos).

Equidade: Tratar todos os sócios e demais partes interessadas de maneira justa, levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas, como indivíduos ou coletivamente. A equidade pressupõe uma abordagem diferenciada conforme as relações e demandas de cada parte interessada com a organização, motivada pelo senso de justiça, respeito, diversidade, inclusão, pluralismo e igualdade de direitos e oportunidades.

Responsabilização: Desempenhar suas funções com diligência, independência e com vistas à geração de valor sustentável no longo prazo, assumindo a responsabilidade pelas consequências de seus atos e omissões. Além disso, prestar contas de sua atuação de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, cientes de que suas decisões podem não apenas responsabilizá-los individualmente, como impactar a organização, suas partes interessadas (públicos estratégicos) e o meio ambiente.

Sustentabilidade: Zelar pela viabilidade econômico-financeira da organização, reduzir as externalidades negativas de seus negócios e operações, e aumentar as positivas, levando em consideração, no seu modelo de negócios, os diversos capitais (financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, natural, reputacional) no curto, médio e longo prazos. Nessa perspectiva, compreender que as organizações atuam em uma relação de interdependência com os ecossistemas social, econômico e ambiental, fortalecendo seu protagonismo e suas responsabilidades perante a sociedade.


Esses princípios, quando aplicados de forma adequada, resultam em um ambiente de confiança e melhor desempenho organizacional. Em se tratando de fundos patrimoniais filantrópicos, a estrutura de governança assume papéis importantes para além da responsabilidade fiduciária, incluindo também a estratégia de gestão e utilização dos recursos para que esteja alinhada e a serviço da sua missão. 

A nossa Fundação tem como propósito “uma infância saudável para uma sociedade melhor” e atua como uma holding social composta pelo Hospital Infantil Sabará, Instituto PENSI, entidade voltada para ensino e pesquisa em saúde infantil, e a própria Fundação, com suas ações de filantropia estratégica e advocacy

Parte do patrimônio instituidor é o Hospital Infantil Sabará que, no modelo idealizado, é o gerador de recursos financeiros para a Fundação e seu resultado financeiro positivo alimenta o fundo patrimonial, com gestão autônoma e supervisionada pelo Conselho Superior. 

Do patrimônio total do fundo, uma porcentagem é alocada para o Instituto PENSI, que tem como objetivo institucional gerar conhecimento em saúde infantil por meio de pesquisas, disseminar conhecimento em ações de ensino e educação, realizar projetos sociais e capacitar voluntários para trabalhar em organizações de saúde. 

Outra parte dos recursos é destinada para o custeio de sua administração e os projetos de advocacy em saúde infantil, pesquisa em filantropia e promoção da cultura de doação. Buscamos com nosso fundo patrimonial a perenidade, para que as instituições do grupo se devolvam e atuem com excelência e para que possamos praticar o advocacy da saúde na infância com autonomia. 

Durante a pandemia de Covid-19, ter uma governança bem estruturada e comprometida com a instituição foi fundamental para que, frente a um contexto de múltiplas crises sem precedente, pudéssemos monitorar o desempenho do grupo e do fundo patrimonial, garantindo o bom funcionamento dos projetos em andamento e deliberando sobre a utilização de recursos adicionais do fundo patrimonial para ajuda assistencial emergencial, que não é uma filosofia institucional. Também pudemos praticar uma política de manutenção dos empregos do hospital, apesar da grande diminuição do fluxo de pacientes.

Ainda neste período, a Ford Foundation surpreendeu todo o setor filantrópico com a emissão de 1 bilhão de dólares em ‘social bonds’, sendo uma fundação com um fundo patrimonial de 16 bilhões de dólares. Tivemos a honra de ter Darren Walker, presidente da Fundação Ford, em uma aula magna no nosso 5º Congresso Internacional Sabará de Saúde Infantil, que além de falar sobre a atuação da fundação em prol da justiça social, relatou este episódio. A volatilidade significativa nos mercados de capitais resultou numa redução dos fundos patrimoniais de fundações e universidades, incluindo o da Ford. Dada a incerteza, os profissionais de investimento argumentam contra a liquidação de ativos, uma vez que estão comprometidos com a responsabilidade fiduciária de estabilidade no longo prazo e crescimento de capital para futuras doações. À luz disto, Darren Walker sugeriu a oferta de dívida de longo prazo ao Conselho. Após inúmeras reuniões de revisão de análises financeiras e cenários de desempenho de mercado, os conselheiros da Ford aprovaram uma oferta de dívida de 30 anos ou mais. Essa sofisticação em alternativa de dispender recursos em um momento tão crítico só foi possível porque a Fundação Ford tem uma governança estruturada que exerce, em sua plenitude, os princípios que determinam uma boa prática aliada ao compromisso institucional com sua causa de justiça social. 

Nosso fundo patrimonial, apesar de não ter sido constituído na forma da Lei nº 13.800/2019, está previsto em estatuto de nossa Fundação desde o ano 2010, quando ela foi instituída. Considerando a origem familiar da Fundação, temos uma estrutura de governança composta por um Conselho Superior com até́ onze membros, com equilíbrio em número de conselheiros externos e familiares, e de diversidade de gênero. O Conselho Fiscal é constituído por cinco membros e atua independentemente, reportando suas avaliações ao Conselho Superior. O Hospital Infantil Sabará́ também possui um Conselho Deliberativo, composto por sete membros, três integrantes do Conselho Superior e quatro membros independentes. 

Nós asseguramos total transparência quanto às nossas ações, iniciativas e resultados financeiros, sujeitos a auditoria externa, e disponibilizados no site da Fundação.

Entendemos que a Lei nº 13.800/2019 proporcionou avanços importantes para os fundos filantrópicos, com sua regulamentação, trazendo contornos claros sobre sua definição e sendo uma referência para prática de boa governança de fundos patrimoniais. Entretanto, como detectado no levantamento deste Anuário, sua implantação ainda é restrita a fundos patrimoniais maiores e se vê com mais frequência em fundos ligados à gestão pública. 

Independentemente de a constituição do fundo ser aderente ou não aos requisitos da Lei n° 13.800/2019, estabelecer uma boa governança é imprescindível para o sucesso de qualquer instituição. 

Artigo originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022

 

Mais sobre fundos patrimoniais

Acesse mais conteúdos nesta temática produzido pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, clique aqui.

Caso queira saber mais sobre fundos patrimoniais ou queria conhecer nossos serviços, envie um e-mail para comunicacao@idis.org.br.

Prefácio Anuário de Desempenho dos Fundos Patrimoniais 2022

Por Luiz Fux, Ministro do Supremo Tribunal Federal

Aprendemos da sabedoria judaica a lição de que não se pode deixar de fazer
o bem a quem dele precisa, estando em nossas mãos a capacidade de fazê-lo.
(Mishlê 3:27)

Deveras, a exegese deste provérbio milenar espelha a histórica
preocupação humanitária de designar a realização da justiça solidária
(tzedaka) como um dever de toda a coletividade.

Na sociedade contemporânea, especialmente no contexto brasileiro, o
fenômeno da institucionalização da caridade estimulou o envolvimento de
entidades públicas e do Terceiro Setor para conferir uma feição estrutural a
esse ideal, compondo a sistemática da prestação de serviços beneficentes.
Tornou-se imprescindível, assim, a participação do Estado, mas também de
instituições privadas, a exemplo das Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIPs), Organizações Não Governamentais (ONGs),
fundações e associações de caráter filantrópico. Tais exemplos, que integram
o referido Terceiro Setor, são responsáveis pela realização de atividades de
capilaridade nacional, o que pode ser comprovado pelo impressionante dado
de que representam aproximadamente 4,27% do PIB brasileiro¹

Sem embargo, a experiência pátria revela que a garantia da
sustentabilidade e operabilidade para a execução dessas atividades de
cunho social surge, sem sombra de dúvidas, como um dos principais
desafios enfrentados pelos gestores públicos e privados no Brasil. Diante
desse quadro, avultam os chamados fundos patrimoniais, que formam uma
relevante alternativa para a resolução do problema do subfinanciamento da
atividade filantrópica e estatal, já inveterado nas discussões nacionais.

Essa modalidade, também denominada de endowments, ganhou roupagem
jurídica a partir do advento da Lei 13.800/2019, disciplinando “a
constituição de fundos patrimoniais com o objetivo de arrecadar, gerir e
destinar doações de pessoas físicas e jurídicas privadas para programas,
projetos e demais finalidades de interesse público”, como a educação,
ciência, tecnologia, pesquisa e inovação, cultura, saúde, meio ambiente,
assistência social, desporto, segurança pública, direitos humanos, dentre
outras (art. 1º, caput e par. único).

A despeito desse expressivo passo na consolidação dos fundos
patrimoniais, não podem ser desconsiderados os percalços de ordem
financeira para lhes conferir uma gestão eficiente no atual cenário de
retomada de sucessivas crises econômicas. Os seus administradores,
consectariamente, necessitam de informações seguras, que lhes deem
subsídios para (i) a tomada de decisões estratégicas, (ii) realização do
controle de riscos, (iii) atração de investimentos rentáveis, (iv) avaliação do
custo-benefício de novas práticas, (v) bem como a fixação de parâmetros
sólidos de governança e transparência.

Vem em boa hora, nesse contexto, a nova edição do Anuário de
Desempenho de Fundos Patrimoniais, realizado pelo Instituto para o
Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), com o importante apoio
de diversas organizações.

Trata-se de publicação que cumpre, com êxito, a sua nobre função: a partir
da análise de extenso repositório de dados e informações, orienta e auxilia os
gestores dos fundos patrimoniais em seu laborioso mister de gerenciamento
dos recursos oriundos da prática de um ato de consciência filantrópica. Doar
a um fundo patrimonial significa destinar um recurso de que se dispõe para
uma causa, um ideal. É, em suma, um ato de fé na humanidade.

A imensa responsabilidade social de que se reveste a condução desses
ativos econômicos simboliza a grandeza do propósito que imbuiu a
realização da presente publicação, que segue a ratio da lição proverbial
mencionada no início deste prefácio: criar condições para a promoção da
justiça caridosa ao nosso próximo.

Os nossos sinceros cumprimentos pela notável iniciativa e os votos de
boa leitura!

Prefácio originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022

 

Acesse agora a publicação completa do Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais!

 

 


¹Cf. a pesquisa: “A importância do terceiro setor para o PIB no Brasil e em suas regiões”, realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE – USP). São Paulo, 2023, p. 70.

 

Mais sobre fundos patrimoniais

Acesse mais conteúdos nesta temática produzido pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, clique aqui.

Caso queira saber mais sobre fundos patrimoniais ou queria conhecer nossos serviços, envie um e-mail para comunicacao@idis.org.br.

Não existe longo prazo sem Sustentabilidade

Por Fernanda Camargo, sócia fundadora da Wright Capital Wealth Management

O Fundo Patrimonial é uma fonte de recurso de longo prazo, capaz de tornar as organizações sociais mais independentes da captação por projetos e de perenizar a atuação social. É um conjunto de ativos oriundos de doações privadas, geridos com o objetivo de obtenção de receitas, que serão utilizadas para fomentar as atividades de interesse público. O dinheiro das doações, chamado de principal, permanece preservado, sendo apenas as receitas geradas a partir do investimento do principal empregadas nas atividades de interesse público.

O objetivo do Fundo Patrimonial é preservar o valor real de seu patrimônio na perpetuidade e gerar recursos recorrentes para sustentar financeiramente seu propósito. Os Fundos Patrimoniais devem, portanto, ser autossustentáveis, utilizando parte da rentabilidade auferida de seu próprio patrimônio, e não depender de novas doações e patrocínios.

Se estamos falando da preservação de recursos para a perpetuidade, não seria importante olhar para as externalidades que os investimentos geram? Muitos desses fundos existem para financiar uma universidade, um hospital ou uma causa. Não seria importante saber se os investimentos do Fundo Patrimonial podem estar gerando externalidades que são justamente aquelas que o fundo quer combater?

Mas aí vem a questão. Será que olhar para tais externalidades estaria dentro do dever fiduciário do gestor do Fundo Patrimonial? Os gestores de Fundos Patrimoniais devem atuar sempre no melhor interesse do Fundo Patrimonial, respeitar o dever fiduciário, e assim adotar políticas de investimento que levem em consideração critérios Ambientais, Sociais e de Governança. Mas, será que tais critérios geram retornos positivos ou reduzem risco?

Em setembro de 2015, o PRI, UNEP/Fi, UNEP Inquiry e UN Global Compact lançaram o relatório “O Dever Fiduciário do Século 21”. Esse relatório conclui que “é uma quebra do dever fiduciário não levar em consideração todos os drivers de valor de longo prazo, incluindo ASG (Ambiental, Social e Governança, na tradução da sigla ESG)”.

Está cada vez mais claro que o gestor prudente, que respeita seu dever fiduciário, deve incluir os critérios ESG na alocação e isso não representa uma violação do dever de lealdade. Pelo contrário: a incorporação de tais critérios no processo de investimentos ajuda na redução de riscos do portfólio, consequentemente aumentando as chances de obtenção de melhores retornos ajustados ao risco ao longo do tempo.

Os gestores do Fundo Patrimonial devem ser capazes de mostrar que identificaram e avaliaram os riscos aos quais os portfólios sob sua responsabilidade estão expostos. Esses riscos incluem aqueles associados a questões de sustentabilidade, como as mudanças climáticas, o colapso da biodiversidade ou a instabilidade social, que podem ser financeiramente significativos. Dada sua natureza sistêmica, por definição, estes riscos não podem ser mitigados simplesmente pela diversificação da carteira.

Neste contexto, investimento responsável é uma abordagem de investimento que reconhece explicitamente a importância para o investidor dos fatores ESG, da saúde de longo prazo e da estabilidade do mercado como um todo para sua carteira. Ela reconhece que a geração de retorno sustentável de longo prazo depende de sistemas econômicos e ambientais estáveis, funcionais e bem geridos.

O investimento responsável diferencia-se das abordagens convencionais de investimento de duas maneiras.  A primeira é que os prazos são importantes; o objetivo é a geração de retorno de investimento sustentável de longo prazo, e não apenas de curto prazo. A segunda é que isso exige que os investidores estejam atentos a fatores contextuais mais abrangentes, incluindo a estabilidade e a saúde dos sistemas econômicos e ambientais e a evolução dos valores e das expectativas das sociedades das quais fazem parte.

Uma forma de investimento responsável é a baseada em ‘filtros negativos’ — critérios de exclusão de setores ou empresas do universo passível de investimento por problemas ESG. Trata-se de uma estratégia de investimento que exclui do portfólio ramos de atuação e companhias que impactam negativamente a sociedade e o meio ambiente, como tabaco, mineração, petróleo, álcool e armas, por exemplo. Outras abordagens são:

 

       Ativismo Acionário, que se baseia no uso do poder dos acionistas para influenciar o comportamento da empresa no que tange à abordagem ESG, o que vai desde o engajamento nos órgãos societários da companhia até o exercício do poder de voto e;

•        Integração ESG, que leva em consideração fatores ambientais, sociais e de governança na análise e tomada de decisão de investimentos, com o objetivo de melhorar os retornos ajustados ao risco no longo prazo. Empresas de qualquer setor podem ser avaliadas sob a ótica ESG, do financeiro ao de óleo e gás, sendo que os investidores responsáveis focam em setores e empresas que apresentam alto desempenho nos fatores ESG.

 

Na questão ambiental, por exemplo, quando falamos de alocação de longo prazo, não podemos deixar de levar em consideração a transição para a economia de baixo carbono e, por isso, é importante considerar os riscos e as oportunidades atrelados às mudanças climáticas. Neste caso, um primeiro passo é considerar os riscos climáticos nas avaliações de investimento e monitorar os ativos investidos a partir de informações públicas disponíveis. A atuação também pode envolver diálogos colaborativos com os fundos investidos ou empresas, contribuindo para a elaboração de metas e planos de redução de emissões de gases de efeito estufa.

Ao mesmo tempo, entender a transição climática do ponto de vista não apenas de eficiência, mas também do impacto real desse processo, é fundamental. Num país tão desigual como o Brasil, não podemos deixar de endereçar o S (social) do ESG. A emergência climática aumenta a vulnerabilidade de milhões de pessoas. Quando investimos em empresas com uma boa avaliação no que tange a direitos humanos ou políticas sociais, devemos buscar entender o que isso significa, como é medido, quais os resultados, as melhorias, e quem está sendo afetado. No longo prazo, se não olharmos para a questão social, a desigualdade crescente é um dos maiores riscos.

Para ajudar os investidores (ou asset owners), o PRI criou 6 princípios voluntários que servem como objetivos a serem alcançados. Oferecem uma gama de ações possíveis para a incorporação das questões ESG. O objetivo dos Princípios é compreender as implicações do investimento sobre temas ambientais, sociais e de governança, além de oferecer suporte para os signatários na integração desses temas com suas decisões de investimento e propriedade de ativos.

No modelo de engajamento, o PRI sugere alguns passos a investidores ao articularem suas posições:

1. Priorizar questões de sustentabilidade e identificar riscos e oportunidades financeiramente materiais considerando os seus compromissos de sustentabilidade existentes através de uma avaliação descendente dos riscos de sustentabilidade mais significativos ou de uma avaliação ascendente dos resultados associados ao investimento e;

2. Utilizar objetivos e limites de sustentabilidade globais relevantes como referência para garantir níveis adequados de ambição. Uma forma de começar é publicar compromissos com a integração ESG e o investimento responsável, incluindo explicações sobre como tais compromissos se alinham com os deveres fiduciários, implementar esses compromissos de maneira efetiva nos processos de investimento, monitorar como os gestores (internos e externos) de investimento estão acompanhando estes compromissos, publicar relatórios para os beneficiários sobre como estes compromissos foram implementados e seus resultados, garantir que os administradores, conselheiros e executivos possuam os recursos e o conhecimento necessários para responsabilizar os gestores e consultores de investimento sobre a integração ESG, exigir que as companhias prestem contas de maneira robusta, confiável e detalhada tanto sobre sua gestão de questões ESG quanto da importância financeira dessas questões e engajar os governantes e reguladores em assuntos relacionados ao desempenho de longo prazo, incluindo relatórios corporativos mais robustos.

A observação e a incorporação de critérios ESG nos investimentos do Fundo Patrimonial, naturalmente, não garantem, por si só, a perenidade de seu patrimônio. Porém, assim como com outros aspectos fundamentais para a construção do portfólio do Fundo, como o padrão e o percentual de gastos, o perfil de risco e o contexto macroeconômico e jurídico da entidade à qual se destina, respeitá-los é respeitar a sustentabilidade financeira de seu propósito.

Apesar de apenas 30% dos fundos da amostra terem política de investimento responsável e 10% ainda não terem conseguido implementá-la em sua totalidade, percebe-se que uma grande parte dos endowments — quase a metade — declarou a intenção de adotar, futuramente, uma política de investimento responsável. 

Esse dado mostra que a questão do investimento responsável está presente, de algum modo, entre os gestores de 78% dos fundos patrimoniais, o que é uma parcela significativa. 

Artigo originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022

 

Mais sobre fundos patrimoniais

Acesse mais conteúdos nesta temática produzido pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, clique aqui.

Caso queira saber mais sobre fundos patrimoniais ou queria conhecer nossos serviços, envie um e-mail para comunicacao@idis.org.br.

Fundos Patrimoniais e o almoço grátis

Por Ilan Ryfer, sócio da 1618 Investimentos

Existe um antigo ditado, ou “regra”, no mercado financeiro: “não existe almoço grátis”. O significado desse ditado, para aqueles não versados nas minúcias de finanças, é que não se pode obter retornos maiores sem incorrer em riscos mais altos. Em outras palavras, risco e retorno são dois lados de uma mesma moeda, onde para se obter mais de um (retorno), deve-se aceitar mais do outro (risco).

Entretanto, como toda regra tem sua exceção (sempre me perguntei qual a exceção à regra que toda regra tem sua exceção…), existe um único almoço grátis nos mercados financeiros, descoberto por Harry Markowitz nos anos 50: diversificação! Ao desenvolver a teoria moderna de portfólios, Markowitz provou, através da análise de média-variância, que é possível obter portfólios mais rentáveis sem adicionar risco, ou reduzir o risco de um portfólio sem abrir mão do retorno. A mágica vem do processo de diversificação da carteira. Funciona mais ou menos assim…

Imagine primeiramente um mundo onde num dia ou faz sol ou chove. Imagine que nesse mundo existe somente um tipo de investimento, vamos chamar de “guarda-chuva”, que te rende 15% no dia que chove e -5% no dia em que faz sol. Se a probabilidade de chuva fosse de 50%, em metade dos dias você ganharia 15% e na outra metade perderia 5%, obtendo um retorno diário esperado de 5%. Só que todo dia ou você ganha 15% ou perde 5%, numa gangorra de retornos. O quadro abaixo resume o mundo acima.

Imagine agora que existe um outro investimento, vamos chamar de “barraca de praia”, que rende 15% no dia de sol e -5% no dia de chuva. Estranhamente, ou não, esse investimento tem o mesmo retorno diário esperado do “guarda-chuva”, de 5%. Só que ele ganha dinheiro nos dias que o outro perde, e vice-versa. Vamos adicionar esse investimento no nosso quadro.

Se você tivesse R$100 reais para investir e pudesse escolher somente um desses investimentos, independente do que escolhesse, ganharia R$15 com 50% de chance e perderia R$5 com 50% de chance. Mas e se pudesse aplicar um pouco em cada um deles? E se investisse exatos R$50 em cada um? E se pudesse diversificaaaaar (imagine essa última palavra beeeem esticada)…

Independentemente do que aparecesse no Climatempo ou seu aplicativo preferido, você iria ganhar R$7,5 num deles (R$50 * 15%) e perderia R$2,5 (R$50 * -5%) no outro, obtendo exatos R$5. Seu retorno esperado diário sobre os R$100 investidos seria 5%. Só que, nesse caso, em nenhum dia você teria perda. A variação diária dos seus retornos seria bem menor que se investisse somente em “guarda-chuva” ou somente em “barraca de praia”. E como em finanças o conceito de risco é equivalente a incerteza dos retornos, o portfólio diversificado, no qual você tem lucro certo todos os dias, seria menos arriscado que o não diversificado, apesar de ambos terem o mesmo retorno diário esperado. Capisce?

Esse foi um dos momentos “Eureka” para os fundos patrimoniais, vivenciado primeiramente por David Swensen, gestor por anos do fundo patrimonial da Universidade de Yale, e autor do livro “Pioneering Portfolio Management”, até hoje a Bíblia da gestão dos fundos patrimoniais. Até Swensen mudar o mundo da gestão de fundos patrimoniais, por quase um século o modelo de investimento dos endowments americanos foi 40% em títulos de renda fixa americana e 60% em ações americanas.

Influenciado pelos ensinamentos de Harry Markowitz e James Tobin (ambos ganhadores do prêmio Nobel e o último mentor de Swensen em Yale), o fundo patrimonial de Yale começou um processo de diversificação em outras classes de ativos, alternando seu portfólio de acordo com as perspectivas econômicas de longo prazo. Isso tornou o fundo de Yale o mais rentável entre seus pares, iniciando um processo generalizado de mudança na filosofia de gestão.

Outro adágio comum em mercado financeiro é que iliquidez é um fator de risco, e como já discutimos no início do texto, mais risco deveria vir acompanhado de maior retorno esperado. Ou seja, para investirmos em ativos de menor liquidez, exigimos um retorno maior, ou o que em finanças chamamos de “prêmio de risco”.

Depois de Swensen mudar a forma de gerir fundos patrimoniais, vários gestores perceberam que não necessitavam de tanta liquidez imediata, uma vez que tinham previsão estável de dispêndio. Dessa forma passaram a diversificar cada vez mais em ativos “ilíquidos”, como fundos de Private Equity, Venture Capital, imóveis, fundos de Timber (madeira), entre outros. Os assim chamados “ativos alternativos” passaram a compor crescentemente as carteiras dos fundos, mais uma vez gerando um retorno mais alto com riscos menores, devido àdiversificação promovida, bem como à adição do prêmio de risco.

Fonte: Investing Like the Harvard and Yale Endowment Funds – CAIA 2017

Alocação de ativos dos maiores fundos patrimoniais dos Estados Unidos (patrimônio líquido acima de US$ 1 bilhão em 2016)

Dessa forma, a gestão dos fundos patrimoniais nos Estados Unidos mudou filosoficamente e se aproximou mais dos objetivos que atualmente são considerados fundamentais:

  1.       Preservação de Capital no Longo Prazo: Os fundos patrimoniais têm uma missão de longo prazo, muitas vezes buscando sustentar uma instituição indefinidamente. A diversificação ajuda a proteger o capital desses fundos, uma vez que a exposição a diferentes classes de ativos reduz o risco de perdas significativas em qualquer setor ou classe de ativos. Isso permite que o patrimônio seja preservado e cresça ao longo do tempo.
  2.       Geração de Renda Sustentável: Muitas organizações dependem da renda gerada pelos fundos patrimoniais para cumprir suas missões e financiar suas operações. Investimentos de longo prazo em ativos que geram renda, como ações pagadoras de dividendos e títulos de renda fixa, são essenciais para garantir um fluxo constante de recursos ao longo do tempo.
  3.       Retorno Real no Longo Prazo: Os investimentos de longo prazo têm o potencial de gerar retornos reais sólidos, uma vez que o tempo permite que os efeitos do crescimento composto se manifestem. Isso significa que o patrimônio real do fundo pode crescer substancialmente ao longo de décadas.
  4.       Redução de Volatilidade: A diversificação também ajuda a reduzir a volatilidade da carteira de investimentos. Quando os fundos patrimoniais têm metas de longo prazo, eles podem manter investimentos em classes de ativos menos voláteis, que proporcionam estabilidade, mesmo em mercados turbulentos.
  5.       Proteção contra Inflação: Investir a longo prazo também ajuda a proteger contra o impacto da inflação. Os investimentos em ações e ativos reais, como imóveis e commodities, tendem a superar a inflação ao longo do tempo, garantindo que o poder de compra do fundo seja mantido.
  6.       Resistência a Ciclos Econômicos: Ao diversificar amplamente em diferentes ativos e classes de ativos, os fundos patrimoniais estão mais bem preparados para resistir a mudanças econômicas e ciclos de mercado adversos. Isso é especialmente importante para instituições que dependem da estabilidade financeira a longo prazo.

Os fundos patrimoniais brasileiros, ainda em sua infância, podem beber desse conhecimento e experiência de décadas dos fundos americanos, acelerando sua evolução. Só o tempo, e diversas edições do presente Anuário, provarão se isso foi feito. 

Artigo originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022

 

Mais sobre fundos patrimoniais

Acesse mais conteúdos nesta temática produzido pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, clique aqui.

Caso queira saber mais sobre fundos patrimoniais ou queria conhecer nossos serviços, envie um e-mail para comunicacao@idis.org.br.

O cenário macroeconômico em 2022 e as implicações para gestores de fundos patrimoniais

Por Diego Martins, sócio da Pragma Gestão de Patrimônio

Os leitores da edição anterior deste anuário certamente se lembrarão de como finalizamos a análise de mercado para 2021, destacando que a inflação local não dera trégua até o final daquele ano. E o tempo nos mostrou que ainda não havíamos chegado ao pico. Depois de encerrar 2021 a 10,1%, o IPCA continuou a subir em janelas acumuladas de 12 meses até abril de 2022, quando atingiu a marca de 12,1%, e permaneceu acima dos 11% até o final do 1º semestre.

Diante da dinâmica inflacionária, o Banco Central do Brasil manteve sua política de aperto monetário iniciada em março de 2021. Nessa esteira, a taxa de juros SELIC, que já havia saltado de 2,0% para 9,25% ao longo de 2021, continuou subindo ao longo de 2022 até atingir a marca dos 13,75% na reunião de agosto do Comitê de Política Monetária (COPOM) – e permaneceu estável a partir daí até o final do ano.

Como é de se esperar em momentos de política monetária restritiva, o 1º semestre de 2022 foi marcado pela retração dos chamados ativos de risco. A começar pelos títulos de renda fixa (excluídos os pós-fixados), que naturalmente sofrem com a subida de juros: tanto o IRFM (índice que agrega os títulos públicos pré-fixados) quanto o IMA-B (indicador do mercado de títulos públicos atrelados à inflação) tinham retornos abaixo do CDI e da inflação até junho daquele ano.

Já a bolsa brasileira encerrou o 1º semestre caindo 6% quando medida pelo IBOVESPA. Mas esse número negativo, por si só, conta apenas parte da história. Não podemos nos esquecer que em fevereiro/2022 a Rússia invadiu a Ucrânia, trazendo volatilidade para os mercados internacionais, principalmente no que tange preços de commodities energéticas e agrícolas. Como uma externalidade positiva, a bolsa brasileira, altamente concentrada em empresas ligadas a commodities, acabou se beneficiando do movimento de preços internacionais – e em abril de 2022 ela atingiu o seu pico no ano, valorizando quase 16%.

No entanto, essa euforia positiva durou pouco, pressionada pelas altas taxas de juros locais, assim como pela entrada dos Estados Unidos e, posteriormente, da Europa no clube dos países com políticas monetárias restritivas. A inflação, que naquele momento encontrava seu pico no Brasil, ainda mostrava suas garras em outras partes do mundo.

Assim entrávamos na segunda metade do ano: vendo alguma luz no ‘fim do túnel’ da política monetária no mercado local, mas com grandes incertezas pairando nos mercados internacionais. De fato, a desaceleração seguida pelo fim do aumento de juros locais trouxe algum alívio para os ativos domésticos entre julho e outubro. Nessa janela, a bolsa subiu quase 18%, enquanto os títulos públicos pré-fixados valorizaram quase 6%. Até mesmo a inflação deu sinais fortes de alívio, com três meses seguidos de deflação.

Contudo, a euforia durou pouco. Após o resultado das eleições presidenciais brasileiras, o mercado passou a refletir negativamente àsincertezas envolvidas na composição do novo governo e aos efeitos expansionistas da PEC da Transição (Proposta de Emenda Constitucional que permitiu o aumento de gastos do governo). Com isso, a Renda Variável local devolveu parte dos seus ganhos, encerrando o ano com alta de 4,7% – valendo aqui destacar que, não fosse o peso dos papéis ligados a commodities nos índices locais, a bolsa teria registrado queda da ordem de -5% no ano.

Do lado da Renda Fixa, a despeito dos retornos positivos para os títulos pré-fixados (+8,8%) e atrelados à inflação (+6,4%), ambos fecharam o ano abaixo do CDI, que acumulou alta de 12,4% em 2022. E, por fim, se no ano passado a diversificação internacional foi a única boia de salvação para os portfólios dos endowments, nesse ano ela levou o destaque negativo: bolsas internacionais caíram, em Reais, -23,5% em 2022.

Em suma, tivemos mais um ano desafiador para a gestão de fundos patrimoniais no Brasil. Basta notarmos que, exceto o CDI, nenhuma outra classe de ativo entregou retornos reais relevantes, com bolsas local e internacional auferindo perdas reais. Esse cenário se refletiu nos resultados dos fundos patrimoniais: aqueles mais conservadores, com alocações relevantes em Renda Fixa, conseguiram entregar retornos reais positivos, ainda que aquém dos almejados 5% ao ano. Já os mais arrojados, com alocações maiores em bolsa, acabaram sofrendo mais um ano com baixos retornos.

Artigo originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022

 

Mais sobre fundos patrimoniais

Acesse mais conteúdos nesta temática produzido pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, clique aqui.

Caso queira saber mais sobre fundos patrimoniais ou queria conhecer nossos serviços, envie um e-mail para comunicacao@idis.org.br.

Uma nova fronteira para os endowments brasileiros

Por Andrea Hanai e Felipe Insunza Groba, gerentes de projeto no IDIS

Nos últimos anos, temos testemunhado avanços notáveis na criação e crescimento de fundos patrimoniais filantrópicos no Brasil, também conhecidos como endowments. O Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022, pesquisa recém-publicada pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, coletou informações 59 fundos patrimoniais em atividade no país, 20 dos quais criados a partir de 2019, ano de aprovação da Lei 13.800/19, primeiro marco legal brasileiro em torno desse tema.

Esses 59 fundos direcionaram, em 2022, um total de quase R$ 340 milhões em benefício de instituições e causas de interesse público. Para se ter uma ideia, esse montante é equivalente a 2,65% do total doado por indivíduos (de acordo com dados da Pesquisa Doação Brasil 2022, do IDIS) e a 8,3% do total doado por empresas (segundo o Benchmarking do Investimento Social Corporativo – BISC) no Brasil.

Além da contribuição crescente dos fundos patrimoniais para o apoio ao desenvolvimento socioambiental, vem chamando cada vez mais atenção o volume de recursos acumulados nessas estruturas, que atingiram um patrimônio total de R$ 123 bilhões, sendo que 5 delas já possuem patrimônio acima de R$ 500 milhões e 12 detêm patrimônios variando entre R$ 100 milhões e R$ 500 milhões, o que demonstra seu potencial de participação no mercado de gestão de ativos ou asset managements brasileiros.

De acordo com o Anuário, grande parte dos recursos acumulados encontram-se investidos em ativos de perfil mais conservador (renda fixa) e de maior liquidez (até 30 dias) o que contraria a tendência entre os maiores endowments americanos, de alocação de parcela importante dos investimentos nos chamados “ativos alternativos” de menor liquidez (private equity, venture capital, ativos reais como imóveis e fazendas produtivas, entre outros).

Indo mais além na diversificação do portfólio de ativos, alguns endowments pelo mundo têm sido pioneiros na intencionalidade de causar impacto positivo por meio dos seus investimentos financeiros. No Canadá, o Investment Readiness Program (IRP) – uma iniciativa da Community Foundations of Canada, que congrega as mais de 200 organizações de base comunitária, totalizando mais de USD 4,7 bilhões em ativos – fomenta que os fundos patrimoniais invistam seus recursos alavancando (por meio de empréstimos e equity, por exemplo) negócios, cooperativas e iniciativas sociais que se proponham a resolver problemas sociais, culturais e ambientais pelo país.

Essas organizações acreditam que é possível gerar impactos positivos não só com as destinações derivadas dos rendimentos dos fundos, mas também através do investimento de seus endowments. A Ford Foundation, uma das maiores fundações privadas dos Estados Unidos, já alocava em 2020 cerca de 13% de seu endowment de USD 16 bilhões entre investimentos relacionados à missão (Mission-Related Investments -MRI) e investimentos relacionados a programas (Program-Related Investments) realizando, por exemplo, empréstimos acessíveis para a construção e provisão de moradias populares e investimentos em fundos que investem em biotechs e health-techs que aumentem o acesso a produtos e serviços de saúde para populações de baixa renda no sul global.

A literatura econômica nos ensina que ser pioneiro tem suas vantagens, muitas vezes recompensando os vanguardistas com reconhecimento, lucros elevados e longevos. No entanto, também destaca os benefícios de “pegar carona” no conhecimento adquirido por outros, aproveitando a sabedoria acumulada e evitando os obstáculos já enfrentados e superados pelos desbravadores. Para os endowments brasileiros, essa pode ser a vocação: combinar a coragem de adotar estratégias de investimento de impacto com a sabedoria de aprender com aqueles que já trilharam esse caminho. E já vemos movimentos promissores nesse sentido: criado em 2022 por iniciativa de membros da família Gerdau, o Instituto Helda Gerdau tem 20% de seu fundo patrimonial investido em negócios de impacto socioambiental. Para além disso, com os proventos do fundo patrimonial, o Instituto fomenta o ecossistema de negócios de impacto no Brasil e, mais intensamente, em Porto Alegre.

É importante reconhecer que a adoção de estratégias de investimento responsável e de impacto depende da maturidade do mercado financeiro, da relativa diversidade e liquidez dos ativos e da resiliência da governança dos endowments em rebater potenciais contestações sobre a rentabilidade de curto prazo, que desconsideram o componente de impacto socioambiental gerado pelo portfólio de ativos adotado. Esses fatores podem fazer com que nem todos os fundos patrimoniais filantrópicos tenham as mesmas condições e recursos para implementar essas estratégias. No entanto, essa parece ser uma tendência e os gestores de fundos patrimoniais que optarem pela não adoção dessa estratégia assumirão o risco de crescente escrutínio por parte da sociedade civil.

Além disso, caso seja definida a adoção dessa estratégia, a transição deve ser avaliada e planejada, levando em consideração as circunstâncias específicas de cada fundo e o perfil de seus atuais e potenciais doadores.

Em um contexto de desafios sociais e ambientais cada vez mais urgentes, é hora de ousar e convocar os maiores fundos patrimoniais, que em sua maioria já passaram da fase mais intensiva de acumulação e captação de recursos, para abraçarem estratégias de investimento responsável e de impacto. Para além disso, é fundamental que os endowments compartilhem suas experiências, casos de sucesso e aprendizados, para que se consolidem as boas práticas de investimento e gestão dentro dessas modalidades, inspirando e dando suporte técnico para fundos patrimoniais que ousem seguir o mesmo caminho de impacto.

Artigo originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022


Mais sobre fundos patrimoniais

Acesse mais conteúdos nesta temática produzido pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, clique aqui.

Caso queira saber mais sobre fundos patrimoniais ou queria conhecer nossos serviços, envie um e-mail para comunicacao@idis.org.br.

Avaliação de Impacto: desvendando sua importância para as organizações

Denise Carvalho – Gerente Sr. de Monitoramento e Avaliação

Em um mundo em constante evolução, as organizações, sejam elas parte da sociedade civil, empresas ou agências governamentais, têm buscado cada vez mais formas eficazes de medir e compreender o impacto positivo e/ou negativo de suas ações e iniciativas.

A avaliação de impacto surge como uma ferramenta fundamental para essa finalidade. Ela oferece uma análise detalhada e baseada em evidências sobre como as atividades de uma organização afetam as pessoas, as comunidades e o ambiente, buscando compreender o alcance e o efeito de suas ações, programas e projetos. Neste texto, exploraremos o que é a avaliação de impacto, sua importância e como as organizações podem implementá-la de maneira eficaz.

 

O que é Avaliação de Impacto?

A avaliação de impacto é um processo sistemático e rigoroso que busca medir, analisar e entender os efeitos das atividades de uma organização em relação aos seus objetivos e metas. Ela envolve a coleta de dados quantitativos e qualitativos para avaliar como as ações da organização estão contribuindo para mudanças ou transformações – desejadas ou não -, que podem ser de várias naturezas, incluindo social, econômica, ambiental e política.

Os dados qualitativos se referem as informações que ajudam a descrever as características, os tipos e as nuances das informações coletadas. Por exemplo, ao avaliar o impacto de seu projeto em uma comunidade, a organização pode coletar dados qualitativos que descrevem as histórias de vida das pessoas beneficiadas, as experiências que tiveram e as mudanças percebidas em suas vidas. Esses dados nos ajudam a entender a qualidade das interações e as experiências pessoais dos participantes.

Por outro lado, os dados quantitativos envolvem números, medidas e estatísticas que fornecem informações específicas e mensuráveis. No contexto de um projeto social, os dados quantitativos podem incluir informações como o número de famílias beneficiadas, a porcentagem de aumento na taxa de emprego na comunidade ou a quantidade de beneficiários que percebem uma mudança em relação a algum indicador de impacto (habilidades socioemocionais desenvolvidas, autonomia financeira, melhoria na qualidade de vida, entre outros). Esses dados fornecem números claros e objetivos que ajudam a avaliar o alcance e os resultados tangíveis do projeto.

A importância da avaliação de impacto vai além da simples análise de resultados. Ela busca entender as causas dos efeitos observados, identificar os fatores que contribuem ou dificultam o alcance dos objetivos e oferecer insights para a tomada de decisões embasadas (ou baseadas em evidências). Em resumo, a avaliação de impacto não se limita a medir o “o quê”, mas também o “porquê” e o “como” das mudanças resultantes das atividades da organização.

 

Por que a Avaliação de impacto é importante?

A avaliação de impacto desempenha um papel crítico para organizações de diversos setores por várias razões. Dentre elas podemos destacar:

1 – Sintonia com o propósito da organização

Toda organização tem um propósito, uma missão que define sua razão de existir. A avaliação de impacto atua como um mecanismo que mantém as ações das organizações alinhadas com seus objetivos. Ao analisar o impacto das atividades, a organização pode verificar se está cumprindo sua missão de maneira eficaz. Essa avaliação contínua ajuda a evitar desvios estratégicos, garantindo que os recursos e os esforços estejam sempre direcionados para a realização da visão da organização.

2 – Agilidade e resiliência

O mundo é um lugar de constante mudança. A capacidade de adaptação é uma vantagem competitiva significativa. A avaliação de impacto fornece informações oportunas e precisas sobre o desempenho das organizações. Isso permite que estas identifiquem áreas de melhoria ou mudanças necessárias e ajuda na tomada de decisões rápidas e informadas. Em um ambiente em constante evolução, a agilidade e a resiliência tornam-se qualidades essenciais para o sucesso.

3 – Construção de confiança e credibilidade

A confiança é um ativo valioso. As organizações que adotam e entendem a importância da avaliação de impacto demonstram compromisso com a transparência, responsabilidade e excelência de suas operações. Isso não passa despercebido pelos financiadores, doadores, parceiros e pela comunidade em geral. A capacidade de apresentar evidências sólidas do impacto de suas ações cria uma base sólida de confiança e credibilidade. Essa confiança é crucial para manter e cultivar relacionamentos de longo prazo com todas as partes interessadas.

4 – Captação de recursos sustentável

Em um mundo com recursos limitados, é fundamental convencer financiadores e doadores a investir em uma causa ou projeto. A avaliação de impacto fornece uma base sólida para essa persuasão. Organizações que podem documentar e demonstrar o impacto tangível de suas atividades têm uma vantagem significativa na captação de recursos. Elas podem fornecer evidências sólidas de que seus recursos são usados de maneira eficaz e que seus objetivos são alcançados. Isso não apenas atrai financiamento, mas também aumenta a probabilidade de financiamentos recorrentes.

5 – Inovação e aprendizado contínuo

A avaliação de impacto fomenta uma cultura de aprendizado contínuo e melhoria. Ao analisar os resultados, identificar sucessos e áreas de melhoria, as organizações podem inovar e adaptar suas estratégias. Isso é fundamental para a evolução e o aprimoramento contínuo das operações. A capacidade de aprender com a avaliação de impacto leva a um ciclo de inovação que impulsiona o progresso e garante que as organizações continuem atingindo seus objetivos de maneira eficaz.

6 – Amplificação do efeito multiplicador

Uma das características mais interessantes da avaliação de impacto, que destaca sua importância, é seu efeito multiplicador. Quando as organizações compartilham suas descobertas e lições aprendidas por meio de avaliações de impacto, elas contribuem não apenas para seu próprio sucesso, mas também para o progresso de toda a sociedade. O conhecimento compartilhado tem o poder de criar mudanças significativas em um nível mais amplo. À medida que mais organizações se beneficiam de insights valiosos, a sociedade como um todo colhe os frutos de soluções mais eficazes e práticas bem-sucedidas.

 

O poder da avaliação de impacto

Em resumo, a avaliação de impacto é importante para criação de alicerce sólido para no sucesso sustentável das organizações. Ela vai além de uma mera ferramenta de medição e se torna um guia estratégico, um selo de confiabilidade e uma fonte constante de aprendizado.

Implementar a avaliação de impacto pode, de fato, ser desafiador, mas os benefícios que ela oferece superam os possíveis desafios. Portanto, é fundamental que as organizações considerem seriamente a incorporação da avaliação de impacto em suas operações, não apenas como um passo, mas como um compromisso de construção de um futuro mais eficaz e responsável.

 

Quer saber mais sobre o protocolo SROI e como Implementar uma Avaliação de Impacto de maneira eficaz? Acesse:

Protocolo SROI: quando utilizar e como interpretar o índice monetário da avaliação de impacto

Avaliação de impacto e SROI

Planejando a sucessão do fundador

Por Andrea Hanai, gerente de projetos no IDIS

Qualquer mudança na liderança de organizações da sociedade civil pode ser um grande desafio, mas quando se trata da sucessão do fundador da instituição, que geralmente desempenha o papel de principal executivo, esse processo pode ser ainda mais complexo, representando muitas vezes um teste à sua sobrevivência.

Por essa razão, cada vez mais organizações vêm buscando o IDIS para apoiá-las no planejamento da sucessão de seus fundadores, baseados em nosso conhecimento no tema da governança de organizações da sociedade civil e inspirados na experiência do processo sucessório do próprio IDIS. Também é comum a questão surgir como uma preocupação durante o processo de planejamento ou revisão estratégica da organização, passando a ser foco do planejamento de curto e médio prazos da instituição.

A estruturação de um plano de sucessão deve ser iniciada a partir de um bom diagnóstico institucional, focado na governança da organização. Nesse trabalho, procura-se mapear os papéis e responsabilidades assumidos pelo fundador e analisar as forças e fraquezas da organização, seus recursos e competências e a efetividade da participação dos demais membros de sua liderança.

Com base nesse diagnóstico, é possível determinar as ações necessárias para viabilizar um processo de transição de liderança que não comprometa o desempenho e impacto da organização. Usualmente essas ações envolvem a reestruturação da governança (e do estatuto social da instituição) com o engajamento de novos membros; a revisão do processo de mobilização de recursos (em geral dependente da rede de relacionamentos construída pelo fundador); e a formulação (ou atualização) das políticas institucionais e operacionais da organização.

É fundamental que este trabalho se desenvolva de forma transparente, com uma comunicação clara para todos os stakeholders. Além disso, a BoardSouce, importante fonte de informações sobre governança de organizações da sociedade civil, recomenda que o processo conte com a assistência de consultores externos à organização, capazes de lidar com sensibilidade com as questões emocionais que comumente envolvem a sucessão do fundador.

Texto originalmente publicado em julho de 2019. 

Quer saber mais sobre a consultoria e os serviços oferecidos pelo IDIS? Escreva para comunicacao@idis.org.br

Matchfunding: um modelo de financiamento que alavanca recursos e amplia impacto

Em um mundo que valoriza cada vez mais a colaboração e a construção coletiva como um valor, modelos de financiamento que seguem essa lógica ganham mais espaço e começam a produzir efeitos significativos para a sociedade. 

Devido a força do ambiente digital, hoje tão parte de nossas vidas, tornou-se bastante comum recebermos convites para participar de campanhas online de arrecadação de recursos. São as famosas “vaquinhas”. Nelas, pessoas físicas e jurídicas apresentam seus projetos e solicitam apoio financeiro para viabilizá-los.

Os potenciais doadores podem apoiar com diferentes faixas de valores e recebem, ao final do processo, variados tipos de recompensas (que pode ser o produto final, no caso de uma produção independente, ou mesmo um relatório de prestação de contas, com os resultados obtidos a partir dos recursos aplicados). Trata-se, portanto, de um modelo que envolve diversos doadores, unidos por objetivos e valores comuns. 

Matchfunding é um tipo de crowdfunding. A expressão tem origem da junção das palavras em inglês, “match = combinação” e “funding = financiamento”. É um modelo de financiamento coletivo, porém, conhecido como turbinado, por ser capaz de alavancar tanto a arrecadação de recursos, como a capacidade de impacto dos projetos contemplados, em função da sua estratégia de multiplicação das doações captadas. 

Neste texto, vamos explicar como se dá a estratégia de matchfunding e quais as vantagens de optar por ela, além de citar exemplos que comprovam o sucesso deste modelo de captação, a partir da contextualização, inicial, do cenário de cultura de doação no país.

 

A cultura de doação no Brasil e as vantagens do Matchfunding

A cultura de doação no Brasil apresenta-se em constante amadurecimento, e ganhou força, principalmente, no período pós-pandemia, momento em que ficou evidente a necessidade (e a urgência) de unir esforços em prol do bem comum.

Segundo dados da Pesquisa Doação Brasil, coordenada pelo IDIS  e pela CAF – e realizada pela Ipsos – em 2020, 63% dos brasileiros efetuaram algum tipo de doação. Em 2022, esse número saltou para 84%, com grande parte das pessoas doando para projetos ligados à temática da infância. A soma das doações realizadas por pessoas físicas alcançou, no ano passado, um total de 12,8 bilhões de reais.

Se entre os indivíduos da sociedade civil, a responsabilização social está crescendo, entre as empresas, já é uma premissa. Uma empresa que não possui cultura de doação como pilar de seu negócio, na pior das hipóteses, já está mal colocada no ranking de avaliação dos consumidores. Segundo dados levantados pela Agência Union + Webster (2019), na hora da compra, 87% das pessoas optam por empresas/marcas que assumem um modelo de gestão socialmente responsável.

Ocorre que, ao traçar um plano de ação alinhado às práticas ESG e à sua política de filantropia, as organizações precisam avaliar fatores diversos, entre eles:

 

1. O alinhamento das suas estratégias institucionais às causas apoiadas;
2.
A seleção de ações e/ou projetos que sejam relevantes e
3.
A definição de como irão acompanhar e mensurar o impacto positivo que desejam alcançar.

Além disso, devem, também, avaliar os possíveis riscos de reputação de marca, que podem surgir em decorrência das parcerias estabelecidas. Para evitar desgastes de imagem, é fundamental que os parceiros escolhidos pelas organizações estejam alinhados em valores e princípios. 

A depender da natureza dos objetivos traçados para as iniciativas, o modelo de matchfunding pode ser uma opção interessante, por reunir diferentes organizações em torno de objetivos comuns e, assim, não apenas ampliar a capacidade de impacto, mas também reduzir os possíveis riscos relacionados à falta de recursos, isso porque, ao envolver diversos apoiadores, tanto o investimento de recursos financeiros, como de tempo e força de trabalho serão, sempre, complementares, maximizando as chances de chegar aos resultados esperados. 

Cabe ressaltar, também, que, de acordo com estudos da Goteo Foundation, projetos que utilizam a estratégia de matchfunding são capazes de atrair, em média, 180% mais recursos junto aos doadores do que projetos sem a participação de um investidor institucional. Logo, é possível associar esse formato ao maior engajamento das pessoas no momento de escolha da doação.

Há exemplos que comprovam os benefícios que estratégias de matchfunding trazem a todos os envolvidos. Veremos alguns a seguir.

 

Tipos de matchfunding e casos de sucesso

Há formas distintas de estruturar uma estratégia de matchfunding. A grande lógica norteadora é que, a instituição que idealiza a iniciativa, turbina o valor investido por apoiadores/parceiros. Geralmente, a cada 1 real doado por um parceiro, a empresa líder da iniciativa coloca mais um real, num formato em que, ao final, cada uma das partes financia 50% do custo total do projeto. Contudo, podem haver outros modelos, com a empresa líder da iniciativa garantindo o maior percentual do custo total e os parceiros/apoiadores contribuindo com quantias menores. 

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já aderiu a  esse modelo de financiamento, turbinando a captação para projetos a partir da união de recursos públicos e privados. Em 2022, o BNDES lançou o Programa Juntos pela Saúde, que visa fortalecer os serviços do SUS nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, apoiando projetos focados, sobretudo, na atenção primária. Na lógica de matchfunding estabelecida, o Banco se comprometeu a doar 1 real, a cada outro real doado por apoiadores, alavancando o investimento destinado aos projetos de saúde contemplados. A meta do Programa é levantar um total de R$ 200 milhões em quatro anos.

A iniciativa já está em atividade, com três projetos em execução. Todos eles contam com recursos dobrados e, aos doadores, há vantagens que vão desde maior alcance geográfico e duração dos projetos selecionados, até a oportunidade de trocar aprendizados, somar inteligências, compartilhar riscos, e, claro, ampliar a capacidade de impacto dos projetos apoiados, gerando resultados mais expressivos e perenes nos territórios atendidos.

Outro exemplo é a ação liderada pelo Grupo Raia Drogasil (RD).  Em parceria com a Editora MOL, a empresa vende em suas lojas de varejo (farmácias) a coleção Sorriso (composta por revistas, livros, calendários, sacolas para presente e cartões) e toda a renda arrecadada com as vendas dos produtos é revertida para ONGs de saúde. 

No “Dia de Doar” – que na RD estende por todo o mês – a empresa se propõe a dobrar a doação dos clientes, numa lógica de matchfunding, ou seja, o Grupo investe o mesmo valor doado pelos consumidores, dobrando os recursos destinados às instituições apoiadas. Segundo Maria Izabel Toro, Gerente de Investimento Social da empresa, as vendas dos produtos sociais crescem consideravelmente durante o “mês de doar”, pois as pessoas sabem que o impacto da ação será muito grande e, por isso, sentem-se mais engajadas.

Além dos exemplos do campo da saúde citados, existem iniciativas de matchfunding bem sucedidas em outros campos, como o da cultura, empreendedorismo social, igualdade de gênero etc. Isso mostra como esse formato de financiamento coletivo é potente e pode atrair mais recursos para ampliação de impacto em diferentes causas. 

Embora esse formato ainda seja recente no Brasil, o surgimento de novas plataformas online de financiamento coletivo e o fortalecimento da cultura de doação no país mostram que existe um grande potencial para ampliação desse modelo estratégico que traz múltiplos benefícios para todos os públicos envolvidos.

 

Para saber mais

Você já participou, seja como pessoa física ou jurídica, de alguma estratégia de crowdfunding? Conhece outros exemplos bem sucedidos de macthfunding que gostaria de compartilhar? Se sim, deixe o seu comentário. Vamos adorar conhecer mais sobre a sua experiência.

E, caso tenha interesse em aprofundar seu conhecimento sobre matchfunding, acesse os links abaixo:

 

O grande potencial da doação de centavos

Por Beatriz Bouskela, Diretora Executiva do Movimento Arredondar e Nina Valentini, Co-fundadora do Movimento Arredondar

Um dos dados que mais chama a atenção, entre os resultados da Pesquisa Doação Brasil, é a constatação de que 11% dos doadores para organizações e iniciativas socioambientais afirmaram ter feito doação por arredondamento.

Entretanto, para nós, que trabalhamos há anos para que o arredondamento seja uma alternativa de doação cada vez mais acessível para os brasileiros, a informação não é tão surpreendente.

Como uma entidade impulsionadora dessa modalidade de doação, nos últimos anos temos observado uma adesão crescente por parte de empresas, dos clientes e do engajamento dos colaboradores.  Internamente, temos conquistado um crescimento contínuo nos últimos anos com um crescimento de 21% em 2022, 40% em 2021, 3% em 2020 e 52% em 2019. E sabemos que esses números são ainda maiores se somarmos outros varejistas que têm aplicado essa modalidade. Vibramos com os resultados globais de todos que podem arredondar, sejam em parceria conosco, ou não – desde que feitos com seriedade, claro.

Nesse sentido, vemos os números da Pesquisa Doação Brasil 2022 com entusiasmo e com a confiança de que este formato de arrecadação tem se tornado cada vez mais relevante na vida dos brasileiros. Atingir o patamar de 11%, após duas edições anteriores da pesquisa que registraram uma adesão inferior a 1%, nos deixa entusiasmadas e certas de que este modelo tem uma potência no nosso contexto e espaço para crescer.

E as nossas expectativas não são alimentadas apenas pelo significativo crescimento apontado pela pesquisa ou pelo que temos conquistado na operação do Arredondar. Pesquisas internacionais, como America’s Charity Checkout Champions 2023, publicada pelo Engage for Good, mostram o arredondamento crescendo ano após ano no varejo dos Estados Unidos e se consolidando como potência de arrecadação. Só em 2022 a arrecadação através de pontos de venda do varejo atingiu o patamar de 759 milhões de dólares no ano, e a oferta de doação por arredondamento cresceu 43% (versus 2020) entre os varejistas listados pela pesquisa. Ainda não temos uma pesquisa que consolide especificamente o valor arrecadado através dos pontos de venda ou dos arredondamentos no Brasil, mas é certo que ainda temos um grande caminho a ser percorrido neste sentido.

Manifestada nos mais diversos formatos, a solidariedade permeia a nossa cultura e o tecido social que temos construído enquanto país.  Os dados da Pesquisa Doação Brasil 2022 indicam um crescimento no engajamento solidário, com 84% das pessoas entrevistadas realizando algum tipo de doação durante o ano de 2022, maior índice até então. Esse gesto assume variadas formas, abrangendo diferentes maneiras de contribuição e contando com uma diversidade de gêneros, classes sociais, faixas etárias e regiões geográficas.

À medida que as práticas de solidariedade ganham mais destaque, é fundamental ressaltar que há um espaço para desenvolvermos uma cultura de doação estruturalmente presente na vida dos brasileiros, como o arredondamento. Um aspecto particular a ser notado é a estagnação das doações institucionais,  que desempenham um papel crucial na viabilização de projetos e na manutenção das organizações sociais. Em 2022, apenas 36% dos entrevistados afirmaram ter atuado como doador institucional, índice que se manteve estável quando comparado a 2020 e que caiu 10 pontos percentuais em relação a 2015.

As análises da Pesquisa Doação Brasil nos anos de 2015, 2020 e 2022 trazem uma visão aprofundada desse desafio. Ao examinarmos as principais dificuldades relacionadas à doação institucional, identificamos que há fatores recorrentes nas três edições do estudo. Destacam-se os seguintes aspectos: a percepção de falta de recursos financeiros disponíveis para doação, fator citado em 1º lugar nos três anos de pesquisa; a ausência de pedidos de doações, demonstrando falta de convite para doar; e a falta de confiança nas organizações.

À medida que as doações institucionais continuam a se mostrar um desafio enraizado na cultura brasileira, torna-se importante reforçar que as organizações sociais dependem substancialmente dessas contribuições. Seja na luta contra as disparidades sociais, na expansão do acesso a direitos fundamentais ou na preservação do meio ambiente, as doações são parte da engrenagem que possibilita que essas atividades possam existir, resistir e avançar.

 

História do Movimento Arredondar

Em resposta aos desafios relacionados à cultura de doação, o Movimento Arredondar foi fundado em 2011. A nossa missão tem como norte criar oportunidades para que todos os dias milhares de pessoas sejam convidadas a doar e fortalecer a sustentabilidade de organizações sociais.

Primeiramente, partimos da premissa que para criar um novo hábito na vida das pessoas, é estratégico estarmos presentes em alguma atividade já habitual para o indivíduo. Charles Duhigg reforça esta teoria no livro “O poder do hábito”, amplamente difundido. Nesse sentido, entendemos o varejo como o parceiro ideal para estar conosco nesta operação, uma vez que ir à farmácia, ao supermercado e/ou a um estabelecimento comercial faz parte do cotidiano de milhões de brasileiros, em diferentes regiões do Brasil.

Adicionalmente, buscamos desenvolver uma solução que fosse acessível e democrática, que ajudasse a quebrar a percepção de que é necessário ter muito dinheiro para doar. Acreditamos que doar centavos seja o suficiente para que um ato solidário possa começar, e  se concretizar. Dessa forma, trazemos a opção de doações que vão de R$ 0,01 até R$ 1,00. Ou seja, uma compra de R$ 18,70 pode se transformar em uma transação de R$ 19,00, de forma que R$ 0,30 sejam doados.

Foi importante também entender que o convite para a doação ajuda as pessoas a se lembrarem que elas podem fazer parte da diferença. Por isso, realizamos treinamentos recorrentes com os colaboradores do varejo e apoiamos a construção de materiais de loja. Quando o cliente diz “sim” para arredondar o valor da compra, este ato é o suficiente para conectar colaboradores, clientes e organizações em um único propósito.

Por fim, e igualmente importante, entendemos que é fundamental fortalecermos a visibilidade do trabalho das ONGs, e consequentemente aumentarmos a confiança dos clientes em relação ao uso dessas doações. Nesse sentido, nos responsabilizamos pela certificação das ONGs apoiadas, pelo repasse de recursos livres (não carimbados) e pela transparência do uso dessas doações.

Buscando soluções para diferentes barreiras, construímos um caminho com o objetivo de criar uma solução simples, rápida, acessível e fácil para o consumidor e para as empresas.

 

Os desafios do arredondamento

Apesar do empenho para trazer uma oportunidade de doação que faça parte do dia-a-dia dos brasileiros, a jornada de concepção do Arredondar não foi especialmente simples.

Uma das barreiras foi a própria legislação tributária. As regras sobre isenção e imunidade são diversas, complexas e um tanto burocráticas. No Brasil, até hoje tivemos um desincentivo estrutural para a cultura de doação de recursos, que é o próprio ITCMD, imposto sobre transmissão causas mortis e doações. Enquanto o governo deveria estimular esses atos de doação, e consequentemente o engajamento para o benefício comum, até agora vem tributando e dificultando a participação daqueles que querem contribuir. Uma pesquisa da FGV, em 2019, indicou que, de 74 países, o Brasil é um dos únicos três que não estabelece um tratamento diferenciado de alíquota para doações a OSCs, ao lado apenas da Coreia do Sul e Croácia.

Na nossa operação, essa realidade fica ainda mais evidente. Como recebemos recursos em várias localidades do Brasil, tivemos que entender, estado a estado, a peculiaridade da legislação. Isso porque em muitos deles, até mesmo as doações de centavos são tributadas, o que torna a nossa operação inviável nessas localidades. Nesse sentido, o advocacy entra como estratégia de ampliação da nossa atuação, o que tem apresentado resultados positivos, como por exemplo a alteração da legislação do Ceará, que em 2021 passou a permitir a isenção de impostos para doações de até R$ 50.

Um outro desafio que faz parte da nossa jornada é a priorização das empresas, assim como a percepção de seu papel em relação às demandas socioambientais. Se hoje a sigla ESG (ou ASG) tem se mostrado cada vez mais popular, ainda há um grande espaço para a ampliação de seus compromissos.

É possível ainda mencionar as recessões econômicas, inflação, pandemia e crises ambientais, que têm aprofundado as disparidades no país nas últimas décadas. Essa realidade adiciona ainda mais demandas sobre as organizações sociais, ao mesmo tempo que agrava dificuldades financeiras para muitos brasileiros.

 

Crescimento e oportunidades futuras

Apesar das dificuldades, acreditamos que esses desafios externos reforçam a prática das doações através de arredondamento como uma importante alternativa.

Algumas evidências do Brasil reforçam essa perspectiva. Estamos em meio à uma reforma tributária que considera eliminar a cobrança de ITCMD para organizações sociais, o que seria um ganho significativo para o arredondamento, e para a cultura de doação como um todo.

Adicionalmente, vemos com ótimas perspectivas a digitalização e inovação tecnológica que acompanha a vida das pessoas e das empresas, e que pode trazer de forma ainda mais facilmente o convite a doar. Estamos trabalhando para que o arredondamento acompanhe e se beneficie dessas tendências.

Por fim, destacamos com otimismo a crescente percepção do papel das empresas para os compromissos sociais e ambientais, apoiada também pela cobrança dos consumidores. É certo que quanto mais varejistas se engajarem, maior será a capilaridade, montante de recursos captados e pessoas mobilizadas através desse tipo de engajamento.

E é nisso que acreditamos: a construção de um país mais solidário passa pela mobilização, bastante articulada, de todos os setores da economia. O desafio está em encontrar e construir modelos que são capazes de conectar a cultura de doação à cada um deles.

Os resultados da Pesquisa Doação Brasil 2022 sob a ótica da cultura de doação

 

Por Pamela Ribeiro, coordenadora de Programas do Gife, e Fernando Nogueira, diretor executivo da ABCR (Assoc. Bras. de Captadores de Recursos)

 

Doar é o ato de transferir um bem, recurso ou patrimônio a outra pessoa ou organização. Cada vez mais, um conjunto de pessoas e organizações procura entender e promover esse ato não de forma isolada, mas de forma ampla e constante. É quando passamos a falar de uma Cultura de Doação: como tornar o ato de doar algo que faz parte constante e consciente do dia a dia das pessoas?

A Pesquisa Doação Brasil, em sua terceira edição, traz muitos dados relevantes sobre o quanto essa Cultura se desenvolveu no Brasil, e o quanto ainda falta a percorrer. O estudo tem uma prioridade, é claro: o hábito da doação a organizações da sociedade civil, também chamada de doação institucional. Isso não quer dizer que outros hábitos e formas de doação não são expressões relevantes da solidariedade do povo brasileiro, mas que a doação de dinheiro a entidades sociais é parte fundamental de uma sociedade civil forte, efetiva e sustentável.

O objetivo deste texto é refletir sobre o que os resultados da pesquisa trazem para o debate da Cultura de Doação. Em particular, queremos trazer potenciais desdobramentos para dois públicos: investidores sociais e organizações da sociedade civil.

Os investidores sociais são o conjunto de fundações, institutos, empresas e filantropos que se propõem a executar e financiar iniciativas sociais de forma estruturada, planejada e monitorada. Têm um papel importante na valorização e na promoção de uma Cultura de Doação, por meio de suas práticas e exemplos. É importante que incorporem a Pesquisa Doação Brasil em seu planejamento e sua prática.

As organizações da sociedade civil são o conjunto de entidades que compõem o setor social no Brasil. Possuem uma grande diversidade de causas e formas de atuação, mas em sua maioria ainda têm uma estrutura frágil, com poucos recursos, equipes principalmente voluntárias e de dedicação parcial. A Pesquisa traz dados importantes para a revisão de seus processos de mobilização de recursos e sustentabilidade. Toda organização do terceiro setor tem o desafio de ampliar a quantidade de apoiadores, parceiros, voluntários e doadores para si e para sua causa. Aqui temos vários indícios de caminhos a percorrer e armadilhas que devem ser evitadas.

O artigo começa com uma breve apresentação do que entendemos por Cultura de Doação. Em seguida, destacamos os principais perfis de doadores que são retratados na Pesquisa. Feitas essas contextualizações, refletimos sobre as implicações do atual estado da doação no Brasil para Investidores Sociais e para Organizações da Sociedade Civil.

 

CULTURA DE DOAÇÃO

No Brasil, 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer! É o que diz  2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil da Rede PENSSAN. Em 2021, a pobreza teve aumento recorde, atingindo 62,5 milhões de pessoas, segundo o IBGE. Ainda de acordo com o instituto, a proporção de pretos e pardos abaixo da linha de pobreza (37,7%) é praticamente o dobro da proporção de brancos (18,6%). Situações de racismo, inclusive, já foram presenciadas por metade da população brasileira, segundo pesquisa do Instituto de Referência Negra Peregum e Projeto Seta. Ocupamos a 5ª posição mundial em casos de feminicídio, de acordo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Tudo isso em um país que derrubou 10.781 km² de floresta em um período de um ano, o que equivale a sete vezes a cidade de São Paulo, segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Motivos para doar não faltam, então por que não temos uma Cultura de Doação mais fortalecida no Brasil?

A Pesquisa Doação Brasil 2022 reforça uma tendência das edições anteriores: a falta de dinheiro é o principal motivo para as pessoas não doarem. Outros dados da pesquisa corroboram com este resultado, como o fato da prática da doação estar mais presente entre pessoas com renda e escolaridade mais elevada e também em faixas etárias mais avançadas. A pesquisa aponta, porém, para outros fatores, que ainda que com menor relevância, também influenciam na decisão de doar, como conhecer a utilização que será feita do dinheiro e conhecer uma organização confiável para tal. Portanto, são diversos fatores que influenciam e ajudam a construir uma Cultura de Doação.

“Cultura de Doação é um conjunto de comportamentos, símbolos e valores que se expressam no compartilhamento habitual e voluntário de recursos privados em busca de uma sociedade justa, equitativa e sustentável.” Essa é a definição usada pelo Movimento por Uma Cultura de Doação (MCD), uma iniciativa formada por pessoas físicas e jurídicas que surgiu em 2013, com o objetivo de inspirar e mobilizar pessoas e organizações no propósito de enraizar a doação como parte de nossa cultura.

Essa definição contém alguns marcadores importantes que indicam como a Cultura de Doação é entendida pelo MCD. O primeiro é o uso da palavra “voluntário” indicando que o doar é uma escolha. Ainda que existam incentivos ou barreiras à doação, ela é uma opção feita pelo doador e nunca uma obrigação. O segundo marcador, é a palavra “habitual”, indicando que, em uma Cultura Doadora, doar é algo recorrente, um hábito que se cria e é incorporado no dia-a-dia de pessoas e organizações. Por fim, a definição é explícita em relação ao objetivo da doação, que busca contribuir para uma sociedade justa, equitativa e sustentável. Isso significa que o ato de doar não é apenas uma ação de caridade. Ele carrega consigo uma intenção de transformação e o entendimento de que doar é um ato político e uma forma de exercer cidadania. Essa é a Cultura de Doação que se busca construir no Brasil.

A maior parte dos brasileiros diz ter feito uma doação em 2022, segundo a Pesquisa Doação Brasil. Mais do que isso, o percentual de pessoas que fizeram uma doação cresceu de 66% para 84% entre 2020 e 2022, indicando que o brasileiro está se tornando mais solidário. Destes, 75% doaram itens e bens materiais e apenas 48% doaram dinheiro. Quando olhamos para a doação de dinheiro feita para organizações, chamada na Pesquisa de doações institucionais, esse número é ainda menor (36%) e é aí que está o principal desafio quando falamos de fortalecer uma Cultura de Doação no Brasil.

Todo e qualquer tipo de doação é legítima e bem-vinda. Porém, as doações institucionais são essenciais para o fortalecimento das organizações da sociedade civil (OSCs), coletivos, movimentos e outras iniciativas lideradas pela sociedade civil. Financiar a atuação e o fortalecimento destas organizações e iniciativas é o que vai garantir a transformação socioambiental no médio e longo prazo. Por isso, a importância de se promover uma Cultura de Doação (como a definida pelo MCD) no Brasil e de se ter a produção constante de dados, como estes da Pesquisa Doação Brasil, para monitoramento dos avanços conquistados neste campo.

Com objetivo de orientar uma ação mais articulada e efetiva na direção de promover a Cultura de Doação no Brasil, o MCD elaborou de forma colaborativa cinco diretrizes estratégicas para impulsionar o campo: (1) Educar para a cultura de doação, (2) Promover narrativas engajadoras, (3) Criar um ambiente favorável à doação, (4) Fortalecer as organizações da sociedade civil, (5) Fortalecer o ecossistema promotor da cultura de doação.

 

PERFIL DOS DOADORES: UM RETRATO MAIS ATUAL E MENOS NÍTIDO

Em suas edições anteriores, a Pesquisa Doação Brasil trazia um perfil mais definido de doadores brasileiros, apontando traços que se destacavam. Em 2020, por exemplo, a doação era um hábito principalmente de mulheres, com idade entre 30 e 49 anos, com instrução superior, das regiões Nordeste ou Sudeste, com renda familiar superior a 4 salários mínimos e com alguma religião.

Em 2022, esse quadro fica menos nítido. O percentual de doadores institucionais se aproxima entre homens e mulheres. Entre as regiões, além de Nordeste e Sudeste, também o Sul passa a se destacar. Declarar ter uma religião não é mais um marcador tão relevante. Alguns dos critérios diferenciadores anteriores continuam com algum peso, mas com novas nuances. Há ainda maior propensão a doar entre as pessoas de maior escolaridade, mas há um aumento significativo entre aqueles que possuem ensino fundamental. A mesma tendência se dá na renda: maior penetração em rendas familiares mais altas, mas aumento em rendas baixas. Finalmente, continua havendo relação entre idade e doação: quanto maior a idade, maior a chance de doar. Mas o retrato atual mostra uma variância menor: todas as faixas estão mais próximas à média.

Podemos enxergar essas mudanças de duas formas. No enfoque dos desafios, as mudanças geralmente resultam da diminuição dos estratos que antes se destacavam, e não pelo aumento dos outros. Para ficar claro: em 2015, 49% das mulheres doavam, ante 42% dos homens. Em 2022, os números caíram para 36% (mulheres) e 37% (homens).

Na visão de oportunidades, a atual pesquisa reforça a crença de que qualquer pessoa tem a capacidade de doar. Os perfis anteriores podem levar a um efeito indesejado, o de se concentrar nas “personas” ditas como mais propensas a doar e esquecer largos segmentos da população. O desafio que fica, para quem quer ampliar a Cultura da Doação, é se debruçar sobre diferentes abordagens que, em conjunto, podem funcionar com os mais variados grupos.

Finalmente, precisamos lembrar que a pesquisa revela, acima de tudo, que a população brasileira tem aumentado seus comportamentos solidários. 84% dos respondentes declarou ter feito uma doação em 2022, um percentual recorde quando comparado às outras edições. O que diminuiu, porém, foi a proporção de doadores institucionais. Há pistas que permitem levantar algumas hipóteses da razão dessa mudança de comportamento solidário: crise econômica e social, efeitos da pandemia, maior desconfiança nas OSCs, polarização crescente… Para realmente afirmar qual hipótese explicaria melhor isso, serão necessários novos estudos com foco específico nesse dilema.

 

IMPLICAÇÕES PARA INVESTIDORES SOCIAIS PRIVADOS (ISP)

Uma Cultura de Doação é formada por um coletivo de pessoas físicas e jurídicas, que idealmente atuam de forma conjunta e complementar para contribuir com a construção de uma sociedade mais justa, equitativa e sustentável. Assim como a Pesquisa Doação Brasil, pesquisas como o Censo GIFE, realizado pelo GIFE, e o BISC, realizado pela Comunitas, apontam para uma Cultura de Doação ainda bastante frágil. O Censo GIFE 2020, por exemplo, mostra que a Cultura de Doação está pouco presente entre investidores sociais privados. Entre os institutos, as fundações e as empresas respondentes da pesquisa, 50% declararam ter a execução de projetos próprios como sua principal estratégia de doação, enquanto apenas 27% são mais financiadores de projetos e iniciativas de terceiros.

Ambas as pesquisas também mostram que a confiança é um importante fator de estímulo à doação. Para os respondentes do Censo GIFE 2020, a confiabilidade e transparência das OSC ou de seus líderes é o principal critério de seleção de uma organização. Já para os respondentes da Pesquisa Doação Brasil 2022, saber como o dinheiro está sendo usado, conhecer uma organização em que confie e a entidade ser transparente/ prestar contas /mostrar aplicação de recursos estão entre as condições para um não doador se tornar doador, atrás apenas de ter dinheiro.

Há uma expectativa por parte dos indivíduos de que as empresas contribuam para solucionar os problemas socioambientais no Brasil. Como mostra a Pesquisa Doação Brasil 2022, 92% dos respondentes têm essa expectativa em relação às empresas, com um crescimento de 10 pontos percentuais em relação a 2020 (82%). A edição de 2023 do Trust Barometer da Edelman corrobora esse resultado quando aponta as empresas e as ONGs como as instituições mais confiáveis num contexto de medo.

Além de doar de forma estruturada, o investimento social privado (ISP), em especial o empresarial, tem um importante papel de contribuir para a promoção da Cultura de Doação por meio do engajamento de consumidores, funcionários, acionistas, fornecedores e outras partes interessadas. Ainda que as principais influências para doar, de acordo com a Pesquisa Doação Brasil 2022, sejam a igreja/ culto religioso/ grupo comunitário que frequenta (33%), as abordagens diretas na rua, por e-mail ou por telefone (31%) e a família, amigos ou vizinhos (31%), as campanhas no trabalho, na escola ou na faculdade e as campanhas promovidas por empresas que destinam parte dos lucros para doação são apontadas como uma influência por 14% e 10% dos respondentes, respectivamente.

Os dados mostram ainda que a rejeição a marcas com práticas inadequadas é mais relevante na influência ao consumidor que o engajamento socioambiental positivo da marca. Para adquirir um produto ou contratar um serviço, 44% dos respondentes levam em consideração se a empresa atua a favor de alguma causa social ou destina parte de seus lucros para doação, enquanto 56% não consideram. Já o percentual de respondentes que rejeitam marcas/ produtos envolvidos em práticas inadequadas chega a 77%, enquanto 23% não consideram isso na sua decisão de compra. Em especial entre a geração Z, a rejeição a marcas com práticas ruins está mais presente.

Outro apontamento relevante da pesquisa é que doadores institucionais são mais influenciados pelas práticas de uma marca que a população geral. Os dados mostram que 49% dos doadores institucionais consideram se a empresa atua a favor de alguma causa social ou destina parte de seus lucros para doação na sua decisão de compra e 85% rejeitam marcas com práticas inadequadas. Portanto, pessoas mais engajadas com doação tendem a priorizar marcas com atitudes semelhantes.

Por fim, é interessante notar que as causas preferenciais de doadores pessoas físicas e jurídicas não são as mesmas. Enquanto o ISP atua majoritariamente com educação, segundo o Censo GIFE 2020, pessoas físicas preferem doar para as causas da criança/ infantil (46%), saúde (31%) e combate à fome (29%). Educação é a causa escolhida por apenas 5% dos doadores pessoa física. Esse resultado acende um alerta para empresas e atores da filantropia que buscam engajar suas partes interessadas, indicando que nem sempre o que é prioridade para a organização é também prioridade para a sociedade em geral. Por outro lado, essa complementaridade entre doações de pessoas físicas e jurídicas pode ser uma boa estratégia para avançarmos na construção de uma sociedade mais justa, equitativa e sustentável. Nesse sentido, é importante que investidores sociais privados se atentem para pautas descobertas pelos dois perfis de doadores, como as causas vinculadas à defesa de direitos e promoção da justiça socioambiental.

 

IMPLICAÇÕES PARA ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL (OSCs)

Os resultados desta pesquisa trazem muitas implicações para a gestão das organizações da sociedade civil brasileiras, especialmente quanto a seus esforços de captação de recursos. Sabemos que a sustentabilidade institucional é um grande desafio para a maioria das centenas de milhares de OSCs brasileiras, que buscam recursos com diferentes fontes – pessoas, empresas, fundações, governo, comunidade, ajuda internacional – por meio de diferentes estratégias e técnicas. Quando comparamos esse cenário com outros países, a doação individual ainda tem muito a crescer no Brasil, mas já é a fonte mais mobilizada pelo conjunto das organizações (NIC.BR, 2023).

Destacamos a seguir duas das implicações que mais chamam atenção.

As doações e o pix

Começamos destacando uma mudança significativa na forma de pagamento das doações: o pix. Não existia em 2015, na primeira edição; já estreava timidamente em 2020, com 8%. Agora, pula diretamente para o meio mais usado para doar, com 39% das menções, à frente de métodos mais tradicionais como dinheiro, débito e boleto.

A primeira implicação é óbvia: toda organização que quer facilitar o recebimento de doações deve ter uma chave pix, idealmente ligada à conta bancária da organização. Se parece algo óbvio, não necessariamente é uma tarefa tão fácil de ser cumprida. O setor sofre dificuldades na relação com bancos. Estudo recente da ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos – mostra que muitas organizações têm dificuldade de abrir contas bancárias (⅓ já teve abertura de conta negada). A maioria dos respondentes relata a dificuldade de ter acesso a serviços básicos como cartões de débito, crédito ou linhas de empréstimo. Quase 20% afirmaram já ter tido sua conta bloqueada. Em função de todas as dificuldades, não é de se surpreender que 1 em cada 4 organizações (26%) já precisou movimentar recursos por meio de contas pessoais de seus dirigentes (ABCR, 2023). Dessa forma, ter chave pix em nome da organização já representa uma conquista para muitas das OSCs brasileiras.

A segunda implicação do crescimento do uso do pix é o desafio da recorrência das doações. O aumento do pix veio acompanhado, na Pesquisa de 2022, da diminuição na regularidade das doações às OSCs. Se em 2015 64% dos respondentes faziam doações ao menos uma vez por mês, essa taxa caiu consideravelmente agora, passando a 44%. Já a proporção dos que doam 4 vezes ao ano quadruplicou, passando de 5% para 21%. Não podemos afirmar que a preferência pelo pix causou a diminuição na frequência, mas é preciso lembrar que este modelode transferência ainda não encontra meios fáceis para sua recorrência. Captadores e prestadores de serviço neste campo – como as plataformas de doação e empresas de tecnologia – precisarão usar de sua criatividade para enfrentar esse desafio.

A (des)confiança nas OSCs

Há consenso na literatura acadêmica de que confiança é um indicador importante para a chance de sucesso de um pedido de doação (Abdal et al, 2019). Quanto maior a confiança, maior a probabilidade de doação; quanto menor a confiança, mais difícil a doação. Diante desse quadro, é preocupante notar que a Pesquisa Doação Brasil 2022 traz o aumento da desconfiança dos respondentes perante as organizações sociais que atuam no país.

Duas perguntas relativas à confiança tiveram piora em seu índice. Ainda que com valores maiores do que 2015, a melhoria vista durante a pandemia caiu significativamente. Apenas 31% concorda que as “ONGs deixam claro o que fazem com os recursos que aplicam”, ante 45% em 2020. A mesma proporção (31%) acha que a “maior parte das ONGs é confiável” (41%, na pesquisa anterior). Outras questões que medem dimensões relacionadas – como competência, efetividade e clareza na comunicação – também tiveram piora nos resultados.

Novamente, não temos dados suficientes para explicar a queda na confiança. Esse retrato é semelhante ao de outras pesquisas, que mostram uma piora na imagem geral das organizações e do setor. O desafio concreto, para cada organização, é buscar cada vez mais transparência e proximidade ao público (conforme Abdal et al, 2019). Transparência tende a ser algo mais impessoal e acontece por meio de boas práticas de prestação de contas, auditoria e demonstração de resultados. Já a proximidade aos doadores e potenciais doadores vem da indicação de amigos, familiares, colegas e influencers, bem como um conhecimento maior da organização (em visitas, por exemplo).

Mas há ainda uma dimensão coletiva da confiança, que depende do esforço de cada profissional e voluntário e de cada organização. Depende também da boa relação com imprensa, influenciadores e formadores de opinião. Idem quanto à relação com governo, seja nas parcerias em políticas públicas, seja no diálogo constante e aberto com seus órgãos de controle. Vale destacar, ainda, iniciativas lideradas por organizações de infraestrutura do campo social que se mobilizam para divulgar e valorizar o papel das organizações sociais no Brasil, como a Sociedade Viva (https://sociedadeviva.org.br/).

Espera-se que o conjunto de esforços citados acima contribua para aumentar a confiança nas ONGs. E, por consequência, ajudar no crescimento dos doadores institucionais no país. Que o Brasil seja cada vez mais conhecido por sua forte Cultura de Doação.

 

Referências

  • ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos. AS ONGS E OS BANCOS: Uma pesquisa exploratória sobre as barreiras que as organizações da sociedade civil enfrentam no sistema financeiro. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/13tQDpnRRqkngOrjuDl8DEASQNQKuVKEV/view . Acesso em 16 de agosto de 2023.
  • Alexandre Abdal ; ALVES, M. A. ; Nogueira, F. A. ; Andrea Pineda ; Campos, P. H. ; CALIXTO, G. ; CAMPOS, G. . Pesquisa Comportamental Sobre Doadores de Alta Renda. 2019. (Relatório de pesquisa).
  • NIC.BR – Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (editor). Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nas organizações sem fins lucrativos brasileiras : TIC Organizações Sem Fins Lucrativos 2022 [livro eletrônico]. — 1. ed. — São Paulo : Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2023

 

 

Analisando a Geração Z | Pesquisa Doação Brasil 2022

Por Maurício de Almeida Prado, Diretor Executivo da Plano CDE

“Falhamos em deixar um Brasil melhor para nossos filhos, mas conseguimos deixar filhos melhores para o Brasil”. Com essas palavras o executivo Fábio Barbosa definia, em uma entrevista para a revista Carta Capital, suas expectativas com uma geração que seria supostamente mais consciente de seu papel frente a questões sociais e ambientais do que a dele.

Mas será que as novas gerações têm mesmo uma postura diferente? Uma das formas de entender essas diferenças é olhando para uma questão muito importante em sociedades de todo mundo: a disposição para fazer doações e o envolvimento com a filantropia. Para isso, nada melhor do que analisarmos os dados e evidências levantados pela recém-lançada pesquisa Doação Brasil, coordenada pelo IDIS e realizada pela Ipsos Brasil.

No estudo, que ouviu mais de 1.500 pessoas em todo o País, podemos comparar as respostas do público da faixa etária de 18 a 27 anos – que costuma ser classificado como Geração Z – com o restante da população.

 

A Geração Z e as doações

Geração Z é nome dado ao grupo de pessoas nascidas entre os anos de 1995 e 2010. Como a pesquisa “Doação Brasil” foi realizada apenas com maiores de 18 anos, usaremos o recorte de 18 a 27 anos para esta análise.

O primeiro achado deste estudo é que os jovens da Geração Z estão doando mais do que há dois anos.  Na pesquisa recém-lançada, coletada em 2022, 84% dos jovens da Geração Z disseram ter feito alguma doação no último ano, frente a 63% na pesquisa de 2020. Isso demonstra um crescimento expressivo da prática de doação por esta faixa da população.

As doações mais realizadas foram de bens materiais (76%), seguidas por dinheiro (43%) e doação de tempo/trabalho voluntário (30%). Interessante notar que a Geração Z doa proporcionalmente mais em forma de trabalho voluntário do que o restante da população (30% contra 26%) e faz menos doações em dinheiro (43% contra 49%) do que a população em geral). Essa diferença pode ser explicada pela menor renda média deste público frente as gerações mais velhas, sendo que a maior doação de tempo pode indicar uma oportunidade para as organizações filantrópicas.

 

Jovens acreditam mais na sociedade civil e confiam mais na ONGs

Quando perguntados sobre quem deveria ser responsável pelas soluções dos problemas sociais e ambientais no Brasil, os jovens da Geração Z conferem maior responsabilidade às ONGs e empresas do que à população em geral, que atribui um peso maior ao governo para resolver essas questões (indicam as ONGs 91% contra 84% da população/indicam as empresas 96% contra 92% da população).

É no entendimento do papel das ONGs na sociedade e na confiança em sua atuação que a Geração Z apresenta as maiores diferenças em relação ao restante da população. Elas concordam mais que as ONGs são necessárias para ajudar no combate aos problemas sociais e ambientais (74% contra 67%), entendem melhor que a ação das ONGs leva benefícios a quem realmente precisa (74% contra 58%) e compreendem melhor o papel das ONGs na sociedade (73% contra 65%).

Também demonstram claramente uma maior confiança nessas organizações, uma vez que concordam mais com a afirmação “A maior parte das ONGs é confiável” (39% contra 31%), com que “ONGs dependem da colaboração de pessoas e empresas para obter recursos e funcionar” (83% contra 75%) e confiam mais na transparência da atuação das ONGs (39% contra 31%).

No estudo “Conservadorismo e questões sociais”, realizado pela Plano CDE para a Fundação Tide Setubal, foram levantadas algumas hipóteses que explicariam a desconfiança de parte do público conservador mais idoso em relação às ONGs. Os entrevistados relataram em pesquisas qualitativas uma dificuldade de confiar em ONGs que não conheciam direito, com certa generalização de uma imagem negativa dessas organizações. Porém, quando mencionadas ONGs que eram próximas fisicamente e conhecidas dos entrevistados, como as da igreja do bairro, estas eram apontadas como merecedoras de confiança por esse público. Havia certa dicotomia entre a imagem da ONG distante e intangível e a imagem da ONG local, próxima, tangível e confiável.

Mais do que dar transparência ao trabalho das ONGs através de relatórios, parece haver a necessidade de uma aproximação com esses públicos, que já consolidaram uma imagem de desconfiança de algo que, muitas vezes, aparece como distante e incerto. Trazer esse público para perto, com envolvimento direto nos projetos, poderia ser uma forma de aproximação para diminuir essa desconfiança e aumentar as doações.

Por outro lado, a maior confiança em ONGs por parte da Geração Z traz uma enorme oportunidade para o campo da filantropia amplificar sua participação na sociedade civil, não apenas com a captação de recursos, mas também com o envolvimento direto dessa parcela da sociedade em seus projetos.

 

Uma geração que doa com menos desconfiança

Quando olhamos as visões da Geração Z sobre a doação em geral, percebemos também uma relação de menor desconfiança do que no restante da população. Eles concordam menos com as frases “Não tenho confiança no que vão fazer com meu dinheiro, se doar” (37% contra 45%) e “Algumas doações beneficiam pessoas que não merecem esta ajuda” (43% contra 53%).

Outros aspectos que demonstram maior confiança nas doações por esse perfil mais jovem é que eles concordam menos com as frases “Eu acredito que é melhor dar dinheiro diretamente a quem precisa sem intermediários” (36% contra 46%) e “Eu penso que não devemos dar dinheiro, mas alimentos e bens” (45% contra 53%). Há claramente maior confiança em intermediários (que podem ser entendidas principalmente como as ONGs) e mesmo na real necessidade do beneficiário — quando veem menos problema em dar dinheiro do que as outras gerações, que, proporcionalmente, preferem doar alimentos e bens, com certa desconfiança de seus usos quando da doação realizada em dinheiro.

Fica aqui o desafio de aproveitar a oportunidade criada pela maior confiança em doações e nas próprias ONGs dessa parcela da sociedade para se criar uma cultura de doação focada nesse público.

 

Por que os jovens doam e quem os influencia?

As principais motivações dos jovens nas doações estão ligadas a três fatores: os objetivos/temáticas das causas, participação cidadã e a aspectos pessoais/emocionais. Logo, vemos como principais respostas: acredito nessa causa que ajudo (94%), seguida pelo sentimento de fazer a diferença (89%) e do entendimento de que todos devem participar da solução dos problemas sociais (88%). Na sequência, temos “Porque me faz bem”, com 88% das respostas, e “Porque me ajuda no meu desenvolvimento como pessoa”, com 76%. O que mais diferencia a Geração Z é que, para esse grupo, as doações são menos motivadas por motivos religiosos (44% contra 55% da população em geral).

As principais influências dessa geração na hora de doar são: familiares e amigos, grupos religiosos e abordagens na rua – o que é similar à população em geral. Porém, para a Geração Z há uma importância maior de influenciadores/redes sociais do que para a população em geral (25% contra 17%). A rede social que mais influencia esse grupo a doar é o Instagram (89%), seguido pelo Facebook (37%) e TikTok (13%).

As causas que mais receberam doações dessa geração foram: crianças (38%), seguidas por combate à fome (26%), população de rua (20%) e situações emergenciais (19%). As causas/públicos que mais diferenciam essa geração em relação ao restante da população são: população de rua (20% contra 15%) e causa animal (9% contra 5%).  Quando perguntados sobre seu envolvimento além das doações, 62% dos jovens dessa geração já se envolveram em outras ações sociais, para além das doações realizadas.

A maior importância das redes sociais para o engajamento desse público deve subsidiar as estratégias das ONGs em sua comunicação.

Por outro lado, quando vemos que quase dois terços dos jovens (62%) já se envolveram com a filantropia para além das doações, reforçamos a ideia de uma geração com maior potencial de participação no campo.

 

O papel socioambiental das empresas importa muito para essa geração

Quando olhamos para as percepções dessa geração em relação ao consumo e às práticas das empresas, notamos que esse perfil declara rejeitar mais a compra de produtos de empresas envolvidas com práticas inadequadas do que a população geral (83% de rejeição contra 77%).

Já um estudo sobre a Geração Z realizado pela consultoria Deloitte em 2023 aponta que os jovens dessa geração consideram que suas empresas estão evoluindo em questões de diversidade e impacto socioambiental. Porém, a maioria ainda percebe que suas empresas não estão fazendo o bastante nessas frentes.

Seja como consumidores ou colaboradores, os jovens da Geração Z demonstram estar atentos à atuação das empresas, impondo um desafio para que as organizações acelerarem suas atuações em ASG (ambiental, social e governança).

 

Conclusões

A análise dos dados da pesquisa “Doação Brasil”, no recorte dos jovens da Geração Z, demonstra maior entendimento do papel da sociedade civil por esse público, com empresas e ONGs tendo uma importância similar a governos na solução dos problemas socioambientais. Mais do que isso, vemos uma relação de maior confiança no trabalho das ONGs e destinação de suas doações e um interesse no envolvimento direto com seus projetos. A comunicação com essa geração deve considerar a importância das redes sociais para esse público nas estratégias de engajamento e captação. Por fim, temos essa parcela da população com um olhar mais crítico frente a atuação das empresas – o que deve ser um ponto de atenção às estratégias ASG dessas organizações.

Os achados deste estudo apontam para caminhos interessantes de planos de ação focalizados no público jovem que apresenta uma pré-disposição maior em participar de filantropia – uma grande oportunidade de alavancarmos a cultura de doação em nosso país.

O que é Grantmaking e como a prática contribui para ações de impacto social

por Paula Lottenberg e Aline Herrera

 

Você sabe o que é grantmaking? A prática tem se destacado no campo do Investimento Social Privado como um caminho para a potencialização dos recursos investidos nas causas e projetos sociais. Conheça aqui todos os detalhes sobre o modelo!

 O termo se refere a uma estratégia de atuação do campo da filantropia que envolve o repasse de recursos financeiros para organizações e projetos sociais já existentes. Desta maneira, o investimento social amplia as fronteiras de atuação para além do entorno do financiador, como seria com a criação e execução de projetos próprios.

Além de reduzir os custos financeiros e técnicos para as empresas e organizações financiadoras, a prática de grantmaking é capaz de potencializar o Investimento Social Privado e impacto. Isso ocorre porque a descentralização dos recursos passa a contemplar uma diversidade de causas e comunidades, promovendo, inclusive, iniciativas em regiões e localidades menos estruturadas do país.

Pensemos, por exemplo, num doador interessado em investir em determinada causa, com um recurso disponível de R$150 mil. Se esse doador decidir por criar um novo projeto, esse recurso seria consumido em grande parte entre as etapas de estruturação e despesas operacionais relacionadas ao início de um novo programa, com pouca vazão para o impacto de ponta. Além disso, todo o recurso estaria concentrado em um único projeto, com atuação e beneficiários muitas vezes limitados geograficamente.

Já se esse mesmo doador optar pelo grantmaking, esses R$150 mil seriam repassados para organizações da sociedade civil, podendo virar dois apoios de R$75 mil ou cinco apoios de R$30 mil. Como as organizações que receberiam os repasses já são estruturadas, quase a totalidade do recurso se destinaria para a execução dos projetos escolhidos, potencializando a atuação e a abrangência daquele investimento e, consequentemente, seu impacto na sociedade.

As organizações beneficiárias são selecionadas a partir de um criterioso processo de análise – que pode se dar por editais abertos, cartas convites ou outros meios. Também é comum, na prática, a relatoria de utilização do recurso, através de ferramentas de Monitoramento e prestações de contas. Dessa forma, o doador garante que o investimento está voltado para o impacto e sendo gerenciado por equipes que tem expertise na causa escolhida.

Este incentivo estratégico, mais do que repasse financeiro, é um ato de encorajamento às organizações da sociedade civil (OSCs) que desenvolvem soluções reais para as comunidades e causas com as quais atuam. Assim, as organizações firmam-se como protagonistas de seu meio, proporcionando resultados mais assertivos aos beneficiários.

O grantmaking estimula que as iniciativas sejam cada vez mais aperfeiçoadas em níveis técnicos, de abrangência e de impacto, impulsionando um desenvolvimento comunitário mais sustentável, justo e inclusivo.

 

Surgimento do Grantmaking como estratégia de doação

O grantmaking surgiu junto com a ascensão da filantropia moderna no final do século XIX, provocada pela crítica social da doação de quantias muito pequenas e sem foco para organizações beneficentes.

Essa nova forma de investimento social foi constituída pela criação de fundações inovadoras de famílias como Rockefeller e Ford que enriqueceram com as indústrias siderúrgica, petrolífera, ferroviária, telegráfica e automobilística.

Para receber as doações em larga escala dessas fundações, as instituições sociais começaram a adotar métodos de gestão profissional e colocaram como foco de seu trabalho a melhoria das condições sociais. Essas novas práticas tiveram impacto de longo prazo na forma de fazer filantropia e na educação, cultura, ciência e saúde pública em todo o mundo.

Esse momento histórico também foi marcado pelo desenvolvimento das doações e do voluntariado nos Estados Unidos, impulsionados pela Primeira Guerra Mundial. Durante esse período, os americanos doaram mais de US$400 milhões à Cruz Vermelha, gerando uma democratização das doações, incluindo também a classe média.

 

Grantmaking no Brasil

Historicamente, observamos como prática do investimento social brasileiro mais agentes executores de seus próprios projetos do que financiadores de organizações da sociedade civil. Contudo, em 2020, o Censo GIFE registrou, pela primeira vez, que o volume de recursos doados (47%) foi superior aos executados pelos próprios financiadores (42%). Foram R$2,5 bilhões doados a terceiros, sendo R$2 bilhões para iniciativas de enfrentamento aos efeitos da pandemia de Covid-19, indicando que este foi um acelerador para novos modelos de filantropia e concessão de recursos.

O resultado demonstrou que o campo do investimento social pode atuar de forma solidária e ágil na resposta a situações emergenciais. Contudo, esse dado não indica necessariamente que as empresas, institutos e fundações estão atuando mais como grantmakers, uma vez que não é possível saber o quanto desse formato de doações foi incorporado às estratégias permanentes das organizações.

Nesse sentido, outro dado importante do Censo GIFE é o número de investidores sociais essencialmente financiadores, ou seja, aqueles que destinam mais de 90% do orçamento à doação para terceiros. Em 2020, apenas 16% dos respondentes foram classificados como essencialmente financiadores, praticamente o mesmo patamar de dez anos atrás e com queda de 7% em relação a 2018, apesar do acentuado crescimento no volume de doações em razão da pandemia.

Os doadores institucionais têm preferido alocar os seus funcionários na administração direta de programas próprios, dedicando-se a uma visão de redução dos riscos que poderiam existir com o repasse de recursos para terceiros. Nesse caso, a ausência de ações de grantmaking pode ser explicada principalmente pela falta de confiança nas organizações da sociedade civil.

Essa perspectiva faz com que as práticas de repasse de recursos hoje sejam bastante limitadas, normalmente vinculadas a financiamentos pontuais a projetos com prazos pré-definidos de 12, 18 ou 24 meses e com alto nível de controle e exigências para as prestações de contas.

No entanto, esse alto nível de controle sobre o recurso vem se mostrando cada vez mais infundado. Uma pesquisa global da Eldeman sobre confiança e credibilidade, realizada com mais de 36 mil respondentes em 28 países indica que 60% dos respondentes confiam nas ONGs e que essas, em conjunto com as empresas, são as instituições mais confiáveis pela população. O nível de confiança se potencializa quando esses dois agentes trabalham juntos, indicando que a parceria deve ser transparente e sólida e que se há alguma desconfiança das empresas, essa não se justifica.

Mudanças na prática de grantmaking

Desde a pandemia, o debate sobre as práticas de grantmaking tem ganhado espaço e importância em temas como apoio institucional e confiança, que se apresentam como desafios a serem superados e aspectos a serem desenvolvidos.

Nas experiências de ações emergenciais, as formas de repasse dos recursos mudaram: aconteceu um movimento de maior flexibilidade, simplificação de processos, menos controle e mais autonomia para as organizações da sociedade civil do que normalmente. Nesse momento o foco passou a ser a resolução rápida de problemas. Para isso, algumas organizações investidoras desenvolveram instrumentos jurídicos mais simples, flexibilizaram processos e protocolos, agilizaram as aprovações internas e o repasse de recursos, aumentaram o prazo para prestação de contas, diminuíram o rigor técnico no monitoramento e deram maior liberdade para realocação de recursos nas rubricas orçamentárias.

Utilizando-se da metáfora de Vu Le, especialista em organizações sem fins lucrativos, fazer um bom projeto é como assar um bolo: para garantir que o resultado seja satisfatório não basta pagar pelos ingredientes, é necessário também pensar na eletricidade, funcionários da padaria, e todos os outros custos envolvidos.

Outro ponto relevante nesse mesmo sentido é a discussão de que mudanças permanentes em agendas sociais complexas, como é o caso do racismo, machismo, e a inclusão de pessoas com deficiência (PCDs) não são possíveis apenas com apoios de projetos de curto prazo. Nesse sentido, destaca-se que um grantmaking efetivo tem caráter de médio a longo prazo, a exemplo do The California Endowment, que investiu 1 bilhão de dólares ao longo de 10 anos em 14 bairros de Los Angeles para melhoria da saúde na região.

 

Grantmaking participativo: os beneficiários no centro

Existe hoje uma busca maior pela prática do grantmaking participativo, que consiste no compartilhamento ou transferência do poder de decisão sobre a gestão dos recursos doados pelos filantropos e investidores sociais às iniciativas e organizações beneficiárias.

Essa perspectiva parte do reconhecimento de que as pessoas afetadas pelos problemas de determinadas comunidades, possuem legitimidade para falar de suas vivências e assim determinar quais são as prioridades para o uso dos recursos financeiros que lhe são ofertados.

Algumas práticas são aceleradoras dos processos de grantmaking mais participativo, sendo elas:

  • Reafirmação de valores;
  • Escuta de feedback dos beneficiários (grantees);
  • Adoção de uma abordagem de aporte equitativo;
  • Resposta a influência de grupos ou pares e;
  • Reação a crises mundiais e políticas.

A adoção desse modelo também passa por uma mudança nos processos de Monitoramento e Avaliação, que passam a ser menos documentais, feitos por relatórios, e mais pautados na confiança e no diálogo, promovendo uma interlocução entre financiadores, instituições financiadas e beneficiários.

Fazer com que os investidores sociais brasileiros mudem suas estratégias de doação e da operação do grantmaking não é uma tarefa simples. Há ainda barreiras, principalmente no que diz respeito às políticas orçamentárias e a aversão ao risco dos investidores. Ainda assim, a prática vem crescendo significativamente nos últimos anos e seus ganhos vêm superando esses entraves.

O foco maior em repasses de recurso de forma mais democrática entre as regiões do país, orientada para transformações sociais de longo prazo e consolidando uma visão de parceria e diálogo entre as organizações envolvidas num modelo de financiamento flexível e plurianual é um caminho para que os repasses gerem impacto social de forma mais efetiva.

O IDIS oferece consultoria e apoio técnico a organizações que desejam investir por meio de prática de grantmaking. Conheça nossos cases sobre o assunto ou converse com nosso time!

Glossário de Investimento Social Privado: conheça alguns conceitos que fazem parte deste universo

O investimento social privado (ISP) tem se tornado uma prática cada vez mais relevante no cenário empresarial contemporâneo. Empresas e organizações têm reconhecido a importância de ir além do lucro financeiro e buscar formas de contribuir para o desenvolvimento social e sustentável da sociedade em que estão inseridas.

Ainda assim, muitos termos e conceitos do investimento social privado podem ser complexos e confusos para aqueles que estão explorando esse campo pela primeira vez. Ao entender esses fundamentos, você poderá se sentir mais confiante e capacitado para iniciar ou aprimorar suas iniciativas de investimento social privado.

Conheça os serviços prestados pelo IDIS visando aprimorar o ISP no país 

Filantropia estratégica

É a alocação voluntária e estratégica de recursos privados, sejam eles financeiros, em espécie, humanos, técnicos ou gerenciais, para o benefício público. Para promover a transformação social sistêmica e de longo prazo, esse investimento é feito com planejamento estratégico ancorado em dados, com indicadores pré-definidos, execução cuidadosa, monitoramento dos resultados e avaliação do seu impacto.
Fonte: IDIS

 

Filantropia de risco

A filantropia de risco, também chamada ‘venture philanthropy’, tem como objetivo apoiar e catalisar soluções inovadoras para problemas socioambientais, propostas por negócios de impacto em estágio inicial ou organizações da sociedade civil. Neste modelo, o investidor assume riscos ao apostar em potenciais de mudanças sistêmicas e prioriza o impacto positivo ao retorno financeiro, com financiamento personalizado, complementado com apoio estratégico, monitoramento e avaliação do impacto.
Fonte: Investimento Social e Impacto no Brasil – Latimpacto

 

Blended finance

Blended Finance, ou finanças híbridas, são estruturas que combinam capital filantrópico e o capital financeiro para realização de iniciativas com impacto socioambiental. Elas podem combinar instrumentos diversos para apoio aos projetos, como por exemplo dívida, equity, garantias, seguros, programas ou fundos garantidores, grants, pagamento por resultados e assistência técnica.
Fonte: World Economic Forum e BNDES

 


Negócio de impacto

Negócios de impacto são empreendimentos que oferecem, por meio de seus produtos e serviços, soluções para desafios socioambientais e geram mudanças positivas ao mesmo tempo em que geram resultados financeiros positivos de forma sustentável.
Fonte: Artemisia e Anprotec/ICE

 


Inclusão produtiva

Inserção de pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social no mundo do trabalho, em áreas rurais ou urbanas, por meio do empreendedorismo ou da empregabilidade formal, de modo que sejam capazes de gerar sua própria renda de maneira digna e estável, e assim superar processos crônicos de exclusão social.Fonte: IDIS e Sebrae

 


Empreendedorismo social

Empreendedorismo social é o conceito por trás da construção de negócios de impacto. Ou seja, o ato de empreender para promover soluções sistêmicas que responder a desafios sociais e ambientais.
Fonte: Fundação Schwab

 


Economia regenerativa

A economia regenerativa propõe o reconhecimento – de maneira calculada – do valor econômico do meio-ambiente, das pessoas e das relações entre estes elementos, para os sistemas produtivos. Com isso, é possível prever usos mais adequados, privilegiando a regeneração e evitando o consumo até a escassez.
Fontes: NetZero

Guarda-chuvas, para-raios e cisternas para uma filantropia mais transformadora

Texto originalmente publicado na Folha de São Paulo em 19/05/2023

por Felipe Groba, Gerente de Projetos no IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Pouco conhecidas no Brasil, FICs se destacam por intermediação independente entre investidores e organizações sociais

Imagine se existisse no Brasil um mecanismo que permitisse  empresas e indivíduos destinarem recursos para emergências e endereçar questões socioambientais de alta complexidade em um determinado território, sem riscos de conformidade legal e que, além disso, servisse também de instrumento para defender causas e políticas públicas de modo legítimo e sem partidarismos. Imagine se esse mesmo mecanismo fosse capaz de fomentar a cultura de doação local e fortalecer organizações sociais e coletivos locais.

Esses mecanismos existem.  São cerca de 20 no México, 201 no Canadá e mais de 900 nos Estados Unidos – alguns com mais de 100 anos de história – e são comumente chamados de Fundações ou Institutos Comunitários, ou FICs. As FICs são organizações da sociedade civil independentes que atuam fortalecendo a filantropia local, captando recursos junto a empresas e indivíduos e alocando-os de modo estratégico para que organizações sociais formais e informais se desenvolvam, fortaleçam sua atuação e executem seus projetos. Geram, assim, impacto em um território específico.

Visita da equipe IDIS a ‘Tabôa’, Serra Grande, na Bahia

O Brasil conta hoje com 14 organizações operando nesse modelo em 10 estados. Nesse grupo, existem organizações já consolidadas como a Fundação FEAC de Campinas, o Instituto Baixada Maranhense e o ICOM – Instituto Comunitário da Grande Florianópolis, e também organizações mais jovens, como a FEAV, com atuação em Valinhos, o Instituto Cacimba, na região de São Miguel Paulista (periferia de São Paulo), a Manauara Associação Comunitária e o recém-formado ICOSE – Instituto Comunitário do Sergipe. Todas elas integram o Programa Transformando Territórios, lançado em 2021 pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, financiado pela Charles Stewart Mott Foundation e com apoio institucional da Brazil Foundation e do GIFE.

Visita da equipe IDIS a Redes do Bem, organização comunitária no Rio de Janeiro

A maior parte das FICs brasileiras já conta com fundos filantrópicos constituídos para captar e distribuir recursos para organizações e iniciativas de seus territórios. Além disso, elas fomentam campanhas como o ‘Dia de Doar’, iniciativas para o engajamento de voluntários e promovem cursos e capacitações para líderes sociais locais. Algumas delas atuam também como porta-vozes das demais Organizações da Sociedade Civil (OSCs) do território perante o poder público na defesa do fortalecimento e regulamentação de fundos de direitos, do desbloqueio de recursos e no advocacy por mudanças legislativas. A legitimidade para ativar a filantropia e representar o setor social do território vem do fato de não ser vocação das FICs operarem projetos diretamente, sendo seu papel o de canalizar recursos para as organizações que operam na ponta com os beneficiários, assim, as FICs tornam-se aliadas das OSCs locais e não competidoras.

 

 

As experiências bem sucedidas têm provocado algumas mudanças no setor. Segundo pesquisa BISC – Benchmarking do Investimento Social Corporativo, publicada anualmente pela Comunitas, 38% das Empresas contempladas indicaram algum grau de prioridade para apoios às FICs no biênio 2022/2023, enquanto 86% das Fundações e Institutos Corporativos atribuíram prioridade média ou alta. Dentro do setor industrial, 75% dos respondentes afirmam ter introduzido ou fortalecido as FICs em sua estratégia de investimento social (contra 20% no setor de serviços), confirmando a tendência da indústria extrativista e de transformação de buscar soluções socioambientais locais, visando mitigar suas externalidades negativas e potencializar suas externalidades positivas, em consonância com as boas práticas ESG (sociais, ambientais e de governança).

O potencial das FICs como canalizadoras de investimentos sociais locais vem, sobretudo, do estabelecimento de uma governança robusta, diversa e perene, assim como uma  abordagem sistêmica baseada no diagnóstico das potencialidades e necessidades locais, construída através da escuta das diferentes vozes da sociedade civil local e da constante interlocução com as organizações que atuam em prol do território. Essas características dão match com o que as empresas esperam para fortalecer a atuação com organizações sem fins lucrativos. Segundo a BISC, 90% das empresas apontam a “maior evidência do sucesso (resultados, impacto) das parcerias” como um fator determinante para o fortalecimento da relação, enquanto 80% indicam a “necessidade da empresa de atuar em rede”. E essas, são justamente  algumas das principais características das FICs.

Cabe notar que as FICs são, antes de tudo, importantes intermediárias entre doadores e OSCs, buscando atender aos interesses filantrópicos dos doadores, mas sempre de olho nas demandas do território. Um exemplo disto são os DAFs – Donor Advised Funds, ainda pouco populares no Brasil, que funcionam como “contas correntes de filantropia” de indivíduos e empresas, administradas pelas FICs, que ficam responsáveis por investir esses recursos no mercado de capitais e repassá-los às organizações sociais de acordo com as preferências dos doadores. Essa possibilidade de acumular recursos para direcioná-los futuramente é análoga às cisternas, que armazenam água visando a utilização em momentos estratégicos ou de maior necessidade.

Ao consolidarem e gerirem doações de terceiros, as FICs ficam encarregadas de toda a diligência, acompanhamento e prestação de contas sobre o uso desses recursos, permitindo, por exemplo, que grandes empresas financiem projetos e organizações menores e até mesmo movimentos e coletivos informais, pois a FIC estará ali atuando como um “pára-raio” de compliance, mitigando riscos para os doadores ao serem a donatária direta dessas empresas. Feita a diligência na recepção dos recursos, caberá à FIC mentorar os doadores quanto ao uso estratégico desses recursos, tendo como base o seu amplo conhecimento do território, de suas demandas e potencialidades, de suas organizações e líderes.

Por fim mas não menos importante, essa visão privilegiada do território e construída em bases democráticas e de confiança mútua permite às FICs servirem como porta-vozes para que o setor social local lute por direitos e visibilidade, empreenda campanhas de mobilização social ou até faça incidência por mudanças em políticas públicas, sem estarem diretamente expostas perante autoridades. A FIC atua então como um ‘guarda-chuva’ para que as lideranças sociais não se molhem no jogo político e de poder desnecessariamente.

Esse conjunto de características faz das Fundações e Institutos Comunitários mecanismos potentes para uma filantropia mais ativa, efetiva e duradoura em um território, seja ele um bairro, uma cidade, um estado ou mesmo um território que compartilhe afinidades e identidades socioambientais.

O que é Capitalismo de Stakeholders?

As empresas são organismos poderosos e podem, e devem,
usar seus recursos para melhorar a sociedade

 

Um dos grandes economistas da história, Klaus Schwab, sugeriu em 1971 um modelo de capitalismo no qual as empresas deveriam almejar a criação de valor a longo prazo, levando em consideração as necessidades de todos os públicos relacionados ao negócio. Ou seja, o papel das empresas não deveria se resumir apenas ao lucro, mas envolveria também a contribuição ativa ao bem-estar da sociedade.

Este conceito foi nomeado mais tarde por R. Edward Freeman como Capitalismo de Stakeholders (Capitalismo das partes interessadas, em tradução livre). Você já ouviu falar do termo? Entende suas implicações no mundo e nas atuais dinâmicas empresariais? 

Em um mundo envolto de demandas urgentes que exigem, cada vez mais, práticas sustentáveis, a temática torna-se mais relevante a cada dia. E é sobre esse assunto que vamos falar nesse texto!

 

A origem do Capitalismo de Stakeholders

Em 1970, o Nobel da Economia Milton Friedman conceituou o modelo capitalista que seria dominante ao longo das próximas décadas. Ele afirmava que a única responsabilidade social das empresas era a maximização de seus lucros, ou seja, que o dinheiro era o único objetivo a ser cobiçado e alcançado pelos negócios. Este  modelo ficou conhecido como Capitalismo de Shareholders ou Capitalismo de Acionistas.

A resposta de Schwab, na época, não surtiu muito efeito. Nos anos 1970 e 1980, processos de desregulamentação e liberalização dos mercados incentivaram a competição acirrada e a maximização dos lucros em detrimento de outras considerações importantes. O processo envolveu a eliminação e flexibilização de muitas das leis governamentais que controlavam as atividades econômicas, incluindo as que estabeleciam salários mínimos e limites de horas de trabalho. A pressão por lucros a curto prazo muitas vezes se sobrepôs a considerações mais amplas sobre os impactos sociais e ambientais.

Passados 20 anos, o consenso sobre este entendimento acerca do papel das empresas na sociedade começou a entrar em xeque. John Elkington apresentou, em 1994,  o conceito de ‘Triple Bottom Line’ (que no Brasil foi popularizado como o tripé da sustentabilidade ), uma expansão do modelo tradicional de avaliação das empresas, que considera, além de sua dimensão financeira, a performance social e ambiental dos negócios.

 

 

O debate evoluiu com o surgimento do conceito de Capitalismo Consciente, cunhado em 2007 pelo empresário Raj Sisodia e por John Mackey. O Capitalismo Consciente tem uma relação próxima com o Capitalismo de Stakeholders, no entanto, vai além, enfatizando a importância de uma liderança consciente, cultura empresarial e propósito maior na criação de valor para todas as partes interessadas.

Com o crescimento gradativo do entendimento sobre os diferentes papéis que devem ser exercidos por uma empresa, o Capitalismo de Stakeholders passou a ganhar uma aplicação  cada vez mais prática às corporações. Além de olharem para seus lucros, as empresas passaram a encarar práticas de responsabilidade socioambientais junto a seus stakeholders, como papéis inerentes à sua função na sociedade

Em agosto de 2019, o grupo de CEO’s das principais empresas norte-americanas, conhecido como Business Roundtable, divulgou uma declaração afirmando o compromisso de agregar valor para todos os stakeholders, incluindo clientes, trabalhadores, fornecedores e comunidades onde operam. Essa decisão é considerada uma mudança significativa na perspectiva empresarial.

Além disso, a BlackRock, que administra mais de US$ 7 trilhões em investimentos, tem buscado incentivar práticas de gestão que impulsionam a rentabilidade e promovam a responsabilidade corporativa, social e ambiental. Em 2018, a organização recomendou que as empresas se perguntassem: “Que papel desempenhamos na comunidade? Como estamos gerenciando nosso impacto no meio ambiente? Estamos trabalhando para criar uma força de trabalho diversificada?”.

 

 

Segundo a definição do filósofo Robert Freeman, stakeholders são qualquer grupo ou pessoa cujos interesses podem afetar ou ser afetados pelas realizações dos objetivos de uma organização. De maneira simplificada, são todos os grupos que possuem alguma relação, direta ou indireta, com a atuação da empresa.

As empresas desempenham um papel fundamental na sociedade, e sua influência se estende muito além dos limites de suas operações comerciais. Elas empregam pessoas, geram renda, criam produtos e serviços, e possuem um impacto significativo na vida de muitas pessoas e de comunidades. Nesse sentido, as empresas não podem simplesmente buscar maximizar seus lucros sem considerar as consequências de suas ações. É fundamental que os negócios considerem seu relacionamento com o público e sua responsabilidade na cadeia produtiva, para garantir que suas ações tenham um impacto positivo na sociedade e no meio ambiente.

Os públicos querem ser escutados e desejam que seus pedidos sejam atendidos. Mais do que nunca, buscar essa satisfação é importante para as empresas, não apenas como forma de compreender as demandas mais urgentes da sociedade, mas também como um meio para a conquista de confiança.

No artigo ‘Do corporates have a duty to be trustworthy?’ (em português ‘As empresas têm o dever de ser confiáveis?’), Nikolas Kirby, Andrew Kirton e Aisling Cream apontam uma queda de confiança nas empresas desde a crise global de 2008. Segundo o Edelman Trust Barometer 2023, o nível de confiança  das pessoas no setor privado é de 62% no mundo, o que apesar de ser um número elevado, está longe de ser um consenso.

 

O que caracteriza o Capitalismo de Stakeholders

O Capitalismo de Stakeholders passa a se destacar em um contexto de crescimento da consciência da sociedade sobre questões sociais, ambientais e econômicas, que determinam e influenciam os hábitos de consumo das pessoas.

Os negócios são organismos poderosos e, nessa conjuntura, é inevitável um novo olhar para eles, a fim de apontar e questionar: Afinal, o que é uma boa empresa? De qual empresa eu quero consumir? O que a empresa tem feito para diminuir seu impacto negativo? E assim sucessivamente. 

O equilíbrio entre lucro e sustentabilidade é um dos principais critérios de avaliação a partir da ótica do Capitalismo de Stakeholders. Para definir com mais exatidão o que caracteriza o modelo, foram, então, instituídos 4 pilares:

Princípios de governança – relacionado ao propósito do empresa, comportamento ético, estruturas equilibradas de tomada de decisão e práticas de transparência;

Planeta – análise dos impactos da empresa no meio ambiente;

Pessoas – como o negócio se relaciona com seus colaboradores;

Prosperidade – influência da empresa no bem-estar da sociedade.

Semelhante com algo que temos visto muito atualmente por aí, certo? Como é possível observar, o Capitalismo de Stakeholders possui uma conexão direta com os chamados critérios ‘ESG’ (em português Ambiental, Social e Governança). A prática fornece métricas sistematizadas que ajudam a determinar se as empresas estão, de fato, projetando uma atuação sustentável na sociedade. 

Além disso, o ESG e suas métricas são critérios de extrema relevância para as escolhas dos investidores no mercado financeiro. Um estudo da Comissão de Valores Imobiliários (CVM) chamado “A agenda ESG e o mercado de capitais”, estima que cerca de 36% dos ativos globais sob gestão estão investidos a partir de algum critério de sustentabilidade.

 

O preço caro de adaptar-se a qualquer custo

Com a crescente demanda de adequação das empresas nas práticas sustentáveis, passamos a observar outro fenômeno, e dessa vez extremamente problemático: os “washings”. O termo se refere às empresas que se colocam como agentes de práticas sustentáveis mas que, na realidade, não seguem bons preceitos de governança e não criam impactos efetivos nos campos social e ambiental.

O conceito se manifesta de formas variadas, podendo ser um greenwashing (relativo ao meio ambiente), socialwashing (relativo às pautas sociais), ou até ESG-washing (abrange as práticas ESG de forma geral). 

Essa fraude de propósito e a adoção de medidas de washings são prejudiciais ao setor filantrópico e a outras iniciativas sérias, já que levanta suspeitas sobre a credibilidade e confiança do setor como um todo. O comportamento também representa,  a um potencial de perda de valor de mercado para as empresas, além de, é claro, ser prejudicial à população, que não será beneficiada da forma como a foi prometida, podendo, inclusive, estar sendo prejudicada.

 

O Capitalismo de Stakeholders hoje

Empresas são o principal agente econômico de nossa sociedade, mas é cada vez mais evidente sua interdependência com os demais. Conforme as  desigualdades sociais e os impactos da mudança climática se agravam, são convocadas a fazer parte da solução. A pandemia de Covid-19, por exemplo, evidenciou uma conexão muito forte entre negócios e sociedade. Um estudo feito pela consultoria PwC indicou que sete em cada dez negócios no mundo foram impactados negativamente pela pandemia. Em contrapartida, de acordo com o Monitor de Doações da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), 85% dos mais de R$ 7 bilhões doados para fazer frente à pandemia de Covid-19 vieram de empresas, um recorde de investimento social privado no país.

A partir dessa mutualidade, o Capitalismo de Stakeholders passou a integrar de maneira natural e cada vez mais constante o mundo empresarial. Porém, o modelo ainda não possuía parâmetros oficiais até pouco tempo. 

Em janeiro de 2020, o Fórum Econômico de Davos atualizou seu manifesto, endossando o conceito. O evento apontou ser essencial refletir sobre estruturas de governança, que garantam o equilíbrio entre as demandas dos vários grupos diretamente interessados em um negócio. Ainda como maneira de sistematizar os requisitos para a adoção do Capitalismo de Stakeholders, o Fórum elaborou um documento chamado de “Measuring Stakeholder Capitalism”(em português Medindo o Capitalismo de Stakeholders), que visa melhorar as formas como as empresas calculam e exibem seu desempenho.

“O objetivo dos negócios não é produzir lucros. O objetivo dos negócios é produzir soluções lucrativas para os problemas das pessoas e do planeta”

                            Colin Mayer da Universidade de Oxford

 

Conheça os 8 princípios que norteiam o Protocolo SROI

Você sabe quais são os 8 princípios que norteiam as avaliações de impacto baseadas no retorno social do investimento (protocolo SROI)? Confira:

 

PRINCÍPIO 1: ENVOLVA AS PARTES INTERESSADAS

As pessoas e organizações envolvidas com o projeto devem ser identificadas e consultadas no processo de avaliação. Afinal, são elas que sentirão os impactos a partir das intervenções.

 

PRINCÍPIO 2: COMPREENDER O QUE MUDOU

A avaliação deve identificar como o projeto gera mudanças sociais por meio de dados coletados com esse objetivo. Essas mudanças podem ser positivas ou negativas, intencionais ou não. Esse processo gera o que chamamos de Teoria da Mudança (TdM), a partir da qual é estabelecida a relação de causalidade entre a intervenção e os impactos gerados. A TdM serve como um mapa da intervenção que orienta todo o processo de avaliação.

 

PRINCÍPIO 3: VALORE AS COISAS QUE IMPORTAM

O processo de valoração, uma das principais etapas da avaliação SROI, deve considerar as preferências dos beneficiários sobre o grau de importância entre as diferentes mudanças por eles experimentadas.

 

PRINCÍPIO 4: INCLUA APENAS O QUE TIVER MATERIALIDADE

A materialidade aqui tem o sentido financeiro, de considerar coisas que são substanciais e sobre as quais se tenha evidências.

 

PRINCÍPIO 5: NÃO REIVINDIQUE IMPACTO EM EXCESSO

O avaliador deve ser conservador e atribuir valor apenas aos impactos que são de fato causados pela intervenção realizada. Assim, evita superestimar o impacto de um projeto.

 

PRINCÍPIO 6: SEJA TRANSPARENTE

O avaliador deve garantir que as fontes, fundamentos e procedimentos metodológicos estejam claros e acessíveis para o público em geral.

 

PRINCÍPIO 7: VERIFIQUE OS RESULTADOS

Desenhar, implementar e documentar os procedimentos adotados na avaliação, garantindo que possam ser revisados e validados.

 

PRINCÍPIO 8: SEJA RESPONSIVO

Fazer da avaliação um instrumento de planejamento estratégico, encaminhando soluções que visem a correção de rota e a maximização do impacto social gerado.

 

De onde vem o Protocolo SROI?

Os 8 princípios do SROI foram estabelecido pela organização britânica Social Value International (SVI), que há 15 anos certifica profissionais em todo o mundo para sua aplicação. Paula Fabiani, CEO do IDIS, é a única brasileira com certificação pela organização e o IDIS é hoje referência na aplicação do protocolo no Brasil, com trabalhos realizados para organizações como Amigos do Bem, Fundação Sicredi, Gerando Falcões, Parceiros da Educação, Petrobras e Vale.

De acordo com a rede “valor social significa compreender a importância que as pessoas atribuem às mudanças em seu bem-estar e o uso dos insights que obtemos dessa compreensão para tomar melhores decisões”. Ou seja, a avaliação visa informar um processo de tomada de decisões baseadas em evidências em organizações sociais.

Considerando, assim, os desafios de mensurar impacto, a SVI estabelece um protocolo para o cálculo do índice SROI que engloba diferentes metodologias de pesquisa participativa: a realização de entrevistas em profundidade, grupos focais com beneficiários, questionários e análise de dados secundários.

Percebe-se, então, que o SROI não é apenas um índice numérico, mas, sobretudo, o processo e resultados de uma atividade intensa de pesquisa e consulta a beneficiários de programas sociais.

Avaliação de Impacto e SROI

Estudos de Avaliação de Impacto ganham cada vez mais importância entre filantropos e investidores sociais no Brasil e no mundo. É crescente a preocupação das organizações em mensurar o impacto de suas ações, enquanto doadores estão interessados em verificar se seus recursos estão alocados em iniciativas que trazem benefícios efetivos à sociedade.

 

O que é impacto e como mensurá-lo

Consideramos impacto a mudança social produzida por um programa ou projeto. Enquanto resultados se relacionam com as conquistas concretas, que, em geral, representam o alcance e a amplitude da iniciativa, o impacto pode ter uma natureza mais subjetiva – relacionado à ideia de transformação social. Quando mensuramos o impacto de um programa, ponderamos o quanto este muda a vida das pessoas envolvidas. Ou seja, é uma prática reflexiva que visa buscar evidências para identificar se uma iniciativa tem alcançado as transformações sociais que estabeleceu como objetivos.

 

Metodologias

Para avaliar os benefícios de uma intervenção socioambiental são utilizadas técnicas de Avaliação de Impacto que irão fornecer subsídios para compreender as transformações causadas pelo projeto ou programa. A escolha do método deve ser coerente com a amplitude, duração e objetivos estratégicos do investimento socioambiental. A cada novo projeto, o time de consultores do IDIS avalia a demanda do cliente e características dos projetos para definir qual o caminho mais adequado.

 

SROI – Social Return on Investment

O ‘SROI – Social Return on Investment’, ou Retorno Social sobre Investimento, é um protocolo de avaliação que propõe uma análise comparativa entre o valor dos recursos investidos em um projeto ou programa e o valor social gerado para a sociedade com essa iniciativa. Para isso, aplica diversas técnicas para estimar o valor intangível de ativos que não podem ser comprados ou vendidos. Dessa forma, nos permite concluir que a cada R$ 1 investidos, foram gerados R$ X em benefícios sociais, por exemplo.

O SROI é uma ferramenta poderosa de mensuração, que transcende a monetarização do impacto social. Ainda que a relação custo-benefício (ou retorno sobre o investimento) seja o que geralmente atrai a atenção dos investidores sociais, que veem a possibilidade de uma avaliação objetiva e financeira sobre o uso de seus recursos, este processo não deve ser considerado somente um índice. Cada uma de suas etapas é capaz de revelar informações pertinentes sobre o projeto ou programa e gerar insights que favorecem a tomada de decisão e a busca por impactos cada vez maiores e mais consistentes.

Um aspecto chave desse protocolo é seu foco na percepção do beneficiário – o envolvimento dos stakeholders é um dos princípios da SROI, o que significa que o impacto social deve ser avaliado a partir do ponto de vista daqueles que estão diretamente envolvidos no projeto social. Ademais, esse método favorece a integração de dados qualitativos e quantitativos. O primeiro fornece uma visão mais clara sobre a natureza do impacto do projeto por meio de depoimentos dos públicos envolvidos. A abordagem quantitativa, por outro lado, proporciona um trabalho com amostras estatisticamente significativas que mensuram a intensidade das mudanças percebidas.

Paula Fabiani, CEO do IDIS, é a única brasileira certificada na metodologia SROI pela Social Value Internacional.

 

Avaliação de impacto e captação de recursos

Os resultados da Avaliação de Impacto, além de permitirem a potencialização dos impactos do projeto, também funcionam como um poderoso meio para captação de recursos. Uma mensuração objetiva a respeito da transformação social oriunda de um Programa ou índices de retorno sobre o investimento são maneiras de fazer um doador se sentir mais confiante de que seu recurso está sendo bem utilizado e de que a organização tem uma boa gestão sobre a iniciativa.

Saiba mais no artigo ‘Avaliar o Impacto Social é também uma estratégia de Comunicação e Captação de Recursos’.

 

 

A experiência do IDIS em avaliação de impacto

Já avaliamos o impacto de dezenas de projetos, para organizações como Amigos do Bem, Gerando Falcões, Instituto Chamex, Parceiros da Educação, Petrobras, Sesc e Vale.

Leia nossos cases.

Conheça aqui alguns dos relatórios publicados em nosso site:

 

Conhecimento

Conheça também os produtos de conhecimento desenvolvidos sobre Avaliação de Impacto.

 

Cursos e eventos

O que é Avaliação de Impacto e por que ela é importante?

Consideramos impacto a mudança social produzida por um programa ou projeto. Enquanto resultados se relacionam com as conquistas concretas, que, em geral, representam o alcance e a amplitude da iniciativa, o impacto pode ter uma natureza mais subjetiva – relacionado à ideia de transformação social.

Como medir o impacto?

Quando mensuramos o impacto de um programa, ponderamos o quanto este muda a vida das pessoas envolvidas. Ou seja, é uma prática reflexiva que visa buscar evidências para identificar se uma iniciativa tem alcançado as transformações sociais que estabeleceu como objetivos.

Por que medir o impacto?

Há diversos motivos pelos quais a Avaliação de Impacto é uma ferramenta estratégica valiosa. Ela fornece às organizações dados e evidências que permitem refletir sobre as abordagens adotadas e oferecem suporte para o processo de tomada de decisão. Ademais, torna possível analisar a relação de causalidade entre as intervenções e os impactos percebidos, identificando fatores que são fundamentais para impulsionar as transformações, outros que não contribuem de forma tão direta e, ainda, limitadores e fatores que criam obstáculos. Assim, estudos de Avaliação de Impacto vão muito além da mensuração – permitem também refletir sobre estratégias para potencializar as transformações desejadas. Por fim, estudos avaliativos têm o potencial de fortalecer o diálogo com investidores e com o setor público, auxiliando organizações a manterem um relacionamento transparente com doadores, reivindicarem melhorias nas políticas públicas e negociarem a ampliação de programas sociais efetivos.

Estudos de Avaliação de Impacto não apenas monitoraram resultados, adentram profundamente na relação de causa e efeito entre as atividades de um programa e os desdobramentos na vida das pessoas. Isso pode ser uma atividade complexa, especialmente em programas que trabalham com questões abstratas como empoderamento ou habilidades sociais. Mesmo quando esse tipo de impacto é perceptível, pode ser muito desafiador mensurá-lo e traduzi-lo em termos objetivos e quantitativos.

O que é SROI e por que ele é útil?

O ‘SROI – Social Return on Investment’ (ou Retorno Social sobre Investimento), é um protocolo de avaliação que propõe uma análise comparativa entre o valor dos recursos investidos em um projeto ou programa e o valor social gerado para a sociedade com essa iniciativa. Para isso, aplica diversas técnicas para estimar o valor intangível de ativos que não podem ser comprados ou vendidos.

O SROI é uma ferramenta poderosa de mensuração, que transcende a monetarização do impacto social. Ainda que a relação custo-benefício (ou retorno sobre o investimento) seja o que geralmente atrai a atenção dos investidores sociais, que veem a possibilidade de uma avaliação objetiva e financeira sobre o uso de seus recursos, este processo não deve ser considerado somente um índice. Cada uma de suas etapas é capaz de revelar informações pertinentes sobre o projeto ou programa e gerar insights que favorecem a tomada de decisão e a busca por impactos cada vez maiores e mais consistentes.

Um aspecto chave desse protocolo é seu foco na percepção do beneficiário – o envolvimento dos stakeholders é um dos princípios da SROI, o que significa que o impacto social deve ser avaliado a partir do ponto de vista daqueles que estão diretamente envolvidos no projeto social. Ademais, esse método favorece a integração de dados qualitativos e quantitativos. O primeiro fornece uma visão mais clara sobre a natureza do impacto do projeto por meio de depoimentos dos públicos envolvidos. A abordagem quantitativa, por outro lado, proporciona um trabalho com amostras estatisticamente significativas que mensuram a intensidade das mudanças percebidas.

A demanda por avaliação de impacto e SROI no Brasil

Apesar da demanda crescente por Avaliação de Impacto no Brasil, trata-se de prática ainda pouco desenvolvida. Seus conceitos são frequentemente mal utilizados ou pouco claros e organizações enfrentam dificuldades em definir os indicadores. Por exemplo, muitas declaram que mensuram seu impacto, quando na verdade estão mensurando seus resultados, informando o número de pessoas ou famílias atendidas, por exemplo. Evidentemente, analisar os resultados da organização é muito importante e deve ser feito regularmente. Contudo, avaliar impacto é um processo mais profundo e uma oportunidade de refletir sobre como um projeto pode gerar valor social a seus beneficiários e à sociedade como um todo.

O desafio é ainda maior quando consideramos o SROI especificamente. A monetização do impacto é uma tarefa desafiadora, devido à falta de bases de dados de estimativas financeiras no País (instrumento bastante desenvolvido em outros países). Portanto, quando são definidos os valores das estimativas, muitas vezes é necessário coletar dados de fontes primárias, porque praticamente não há dados secundários disponíveis para sustentar as pesquisas.

É muito necessário disseminar conhecimento sobre esse assunto no Brasil, enfatizando a importância de avaliar o impacto de projetos e programas sociais, mesmo com os desafios e limitações envolvidos neste processo. Mensurar o impacto pode nem sempre resultar em conclusões precisas, mas, recomendamos sempre trabalhar com estimativas viáveis (construídas e analisadas com responsabilidade e critérios) do que trabalhar sem nenhum tipo de evidência sobre as consequências das suas intervenções.

Certamente ainda iremos amadurecer e evoluir nessa temática. Por isso, no IDIS, vamos além da realização de trabalhos de consultoria. Procuramos disseminar conceitos e práticas, por meio de publicações, de cursos, do compartilhamento de relatórios de projetos realizados e da participação em eventos.

Qual horizonte enxergamos para a Avaliação de Impacto?

Esperamos que, no futuro, avaliar o impacto seja parte integrante do processo de concepção e planejamento de projetos sociais e programas. Tanto organizações sociais, quanto filantropos e investidores sociais, precisam reconhecer o quão essencial é esta prática e devem trabalhar juntos para fortalecê-la e disseminá-la.

Também esperamos que a Avaliação de Impacto influencie as políticas públicas, revelando o valor de projetos para o desenvolvimento social e contribuindo para a ampliação de sua escala. Para ilustrar esse potencial, destacamos um exemplo. Em 2016, o IDIS conduziu a avaliação do Retorno Social sobre Investimento – SROI de um projeto dedicado à primeira infância na região da Amazônia (conheça o relatório aqui). O resultado positivo evidenciado pelo estudo – a notável mudança social que o projeto provia aos seus beneficiários – ofereceu argumentos irrefutáveis para que o projeto se tornasse uma política pública, beneficiando uma parcela significativamente maior da população e contribuindo para a melhoria da vida de mais crianças. Iniciativas como essa poderiam ser ainda mais regulares caso houvesse uma cultura de avaliação de impacto em organizações brasileiras – não apenas nas organizações privadas, mas também nos programas mantidos pelo setor público.

Novas ferramentas tecnológicas podem contribuir para o futuro da Avaliação de Impacto, reduzindo seu custo e tempo necessário para coleta de dados e aumentando a precisão dos estudos. A coleta e análise de dados poderá se tornar mais fácil, rápida e permitirá a mensuração de mudanças sociais no longo prazo. A tecnologia permitirá que a sociedade tenha maior acesso a informações relevantes sobre soluções, podendo, assim, aprender mais rapidamente com experiências prévias, e, com isso, ampliar os benefícios àqueles que mais precisam.

Veja organizações e empresas para quem o IDIS já realizou avaliações de impacto.

Para saber mais, entre em contato conosco por meio do comunicacao@idis.org.br.

Qual é a sua causa e o que você faz para apoiá-la?

Paula Fabiani – CEO do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, vencedora do Prêmio Empreendedor Social 2020 e membro do Catalyst 2030

Roberta Faria – Cofundadora e CEO da Editora MOL, vencedora do Prêmio Empreendedor Social 2018, e presidente do Instituto MOL

Texto publicado originalmente na Folha de São Paulo em 06/08/2023

Descobrir seu propósito é ferramenta poderosa de transformação da sociedade

Não faz muito tempo que chegar a algum lugar demandava de nós um esforço coletivo de encontrar o caminho. O GPS de hoje era, no início dos anos 2000, um taxista experiente que te dava a dica de rota para encontrar a rua exata do consultório do dentista que você ia pela primeira vez.

Duas décadas depois, os apps de localização te dão não só o caminho, mas também a opção de trocar a voz robótica apontando as ruas por uma que te agrade. Do personagem do filme da Disney a Gil do Vigor, o sistema de navegação criado para guiar as Forças Armadas estadunidenses nos deu agilidade de circular pelas cidades mundo afora.

Mas, enquanto achar o caminho se tornou uma tarefa simples e quase banal do nosso dia a dia, encontrar o nosso próprio caminho se apresenta como um dos grandes desafios da década: do trabalho ao lazer, queremos mais do que apenas existir.

Em outras palavras, decifrar a nossa estrada exige uma bússola interior bem calibrada e, descobrir qual é a nossa causa pode oferecer, ao menos, as coordenadas que nos guiarão por experiências pessoais e coletivas que façam sentido, que promovam mudanças, que inspirem a outros seres e que nos leve a ter uma vida com propósito.

E se (até aqui) não há app que nos mostre qual direção seguir, nós temos uma forma de desenhar nosso próprio mapa: o Descubra sua Causa. Um teste, gratuito e online, que calcula, a partir de nossas respostas a 20 diferentes perguntas, qual é a causa social que mais se relaciona com nossa personalidade, interesses e nos dá “a rota” para apoiá-la de diferentes formas.

Construído com base em pesquisas de tendências de comportamento e em conversas com especialistas da área social, montamos um oráculo com 10 resultados, apresentados em formato de arquétipo, que ilustram os principais desafios de nossa sociedade. Uma forma divertida e repleta de conteúdo para que você possa começar a agir hoje mesmo.

Além do teste, e com o objetivo de mostrar o que há por trás de cada causa, o Instituto MOL acaba de lançar a série de podcast Descubra sua Causa. Em dez episódios, o ouvinte tem contato com diferentes temas, como direitos humanos, educação, promoção do esporte, antirracismo e lutas identitárias, e revela como é o trabalho das ONGs que atuam em diferentes frentes e quem são as pessoas que dedicam suas vidas à transformação social.

Nosso objetivo é dar mais visibilidade às organizações e projetos do setor e mostrar que apoiar uma causa é um ato político, que nos dá propósito e impacta nossas vidas em diferentes aspectos: em nossos relacionamentos, em nosso consumo de cultura, na escolha das pessoas que seguimos nas redes sociais, nas ações do nosso dia a dia e muito mais.

Por isso, convidamos a todas e todos que descubram sua causa e passem a atuar pelo seu fortalecimento, como for possível: pela doação, pelo voluntariado, emprestando a influência que todos exercemos em nossa rede de amigos e familiares e, principalmente, falando mais sobre nossos atos generosos. Quanto mais embaixadores tivermos espalhados pelo país, mais força as causas sociais ganham para se tornarem assunto de conversas e motores de transformação da sociedade. Com ou sem GPS, que a viagem por esta estrada seja uma experiência muito mais prazerosa a todos os seres.

Protocolo SROI: quando utilizar e como interpretar o índice monetário da avaliação de impacto

por Olívia Guaranha e Isadora Pagy

O SROI – Social Return on Investment – é um protocolo de avaliação que tem chamado cada vez mais a atenção de investidores sociais e organizações do terceiro setor por aplicar métodos qualitativos e quantitativos de pesquisa a fim de identificar, qualificar e monetizar o impacto social.

O processo avaliativo é uma oportunidade para que investidores e organizações entendam melhor os impactos sociais positivos – e eventualmente negativos – que têm gerado nas comunidades em que atuam, a partir da percepção de seus beneficiários.

Os achados são ricos e indicam caminhos para o aprimoramento da ação. Destaca-se, ainda, que ao final do processo, um dos resultados obtidos é um valor que traduz em termos financeiros o impacto gerado: o índice SROI indica quantos reais são gerados para a sociedade em benefícios a cada 1 real investido no projeto.

De onde vem o Protocolo SROI?

O Protocolo SROI foi estabelecido pela organização britânica Social Value International (SVI), que há 15 anos certifica profissionais em todo o mundo para sua aplicação. Paula Fabiani, CEO do IDIS, é a única brasileira com certificação pela organização e o IDIS é hoje referência na aplicação do protocolo no Brasil, com trabalhos realizados para organizações como Amigos do Bem, Fundação Sicredi, Gerando Falcões, Parceiros da Educação, Petrobras e Vale.

De acordo com a rede “valor social significa compreender a importância que as pessoas atribuem às mudanças em seu bem-estar e o uso dos insights que obtemos dessa compreensão para tomar melhores decisões”. Ou seja, a avaliação visa informar um processo de tomada de decisões baseadas em evidências em organizações sociais.

Considerando, assim, os desafios de mensurar impacto, a SVI estabelece um protocolo para o cálculo do índice SROI que engloba diferentes metodologias de pesquisa participativa: a realização de entrevistas em profundidade, grupos focais com beneficiários, questionários e análise de dados secundários.

Percebe-se, então, que o SROI não é apenas um índice numérico, mas, sobretudo, o processo e resultados de uma atividade intensa de pesquisa e consulta a beneficiários de programas sociais.

Quando utilizar o Protocolo SROI?

A aplicação do protocolo SROI em projetos com grande quantidade de beneficiários: para que o processo seja verdadeiramente participativo e para que o protocolo seja aplicado em sua integridade, é importante que o projeto tenha um número significativo de beneficiários. Não existe um número ideal, mas se o número de beneficiários for muito baixo, não é possível obter estatísticas relevantes na etapa de consulta via questionário bem como o alto investimento no processo de escuta e consulta junto aos participantes da ação perde o sentido.

Ainda, é importante que a organização tenha em mente que precisará apoiar os avaliadores a todo o momento, fornecendo dados do projeto e acesso aos beneficiários. Por isso, uma avaliação SROI demanda maior disponibilidade de tempo das organizações sociais e um maior acompanhamento dos beneficiários: caso não seja possível acessá-los, não será possível coletar dados sobre suas percepções e experiências junto ao projeto.

No mesmo sentido, quando um projeto possui descontinuidade em suas atividades também pode haver dificuldades de acessar beneficiários e aferir impactos gerados. Imagine, por exemplo, que um beneficiário tenha participado de um ciclo de atividades durante um ano e depois essas atividades foram suspensas durante dois anos e, enfim, retomadas. Esse período de suspensão das atividades gera consequências que podem afetar a percepção do beneficiário e a mensuração do impacto real do projeto.

O processo avaliativo é longo – estima-se que uma avaliação SROI dure cerca de 8 meses. De modo que, esse tipo de avaliação não é recomendada para casos em que há pressa por resultados.

E por ter uma longa duração e demandar etapas qualitativas e quantitativas, também é importante que as organizações considerem o custo da avaliação: recomenda-se que o valor da avaliação não represente mais do que 10% do valor investido no projeto. Por isso, o SROI é recomendado para projetos de maior porte.

Feitas estas considerações, as organizações conseguem decidir de forma mais estratégica quando é um bom momento para conduzir uma avaliação de impacto SROI. Tomada essa decisão e realizada a avaliação, também é importante ter alguns pontos em mente no momento de interpretar os resultados obtidos.

 

Como Interpretar os resultados do SROI?

Inicialmente, importa dizer que, para além do índice, a avaliação produz outros produtos interessantes para as organizações sociais: uma Teoria da Mudança do projeto, com o mapeamento de stakeholders e impactos que cada atividade visa gerar; a realização de grupos focais com beneficiários, espaço em que eles podem debater sobre as atividades e gerar insights sobre o que funcionou e o que poderia melhorar; as respostas de questionário, que visam medir quais impactos tiveram maior intensidade; e, por fim, o índice SROI e um relatório avaliativo final.

O primeiro cuidado a ser tomado é que não se deve comparar índices SROI obtidos para projetos distintos. Cada projeto tem suas particularidades e objetivos e, por isso, não são comparáveis. Pense, por exemplo, em um projeto que oferece atividades culturais para crianças em uma comunidade periférica e em um projeto que oferece capacitações e educação ambiental para pescadores em um pequeno município da costa brasileira. Os públicos, os lugares e as atividades são radicalmente diferentes, de modo que não podemos dizer que um projeto é melhor que o outro simplesmente com base no índice numérico.

O índice deve ser interpretado considerando as características de cada projeto e os objetivos estratégicos do investidor. Projetos com apenas um ciclo de atividades completo podem não ter um alto índice de retorno, por exemplo.

Da mesma forma, um índice de retorno monetário é apenas um dos indicadores a serem analisados quando avaliamos os benefícios gerados por um projeto social. Considere, por exemplo, um investidor social que deseja promover o esporte entre os jovens de uma comunidade com alta vulnerabilidade social. O índice não mede o valor intrínseco daquelas intervenções, mas serve como um guia para aprimorá-las e atingir o objetivo final do investidor, que é a promoção do esporte. Nesse sentido, um índice menor que 1 – ou seja, que o retorno social é menor do que o investimento – pode servir como ponto de partida para aprimorar o projeto e gerar mais impacto em um próximo ciclo de atividades.

É a partir da etapa qualitativa que o investidor consegue entender quais impactos estão sendo gerados pela intervenção, por exemplo. No caso do projeto que visa a promoção do esporte pode ser que, inicialmente, o investidor acreditava que promover o esporte geraria uma maior empregabilidade entre os jovens. A partir da pesquisa, pode-se descobrir que, na realidade, a promoção do esporte favoreceu o desenvolvimento cognitivo e a sociabilidade destes jovens, não a empregabilidade. Tais impactos não foram previstos inicialmente e agora podem ser monitorados pelo projeto.

A partir destas reflexões, vemos que as avaliações de impacto podem ser ferramentas poderosas para a gestão de projetos sociais, mas que é necessário um processo reflexivo prévio para entender se uma avaliação de impacto SROI é a mais adequada para aquele projeto, em determinado momento, fazendo-se algumas perguntas simples como, por exemplo: o que eu quero medir? Com qual objetivo? De quais recursos vou precisar e de quais eu disponho?

Para organizações que estão começando ou que desejam fazer uma avaliação de impacto no futuro, o IDIS recomenda realizar um Plano de Monitoramento e Avaliação; para aquelas que desejam apenas mais conhecimento sobre a intervenção sem a necessidade de um índice monetário, o IDIS realiza uma avaliação de impacto combinando metodologias qualitativas e quantitativas.

Conheça nossos serviços e fale com a equipe especialista no assunto.

 

MAIS SOBRE AVALIAÇÃO DE IMPACTO

Com ampla experiência e tendo a produção de conhecimento como um de nossos pilares de atuação, temos inúmeros materiais disponíveis a quem deseja se aprofundar

Avaliação de Impacto SROI

Acesse aqui.

Para saber mais sobre nossos serviços e falar com a equipe de consultoria, escreva para comunicacao@idis.org.br.

Colaboração e materialidade: fatores-chave para empresas concretizarem ações sociais da pauta ESG

Por Marcos Alexandre Manoel, Diretor de Projetos do IDIS

Empresas têm o desafio de transformar metas em ações materiais, especialmente quando falamos do ‘S’. Aquelas que o fizerem, sairão na frente

Cada vez mais, empresas são cobradas por sua responsabilidade perante a sociedade, indicando a inevitabilidade de pensar além do lucro. A lógica das avaliações de risco e retorno de aplicações passaram a ter uma nova e importante variável: o impacto em temas de interesse público. Isso se reflete no aumento exponencial de investimentos, que têm buscado componentes de impacto socioambiental em suas práticas.

Nesse movimento é que a pauta ESG vem cada vez mais se fortalecendo e, com ela, novos desafios para as empresas se (re)posicionarem no mercado. Não apenas focando em mitigação de riscos e problemas de curto prazo, mas com uma visão de longo prazo que se torne parte, efetivamente, da cultura e da estratégia de negócio da empresa. E aquelas que fizerem este movimento antes das outras, serão as que definirão a “régua” do mercado.

Segundo a sexta edição da Pesquisa Global com Investidores Institucionais da EY (antiga Ernst & Young), 90% dos grandes gestores respondem que diretrizes ESG devem ser levadas em conta na tomada de decisão sobre os portfólios. Por outro lado, a mesma pesquisa demonstra que 50% dos investidores pesquisados disseram estar preocupados com a falta de foco em questões materiais por parte da atuação ESG das empresas – um aumento de 37% em relação a 2020.

Por definição, materialidade é a “característica do que é material, substancial”, ou seja, não basta as empresas no Brasil estarem atentas ao ESG, é importante encontrar, dentro disso, o que necessita de atenção pensando em modelo de negócio e local de atuação.  Quando falamos de parâmetros ESG, a grande maioria das métricas foram pensadas e feitas em países desenvolvidos. Então, geralmente elas trazem questões “E” (ambientais) mais fortes, e as “S” (sociais), por sua vez, vêm enfraquecidas, uma vez que o bem-estar social nesses locais acompanha o desenvolvimento econômico desses países.

No caso do Brasil, se seguirmos a mesma lógica da Europa ou dos Estados Unidos, o nosso problema com o “S” será maior, tendo em vista os números de desigualdade socioeconômica que atingem a população brasileira. Prova disso, são os dados recentes revelados por um estudo do Banco Mundial. Ao analisar perdas de habilidades do nascimento até os 18 anos, a pesquisa demonstra que as atuais condições de educação e saúde brasileiras só vão permitir o desenvolvimento de 50% do potencial de quem nasceu no ano de 2021. A pesquisa demonstra, ainda, que é como se estivéssemos 60 anos atrás no desenvolvimento social em comparação a países desenvolvidos.

Nesse sentido, se inicialmente cito que não há mais espaço para não pensar além do lucro, no caso brasileiro, urge a necessidade de o investimento privado colocar uma lupa no campo social. O ponto de partida é compreender e mapear riscos e externalidades sociais do setor de atuação. Provavelmente, muitas das questões sociais que precisam de atenção do negócio estarão “do lado de fora” da própria empresa: na cadeia de suprimentos, territórios de atuação e ciclo de vida do produto, por exemplo. Será preciso compreender e aprimorar a materialidade e indicadores dos fatores sociais de cada negócio.

Compreender, entretanto, o que é material para o negócio é um desafio e este não pode ser resolvido sem a colaboração entre setores. As empresas terão que agir de maneira proativa e colaborativa, demostrando para a sociedade e investidores seu comprometimento com transparência e materialidade de suas ações, principalmente as sociais. Nesta trajetória, devem envolver as organizações da sociedade civil (OSCs) e, mais do que isso, aprender com elas.

As empresas que forem capazes de, ao mesmo tempo, compreender a materialidade de seu próprio setor e formar alianças colaborativas, tendem a se diferenciar, se tornar mais competitivas no médio e longo prazo e principalmente transformar metas e intenções em resultados reais, perenes e diretamente conectados aos diferentes interesses de sua cadeia de stakeholders.

Conheça mais conteúdos sobre ESG e investimento social privado aqui.

Empresas brasileiras não estão preparadas para responder a situações emergenciais

Por Andrea Hanai, gerente de projetos no IDIS e Paula Gonçalo, coordenadora de projetos no IDIS

Cerca de 25% das mortes por chuvas no Brasil nos últimos 10 anos ocorreram em 2022 e investidores sociais devem se preparar mais do que nunca para situações de emergência

Entre janeiro de 2013 e abril de 2022, os desastres naturais causaram R$341,3 bilhões de prejuízos em todo o Brasil, isso é o que dizem os dados de um levantamento realizado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). O estudo demonstra, também, que apenas nos primeiros três meses de 2022, cerca de oito milhões de brasileiros já haviam sido afetados por algum tipo de catástrofe ambiental.

Ainda falando de números, outro dado alarmante para o assunto vem do relatório de transição governamental divulgado no fim de dezembro de 2022. Nele consta que o dinheiro público reservado para “o apoio a obras emergenciais de mitigação para redução de desastres” foi reduzido de R$ 2,57 milhões para míseros R$ 25 mil, tornando-se um dos gargalos orçamentários para 2023.

Nesse contexto, a solidariedade tem movido indivíduos e empresas em torno de campanhas emergenciais que buscam ajudar comunidades mais afetadas por desastres naturais por meio da doação de alimentos, roupas, medicamentos, etc, tendo no Investimento Social Privado uma alternativa complementar aos recursos públicos. O reduzido volume de recursos financeiros disponíveis e, principalmente, a falta de coordenação e planejamento estratégico das ações, mostram que há uma enorme lacuna entre as demandas sociais e a capacidade de resposta de investidores sociais privados a essas tragédias, que aumentam em frequência e gravidade a cada ano.

Por definição, de acordo com o ISDR – International Strategy for Disaster Reduction, o “desastre” é uma “séria interrupção no funcionamento de uma comunidade ou sociedade, com impactos sobre pessoas, bens, economia e meio ambiente, que excede a capacidade dos afetados para lidar com a situação mediante o uso de seus próprios recursos.” A pandemia da Covid-19, desastre de proporções globais, revelou o importante papel que as empresas podem assumir nos esforços para o enfrentamento de situações de emergência, por exemplo.

Segundo o Ranking de Doações Corporativas 2020, produzido pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, as dez empresas que mais realizaram doações e patrocínios no mundo, destinaram em 2020 mais de US$ 4 bilhões a ações de enfrentamento à Covid-19 – o equivalente a cerca de R$ 20 bilhões. Enquanto isso, no Brasil, os dez maiores doadores corporativos destinaram mais de R$ 3 bilhões para o combate à pandemia.

Enchentes no Estado da Bahia em dezembro de 2021 .Foto: Isac Nóbrega/PR

Por outro lado, esses números contrastam com o que se vinha observando como tendência em investimento social privado empresarial voltado para situações ocasionadas por desastres. De acordo com o estudo Measuring the State of Disaster Philanthropy, realizado pelo Candid & Center for Disaster Philanthropy, em 2019, ainda que 70% das empresas tenham reportado que a resposta a desastres é extremamente importante, o volume destinado a essa atuação vem diminuindo ano a ano, demonstrando que esse tipo de filantropia é visto pelas empresas como pouco estratégica.

Esse mesmo estudo mostra que, de fato, a atuação da filantropia e do investimento social privado poderia ser mais estratégica. Mais da metade dos recursos voltados a emergências são direcionados para a resposta imediata e alívio do choque inicial causado pelo desastre, enquanto somente 20% das doações apoia as comunidades a se tornarem mais resilientes, promovendo a redução e mitigação do risco e o preparo e prontidão para as situações emergenciais.

O estudo “A purpose-action framework for Corporate Social Responsibility in times of shock”, desenvolvido por Francisco Javier Forcadell e Elisa Aracil, corrobora com esses dados. Ele analisou a atuação de 218 empresas na Espanha durante as primeiras semanas da Covid-19 no país e as classificou em 4 categorias (simbólica, seletiva, reativa e solidária). Isso de acordo com o desempenho das empresas nas duas principais dimensões consideradas críticas à efetividade de intervenções corporativas em situações emergenciais: o escopo da intervenção e o tempo de resposta.

Empresas classificadas como simbólicas ou reativas possuem um tempo de resposta bastante lento mas se diferem pelo escopo da atuação, sendo a simbólica bastante restrita e a reativa bastante ampla, com maior senso de responsabilidade social. Já as classificações seletiva e solidária categorizam empresas com rápido tempo de resposta a situações emergenciais. Sendo a seletiva restrita em relação ao escopo de atuação, preferindo em geral atuar apenas quando há necessidade de apoio imediato e, em contrapartida, a solidária que olha amplamente para o escopo de atuação, se permitindo maior flexibilidade e fomentando a proatividade e inovação. De acordo com a pesquisa, 42% das empresas tiveram uma atuação ‘seletiva’, ou seja, agiram rapidamente, mas com escopo bastante reduzido e de forma menos estratégica, limitando o potencial das ações de gerar impactos mais transformadores junto ao público beneficiado.

Cidade de Petrópolis em fevereiro de 2022 após deslizamentos | Foto: Clauber Cleber Caetano /PR

É necessário que as empresas ampliem sua visão sobre situações emergenciais, repensando a estratégia de seu investimento social privado no apoio à sociedade. Há espaço para uma atuação de maior impacto nos médio e longo prazos, que não só ampare as comunidades no momento da tragédia, mas que busque também sua resiliência e preparo para o enfrentamento dessas tragédias, bem como sua recuperação e reconstrução. E para tanto, as empresas precisam garantir estruturas, políticas e governança claras que funcionem com agilidade em casos de emergência, garantindo que as atuações sejam efetivas e o tempo de resposta menor.

É fato de que devemos atuar para prevenir as consequências desastrosas de chuvas, desabamentos ou incêndios. Mas é fato também que eles virão, e terão consequências desastrosas na vida de milhares de pessoas. Você está preparado para fazer a sua parte?