Por Carolina Learth, Sr. Head de Negócios de Impacto Social no Santander Brasil
Em minha jornada recente como responsável por negócios envolvendo o Terceiro Setor, tive a oportunidade de mergulhar a fundo no universo dos endowments no Brasil. Esse conhecimento veio se somar aos mais de 17 anos dedicados ao campo da Sustentabilidade, incluindo a pauta de investimento social privado, que tive a alegria de liderar nos últimos anos.
No Santander Brasil, iniciamos nossa atuação em endowments no ano de 2020 e desde então, temos avançado na interação com basicamente três grupos de clientes:
1) os interessados em saber do que se trata esse tal fundo patrimonial;
2) os que já decidiram criar seu fundo, mas não sabem como;
3) os que já possuem endowments.
Alguém me perguntaria…há algo de comum entre eles? A resposta é sim – os questionamentos. Em geral, são sempre as mesmas questões e que têm a ver com os desafios de quem vai implementar ou gerenciar um fundo de investimento, que tem como principal objetivo buscar a perenidade de causas e propósitos de uma instituição e cujos rendimentos irão garantir no longo prazo, sua atuação e o tão sonhado legado. Governança, captação de recursos e tributação compõem a lista de itens de maior dúvida das instituições.
Em 2019, a Lei 13.800 se tornou a referência para a implementação dos fundos patrimoniais no Brasil. Ela trouxe como parâmetros a segregação contábil, administrativa e financeira do patrimônio do fundo e das instituições apoiadas, evitando que problemas financeiros, trabalhistas e fiscais ocorridos nas instituições apoiadas, por exemplo, afetem seus ativos. A nova legislação também previu parâmetros específicos de governança, buscando endereçar a perpetuidade dos fundos e a profissionalização da gestão, mas, infelizmente, não trouxe incentivos fiscais para quem doa.
Observando todos estes elementos, posso dizer que iniciar ou gerenciar um fundo patrimonial no Brasil é um desafio por alguns motivos:
1) O desafio de estruturar a governança da OGFP – Organização Gestora do Fundo Patrimonial. Na maioria das vezes não é um conhecimento que está instalado nas organizações, carece de apoio externo e enfrenta resistências internas dentro da própria gestão;
2) A criação de um estatuto que busque de fato impactar, direcionando recursos que alcancem os indicadores esperados, a longo prazo. Criar este documento envolve decisões que vão muito além da definição da causa. Por exemplo: definir que a universidade doará bolsas de estudo orientadas para diversidade e inclusão pode ser o primeiro passo, mas como distribuir as cotas entre os públicos vulneráveis? Quais são os dados que embasam essa decisão? Aqui me parece um trabalho árduo de gestão para que se possa tomar decisões estruturadas;
3) Enfrentar o “bicho de sete cabeças” da captação. Item apontado como um dos grandes desafios pela pesquisa e corroborado pela conversa com grande parte das organizações com quem nos relacionamos e que já tem um fundo patrimonial. Muitos não têm exatamente uma estratégia para tal e como resultado os fundos não crescem, outros “hibernam” por anos sem entradas significativas de recursos. Há ainda aqueles que perdem recursos, em um claro conflito entre a governança da Instituição e a gestão da OGFP;
4) Não menos importante, é preciso perseverar e vencer todos os itens acima, sem qualquer incentivo fiscal.
Há diferentes motivos para uma organização decidir iniciar um endowment com todo este esforço, mas a primeira palavra que me vem à cabeça é LEGADO. Meu principal conselho para famílias filantropas, hospitais, universidades, igrejas, fundações e ONGs é que caso seu propósito não seja esse, nem comece. Fundos patrimoniais não são investimentos comuns, não são fundos de reserva e não são caixa. Tampouco devem ser confundidos com a gestão financeira das organizações de origem. Este é um princípio fundamental para quem quer começar e ser bem-sucedido na jornada. O fato é que poucos ainda têm esse entendimento.
Em um país de vulnerabilidades, escolher causas que impactem a sociedade de forma lúcida e estruturada é fundamental. Para que os fundos patrimoniais ganhem tração no Brasil será preciso:
1) Ampliar a cultura de doação e da gratidão;
2) Preparar profissionais especialistas para apoiar as OGFPs, principalmente nas áreas jurídica e de gestão;
3) Desenvolver soluções de captação específicas para endowments por especialistas que já atendem o terceiro setor;
4) Ter mais serviços financeiros especializados na gestão dos fundos;
5) Evoluir sistematicamente em mecanismos prestação de contas buscando a vinculação de doadores;
6) Fortalecer os esforços de advocacy no tema de incentivos tributários.
Temos muito pela frente, mas também muito para celebrar. Claramente há um aumento no interesse pelo tema e um mercado em evolução nos próximos anos. Como banco de referência para muitas famílias (wealth management) e clientes dos setores de saúde, educação e terceiro setor, temos um terreno fértil para estimular a filantropia estratégica, aumentando a capacidade de olhar para o longo prazo como forma de perpetuar memórias, projetos e negócios de impacto.
Deixo aqui meu abraço a todos os que colaboraram com o IDIS neste belo trabalho de referência para a evolução dos fundos patrimoniais no Brasil, a quem temos orgulho de chamar de parceiros.
Artigo originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022
Mais sobre fundos patrimoniais
Acesse mais conteúdos nesta temática produzido pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, clique aqui.
Caso queira saber mais sobre fundos patrimoniais ou queria conhecer nossos serviços, envie um e-mail para comunicacao@idis.org.br.