PL sobre tributação de fundos patrimoniais é aprovado no Senado

Este é um importante passo para o aprimoramento do ambiente regulatório para os fundos patrimoniais no Brasil. O Projeto de Lei 2.440/23, que complementa a Lei 13.800/19, traz medidas imprescindíveis a uma adequada tributação sobre endowments. O PL é de autoria do Senador Flávio Arns (PSB/PR), já foi aprovado na Comissão de Educação, sob a relatoria da Senadora Dorinha Seabra, e no dia 26 de novembro foi aprovado também na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), sob a relatoria do Senador Rodrigo Cunha. O PL é terminativo na CAE, o que significa que ele será encaminhado para a Câmara após esta aprovação no Senado.

O objetivo central do PL é aprimorar o ambiente tributário dos fundos patrimoniais enquadrados na Lei de Fundos Patrimoniais (13.800/19). Entre eles, a isenção do Imposto de Renda sobre aplicação financeira, o reconhecimento da posição das gestoras de fundo patrimonial como investidoras no Brasil e no exterior, sem que isso seja considerado um desvio de finalidade, além de reconhecer a isenção da COFINS sobre receitas financeiras.

A proposta reconhece e deixa mais clara o incentivo fiscal à doação de empresas que apuram o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica pelo lucro real, permitindo que sejam deduzidas como despesas operacionais, nos termos da legislação atual sobre o assunto.

A questão tributária é uma barreira importante para a adesão de endowments à Lei 13.800. Segundo o recém-lançado Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2023, do qual participaram 74 fundos, até o fim de 2023, somente 19% estavam enquadradas nos parâmetros da referida Lei, dado que as entidades operacionais têm o receio de perder a imunidade tributária.

Esse avanço é de suma importância é fruto de um esforço coletivo do IDIS, que lidera a Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos, e da Aliança pelo Fortalecimento das Organizações da Sociedade Civil, que reúne organizações representativas do setor, escritórios de advocacia especializados, empresas e investidores sociais.

“Não resta dúvida de que a participação da sociedade, neste caso, por meio dos fundos patrimoniais, é extremamente necessária e deve sempre ocorrer de forma ativa e sem entraves burocráticos. O fortalecimento do Terceiro Setor, não apenas por meio da legislação, mas, principalmente, pelo reconhecimento por parte do poder público, é o caminho para que possamos assegurar benefícios sociais e econômicos para todos”, acredita Flávio Arns, senador e autor do PL em questão.

 

“A aprovação do PL 2440/23 no Senado Federal é um avanço para a sustentabilidade e apoio de causas no Brasil. Um ambiente tributário favorável é essencial o desenvolvimento da cultura de doação. Observamos nos últimos anos um crescimento dos fundos patrimoniais brasileiros com a Lei 13.800 e, agora, com a possibilidade da ampliação da isenção tributária para as Organizações Gestoras de Fundos Patrimoniais, esperamos aumento ainda mais acelerado na estruturação de endowments que contribuem para o desenvolvimento socioambiental do Brasil. Ainda precisamos passar o PL na Câmara, mas aprovar no Senado é certamente uma conquista que merece ser celebrada.”, acredita Paula Fabiani, CEO do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social.

 

“A aprovação do PL 2440 é de suma importância para o avanço dos fundos patrimoniais no Brasil, equiparando a nossa legislação com a legislação estrangeira sobre endowments, que não tributam suas rendas. É o resultado do esforço de anos da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, somado à mobilização mais recente da Aliança pelo Fortalecimento das Organizações da Sociedade Civil”, comenta Priscila Pasqualin, sócia do PLKC Advogados e responsável pelo apoio jurídico à Coalizão pelos Fundos Filantrópicos.

 

Sobre a Coalizão

A Coalizão pelos Fundos Filantrópicos é um grupo multisetorial composto por mais de 100 membros, entre organizações, empresas e pessoas que apoiam a regulamentação dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos no país. Lançada em junho de 2018, e liderada pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, essas organizações brasileiras integram a Coalizão, que é aberta para qualquer pessoa ou instituição que apoie a causa dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos.

Ampliação e consolidação de endowments no Brasil é tema de debate

Como os fundos patrimoniais contribuem para atuação perene das causas e instituições? O mercado financeiro está preparado para lidar com a gestão dos recursos de fundos patrimoniais? Qual a importância da diversidade e inclusão para a governança de fundos patrimoniais?

Estas foram algumas das questões debatidas no evento de lançamento do Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2023. Na terceira edição, a publicação analisou dados de 74 endowments brasileiros, que somam 156 bilhões de reais em patrimônio, valor que equivale a mais de 98% do patrimônio contido em fundos patrimoniais no país, de acordo com o Monitor de Fundos Patrimoniais no Brasil

Visando melhor compreender o significado dos achados inéditos da publicação para o cenário brasileiro, o evento de lançamento do Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2023 (acesse a publicação completa aqui) contou com uma mesa redonda com gestores de fundos patrimoniais ativos. O debate contou com a contribuição de Luiz Fernando Figueiredo, Presidente do Conselho de Administração da JiveMauá Investments e do Conselho Instituto Fefig; Murilo Nogueira, Diretor Administrativo & Financeiro da Fundação Bradesco; Rodrigo “Kiko” Afonso, Diretor-Executivo da Ação da Cidadania; Viviane Moreira, membro do Conselho Fiscal do IDIS; e moderação de Guilherme Sylos, Diretor de Prospecção e Parcerias do IDIS. 

Em relação a perenidade dos endowments no país, Murilo Nogueira, gestor do maior e mais antigo fundo patrimonial brasileiro, frisou a necessidade de uma gestão cautelosa e responsável dos recursos financeiros para que possa haver continuidade na manutenção da causa apoiada. O investimento e acompanhamento consciente aparece como mecanismo essencial para o sucesso e manutenção do legado criado (confira aqui um artigo sobre o fundo patrimonial da Fundação Bradesco que está presente no Anuário). Rodrigo ‘Kiko’ Afonso, também tratou em sua fala sobre a importância da gestão responsável e transparente dos recursos investidos, uma vez que a continuidade destes dependem da confiança do doador com o fundo patrimonial. 

Luiz Fernando Figueiredo reforçou a importância da estrutura do setor de gestão de investimentos no Brasil para a consequente manutenção da perenidade dos fundos. Para ele, não há país emergente no mundo que tenha setor comparável quando se trata da magnitude e maturidade da área de gestão de investimentos. 

“Nossa indústria foi muito bem regulada e por isso ela se desenvolveu muito. Neste processo, ela também trouxe um desenvolvimento dos gestores muito relevante. (…) Sem dúvida nenhuma a indústria brasileira de gestores está mais do que pronta para conseguir ajudar a gestão dos fundos patrimoniais”, reforçou Luiz Fernando. 

Ainda tratando da importância dos fundos patrimoniais para garantia da perenidade de recursos para as causas, Kiko menciona que este foi um ponto essencial para a escolha da Ação da Cidadania por este mecanismo em detrimento de outras ferramentas de investimento. Ele explicou que a questão da fome é muitas vezes vista como algo pontual e acaba passando por dificuldades quando as doações diminuem, portanto, buscavam um mecanismo que garantisse essa longevidade de apoio a esta causa. 

“Quando os dados saem as doações vêm muito rapidamente, mas elas se encerram rapidamente logo depois desse processo. (…) Como é que a gente resolveu isso para ter um olhar de perenidade na atuação do Ação da Cidadania, sem se vender para o setor privado ou para o governo? (…) Criando um fundo patrimonial que nos desse essa segurança de que a gente pudesse se manter nessa luta, sem precisar fugir dela por uma questão de redução de doação”, explicou o diretor da Ação da Cidadania.

Já Viviane Moreira trouxe uma abordagem diferente, tratando da importância da diversidade e inclusão (D&I) para o aprimoramento da governança de fundos patrimoniais e demais organizações sociais. O Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2023 revelou a baixa incidência de pessoas negras e mulheres nas instâncias de governança dos endowments brasileiros. Porém, a aplicação de políticas de D&I são estratégicas para a transformação social ao serem capazes de expandir os horizontes de observação, considerando outras perspectivas em relação a gênero, raça, sexualidade e acessibilidade e que antes poderiam estar sendo ignoradas. A ampliação dessas perspectivas, de visões de vida e de negócios, promove mais ética nas decisões e construção de estratégias na instância da governança.

“Se a gente não constrói este storytelling [narrativa] ético com governança, representatividade e de forma muito assertiva, a gente vai continuar mais excluindo do que incluindo”, alerta Viviane. 

A mesa de debates do evento ainda abordou aspectos relevantes relacionados às boas práticas para garantir a perpetuidade de fundos patrimoniais além de importantes pontos sobre a gestão de endowments, especialmente no que diz respeito ao fluxo de caixa e à alocação de investimentos financeiros.

Confira a gravação completa aqui:

Por que grupos minorizados precisam participar da governança na filantropia?

Artigo publicado originalmente na Exame em 20/11/2024

* Por Viviane Elias Moreira e Andrea Hanai

Viviane Elias Moreira: "É urgente, portanto, que a filantropia trate a diversidade com mais afinco e convicção, e com menos hesitação, criando, assim, espaços cada vez mais respeitosos, justos e acolhedores." (Leandro Fonseca/Exame)

Viviane Elias Moreira: “É urgente, portanto, que a filantropia trate a diversidade com mais afinco e convicção, e com menos hesitação, criando, assim, espaços cada vez mais respeitosos, justos e acolhedores.” (Leandro Fonseca/Exame)

Estima-se que tomamos aproximadamente 35 mil decisões diariamente, variando das simples às complexas. Embora sempre presente no nosso cotidiano, a tomada de decisão nem sempre é trivial. Nossa escolhas podem ser decisivas para nossas próprias vidas, ou afetar o futuro de nações, de organizações ou a vida de milhares, até milhões de outras pessoas.

Quando entramos na seara das instituições, chegamos a este assunto tão importante, mas ainda subestimado: a Governança. O conceito envolve sistemas, princípios, regras, estruturas e processos que levam pessoas a tomarem decisões mais adequadas, assertivas, sustentáveis, equilibradas, inclusivas e norteadas pela transparência.

Hoje, vamos falar especificamente da governança para o investimento socioambiental. Refletir sobre como são feitas as escolhas sobre a destinação de recursos para este ou aquele projeto ou organização. A provocação proposta neste texto tem a intenção de convocar todos para sairmos de uma zona de conforto que a rotina, ou o privilégio, por vezes nos impõe.

No âmbito da filantropia, é preciso que o setor reconheça a importância da diversidade e inclusão em seus processos, objetivos e propósitos, passando a enxergá-la não apenas como uma responsabilidade moral, mas como um recurso estratégico para uma verdadeira transformação social. Muitas iniciativas filantrópicas já consideram a diversidade como critério para o direcionamento de recursos, bem como muitas organizações da sociedade civil já adotam critérios afirmativos em seus processos de contratação.

Contudo, a inclusão de pessoas de diferentes origens, raças, etnias, gêneros, orientações sexuais, habilidades e crenças em espaços sociais e de trabalho vai além da representatividade, trata-se de criar ambientes em que essas diferentes vozes sejam ativamente ouvidas, estimuladas e valorizadas. E, para isso, a participação deste público nos processos decisórios da governança é fundamental, trazendo consigo a riqueza de decisões estratégicas que levam em conta uma pluralidade de perspectivas, conferindo legitimidade às ações.

Quando grupos sub-representados ganham espaço e são ouvidos de forma estratégica nas decisões em torno da filantropia, há uma redistribuição de oportunidades e de recursos, que impactam positivamente e estão alinhados com a definição moderna de filantropia, indo muito além de doações financeiras para causas sociais, envolvendo um conjunto de ações mais amplo e estruturado que visa o impacto positivo sistêmico e sustentável.

Quando a filantropia assume a diversidade como um valor essencial para a sua realização, o potencial de impacto é ainda maior, e isso reverbera de outras maneiras, seja promovendo mais justiça social, estimulando o desenvolvimento econômico ou impulsionando inovação e competitividade. No Brasil, onde as desigualdades sociais estão profundamente enraizadas em questões de raça, gênero e localização geográfica, fomentar essas práticas têm um exponencial poder de transformação.

Atingir a igualdade em temas de diversidade ainda é algo desafiador em espaços operacionais. E o cenário se torna ainda mais crítico em órgãos deliberativos da governança. Seguindo o ritmo atual, serão necessários cerca de 20 anos para que haja uma paridade entre homens e mulheres na composição dos conselhos deliberativos, por exemplo, de acordo com o Censo GIFE 2022/2023, que ouviu 137 organizações da sociedade civil, em sua maioria ligadas à filantropia familiar e empresarial. No recorte de raça, apesar dos avanços, o percentual de pessoas brancas nos conselhos ainda é de 92%. Negros são 7%, amarelos/orientais, 1% , e há apenas 1 pessoa indígena mapeada neste espaço.

É claro que mudanças na governança de organizações já estabelecidas podem requerer tempo, o que poderia justificar o ritmo lento com o qual grupos minorizados vêm sendo incluídos em instâncias deliberativas. Porém, preocupa o fato de novas organizações da sociedade civil e novos processos decisórios em organizações estabelecidas estarem sendo criados sem que se leve em conta a diversidade e inclusão.

Um estudo recente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), que traz dados de 74 fundos patrimoniais (endowments) no Brasil, revela que temos a presença de pessoas pretas, pardas ou indígenas em apenas 43% das Assembleias Gerais, 36% dos Conselhos Deliberativos, Curadores ou de Administração, e em somente 11% dos Comitês de Investimento. Uma presença numericamente muito baixa, que em nenhuma das instâncias supera 8% dos membros.

Cenário um pouco melhor é o que considera a questão de gênero. As mulheres estão presentes na maior parte dos Conselhos e Comitês, mas ainda assim não chegam a ocupar metade das cadeiras destes órgãos. Por fim, outro aspecto interessante é o fato de que 78% dos fundos patrimoniais (58, entre os 74 da amostra) foram criados a partir de 2010.

A filantropia é umas das maneiras mais eficientes de impulsionar mudanças sistêmicas que não apenas são capazes de reduzir a desigualdade social mas, também, de construir uma sociedade mais justa, equitativa e inclusiva, criando um país com oportunidades verdadeiramente iguais para todos.

Se queremos preservar a legitimidade e relevância de nossa filantropia e de nossa sociedade civil organizada, precisamos olhar com mais seriedade, a diversidade e inclusão não somente nas ações e projetos realizados, mas também no processo decisório em torno de nossa estratégia e atuação.

É urgente, portanto, que a filantropia trate a diversidade com mais afinco e convicção, e com menos hesitação, criando, assim, espaços cada vez mais respeitosos, justos e acolhedores.

* Viviane Elias Moreira é conselheira fiscal no Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), e Andrea Hanai é gerente de projetos no IDIS

IDIS lança a 3ª edição do Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais

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O debate sobre a importância dos fundos patrimoniais, do legado e impacto a longo prazo que eles podem causar, positivamente, nas agendas socioambientais, está em ascensão no Brasil. Em uma edição que traz uma série histórica de 2019 a 2023, o IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social lança o Anuário de Desempenhos de Fundos Patrimoniais 2023, que traz uma amostra composta por 74 fundos, entre 107 fundos elegíveis, que juntos somam um patrimônio de R$156 bi.

 

Perfil da amostra dos fundos patrimoniais analisados no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais entre 2021 e 2023.

 

O levantamento, voltado a gestores de endowments, revelou que em 2023 foi alcançada uma rentabilidade média dos fundos de 10,6%, a mais alta desde 2020, e que a maioria dos fundos prefere investimentos em renda fixa, caixa e equivalentes, categorias que concentraram 81% das aplicações financeiras dos fundos patrimoniais.

 

Composição da amostra por faixa de patrimônio dos fundos patrimoniais analisados no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais de 2023 (Dez 2023).

 

O prefácio da publicação é assinado pelo Senador Flávio Arns, responsável pela elaboração do Projeto de Lei 2.440/23, que busca complementar a Lei 13.800/19 dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos. Arns ressalta que “fundos patrimoniais são essenciais para o desenvolvimento social de nosso país, na medida em que promovem projetos e causas que transformam a vida de brasileiros e brasileiras.”

Hoje, no Brasil, existem 115 fundos patrimoniais mapeados, de acordo com o Monitor dos Fundos Patrimoniais, projeto coordenado IDIS, dos quais oito foram criados neste ano. Também conhecidos como endowments, os fundos patrimoniais reúnem um conjunto de ativos de natureza privada com o objetivo de, a partir dos seus rendimentos, serem fontes de recursos a longo prazo para instituições e/ou causas apoiadas. Ou seja, a criação de um fundo patrimonial perpetua a atuação de uma instituição, ou o apoio a uma causa.

O Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais apresenta um panorama que contempla informações sobre fluxo de caixa, alocação, rendimentos, política de investimento e governança de endowments. Só em 2023, segundo a publicação, foram resgatados R$3,5 bi, sendo R$3,2 bi destinados a causas e R$270 mi utilizados para custeios dos fundos.

Cinco principais causas apoiadas pelos fundos patrimoniais analisados no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2023.

A Educação continua a ser a causa mais apoiada, com 47 fundos destinando recursos para o setor. Em seguida, pesquisa e conhecimento, desigualdade / desenvolvimento econômico e social e assistência social. A maior parte dos fundos está concentrada no eixo Rio-São Paulo, com São Paulo respondendo por 69% do total de participantes do levantamento.

 

Localização geográfica dos fundos patrimoniais analisados no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2023.

“O Anuário apresenta parâmetros e referências para a atuação de gestores. Em sua 3ª edição, a publicação se consolida como um instrumento para a tomada de decisões e tem sido fundamental para as nossas ações de incidência em busca do aprimoramento de políticas públicas”, ressaltou Paula Fabiani, CEO do IDIS.

Em relação ao número de doações recebidas, em 2023, os 74 endowments receberam um total de doações de R$ 517 mi, mas a média de valor doado por fundo permaneceu estável, caindo ligeiramente de R$9,3 mi, em 2022, para R$8,8 mi, em 2023. Destaque, ainda, para a concentração das doações em poucos fundos, que se confirmou nesta edição, ao trazer a informação de que os cinco fundos mais captadores de recursos ficaram com 75% das doações. Não é surpreendente, dessa forma, que a captação de recursos continua sendo o grande desafio enfrentado por gestores, em especial os responsáveis por fundos com patrimônio inferior a R$500 mi.

Outro achado do levantamento diz respeito à baixa diversidade étnica e racial em instâncias de governança. A presença da população preta, parda e indígena em conselhos e comitês é numericamente muito baixa e não superou 8% dos membros em nenhum. As informações apresentadas na publicação foram coletadas por meio de um questionário online, respondido diretamente pelos gestores dos fundos patrimoniais.

Confira a apresentação dos dados:

Melhores práticas para se medir o sucesso de um fundo patrimonial

*Diego Martins, sócio da Pragma Gestão de Patrimônio

Anos atrás, conversando com o diretor de investimentos de um grande endowment norte-americano, ele me disse que todo investidor deveria, antes de investir, se perguntar por que seu capital é especial. A resposta para essa pergunta o ajudaria a alocar o patrimônio da melhor maneira possível, aproveitando ao máximo do potencial de retorno ajustado por risco. Ato contínuo, perguntei o que o capital que ele geria tinha de mais especial. E a resposta, sem hesitar, foi que o patrimônio de um endowment pode ser investido para a eternidade – portanto, com um horizonte de prazo longuíssimo, diferente de todos os outros investidores do mercado.

Aos olhos dos investidores “comuns”, ativos de horizonte alongado são mais arriscados: têm mais volatilidade (como ativos de renda variável), ou se expõem a períodos grandes de iliquidez e a riscos idiossincráticos (caso dos investimentos alternativos, como Ativos Reais, Private Equity ou Venture Capital). A perspectiva de longo prazo inverte essa realidade, e o que é risco para a maioria se torna oportunidade para os endowments: a renda variável tem historicamente entregado prêmios relevantes em horizontes longos, enquanto investimentos alternativos carregam consigo prêmio pela iliquidez, além da oportunidade de se capturar “alfa” (retornos acima dos índices de mercado).

Contudo, um capital especial pede igualmente um acompanhamento especial. Esse artigo se dedica a compartilhar com o leitor quais têm sido as melhores práticas para o acompanhamento de desempenho de fundos patrimoniais ao redor do mundo. São dois os grandes desafios enfrentados para medir a performance de endowments: alinhar as métricas ao horizonte mais longo dos investimentos; e saber exatamente o que se deseja medir com cada métrica.

A solução para o primeiro dilema passa, invariavelmente, pelo alongamento do horizonte de análise. Afinal, não faz sentido investir em ativos que maturam em mais de 5 ou 10 anos (sejam eles simples títulos de renda fixa com vencimentos mais longos, passando por ações e alcançando ativos reais como florestas ou infraestrutura), e querer avaliar o sucesso dessas alocações no mês a mês.

Nessa toada, quanto maior a alocação do fundo patrimonial em ativos com horizonte dilatado de realização de ganhos, mais longa deverá ser a janela de apuração de performance. Tomando como exemplo os endowments universitários norte-americanos, eles habitualmente avaliam o sucesso de portfólios em janelas móveis de 10 anos. Tal horizonte talvez possa parecer ousado para carteiras brasileiras, comumente menos alocadas em ações e investimentos alternativos. Ainda assim, não parece razoável se acompanhar o resultado de um fundo patrimonial em janelas muito curtas, inferiores a 5 anos, por exemplo. Do contrário, a apuração de performance de curto prazo inevitavelmente leva a uma subutilização de riscos toleráveis por um endowment – deixando na mesa, portanto, o que de fato remunera o seu capital especial.

Passemos então às métricas de performance contra as quais um fundo patrimonial deveria se medir. A primeira delas, talvez a mais relevante de todas, ajuda-nos a quantificar se o objetivo primordial de um endowment está sendo alcançado: a proteção do poder de compra do patrimônio somada à capacidade de geração de renda. Trata-se da medida do ganho real da carteira ao longo do tempo, ou seja, qual a rentabilidade acima da inflação. Ao mesmo tempo, é natural que fundos patrimoniais possuam metas de longo prazo na forma “inflação+X%” – segundo este Anuário, a meta mais comum no universo brasileiro é a de IPCA+5%a.a. É fundamental, por conseguinte, que as organizações avaliem periodicamente o cumprimento ou não de tal alvo.

Uma segunda medida relevante para a avaliação de desempenho de um endowment é a comparação do retorno ao de uma referência do mercado investível. Afinal, os gestores de um fundo patrimonial com meta de retorno de “IPCA+5%” podem até ficar satisfeitos caso tenham ganhos de longo prazo 6% ao ano acima da inflação, todavia essa performance terá menos brilho caso o mercado financeiro, de maneira passiva, tenha rendido mais do que isso. Nessa direção, é comum que fundos norte-americanos se comparem ao que chamam de portfolios de referência “naives” (ou ingênuos, em português), compostos por uma combinação de um índice de renda fixa e outro de renda variável.

A lógica por trás dessa métrica é a de aferir se o fundo patrimonial foi capaz de superar uma combinação simples, passiva e barata de ativos tradicionais de mercado. A carteira “ingênua” mais usada no mercado internacional é composta por 60% de um índice de ações e 40% de um índice de renda fixa. Os endowments do hemisfério norte, por sua vez, costumam se comparar a portfólios com alocação em renda variável entre 70% e 80%, haja vista que as exposições estruturais a ativos compatíveis com renda variável são superiores às dos investidores médios (algo alinhado com o horizonte de longo prazo).

Ao portarmos a mesma lógica para o Brasil, certamente teremos portfólios de referência com menos renda variável, sob efeito dos nossos juros reais estruturalmente mais altos. Ainda assim, observando as alocações reportadas nesta publicação, poderíamos inferir que um portfólio 20% renda variável / 80% renda fixa seja uma boa referência para a grande média dos respondentes. Entretanto, fundos maiores (acima de R$ 500 milhões) já demonstram maior orientação a ativos de longo prazo, sendo mais comparáveis a um mix com algo entre 40% e 50% de Renda Variável.

Aqui vale fazer uma ressalva quanto aos chamados “benchmarks” agregados, ou de política de investimentos. Alguns endowments costumam se comparar a um portfolio investido unicamente em índices de mercado, seguindo exatamente as alocações por classe de ativo determinadas nas próprias políticas de investimentos. Essa é uma medida válida caso se queira avaliar a capacidade das classes investidas gerarem retornos acima do mercado (portanto, o já mencionado “alfa”). No entanto, ela é menos abrangente do que a comparação com portfólios “naives” que, além do alfa, também apura a qualidade da decisão de se investir em classes de ativos além de Renda Fixa e Renda Variável, bem como o uso de mais ou menos risco do que o portfólio “ingênuo”.

Por fim, uma terceira medida é amplamente empregada por fundos patrimoniais no exterior: a comparação com a performance de investidores semelhantes. Dessa forma, a organização busca identificar se o próprio endowment tem desempenhado em linha ou melhor do que outras carteiras com perfil de risco e objetivo similares. Nesse aspecto, esta publicação do anuário também tem papel fundamental para os fundos patrimoniais brasileiros, ao ser a primeira (e até este momento a única) publicação a coletar e reportar, de maneira agregada e estratificada, os resultados dos endowments nacionais e de múltiplas causas.

Em suma, as métricas aqui apresentadas são capazes de endereçar as três perguntas fundamentais para avaliação de desempenho de fundos patrimoniais:

1. O fundo foi capaz de atingir o seu objetivo primordial, de proteger o patrimônio ao longo do tempo e gerar ganhos reais destináveis a sua causa? Medida de retorno real (“inflação+X%”);

2. O fundo foi capaz de superar o retorno médio de referências de mercado? Comparação com o portfólio “naive” (mix passivo de Renda Fixa + Renda Variável);

3. O fundo foi capaz de render em linha ou acima do retorno médio de seus pares? Comparação com retorno de outros endowments similares;

A resposta afirmativa a essas três perguntas, medidas num horizonte de tempo razoavelmente longo, caracteriza o sucesso consistente de um fundo patrimonial.

Prefácio Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2023

*Por Senador Flávio Arns 

A grandiosidade de nosso país se expressa de diferentes formas. Somos gigantes pela nossa dimensão continental, pela nossa biodiversidade e pela nossa rica diversidade cultural. Ao mesmo tempo, temos enormes desafios sociais que exigem ações cada vez mais estruturadas para que alcancemos o grande objetivo de sermos um país próspero e justo para todos.

Falar de justiça social é falar de garantia de oportunidades para que todos se desenvolvam. Isso significa assegurar a cada brasileiro ou brasileira o acesso à cidadania plena, em toda sua caminhada pela vida. Garantir dignidade por meio da educação, saúde, assistência, trabalho, moradia, alimentação, cultura e demais direitos fundamentais que estão perpetuados em nossa Constituição.

O papel do poder público, em todas as suas instâncias, é fundamental para que avancemos em políticas públicas que promovam a valorização do ser humano. Porém, a participação da sociedade neste processo tem se mostrado igualmente essencial. Não por acaso, as ações promovidas pelo chamado Terceiro Setor têm provocado uma verdadeira revolução e contribuído para a transformação de realidades Brasil afora.

O Terceiro Setor é composto por diferentes tipos de organizações da sociedade civil, sem finalidade lucrativa, que exercem atividades de interesse social. Sua abrangência é muito significativa, assim como sua contribuição para a economia. De acordo com o Mapa das Organizações da Sociedade Civil (Mapa das OSC), o Brasil possui mais de 879 mil Organizações da Sociedade Civil (OSCs) registradas. O impacto dessas organizações na economia também é volumoso. Dados divulgados em 2023 pelo estudo “A importância do Terceiro Setor para o PIB no Brasil e em suas Regiões”, de iniciativa do Movimento por uma Cultura de Doação, mostram que o Terceiro Setor movimenta 4,27% do PIB, 3,39% do valor de produção e 5,88% das ocupações no país.

Tão grandioso quanto seu tamanho é, também, o seu potencial de crescimento, seja por meio da ampliação de parcerias entre essas entidades e o poder público ou pelo aumento das doações por parte de pessoas físicas ou jurídicas. Segundo estimativas da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), se todas as empresas que declaram por lucro real usassem o limite máximo do imposto nas leis de incentivo, seriam captados, aproximadamente, R$ 6 bilhões por ano, quase o dobro do montante destinado pelas pessoas jurídicas em 2019, que foi de R$ 3,2 bilhões. Em relação às pessoas físicas, o potencial arrecadatório é de R$ 3 bilhões anuais. Porém, o valor captado via doações do Imposto de Renda em 2019 foi de apenas R$ 206 milhões, muito aquém do que seria possível.

Garantir condições para que este segmento prospere é fundamental. Neste contexto, os fundos patrimoniais filantrópicos se tornam extremamente relevantes ao promoverem a sustentabilidade financeira de um número cada vez mais crescente de organizações sociais em nosso país. Ao longo dos anos, fundos têm gerado grande impacto social ao financiarem iniciativas importantes nas áreas de educação, ciência, inovação, assistência social, saúde e tantos outros setores beneficiados.

Dados recentemente divulgados pelo Monitor de Fundos Patrimoniais no Brasil, de iniciativa do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, apontam para a existência de 115 fundos ativos, cujo patrimônio total informado é de mais de R$ 157 bilhões. Um setor que vem se fortalecendo cada vez mais, principalmente após a aprovação da Lei 13.800/2019, que incentivou a criação e organização de novos fundos patrimoniais no Brasil.

Ao mesmo tempo em que a legislação abriu espaço para a instituição dos fundos no Brasil, no decorrer dos anos, mostrou a necessidade de aprimoramentos, principalmente no que se refere ao tratamento tributário aplicado às Organizações Gestoras de Fundos Patrimoniais (OGFP).

No Congresso Nacional, o tema tem sido objeto de debate, primeiramente, por meio do Projeto de Lei 158/2017, de autoria da Deputada Bruna Dias Furlan, e, atualmente, em razão do Projeto de Lei 2.440/2023, de minha autoria, que tramita no Senado Federal. Essa proposição estabelece, dentre outros pontos, que as OGFPs sejam tributadas com base na causa de interesse público a que se destinam. Ou seja, se forem causas imunes ou isentas de tributação, as organizações também devem usufruir da imunidade ou isenção.

A proposta em debate também estende a isenção de Imposto de Renda incidente sobre aplicações financeiras para as OGFPs que se dediquem a causas de interesse público, mesmo que não sejam abrangidas por imunidade constitucional, além de ampliar as hipóteses de utilização de incentivos fiscais por pessoas físicas e jurídicas que pretendam apoiar e fomentar as atividades desenvolvidas por tais fundos.

A partir dessas alterações na lei, a proposta busca estimular a cultura de doação e, consequentemente, fortalecer as iniciativas financiadas pelos fundos patrimoniais, resultando em benefício direto às pessoas atendidas pelas organizações sociais.

Diante deste contexto, destaco como fundamental a iniciativa do IDIS e da Coalizão pelos Fundos Patrimoniais de realizarem o Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2023, traçando um retrato deste setor em nosso país.

As informações levantadas são de grande relevância para fundamentar os debates e o aprofundamento de conhecimentos sobre o tema. Além disso, podem contribuir para consolidar ainda mais o entendimento de que os fundos patrimoniais são essenciais para o desenvolvimento social de nosso país, na medida em que promovem projetos e causas que transformam a vida de brasileiros e brasileiras.

Não resta dúvida de que a participação da sociedade, neste caso, por meio dos fundos patrimoniais, é extremamente necessária e deve sempre ocorrer de forma ativa e sem entraves burocráticos. O fortalecimento do Terceiro Setor, não apenas por meio da legislação, mas, principalmente, pelo reconhecimento por parte do poder público, é o caminho para que possamos assegurar benefícios sociais e econômicos para todos.

O impacto na governança a partir da doação de um legado: Entenda como a criação do fundo patrimonial pode impulsionar mudanças estratégicas em organizações da sociedade civil como a ASA

*Por Melissa Pimentel, Superintendente Executiva da ASA – Associação Santo Agostinho

A governança de organizações da sociedade civil pode ser impactada pela criação de um fundo patrimonial que a beneficiará. Um exemplo prático disso é o da ASA – Associação Santo Agostinho. Neste caso, a instituição acelerou o próprio processo estratégico de atualizações do modelo de governança e gestão para criar esse fundo nos moldes da Lei 13.800/2019, após ser nomeada legatária de uma doação relevante. Com mais de 80 anos de atuação, a ASA oferece serviços gratuitos de educação e assistência social, financiados por meio de convênios com a Prefeitura e captação de recursos livres e para projetos.

A Presidente do Conselho de Administração na época (e atual Vice-Presidente), Maria Estela (Teli) Penteado Cardoso, compartilha essa experiência:

“Ao sermos surpreendidos com esta doação, percebemos que a história da ASA, uma organização tradicional com mais de oito décadas de atuação na cidade de São Paulo, seria diferente. Precisávamos fortalecer a governança e criar mecanismos para proteger nosso patrimônio e perpetuar nossa missão”. 

Doações substanciais como essa deixam um legado que vai além do tempo e servem de exemplo para que outros gestos semelhantes aconteçam, beneficiando o Terceiro Setor como um todo. “Nossa gratidão à generosidade dessa doadora será eterna uma vez que, além de demostrar o reconhecimento da contribuição da ASA para sociedade, mostra confiança na nossa capacidade de gerir o patrimônio, trazendo excelência e ampliando nossos programas que visam acolher e transformar vidas”, acrescenta Teli Cardoso.

A partir desse momento, o Conselho de Administração da ASA implementou uma série de medidas para fortalecer sua governança, como a revisão de seu estatuto social, a renovação e diversificação do Conselho de Administração, a criação de comitês de controle e grupos de trabalho, além do aprimoramento das práticas de transparência. Todos elementos essenciais para a gestão otimizada de um fundo patrimonial, que aumentam a confiança na sua habilidade de gerir recursos de forma eficaz e a sua capacidade de atrair novos parceiros.

Ademais, com a criação desse modelo de fundo, o fluxo constante de recursos permite investimentos em desenvolvimento institucional, planejamento estratégico, contratação de profissionais qualificados e aquisição de ferramentas tecnológicas – áreas fundamentais para qualquer organização social e que não são contempladas por captações tradicionais. Pois, muitas vezes doadores ou parceiros, costumam preferir financiar ações pontuais relacionadas ao impacto social imediato.

Pensando assim, a ASA prepara-se para estabelecer um ciclo virtuoso de sustentabilidade e crescimento. Ao demonstrar solidez e transparência na gestão dos fundos patrimoniais, a ASA se posiciona como uma organização confiável e capaz de administrar os recursos destinados a ela de maneira responsável, o que fortalece a confiança de doadores, cria novas oportunidades de parcerias e aumenta o potencial de captação de recursos tradicionais.

 

Desafios e Oportunidades

A experiência da ASA mostra que a criação de um fundo patrimonial tem o potencial de impulsionar a sustentabilidade prolongada de uma organização da sociedade civil. E desde 2019, a partir de doação recebida, a organização tem trilhado um caminho de desafios e oportunidades na constituição e fortalecimento de seu fundo.

Os rendimentos contínuos, a partir do capital preservado no fundo patrimonial, garantem previsibilidade e estabilidade nos fluxos de recursos. Isso reduz a dependência de doações esporádicas ou captações pontuais, permitindo que a organização faça um planejamento estratégico de longo prazo.

A criação do fundo também fortalece a governança da instituição, exigindo a adoção de boas práticas, como a formação de comitês especializados e auditorias independentes. Esses mecanismos aumentam a transparência e a confiança de doadores e parceiros. Luis Alvaro Moreira Ferreira Filho, atual Presidente do Conselho da ASA, afirma:

“com a constituição do Comitê de Investimentos e com a criação do Regulamento do Fundo progredimos significativamente nesse aspecto, incorporando especialistas em gestão de ativos financeiros para assessorar o Conselho de Administração da ASA nas decisões estratégicas, essenciais para a sustentabilidade do Fundo”.

A alta liderança deve estar preparada para tomar decisões estratégicas, reforçando a importância de comitês de investimento que minimizem os riscos financeiros e maximizem os resultados. Nesse sentido, a criação de um regulamento para o fundo patrimonial é essencial para garantir a transparência, a correta destinação dos recursos e a segurança jurídica da sua gestão. Além disso, é crucial que o regulamento esteja alinhado com a governança da organização e com o foco na perenidade do fundo, assegurando que o capital seja preservado e os rendimentos sejam utilizados de forma responsável.

Porém, um dos maiores desafios para a criação dos fundos está ligado à arrecadação de recursos específicos para esse fim. A captação de recursos para a formação de um fundo patrimonial enfrenta obstáculos, especialmente pela falta de incentivos fiscais atrativos para estimular doações de grande porte e pela cultura de doação do Brasil, que se concentra em projetos de curto prazo. Essa realidade reforça a necessidade de uma mudança cultural, em que doadores, parceiros e a própria sociedade passem a valorizar investimentos de longo prazo que garantam a sustentabilidade das organizações e ampliem seu impacto social, como os fundos patrimoniais.

Com uma governança sólida e uma estratégia de captação voltada para o longo prazo, os fundos patrimoniais têm o potencial de garantir a perpetuidade das organizações sem fins lucrativos e ampliar seu impacto social. Embora existam desafios, a trajetória da ASA serve como um exemplo claro de como a criação de um fundo patrimonial pode ser uma solução transformadora para o Terceiro Setor.

Gestão Sustentável de Fundos Patrimoniais: A Fundação Bradesco como referência no Brasil, transformando pela educação

*Por Murilo Nogueira, Diretor Administrativo & Financeiro da Fundação Bradesco

A Fundação Bradesco se destaca como o maior projeto de investimento social privado do Brasil, promovendo impacto através da educação gratuita e de qualidade. Abrangendo todo o ciclo da Educação Básica Regular — do Ensino Infantil ao Ensino Médio —, a Fundação oferece oportunidades educacionais todos os anos para mais de 42 mil crianças, jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade, com o objetivo claro de transformar vidas e desenvolver o potencial dos alunos por meio da educação.

Com uma rede de 40 escolas próprias espalhadas por todo o território nacional, a Fundação Bradesco é um exemplo de como o investimento social estratégico pode transformar vidas e contribuir para a redução das desigualdades no Brasil. Esse compromisso com a educação de excelência e o desenvolvimento social é sustentado por seu robusto fundo patrimonial, que garante a continuidade de suas atividades e a perenidade de seu impacto na sociedade. A perpetuidade deste projeto depende da colaboração de diversos envolvidos, com mais de 3.600 colaboradores integrando essa iniciativa atualmente, onde cada um desempenha um papel essencial.

Desde sua fundação em 1956, a Fundação Bradesco tem desempenhado um papel fundamental na educação e inclusão social no Brasil. Parte desse impacto se deve ao sólido fundo patrimonial da instituição, o maior do país, cuja gestão cuidadosa tem garantido a sustentabilidade de seu projeto educacional. Criado por Amador Aguiar, fundador do Bradesco, o fundo foi o primeiro do Brasil e tem se adaptado ao longo dos anos para enfrentar um cenário econômico em constante mudança.

De acordo com o IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, a Fundação Bradesco foi uma das primeiras organizações no país ao estabelecer um fundo patrimonial. Diferente dos Estados Unidos, onde as fortunas da industrialização impulsionaram os fundos patrimoniais, no Brasil foi Amador Aguiar quem criou um dos primeiros fundos do gênero. Em 1956, ele destinou 100 mil cruzeiros como dotação inicial e, ao longo dos anos, transferiu grande parte de suas ações para a instituição. Esse movimento estabeleceu não apenas um dos fundos patrimoniais mais antigos do Brasil, mas também o mais robusto, com R$ 85 bilhões em ativos, posicionando a Fundação Bradesco entre as maiores do mundo, comparável a instituições como a Fundação Bill e Melinda Gates.

Desde o início, a gestão do fundo patrimonial da Fundação Bradesco foi orientada por uma política de preservação do capital, garantindo que os recursos estivessem sempre disponíveis para as necessidades da instituição. Ao longo dos anos, à medida que o cenário econômico evoluía, a gestão se modernizou, adotando novas estratégias de investimento e diversificação de ativos. Com uma gestão administrativa forte e uso consciente desses recursos a Fundação Bradesco garante a perpetuidade do projeto, possibilitando investimentos conscientes.

A Fundação Bradesco recebe dos resultados das empresas do grupo Bradesco, utilizando recursos financeiros provenientes de dividendos e JCPs, o que exige uma gestão ainda mais prudente de seu fundo patrimonial. Em 2024, estão previstos investimentos da ordem de R$ 1,4 bilhão, um aumento de 56,42% em relação aos R$ 895 milhões investidos em 2023. Além disso, a Fundação mantém uma reserva de capital capaz de sustentar o ciclo completo de formação de seus alunos — um período de treze anos de educação básica regular. Essa estratégia assegura que a missão educacional continue sem interrupções e garante a perpetuidade.

O compromisso com a sustentabilidade financeira de longo prazo permite que a Fundação Bradesco continue promovendo a transformação social por meio da educação, garantindo o futuro de milhares de jovens em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Ao longo dos anos, o fundo patrimonial da Fundação Bradesco tem possibilitado a continuidade de projetos transformadores, capacitando alunos e impactando positivamente a sociedade. Histórias de ex-alunos que retornam à Fundação Bradesco para compartilhar suas trajetórias e experiências de vida com as novas gerações demonstram como o impacto educacional da instituição se perpetua ao longo do tempo. Esses ex-alunos, com trajetórias de sucesso em diversas áreas profissionais, voltam às escolas da Fundação palestrantes, inspirando os atuais estudantes a acreditarem em seu potencial e a seguirem um caminho de transformação. Esse ciclo fortalece o vínculo entre a Fundação e sua comunidade, reforçando o compromisso de oferecer não apenas uma educação de qualidade, mas também oportunidades de mudança de vida.

O fundo patrimonial que sustenta essa missão, então, vai além de ser apenas um mecanismo financeiro; ele atua como um verdadeiro catalisador de transformação social. Ao garantir recursos para a continuidade do projeto educacional da Fundação, o fundo possibilita que o impacto gerado na vida de cada estudante se espalhe pela sociedade como um todo: uma transformação que impacta. A longevidade do fundo permite que a educação oferecida atinja mais do que as salas de aula, capacitando os jovens a contribuírem com suas comunidades e a perpetuarem o legado de inclusão e desenvolvimento promovido pela Fundação Bradesco.

Com seu tamanho e capilaridade, a Fundação Bradesco mantém sua posição como o maior fundo patrimonial do Brasil e carrega a responsabilidade de garantir sua relevância e sustentabilidade para as próximas décadas. A visão de Amador Aguiar, de criar uma instituição que promove a inclusão social por meio da educação, segue firme, posicionando a Fundação como uma referência no Brasil e no mundo, transformando vidas por meio da educação.

O papel do gestor de investimento

*Por Ilan Ryfer, Sócio da 1618 Investimentos

A essência do conhecimento consiste em aplicá-lo, uma vez possuído.

Confúcio (551 a.C. – 479 a.C.)

 

Existe uma metáfora contada através da história do “Reparo do Navio”. Já escutei várias versões ligeiramente diferentes, mas sempre nas mesmas linhas.

Um navio que valia centenas de milhões de dólares quebrou, e cada dia parado no porto representava um prejuízo de centenas de milhares de dólares. O comandante do navio, ansioso em colocá-lo para navegar, chama um técnico naval e pede um orçamento. O técnico orça o conserto em US$1.000, o que é prontamente aprovado. Entretanto, após um dia inteiro tentando, sem sucesso, consertar o navio, o técnico desiste.

O comandante, então, chama um engenheiro naval, que orça o conserto em US$10.000, também é prontamente aprovado. O engenheiro passa dois dias analisando a situação até desistir.

Desesperado, o comandante finalmente chama um especialista em consertos de navios que havia sido muito recomendado, mas que todos diziam ser carésimo. Ao chegar, o especialista orça o conserto em US$1.000.000 (isso mesmo, um milhão!). O comandante reclama do preço, mas o especialista não recua. Sem saber mais o que fazer, o comandante aprova.

O especialista então inspeciona algumas válvulas e após 15 minutos, retira de sua mala de ferramentas um pequeno martelo e dá uma só pancada seca em uma das válvulas. Como num passe de mágica, o navio volta a funcionar. Surpreso, o comandante reclama ao especialista, que estava cobrando US$1.000.000 por apenas 15 minutos de trabalho e pede um detalhamento do orçamento. Sem hesitar, o especialista escreve numa folha de papel:

Orçamento Detalhado:

  • Martelada – US$1,00
  • Saber onde dar a martelada – US$999.999

 

Nada melhor para ilustrar o conceito de “saber onde dar a martelada” do que o trabalho brilhante de David Swensen, gestor por mais de 35 anos do famoso fundo patrimonial da Universidade de Yale. Ele e Dean Takahashi mudaram a forma de se pensar em gestão de investimentos de longo prazo, aplicando a teoria moderna de portfólio e criando o Modelo Yale de gestão.

Os resultados podem ser observados nos gráficos abaixo:

 

Ao longo dos mais de 35 anos à frente do fundo patrimonial de Yale, Swensen alterou radicalmente o formato da carteira de investimentos, abandonando o tradicional modelo 60/40 (60% em ações domésticas e 40% em renda fixa), em favor de um portfólio muito mais diversificado, incluindo Hedge Funds, fundos de Private Equity e Venture Capital, além de investimentos imobiliários.

 

O resultado dessa alteração foi significativo em termos de retornos financeiros. Durante o período que esteve à frente do fundo patrimonial de Yale, Swensen bateu a média dos demais fundos em quase 3,5% ao ano. Pode não parecer muito, mas se aplicássemos US$1.000 no gestor médio, após esse período teríamos US$34.000. Nas mãos de Swensen, teríamos impressionantes US$102.000! Esse é o resultado de juros compostos na mão de um gestor de investimentos que “sabe onde dar a martelada”.

Trabalho no mercado financeiro há mais de 30 anos e, ao longo da minha carreira fui mudando – ou melhor, evoluindo – minha forma de encarar minha profissão, a de gestor de investimentos.

A princípio, e de forma simplista, podemos dizer que a responsabilidade primária de um gestor de investimentos é maximizar retornos financeiros. Aqui começa o primeiro equívoco a respeito do papel do gestor.

Quando falamos de retornos, temos sempre de lembrar do outro lado da moeda, que é o risco. Esse é quase um dogma nos mercados financeiros – maiores retornos estão sempre atrelados a maiores riscos potenciais. Pensar somente em retornos e esquecer da adequação do risco ao perfil do cliente pode levar a erros grosseiros de alocação.

Entendi… Então vamos tentar aprimorar nosso entendimento. O papel do gestor de investimentos seria gerar retorno positivo acima da média, ou pelo menos melhor que um leigo, depois de ajustado ao risco? Essa já é uma definição melhor, mas, ao longo do tempo, aprendi que o papel de um gestor de investimentos é muito mais amplo que o de simplesmente olhar para o portfólio de um cliente, seja esse cliente pessoa física ou jurídica, ou mesmo um grande investidor institucional.

Dizem que o gestor de investimentos, mais que um médico, lida com a parte mais sensível do ser humano: o bolso. Para fazer isso corretamente, não basta que o gestor entenda de economia, finanças, mercados e política. Tem de entender um pouco (ou muito) de psicologia humana. Isso é fundamental para entender as reais necessidades de cada cliente, num processo que chamo de “momento divã”, permitindo assim adequar corretamente a alocação da carteira aos anseios, medos e restrições de cada um.

Nos ensina a já não tão recente disciplina das finanças comportamentais que somos seres parcialmente racionais, o que quer dizer que somos parcialmente irracionais. Sofremos de vieses que frequentemente nos desviam do caminho mais adequado, principalmente nos momentos de crise. É nessa hora que o gestor de investimentos desempenha um papel fundamental: resguardar a racionalidade e manter a estratégia traçada.

Concluindo, um gestor de investimentos tem um papel relativamente simples. Deve atuar como terapeuta, cientista político, estrategista, economista, futurólogo e bode expiatório quando tudo dá errado. Mais do que isso tudo, o gestor de investimentos tem de “saber onde dar a martelada”, pois, depois de 30 ou mais anos, é o que faz a diferença.

A diversidade na governança de fundos patrimoniais

* Por Viviane Elias Moreira, C-level e conselheira fiscal do IDIS

A provocação proposta neste texto tem a intenção de convocar todos para sairmos de uma zona de conforto que a rotina ligada ao tema nos criou, gerando obviedades que estamos negligenciando e que não podemos mais ignorar suas consequências, se quisermos um país mais igualitário: diversidade e inclusão precisam ser mais bem gerenciadas em nossas ações de filantropia, principalmente quando pensamos na governança de organizações desse setor.

Nos últimos anos, as ações filantrópicas vêm ganhando força como ferramenta fundamental na luta para reduzir as desigualdades sociais no Brasil. O ano de 2024 nos trouxe um momento de entendimento real de quem adota as ações de filantropia com a verdadeira intencionalidade versus quem adotou estas ações como uma forma de “estar na moda”, ou como tecnicamente conhecemos, os famosos “washings”.  De todos os possíveis “washings” adotados e normalizados, nenhum foi tão danoso para nossa sociedade e para a real intencionalidade da filantropia do que o diversitywashing.

Diversitywashing é um termo que se refere à prática de empresas ou organizações que adotam uma aparência superficial de compromisso com a diversidade, inclusão e equidade sem realmente implementá-las de forma significativa ou eficaz. No Brasil, o termo diversitywashing foi patenteado por Liliane Rocha, fundadora da empresa Gestão Kairós, que é uma referência no campo de sustentabilidade e Diversidade & Inclusão (D&I). Ela destaca a importância de combatê-lo, assegurando que as ações de diversidade sejam profundas e transformadoras, e não apenas uma estratégia de marketing ou uma fachada.

Fábio Barbosa, uma das principais lideranças inspiradoras no setor de sustentabilidade e responsabilidade social, propõe uma teoria extremamente relevante, onde existem 3 princípios (ou 3 Cs) essenciais para a eficácia do desenvolvimento sustentável: as pessoas só fazem o que fazem por convicção, por conveniência ou por constrangimento. Minha contribuição a esta teoria é que não importa o tipo do C que a sua ação de filantropia adote, se ela adotar diversitywashing como direcionador, ela será mais uma ação de marketing que terá como resultado uma correção superficial, postergando e potencializando os impactos de desigualdade social para as gerações futuras.

A filantropia precisa entender o papel da diversidade e inclusão em seus processos, metas e intencionalidade, não apenas como uma atividade de imperativo moral, mas como ferramenta estratégica de transformação social. Quando falamos de diversidade, estamos nos referindo à presença de pessoas de diferentes origens, raças, etnias, gêneros, orientações sexuais, habilidades e crenças em espaços sociais e de trabalho. A inclusão, por sua vez, vai além da representatividade, trata-se de criar ambientes em que essas diferentes vozes sejam ativamente ouvidas, estimuladas e valorizadas. E, por isso, a presença deste público em órgãos de governança é essencial para que as decisões estratégicas norteadoras de uma determinada organização leve em conta uma pluralidade de perspectivas.

Sabemos que, alcançar a igualdade em temas de diversidade ainda é algo desafiador para algumas equipes operacionais, em órgãos superiores de governança é algo ainda mais crítico. Serão necessários cerca de 20 anos para que haja uma paridade entre homens e mulheres na composição dos conselhos deliberativos, de acordo com o Censo GIFE 2022/2023. No tema de raça, apesar de haver aumentos, o percentual de pessoas brancas nos conselhos é de 92%, 7% negros, 1% amarelos/orientais e apenas 1 pessoa indígena. E, quando fazemos ainda outro recorte, como no caso da governança de fundos patrimoniais apresentados cujo dado inédito é apresentado neste Anuário, notamos que, no caso de gênero, as mulheres já conquistaram representação na maior parte dos Conselhos e Comitês, porém ainda não em igual número dentro dessas instâncias. Já na questão racial, há presença de apenas de pessoas pretas, pardas ou indígenas em apenas 43% das Assembleias Gerais, 36% dos Conselhos Deliberativos/Curadores/de Administração e 11% dos Comitês de Investimento. Apesar disso, a presença numericamente é muito baixa e em nenhuma das instâncias supera 8% dos membros.

Quando grupos sub-representados ganham espaço e são ouvidos de forma estratégica dentro das ações de filantropia, ainda mais em instâncias decisórias, há uma redistribuição de oportunidades e recursos que impactam positivamente e estão alinhados com a definição moderna de filantropia pelo mundo, que vai muito além de doações financeiras para causas sociais, mais para um conjunto de ações mais amplas e estruturadas que visam o impacto sustentável.

Quando a diversidade é considerada pelas ações de filantropia como um valor inegociável, o potencial de impacto é exponencial, com a promoção da justiça social, fomento ao desenvolvimento econômico, impulsionando a inovação e competitividade, elementos essenciais para o crescimento sustentável do país. No Brasil, onde as disparidades sociais estão fortemente ligadas à raça, gênero e localização geográfica, a promoção dessas práticas pode ser transformadora.

Por isso que, no caso de fundos patrimoniais, existe uma janela de oportunidade. Observamos novos endowments sendo criados no Brasil nos últimos anos. Não só podemos, como devemos levar em consideração a diversidade na criação da governança dessas novas organizações, assim podemos trazer à mesa de decisões uma representatividade para um ideal de sociedade igualitária que tanto buscamos. Uma governança plural e tomadora de ações para uma filantropia estratégica para tornar o Brasil menos desigual.

Ainda há um longo caminho a percorrer para alcançá-lo. Acredito que a filantropia é umas das formas mais eficientes para acelerarmos mudanças sistêmicas que não apenas reduzem a desigualdade social, mas também constroem uma sociedade mais justa, equitativa e inclusiva, criando um país com oportunidades verdadeiramente iguais para todos. Por uma filantropia que trate a diversidade com mais convicção e menos constrangimento.

Fundo de Fomento à Filantropia: pedra fundamental do legado do IDIS para o Brasil

O IDIS foi fundado em 1999, com a missão de inspirar, apoiar e ampliar o investimento social privado e seu impacto, trabalhando junto a indivíduos, famílias, empresas, fundações e institutos corporativos e familiares, assim como organizações da sociedade civil em ações que transformam realidades e contribuem para a redução das desigualdades socioambientais no país. Nossa causa, portanto, é a promoção da filantropia e da cultura de doação. Ou, como gostamos de falar, a ‘causa das causas’, já que pode contribuir para a promoção da Educação, Saúde, Geração de Renda, entre inúmeras outras.

Temos convicção de que fundos patrimoniais são instrumentos poderosos para a sustentabilidade de causas e organizações. Depois de mais de uma década de dedicação ao tema, promovendo ações de conhecimento, apoiando a criação de endowments e agindo para o aprimoramento do ambiente regulatório, por fim, criamos o Fundo de Fomento à Filantropia, a pedra fundamental de nosso legado para o Brasil.

E por que agora? Apesar de ser um sonho antigo, foi no momento da comemoração de nossos 25 anos que vimos uma oportunidade para a captação de recursos. Por uma confluência do destino, foi também em 2024 que recebemos a confirmação da doação equivalente a R$7,5 milhões da filantropa americana MacKenzie Scott. A decisão sobre o destino do recurso foi natural: oferecer como match à doação de brasileiros. Neste momento, nossa sustentabilidade financeira também estava bem equacionada, com um caixa e fundo de reserva bastante robustos para enfrentar flutuações no curto e médio prazos, condição essencial para darmos esse passo.

Para a criação do Fundo de Fomento à Filantropia, pela primeira vez, pudemos aplicar para o IDIS os conhecimentos e experiências que por tantos anos levamos para fora. Foi oficialmente lançado em agosto de 2024 e, portanto, não tem dados ainda suficientes para integrar esse Anuário. Por outro lado, não gostaríamos de deixar passar a oportunidade de compartilhar esses primeiros passos. Quais foram as decisões tomadas, os dilemas enfrentados, os desafios que temos. A cada ano vemos crescer o número de endowments no Brasil e por isso esperamos que este relato contribua de alguma forma para aqueles que estão também iniciando suas jornadas. Para traçar esse raio-x, escolhemos usar o próprio questionário como base.

Boa leitura!

PARTE 1 – IDENTIFICAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO GESTORA

IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social
Sede São Paulo (SP)
Ano da criação 1999
Categoria da Organização Gestora Associação/instituto ou fundação independente, cujo estatuto social não especifica seu enquadramento na Lei 13.800/19.
Principal motivo de não estar enquadrado na Lei Falta de segurança jurídica sobre o direito à isenção ou imunidade de impostos, em especial Imposto de Renda sobre aplicação financeira, ITCMD e isenção de COFINS sobre receita financeira.
A Organização Gestora goza de algum benefício fiscal (ou seja, é imune ou isenta de impostos)? Sim, ITCMD, Imposto de Renda sobre aplicações financeiras por conta do certificado de OSCIP aliado a Certificado de Entidade Promotora de Direitos Humanos.

Para a estruturação do Fundo de Fomento à Filantropia, escolhemos usar a estrutura existente do próprio IDIS e fazer a gestão internamente, criando políticas e mudanças estatutárias que garantem segurança para a administração do patrimônio e alocação dos recursos de forma isolada e independente.

Não optamos pela criação de uma Organização Gestora de Fundo Patrimonial (OGPF) num primeiro momento devido à impossibilidade de gozar do mesmo tratamento tributário que o IDIS atualmente possui. Mas a ideia é instituir uma OGPF assim que esta lacuna na lei for endereçada pelos esforços no advocacy.

 

PARTE 2 – IDENTIFICAÇÃO DO FUNDO PATRIMONIAL

Fundo de Fomento à Filantropia
Sede São Paulo (SP)
Ano da criação 2024
Organização que gere o fundo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social
O fundo foi criado para beneficiar? A própria Organização Gestora, que também é a Instituição Apoiada.
Qual(ais) é(são) a(s) área(s) de atuação da Organização Gestora/Instituição Apoiada Fomento à filantropia e cultura de doação
Os recursos provenientes do Fundo Patrimonial: Respondem por menos de 10% das fontes de recursos da Instituição Apoiada, que é a própria Organização Gestora.
O Fundo Patrimonial foi criado A partir de um grande aporte inicial/legado e capta novas doações, principalmente para aumentar seu patrimônio acumulado.
Site do fundo https://www.idis.org.br/fundo-de-fomento-a-filantropia/

Entre as ações desenvolvidas pelo IDIS estão a geração de conhecimento e o desenvolvimento e implementação de projetos de impacto, que fortalecem o ecossistema, inspiram a ação, estimulam o diálogo, influenciam políticas públicas e produzem impactos diretos em questões consideradas prioritárias para a promoção da filantropia estratégica no país. Por essa razão, o fundo patrimonial foi criado para beneficiar a própria Organização Gestora, que também é a instituição apoiada.

Somos o único fundo patrimonial no Brasil que tem como causa a filantropia e cultura de doação e, para gerar impactos, optamos por aplicar os recursos nas seguintes linhas:

  • Fortalecimento da filantropia e da cultura de doação: realização de pesquisas, campanhas e outras ações;
  • Promoção de advocacy por um ambiente regulatório mais favorável ao Terceiro Setor;
  • Elaboração e organização de publicações e eventos, como o Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais;
  • Articulação de atores e parcerias para o desenvolvimento do setor, como os endowments criados e Coalizão pelos Fundos Filantrópicos; e
  • Aceleração de iniciativas estruturantes para multiplicar o Investimento Social Privado (ISP) e seu impacto.

O Fundo de Fomento à Filantropia foi criado a partir de um grande aporte inicial/legado e capta novas doações, principalmente para aumentar seu patrimônio acumulado.

Em dois meses, o patrimônio somava R$ 9,3 milhões – metade proveniente da doação de filantropos brasileiros e metade dos recursos provenientes da MacKenzie Scott. Para a atração de novos doadores, há ainda o matching garantido de R$ 3,1 milhões. A meta estabelecida foi atingir um patrimônio de R$ 15 milhões em dois anos, ou seja, até agosto de 2026.

Para garantir esta dotação inicial expressiva, a estratégia envolveu a mobilização de grandes doadores, com o estabelecimento de cotas sugeridas para doação. Além de realizar diversas reuniões com filantropos brasileiros, um jantar foi oferecido com o apoio de dois filantropos que fizeram doações para o fundo para ajudar na sensibilização de outros doadores.

Apesar de fundos patrimoniais se justificarem a partir de grandes somas, como promotores da cultura de doação, entendemos também o potencial das pequenas doações. Elas se perpetuam no tempo e contribuem para a geração de impacto. Por isso, escolhemos também aceitar doações de qualquer valor e dar luz em nosso site também a estes doadores que acreditam em nossa missão e contribuem de acordo com as respectivas possibilidades.

O fundo não é e não será representativo em relação ao tamanho e à atuação do IDIS. A perspectiva é que os recursos provenientes do Fundo Patrimonial respondam por menos de 10% de nossas fontes de recursos.

PARTE 3 – FLUXO DE CAIXA

Patrimônio atual R$ 9.300.000
Regra de resgate Permite resgatar somente o ganho real (rendimentos líquidos de inflação) do patrimônio do fundo.

Como nossa operação acaba de começar, as informações referentes aos resultados ainda não estão disponíveis. Ainda assim, é possível explicar algumas escolhas que foram feitas.

A regra de resgate escolhida permite resgatar somente o ganho real (rendimentos líquidos de inflação) do patrimônio do fundo porque é o parâmetro estabelecido na Lei 13.800/19.

Pretende-se, portanto, estar sempre acima da linha d’água, ou seja, o patrimônio do Fundo Patrimonial em 31/12 sempre será maior que a soma dos aportes, dotações e doações recebidos, corrigidos pela inflação desde a data em que ocorreram.

 

PARTE 4 – ALOCAÇÃO E RENDIMENTOS

Recursos
Alocação dos investimentos do fundo patrimonial 100% em Caixa e equivalentes de caixa (contas-correntes, ativos/títulos/fundos líquidos indexados a CDI ou Selic*)
Grau de liquidez 100% em até 30 dias*
Tem política de investimentos? Política de investimentos está sendo construída.
Adota meta de rentabilidade? Adotará a partir da definição da política de investimentos que está sendo construída.
Adota princípios ou diretrizes de investimento responsável? Está sendo considerado na política de investimentos que está sendo construída.

*Até aprovação de política de investimentos

Ainda está sendo elaborada uma Política de Investimentos para o endowment, alinhada a boas práticas de mercado. Dessa forma, hoje a alocação de rendimentos é feita, totalmente, em renda fixa e fundos de renda fixa (ativos/títulos/fundos de renda fixa não líquidos e/ou não indexados a CDI ou Selic). A política de investimentos ainda está sendo elaborada e definirá meta de rentabilidade, diretrizes de investimento alinhadas a investimento responsável etc.

 

PARTE 5 – GESTÃO E GOVERNANÇA

Instâncias de governança da Organização Gestora diretamente relacionadas à gestão do Fundo Patrimonial Assembleia Geral, Conselho Deliberativo, Comitê de Investimentos, Conselho Fiscal
  Nº de integrantes Nº de membros independentes* Nº integrantes mulheres Nº de membros negros, pardos e/ou indígenas  Duração dos mandatos (anos)
Assembleia Geral (somente no caso Associação) 9 9 4 1 N/A
Conselho Curador/ Conselho Deliberativo/ Conselho de Administração  9 9  4 1  3
Comitê de Investimentos 3  3  1 0 3
Conselho Fiscal  3  3 1 1 3
Modelo de gestão de investimento No momento, até política de investimentos ser aprovada, a gestão está sendo feita de forma exclusivamente interna.
Possui Auditoria externa? Sim.

A estrutura de governança do Fundo de Fomento à Filantropia inclui um Comitê de Investimentos, integrado por Luiz Sorge, sócio da XP Advisory e atual presidente do Conselho do IDIS, Marcel Fukayama, cofundador do Sistema B Brasil e Din4mo e também conselheiro do IDIS, e Cristiane Parisi, sócia da Wright Capital, além de um Comitê Consultivo, a ser formado por doadores diamante e platina. Ambos estão subordinados ao Conselho Deliberativo do IDIS, que também supervisiona o Fundo de Fomento à Filantropia.

A gestão de investimentos financeiros hoje é feita internamente, pelos profissionais da área administrativo-financeira do IDIS, dado que a política de investimentos ainda está sendo elaborada.

Tudo será submetido ao mesmo processo de auditoria regular já praticado pelo IDIS.

 

PARTE 6 – PERSPECTIVAS

Quais suas expectativas em relação ao volume de recursos captados para o Fundo Patrimonial no próximo ano? Aumento do volume de recursos captados para a ampliação do patrimônio acumulado.
Quais suas expectativas em relação ao volume de recursos direcionados pelo Fundo Patrimonial para a(s) Instituição(ões) Apoiada(s) e/ou para a(s) Organização(ões) Executora(s) no próximo ano? Ampliação do volume de recursos direcionados.
Quais suas expectativas em relação à rentabilidade bruta (antes da dedução de impostos) consolidada do portfólio (%) do Fundo Patrimonial em 2024? Manutenção da rentabilidade bruta.
Principal desafio enfrentado atualmente? Captação de recursos.

Estamos no início de nossa jornada e a expectativa é investir na captação de recursos e chegar ao patrimônio de R$ 25 milhões em 5 anos, volume que investido com segurança contribuirá para o desenvolvimento de projetos de fomento à filantropia estratégica no país no longo prazo.

Ao mesmo tempo que é uma perspectiva, a captação de recursos é também um desafio. Trabalhamos com uma causa pouco óbvia e certamente menos mobilizadora que Educação ou Saúde, que oferecem aos doadores indicadores de impacto muito claros e atraem mais recursos. A mobilização é lenta e depende também, evidentemente, de tornar mais conhecido o mecanismo e seus benefícios. Para esta narrativa, ao menos, não nos faltam argumentos e evidências!

Acreditamos que ao estabelecer um fundo patrimonial para apoiar a promoção da filantropia estratégica estamos construindo um legado para o IDIS e para nosso setor. É um sonho antigo que ganha vida e nos traz muito orgulho!

Desempenho de fundos patrimoniais: aspectos basilares e perspectivas futuras

Por Leticia Santos, analista de projetos no IDIS

Na sua segunda edição, o Anuário de Desempenho dos Fundos Patrimoniais destaca-se como a principal referência sobre o mecanismo no Brasil, proporcionando visibilidade e estimulando debates sobre o tema. Descubra os principais tópicos discutidos durante o evento de lançamento desta publicação.

Com o crescimento das doações aos fundos patrimoniais, totalizando R$ 330 milhões em 2022 – quase o dobro em relação ao ano anterior (R$ 174 milhões), segundo o Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais – e o ritmo acelerado de criação desses fundos no Brasil desde a implementação da Lei 13.800/2019, é essencial fortalecer o compromisso com estruturas de gestão mais robustas e inovadoras. Isso garantirá que os fundos patrimoniais possam apoiar efetivamente suas instituições e/ou causas de interesse diante dos desafios.

Para compartilhar suas experiências em diversas áreas da gestão de fundos patrimoniais, Carolina Barrios, responsável pelo Fundo Patrimonial na Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Márcia Woods, Assessora da Fundação José Luiz Egydio Setúbal, e Patricia Valente Stireli, presidente do Conselho de Administração da Organização Gestora do Fundo Patrimonial da Sociedade Beneficente de Senhoras Hospital Sírio Libanês, reuniram-se sob a moderação de Andrea Hanai, gerente de projeto do IDIS, durante o lançamento do Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais de 2022.

Do ponto de vista da governança de fundos patrimoniais, Marcia Woods destaca que “não há como um endowment não possuir uma estrutura de governança robusta”. Essa abordagem é essencial para gerir o patrimônio e direcionar seus rendimentos de maneira eficaz. Woods ressalta a importância da composição e do perfil dos órgãos de governança, enfatizando a necessidade de envolver diversos grupos ligados à causa ou instituição apoiada pelo fundo patrimonial na tomada de decisão. Isso inclui mulheres, pessoas negras e jovens, buscando tornar as práticas e atuações dos fundos patrimoniais mais inclusivas e relevantes.

Apesar do crescente impacto das doações no aumento do patrimônio líquido dos fundos patrimoniais, conforme evidenciado na publicação, a captação de recursos permanece um desafio comum para a maioria dos endowments. Nesse contexto, Patricia Valente Stireli compartilhou as estratégias adotadas para atingir o objetivo de acumulação de recursos no fundo patrimonial da Sociedade Beneficente de Senhoras Hospital Sírio Libanês. Para ela, estabelecer uma estrutura independente em relação à instituição apoiada, ter um propósito bem definido e manter transparência são fundamentais para construir relacionamentos sólidos com doadores.

Instigada por Andrea Hanai, coautora do artigo ‘Uma nova fronteira para os endowments brasileiros’, Carolina Barrios compartilhou suas perspectivas sobre uma abordagem inovadora para os fundos patrimoniais: a implementação de políticas de investimento responsável ou direcionadas a causas específicas.

“Como podemos atuar com mais intencionalidade para incorporar o investimento de impacto em nossas decisões de portfólio? Além de aderir aos princípios de investimento responsável, estamos considerando qual é o nosso papel, como podemos influenciar outras fundações e como podemos instigar nossos gestores e alocadores a terem um olhar mais atento e específico sobre esse tema, gerando discussões e novas alternativas de investimento”, indaga Barrios.

Diego Martins, da Pragma Gestão de Patrimônio, e Ilan Ryfer, da 1618 Investimentos, ressaltam a importância de incorporar critérios de responsabilidade socioambiental, governança e sustentabilidade como diretrizes abrangentes para todo o portfólio de investimentos. Eles enfatizam que o estabelecimento de métricas de avaliação dos investimentos, por meio de compromissos claros, é imprescindível.

A mesa de discussão abordou aspectos relevantes relacionados às boas práticas e às perspectivas futuras no âmbito dos fundos patrimoniais, especialmente no que diz respeito à governança, ao fluxo de caixa e à alocação de investimentos financeiros.

Confira a discussão na íntegra:

IDIS lança segunda edição do Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais analisando 59 endowments brasileiros

A publicação mostra o aumento das doações destinadas aos endowments e apresenta o crescimento dos recursos revertidos a projetos socioambientais

Baixe aqui a publicação completa.

Em sua segunda edição, o Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais, realização do IDIS – Instituto pelo Desenvolvimento do Investimento Social e da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, teve a participação de 59 fundos patrimoniais, constituindo uma amostra quase 50% maior do que a do ano anterior, com 40 respondentes. O patrimônio somado dos fundos que integram o levantamento também é substancialmente maior – R$ 13 bilhões em 2021 vs R$ 123 bilhões em 2022. A série histórica contempla dados de 2019 a 2022 e a publicação traz artigos de especialistas que contribuem para a interpretação dos achados. O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, assina o prefácio.

O crescimento do número de respondentes garante um retrato ainda mais completo dos fundos patrimoniais no Brasil e reafirma o Anuário com uma referência nacional para gestores de endowments. De acordo com mapeamento realizado pela organização, há hoje no Brasil 86 fundos ativos:

“Os mais de 90 gráficos trazem ao leitor parâmetros e estabelecem benchmarkings para a atuação de gestores. Nosso desejo é que o Anuário seja um efetivo instrumento para a tomada de decisões e que a série histórica contribua para uma leitura da evolução da pauta dos fundos patrimoniais no Brasil e das influências externas”, declara Paula Fabiani, CEO do IDIS

A análise da amostra apurou que, depois de uma forte baixa nas entradas para os fundos em 2021, o ano de 2022 trouxe uma recuperação das doações recebidas, que quase dobraram (R$ 174 milhões vs R$ 330 milhões). Entretanto, as doações continuam muito concentradas em poucos fundos. Em 2022, apenas três fundos receberam 64% do volume total de doações. Em 2021, a concentração foi de 53%.

Mesmo com a oscilação das doações, o volume de resgates não teve grande variação entre 2021 e 2022, passando de R$ 324 milhões para R$ 340 milhões. Como a premissa de um fundo patrimonial é que o principal, ou seja, o patrimônio, seja preservado, e apenas os rendimentos sejam destinados às despesas operacionais e repasses à causa, a performance financeira é um fator chave, para além das doações. Por outro lado, a regra tem certa flexibilidade em fundos jovens ou com patrimônios ainda baixos, que estão em fase de estruturação. Nota-se que em 2022, R$ 248 milhões foram destinados para o financiamento de projetos socioambientais.

A Educação é o maior polo de atração para fundos patrimoniais seguida de Ciência & Tecnologia e Saúde. Olhando sob o ponto de vista das organizações beneficiadas, mais de um terço (35%) são instituições educacionais. 

Os endowments brasileiros ainda são majoritariamente executores, ou seja, ao menos 90% são destinadas à realização de projetos próprios. Mais da metade (51%) dos fundos da amostra se enquadram nesse modelo. Aqueles que se consideram essencialmente financiadores, ou seja, que fazem o apoio a projetos de outras organizações, representam 24% da amostra.

A alocação dos investimentos dos fundos patrimoniais continua fortemente concentrada em ativos de renda fixa, que se mantiveram no patamar de 70% (74% em 2020, 73% em 2021 e 75% em 2022). Uma possível leitura é que o comportamento estável dos gestores está vinculado às regras de alocação de recursos contidas nas políticas de investimentos.

A rentabilidade nominal dos fundos patrimoniais se recuperou em 2022, depois de um ano de queda. Esse desempenho é comum a todas as faixas de patrimônio. No dado agregado, a rentabilidade média de 2020 foi de 6,0%, seguida por 3,4% em 2021 e 8,3% em 2022.

A primeira lei que regulamentou os fundos patrimoniais no Brasil data de 2019. Sua sanção contribuiu para dar visibilidade ao mecanismo e acelerou sua adoção. Ainda assim, como a adesão à lei não é obrigatória, a quantidade de fundos que declaram seguir o modelo estabelecido pela Lei 13.800/19 ainda é relativamente baixa – 29% (17 dos 59 integrantes) da amostra. O motivo mais frequente da não adesão é o fato de os fundos terem sido criados antes da sanção da Lei (33%). As demais razões apontadas por maior número de gestores são: o alto custo para manutenção de duas instituições (14%), falta de incentivo fiscal à doação (12%) e governança complexa (10%).

A amostra analisada mostrou que os fundos patrimoniais tendem a ter uma governança bem estruturada. Quase a totalidade (90%) possui Conselho de Administração, sendo que 72% deles contam com membros independentes. Setenta e um por cento mantêm Conselhos Fiscais e 70%, Comitês de Investimento.

Os gestores dos fundos patrimoniais continuam considerando que o maior desafio é a captação de recursos, apontada por quase a metade deles (48%). Em seguida aparecem a rentabilidade (17%) e a consolidação do próprio fundo (14%). Ainda assim, mostram-se otimistas. 70% dos respondentes declararam a perspectiva de ampliação do patrimônio a partir de novas doações para o fundo em 2023.

A respeito dos desafios enfrentados pelos gestores dos fundos patrimoniais, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, afirmou no prefácio do Anuário:

“A despeito de expressivos passos na consolidação dos fundos patrimoniais, não podem ser desconsiderados os percalços de ordem financeira para lhes conferir uma gestão eficiente no atual cenário de retomada de sucessivas crises econômicas. Os seus administradores, consectariamente, necessitam de informações seguras, que lhes deem subsídios para (i) a tomada de decisões estratégicas, (ii) realização do controle de riscos, (iii) atração de investimentos rentáveis, (iv) avaliação do custo-benefício de novas práticas, (v) bem como a fixação de parâmetros sólidos de governança e transparência. Vem em boa hora, nesse contexto, a nova edição do Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais”.

ARTIGOS

 

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Esta é uma realização do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos. Apoiam a publicação, 1618 Investimentos, ASA – Associação Santo Agostinho, Fundação José Luiz Egydio Setúbal, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Pragma Gestão de Patrimônio, Banco Santander, Umane e Wright Capital Wealth Management.

Sobre o IDIS e Coalizão pelos Fundos Filantrópicos

Há mais de uma década, o IDIS dedica-se a fortalecer a pauta dos fundos patrimoniais no Brasil, com a produção de conhecimento, advocacy, e a liderança da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, grupo multissetorial que reúne mais de uma centena de signatários. Entre as conquistas da rede, está a sanção, em janeiro de 2019, da Lei 13.800/19, conhecida como Lei dos Fundos Patrimoniais, e segue ativa buscando o aprimoramento da legislação em questões mais específicas.

O IDIS também oferece consultoria para a criação de endowments, com participação em projetos para ASA – Associação Santo Agostinho, Hospital AC Camargo, Ibram, MAR – Museu de Arte do Rio, Unicamp, Unesp, entre outros.

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Perspectivas para os Fundos Patrimoniais no Brasil

Por Carolina Learth, Sr. Head de Negócios de Impacto Social no Santander Brasil

Em minha jornada recente como responsável por negócios envolvendo o Terceiro Setor, tive a oportunidade de mergulhar a fundo no universo dos endowments no Brasil. Esse conhecimento veio se somar aos mais de 17 anos dedicados ao campo da Sustentabilidade, incluindo a pauta de investimento social privado, que tive a alegria de liderar nos últimos anos.

No Santander Brasil, iniciamos nossa atuação em endowments no ano de 2020 e desde então, temos avançado na interação com basicamente três grupos de clientes:

1)  os interessados em saber do que se trata esse tal fundo patrimonial;

2)  os que já decidiram criar seu fundo, mas não sabem como;

3)  os que já possuem endowments.

Alguém me perguntaria…há algo de comum entre eles? A resposta é sim – os questionamentos. Em geral, são sempre as mesmas questões e que têm a ver com os desafios de quem vai implementar ou gerenciar um fundo de investimento, que tem como principal objetivo buscar a perenidade de causas e propósitos de uma instituição e cujos rendimentos irão garantir no longo prazo, sua atuação e o tão sonhado legado. Governança, captação de recursos e tributação compõem a lista de itens de maior dúvida das instituições.

Em 2019, a Lei 13.800 se tornou a referência para a implementação dos fundos patrimoniais no Brasil. Ela trouxe como parâmetros a segregação contábil, administrativa e financeira do patrimônio do fundo e das instituições apoiadas, evitando que problemas financeiros, trabalhistas e fiscais ocorridos nas instituições apoiadas, por exemplo, afetem seus ativos. A nova legislação também previu parâmetros específicos de governança, buscando endereçar a perpetuidade dos fundos e a profissionalização da gestão, mas, infelizmente, não trouxe incentivos fiscais para quem doa.

Observando todos estes elementos, posso dizer que iniciar ou gerenciar um fundo patrimonial no Brasil é um desafio por alguns motivos:

1)  O desafio de estruturar a governança da OGFP – Organização Gestora do Fundo Patrimonial. Na maioria das vezes não é um conhecimento que está instalado nas organizações, carece de apoio externo e enfrenta resistências internas dentro da própria gestão;

 

2)  A criação de um estatuto que busque de fato impactar, direcionando recursos que alcancem os indicadores esperados, a longo prazo. Criar este documento envolve decisões que vão muito além da definição da causa. Por exemplo: definir que a universidade doará bolsas de estudo orientadas para diversidade e inclusão pode ser o primeiro passo, mas como distribuir as cotas entre os públicos vulneráveis? Quais são os dados que embasam essa decisão? Aqui me parece um trabalho árduo de gestão para que se possa tomar decisões estruturadas;

 

3)  Enfrentar o “bicho de sete cabeças” da captação. Item apontado como um dos grandes desafios pela pesquisa e corroborado pela conversa com grande parte das organizações com quem nos relacionamos e que já tem um fundo patrimonial. Muitos não têm exatamente uma estratégia para tal e como resultado os fundos não crescem, outros “hibernam” por anos sem entradas significativas de recursos. Há ainda aqueles que perdem recursos, em um claro conflito entre a governança da Instituição e a gestão da OGFP;

 

4)  Não menos importante, é preciso perseverar e vencer todos os itens acima, sem qualquer incentivo fiscal.

Há diferentes motivos para uma organização decidir iniciar um endowment com todo este esforço, mas a primeira palavra que me vem à cabeça é LEGADO. Meu principal conselho para famílias filantropas, hospitais, universidades, igrejas, fundações e ONGs é que caso seu propósito não seja esse, nem comece. Fundos patrimoniais não são investimentos comuns, não são fundos de reserva e não são caixa. Tampouco devem ser confundidos com a gestão financeira das organizações de origem. Este é um princípio fundamental para quem quer começar e ser bem-sucedido na jornada. O fato é que poucos ainda têm esse entendimento.

Em um país de vulnerabilidades, escolher causas que impactem a sociedade de forma lúcida e estruturada é fundamental. Para que os fundos patrimoniais ganhem tração no Brasil será preciso:

1)  Ampliar a cultura de doação e da gratidão;

2)  Preparar profissionais especialistas para apoiar as OGFPs, principalmente nas áreas jurídica e de gestão;

3)  Desenvolver soluções de captação específicas para endowments por especialistas que já atendem o terceiro setor;

4)  Ter mais serviços financeiros especializados na gestão dos fundos;

5)  Evoluir sistematicamente em mecanismos prestação de contas buscando a vinculação de doadores;

6)  Fortalecer os esforços de advocacy no tema de incentivos tributários.

Temos muito pela frente, mas também muito para celebrar. Claramente há um aumento no interesse pelo tema e um mercado em evolução nos próximos anos. Como banco de referência para muitas famílias (wealth management) e clientes dos setores de saúde, educação e terceiro setor, temos um terreno fértil para estimular a filantropia estratégica, aumentando a capacidade de olhar para o longo prazo como forma de perpetuar memórias, projetos e negócios de impacto.

Deixo aqui meu abraço a todos os que colaboraram com o IDIS neste belo trabalho de referência para a evolução dos fundos patrimoniais no Brasil, a quem temos orgulho de chamar de parceiros.

Artigo originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022

 

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Governança: elemento-chave para a gestão de Fundos Patrimoniais

Por José Luiz Egydio Setúbal e Márcia Kalvon Woods, presidente do Conselho Superior e assessora da Fundação José Luiz Egydio Setúbal

Considerando que fundos patrimoniais são reservas financeiras criadas com o objetivo de proporcionar robustez, autonomia e sustentabilidade a instituições filantrópicas, com o propósito de fortalecer sua atuação, servindo sua missão no longo prazo e buscando garantir a perenidade da instituição, devem ser administrados de acordo com princípios de boa governança, com ênfase na responsabilidade fiduciária, transparência e prestação de contas. 

Observar de que maneira os recursos dos fundos patrimoniais são gerenciados, supervisionados e alinhados com a missão da entidade que os instituiu, por meio da implementação de um conjunto de diretrizes, princípios e práticas que regulam as interações entre os Conselhos, a equipe executiva e outros órgãos de fiscalização, é de importância fundamental para garantir sua efetividade.

A governança é essencial para o sucesso dos fundos patrimoniais, pois eles garantem a continuidade e o impacto das iniciativas filantrópicas, fornecendo uma base sólida para a tomada de decisão.


Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) a boa prática da governança traz cinco princípios que são:

Integridade: Praticar e promover o aprimoramento da cultura ética na organização, evitando decisões sob a influência de conflitos de interesses, mantendo a coerência entre discurso e ação e preservando a lealdade à organização e o cuidado com suas partes interessadas (públicos estratégicos), com a sociedade em geral e com o meio ambiente.

Transparência: Disponibilizar, para as partes interessadas (públicos estratégicos), informações verdadeiras, tempestivas, coerentes, claras e relevantes, sejam elas positivas ou negativas, e não apenas aquelas exigidas por leis ou regulamentos. Essas informações não devem restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, contemplando também os fatores ambiental, social e de governança. A promoção da transparência favorece o desenvolvimento dos negócios e estimula um ambiente de confiança para o relacionamento de todas as partes interessadas (públicos estratégicos).

Equidade: Tratar todos os sócios e demais partes interessadas de maneira justa, levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas, como indivíduos ou coletivamente. A equidade pressupõe uma abordagem diferenciada conforme as relações e demandas de cada parte interessada com a organização, motivada pelo senso de justiça, respeito, diversidade, inclusão, pluralismo e igualdade de direitos e oportunidades.

Responsabilização: Desempenhar suas funções com diligência, independência e com vistas à geração de valor sustentável no longo prazo, assumindo a responsabilidade pelas consequências de seus atos e omissões. Além disso, prestar contas de sua atuação de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, cientes de que suas decisões podem não apenas responsabilizá-los individualmente, como impactar a organização, suas partes interessadas (públicos estratégicos) e o meio ambiente.

Sustentabilidade: Zelar pela viabilidade econômico-financeira da organização, reduzir as externalidades negativas de seus negócios e operações, e aumentar as positivas, levando em consideração, no seu modelo de negócios, os diversos capitais (financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, natural, reputacional) no curto, médio e longo prazos. Nessa perspectiva, compreender que as organizações atuam em uma relação de interdependência com os ecossistemas social, econômico e ambiental, fortalecendo seu protagonismo e suas responsabilidades perante a sociedade.


Esses princípios, quando aplicados de forma adequada, resultam em um ambiente de confiança e melhor desempenho organizacional. Em se tratando de fundos patrimoniais filantrópicos, a estrutura de governança assume papéis importantes para além da responsabilidade fiduciária, incluindo também a estratégia de gestão e utilização dos recursos para que esteja alinhada e a serviço da sua missão. 

A nossa Fundação tem como propósito “uma infância saudável para uma sociedade melhor” e atua como uma holding social composta pelo Hospital Infantil Sabará, Instituto PENSI, entidade voltada para ensino e pesquisa em saúde infantil, e a própria Fundação, com suas ações de filantropia estratégica e advocacy

Parte do patrimônio instituidor é o Hospital Infantil Sabará que, no modelo idealizado, é o gerador de recursos financeiros para a Fundação e seu resultado financeiro positivo alimenta o fundo patrimonial, com gestão autônoma e supervisionada pelo Conselho Superior. 

Do patrimônio total do fundo, uma porcentagem é alocada para o Instituto PENSI, que tem como objetivo institucional gerar conhecimento em saúde infantil por meio de pesquisas, disseminar conhecimento em ações de ensino e educação, realizar projetos sociais e capacitar voluntários para trabalhar em organizações de saúde. 

Outra parte dos recursos é destinada para o custeio de sua administração e os projetos de advocacy em saúde infantil, pesquisa em filantropia e promoção da cultura de doação. Buscamos com nosso fundo patrimonial a perenidade, para que as instituições do grupo se devolvam e atuem com excelência e para que possamos praticar o advocacy da saúde na infância com autonomia. 

Durante a pandemia de Covid-19, ter uma governança bem estruturada e comprometida com a instituição foi fundamental para que, frente a um contexto de múltiplas crises sem precedente, pudéssemos monitorar o desempenho do grupo e do fundo patrimonial, garantindo o bom funcionamento dos projetos em andamento e deliberando sobre a utilização de recursos adicionais do fundo patrimonial para ajuda assistencial emergencial, que não é uma filosofia institucional. Também pudemos praticar uma política de manutenção dos empregos do hospital, apesar da grande diminuição do fluxo de pacientes.

Ainda neste período, a Ford Foundation surpreendeu todo o setor filantrópico com a emissão de 1 bilhão de dólares em ‘social bonds’, sendo uma fundação com um fundo patrimonial de 16 bilhões de dólares. Tivemos a honra de ter Darren Walker, presidente da Fundação Ford, em uma aula magna no nosso 5º Congresso Internacional Sabará de Saúde Infantil, que além de falar sobre a atuação da fundação em prol da justiça social, relatou este episódio. A volatilidade significativa nos mercados de capitais resultou numa redução dos fundos patrimoniais de fundações e universidades, incluindo o da Ford. Dada a incerteza, os profissionais de investimento argumentam contra a liquidação de ativos, uma vez que estão comprometidos com a responsabilidade fiduciária de estabilidade no longo prazo e crescimento de capital para futuras doações. À luz disto, Darren Walker sugeriu a oferta de dívida de longo prazo ao Conselho. Após inúmeras reuniões de revisão de análises financeiras e cenários de desempenho de mercado, os conselheiros da Ford aprovaram uma oferta de dívida de 30 anos ou mais. Essa sofisticação em alternativa de dispender recursos em um momento tão crítico só foi possível porque a Fundação Ford tem uma governança estruturada que exerce, em sua plenitude, os princípios que determinam uma boa prática aliada ao compromisso institucional com sua causa de justiça social. 

Nosso fundo patrimonial, apesar de não ter sido constituído na forma da Lei nº 13.800/2019, está previsto em estatuto de nossa Fundação desde o ano 2010, quando ela foi instituída. Considerando a origem familiar da Fundação, temos uma estrutura de governança composta por um Conselho Superior com até́ onze membros, com equilíbrio em número de conselheiros externos e familiares, e de diversidade de gênero. O Conselho Fiscal é constituído por cinco membros e atua independentemente, reportando suas avaliações ao Conselho Superior. O Hospital Infantil Sabará́ também possui um Conselho Deliberativo, composto por sete membros, três integrantes do Conselho Superior e quatro membros independentes. 

Nós asseguramos total transparência quanto às nossas ações, iniciativas e resultados financeiros, sujeitos a auditoria externa, e disponibilizados no site da Fundação.

Entendemos que a Lei nº 13.800/2019 proporcionou avanços importantes para os fundos filantrópicos, com sua regulamentação, trazendo contornos claros sobre sua definição e sendo uma referência para prática de boa governança de fundos patrimoniais. Entretanto, como detectado no levantamento deste Anuário, sua implantação ainda é restrita a fundos patrimoniais maiores e se vê com mais frequência em fundos ligados à gestão pública. 

Independentemente de a constituição do fundo ser aderente ou não aos requisitos da Lei n° 13.800/2019, estabelecer uma boa governança é imprescindível para o sucesso de qualquer instituição. 

Artigo originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022

 

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Prefácio Anuário de Desempenho dos Fundos Patrimoniais 2022

Por Luiz Fux, Ministro do Supremo Tribunal Federal

Aprendemos da sabedoria judaica a lição de que não se pode deixar de fazer
o bem a quem dele precisa, estando em nossas mãos a capacidade de fazê-lo.
(Mishlê 3:27)

Deveras, a exegese deste provérbio milenar espelha a histórica
preocupação humanitária de designar a realização da justiça solidária
(tzedaka) como um dever de toda a coletividade.

Na sociedade contemporânea, especialmente no contexto brasileiro, o
fenômeno da institucionalização da caridade estimulou o envolvimento de
entidades públicas e do Terceiro Setor para conferir uma feição estrutural a
esse ideal, compondo a sistemática da prestação de serviços beneficentes.
Tornou-se imprescindível, assim, a participação do Estado, mas também de
instituições privadas, a exemplo das Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIPs), Organizações Não Governamentais (ONGs),
fundações e associações de caráter filantrópico. Tais exemplos, que integram
o referido Terceiro Setor, são responsáveis pela realização de atividades de
capilaridade nacional, o que pode ser comprovado pelo impressionante dado
de que representam aproximadamente 4,27% do PIB brasileiro¹

Sem embargo, a experiência pátria revela que a garantia da
sustentabilidade e operabilidade para a execução dessas atividades de
cunho social surge, sem sombra de dúvidas, como um dos principais
desafios enfrentados pelos gestores públicos e privados no Brasil. Diante
desse quadro, avultam os chamados fundos patrimoniais, que formam uma
relevante alternativa para a resolução do problema do subfinanciamento da
atividade filantrópica e estatal, já inveterado nas discussões nacionais.

Essa modalidade, também denominada de endowments, ganhou roupagem
jurídica a partir do advento da Lei 13.800/2019, disciplinando “a
constituição de fundos patrimoniais com o objetivo de arrecadar, gerir e
destinar doações de pessoas físicas e jurídicas privadas para programas,
projetos e demais finalidades de interesse público”, como a educação,
ciência, tecnologia, pesquisa e inovação, cultura, saúde, meio ambiente,
assistência social, desporto, segurança pública, direitos humanos, dentre
outras (art. 1º, caput e par. único).

A despeito desse expressivo passo na consolidação dos fundos
patrimoniais, não podem ser desconsiderados os percalços de ordem
financeira para lhes conferir uma gestão eficiente no atual cenário de
retomada de sucessivas crises econômicas. Os seus administradores,
consectariamente, necessitam de informações seguras, que lhes deem
subsídios para (i) a tomada de decisões estratégicas, (ii) realização do
controle de riscos, (iii) atração de investimentos rentáveis, (iv) avaliação do
custo-benefício de novas práticas, (v) bem como a fixação de parâmetros
sólidos de governança e transparência.

Vem em boa hora, nesse contexto, a nova edição do Anuário de
Desempenho de Fundos Patrimoniais, realizado pelo Instituto para o
Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), com o importante apoio
de diversas organizações.

Trata-se de publicação que cumpre, com êxito, a sua nobre função: a partir
da análise de extenso repositório de dados e informações, orienta e auxilia os
gestores dos fundos patrimoniais em seu laborioso mister de gerenciamento
dos recursos oriundos da prática de um ato de consciência filantrópica. Doar
a um fundo patrimonial significa destinar um recurso de que se dispõe para
uma causa, um ideal. É, em suma, um ato de fé na humanidade.

A imensa responsabilidade social de que se reveste a condução desses
ativos econômicos simboliza a grandeza do propósito que imbuiu a
realização da presente publicação, que segue a ratio da lição proverbial
mencionada no início deste prefácio: criar condições para a promoção da
justiça caridosa ao nosso próximo.

Os nossos sinceros cumprimentos pela notável iniciativa e os votos de
boa leitura!

Prefácio originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022

 

Acesse agora a publicação completa do Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais!

 

 


¹Cf. a pesquisa: “A importância do terceiro setor para o PIB no Brasil e em suas regiões”, realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE – USP). São Paulo, 2023, p. 70.

 

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Não existe longo prazo sem Sustentabilidade

Por Fernanda Camargo, sócia fundadora da Wright Capital Wealth Management

O Fundo Patrimonial é uma fonte de recurso de longo prazo, capaz de tornar as organizações sociais mais independentes da captação por projetos e de perenizar a atuação social. É um conjunto de ativos oriundos de doações privadas, geridos com o objetivo de obtenção de receitas, que serão utilizadas para fomentar as atividades de interesse público. O dinheiro das doações, chamado de principal, permanece preservado, sendo apenas as receitas geradas a partir do investimento do principal empregadas nas atividades de interesse público.

O objetivo do Fundo Patrimonial é preservar o valor real de seu patrimônio na perpetuidade e gerar recursos recorrentes para sustentar financeiramente seu propósito. Os Fundos Patrimoniais devem, portanto, ser autossustentáveis, utilizando parte da rentabilidade auferida de seu próprio patrimônio, e não depender de novas doações e patrocínios.

Se estamos falando da preservação de recursos para a perpetuidade, não seria importante olhar para as externalidades que os investimentos geram? Muitos desses fundos existem para financiar uma universidade, um hospital ou uma causa. Não seria importante saber se os investimentos do Fundo Patrimonial podem estar gerando externalidades que são justamente aquelas que o fundo quer combater?

Mas aí vem a questão. Será que olhar para tais externalidades estaria dentro do dever fiduciário do gestor do Fundo Patrimonial? Os gestores de Fundos Patrimoniais devem atuar sempre no melhor interesse do Fundo Patrimonial, respeitar o dever fiduciário, e assim adotar políticas de investimento que levem em consideração critérios Ambientais, Sociais e de Governança. Mas, será que tais critérios geram retornos positivos ou reduzem risco?

Em setembro de 2015, o PRI, UNEP/Fi, UNEP Inquiry e UN Global Compact lançaram o relatório “O Dever Fiduciário do Século 21”. Esse relatório conclui que “é uma quebra do dever fiduciário não levar em consideração todos os drivers de valor de longo prazo, incluindo ASG (Ambiental, Social e Governança, na tradução da sigla ESG)”.

Está cada vez mais claro que o gestor prudente, que respeita seu dever fiduciário, deve incluir os critérios ESG na alocação e isso não representa uma violação do dever de lealdade. Pelo contrário: a incorporação de tais critérios no processo de investimentos ajuda na redução de riscos do portfólio, consequentemente aumentando as chances de obtenção de melhores retornos ajustados ao risco ao longo do tempo.

Os gestores do Fundo Patrimonial devem ser capazes de mostrar que identificaram e avaliaram os riscos aos quais os portfólios sob sua responsabilidade estão expostos. Esses riscos incluem aqueles associados a questões de sustentabilidade, como as mudanças climáticas, o colapso da biodiversidade ou a instabilidade social, que podem ser financeiramente significativos. Dada sua natureza sistêmica, por definição, estes riscos não podem ser mitigados simplesmente pela diversificação da carteira.

Neste contexto, investimento responsável é uma abordagem de investimento que reconhece explicitamente a importância para o investidor dos fatores ESG, da saúde de longo prazo e da estabilidade do mercado como um todo para sua carteira. Ela reconhece que a geração de retorno sustentável de longo prazo depende de sistemas econômicos e ambientais estáveis, funcionais e bem geridos.

O investimento responsável diferencia-se das abordagens convencionais de investimento de duas maneiras.  A primeira é que os prazos são importantes; o objetivo é a geração de retorno de investimento sustentável de longo prazo, e não apenas de curto prazo. A segunda é que isso exige que os investidores estejam atentos a fatores contextuais mais abrangentes, incluindo a estabilidade e a saúde dos sistemas econômicos e ambientais e a evolução dos valores e das expectativas das sociedades das quais fazem parte.

Uma forma de investimento responsável é a baseada em ‘filtros negativos’ — critérios de exclusão de setores ou empresas do universo passível de investimento por problemas ESG. Trata-se de uma estratégia de investimento que exclui do portfólio ramos de atuação e companhias que impactam negativamente a sociedade e o meio ambiente, como tabaco, mineração, petróleo, álcool e armas, por exemplo. Outras abordagens são:

 

       Ativismo Acionário, que se baseia no uso do poder dos acionistas para influenciar o comportamento da empresa no que tange à abordagem ESG, o que vai desde o engajamento nos órgãos societários da companhia até o exercício do poder de voto e;

•        Integração ESG, que leva em consideração fatores ambientais, sociais e de governança na análise e tomada de decisão de investimentos, com o objetivo de melhorar os retornos ajustados ao risco no longo prazo. Empresas de qualquer setor podem ser avaliadas sob a ótica ESG, do financeiro ao de óleo e gás, sendo que os investidores responsáveis focam em setores e empresas que apresentam alto desempenho nos fatores ESG.

 

Na questão ambiental, por exemplo, quando falamos de alocação de longo prazo, não podemos deixar de levar em consideração a transição para a economia de baixo carbono e, por isso, é importante considerar os riscos e as oportunidades atrelados às mudanças climáticas. Neste caso, um primeiro passo é considerar os riscos climáticos nas avaliações de investimento e monitorar os ativos investidos a partir de informações públicas disponíveis. A atuação também pode envolver diálogos colaborativos com os fundos investidos ou empresas, contribuindo para a elaboração de metas e planos de redução de emissões de gases de efeito estufa.

Ao mesmo tempo, entender a transição climática do ponto de vista não apenas de eficiência, mas também do impacto real desse processo, é fundamental. Num país tão desigual como o Brasil, não podemos deixar de endereçar o S (social) do ESG. A emergência climática aumenta a vulnerabilidade de milhões de pessoas. Quando investimos em empresas com uma boa avaliação no que tange a direitos humanos ou políticas sociais, devemos buscar entender o que isso significa, como é medido, quais os resultados, as melhorias, e quem está sendo afetado. No longo prazo, se não olharmos para a questão social, a desigualdade crescente é um dos maiores riscos.

Para ajudar os investidores (ou asset owners), o PRI criou 6 princípios voluntários que servem como objetivos a serem alcançados. Oferecem uma gama de ações possíveis para a incorporação das questões ESG. O objetivo dos Princípios é compreender as implicações do investimento sobre temas ambientais, sociais e de governança, além de oferecer suporte para os signatários na integração desses temas com suas decisões de investimento e propriedade de ativos.

No modelo de engajamento, o PRI sugere alguns passos a investidores ao articularem suas posições:

1. Priorizar questões de sustentabilidade e identificar riscos e oportunidades financeiramente materiais considerando os seus compromissos de sustentabilidade existentes através de uma avaliação descendente dos riscos de sustentabilidade mais significativos ou de uma avaliação ascendente dos resultados associados ao investimento e;

2. Utilizar objetivos e limites de sustentabilidade globais relevantes como referência para garantir níveis adequados de ambição. Uma forma de começar é publicar compromissos com a integração ESG e o investimento responsável, incluindo explicações sobre como tais compromissos se alinham com os deveres fiduciários, implementar esses compromissos de maneira efetiva nos processos de investimento, monitorar como os gestores (internos e externos) de investimento estão acompanhando estes compromissos, publicar relatórios para os beneficiários sobre como estes compromissos foram implementados e seus resultados, garantir que os administradores, conselheiros e executivos possuam os recursos e o conhecimento necessários para responsabilizar os gestores e consultores de investimento sobre a integração ESG, exigir que as companhias prestem contas de maneira robusta, confiável e detalhada tanto sobre sua gestão de questões ESG quanto da importância financeira dessas questões e engajar os governantes e reguladores em assuntos relacionados ao desempenho de longo prazo, incluindo relatórios corporativos mais robustos.

A observação e a incorporação de critérios ESG nos investimentos do Fundo Patrimonial, naturalmente, não garantem, por si só, a perenidade de seu patrimônio. Porém, assim como com outros aspectos fundamentais para a construção do portfólio do Fundo, como o padrão e o percentual de gastos, o perfil de risco e o contexto macroeconômico e jurídico da entidade à qual se destina, respeitá-los é respeitar a sustentabilidade financeira de seu propósito.

Apesar de apenas 30% dos fundos da amostra terem política de investimento responsável e 10% ainda não terem conseguido implementá-la em sua totalidade, percebe-se que uma grande parte dos endowments — quase a metade — declarou a intenção de adotar, futuramente, uma política de investimento responsável. 

Esse dado mostra que a questão do investimento responsável está presente, de algum modo, entre os gestores de 78% dos fundos patrimoniais, o que é uma parcela significativa. 

Artigo originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022

 

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Fundos Patrimoniais e o almoço grátis

Por Ilan Ryfer, sócio da 1618 Investimentos

Existe um antigo ditado, ou “regra”, no mercado financeiro: “não existe almoço grátis”. O significado desse ditado, para aqueles não versados nas minúcias de finanças, é que não se pode obter retornos maiores sem incorrer em riscos mais altos. Em outras palavras, risco e retorno são dois lados de uma mesma moeda, onde para se obter mais de um (retorno), deve-se aceitar mais do outro (risco).

Entretanto, como toda regra tem sua exceção (sempre me perguntei qual a exceção à regra que toda regra tem sua exceção…), existe um único almoço grátis nos mercados financeiros, descoberto por Harry Markowitz nos anos 50: diversificação! Ao desenvolver a teoria moderna de portfólios, Markowitz provou, através da análise de média-variância, que é possível obter portfólios mais rentáveis sem adicionar risco, ou reduzir o risco de um portfólio sem abrir mão do retorno. A mágica vem do processo de diversificação da carteira. Funciona mais ou menos assim…

Imagine primeiramente um mundo onde num dia ou faz sol ou chove. Imagine que nesse mundo existe somente um tipo de investimento, vamos chamar de “guarda-chuva”, que te rende 15% no dia que chove e -5% no dia em que faz sol. Se a probabilidade de chuva fosse de 50%, em metade dos dias você ganharia 15% e na outra metade perderia 5%, obtendo um retorno diário esperado de 5%. Só que todo dia ou você ganha 15% ou perde 5%, numa gangorra de retornos. O quadro abaixo resume o mundo acima.

Imagine agora que existe um outro investimento, vamos chamar de “barraca de praia”, que rende 15% no dia de sol e -5% no dia de chuva. Estranhamente, ou não, esse investimento tem o mesmo retorno diário esperado do “guarda-chuva”, de 5%. Só que ele ganha dinheiro nos dias que o outro perde, e vice-versa. Vamos adicionar esse investimento no nosso quadro.

Se você tivesse R$100 reais para investir e pudesse escolher somente um desses investimentos, independente do que escolhesse, ganharia R$15 com 50% de chance e perderia R$5 com 50% de chance. Mas e se pudesse aplicar um pouco em cada um deles? E se investisse exatos R$50 em cada um? E se pudesse diversificaaaaar (imagine essa última palavra beeeem esticada)…

Independentemente do que aparecesse no Climatempo ou seu aplicativo preferido, você iria ganhar R$7,5 num deles (R$50 * 15%) e perderia R$2,5 (R$50 * -5%) no outro, obtendo exatos R$5. Seu retorno esperado diário sobre os R$100 investidos seria 5%. Só que, nesse caso, em nenhum dia você teria perda. A variação diária dos seus retornos seria bem menor que se investisse somente em “guarda-chuva” ou somente em “barraca de praia”. E como em finanças o conceito de risco é equivalente a incerteza dos retornos, o portfólio diversificado, no qual você tem lucro certo todos os dias, seria menos arriscado que o não diversificado, apesar de ambos terem o mesmo retorno diário esperado. Capisce?

Esse foi um dos momentos “Eureka” para os fundos patrimoniais, vivenciado primeiramente por David Swensen, gestor por anos do fundo patrimonial da Universidade de Yale, e autor do livro “Pioneering Portfolio Management”, até hoje a Bíblia da gestão dos fundos patrimoniais. Até Swensen mudar o mundo da gestão de fundos patrimoniais, por quase um século o modelo de investimento dos endowments americanos foi 40% em títulos de renda fixa americana e 60% em ações americanas.

Influenciado pelos ensinamentos de Harry Markowitz e James Tobin (ambos ganhadores do prêmio Nobel e o último mentor de Swensen em Yale), o fundo patrimonial de Yale começou um processo de diversificação em outras classes de ativos, alternando seu portfólio de acordo com as perspectivas econômicas de longo prazo. Isso tornou o fundo de Yale o mais rentável entre seus pares, iniciando um processo generalizado de mudança na filosofia de gestão.

Outro adágio comum em mercado financeiro é que iliquidez é um fator de risco, e como já discutimos no início do texto, mais risco deveria vir acompanhado de maior retorno esperado. Ou seja, para investirmos em ativos de menor liquidez, exigimos um retorno maior, ou o que em finanças chamamos de “prêmio de risco”.

Depois de Swensen mudar a forma de gerir fundos patrimoniais, vários gestores perceberam que não necessitavam de tanta liquidez imediata, uma vez que tinham previsão estável de dispêndio. Dessa forma passaram a diversificar cada vez mais em ativos “ilíquidos”, como fundos de Private Equity, Venture Capital, imóveis, fundos de Timber (madeira), entre outros. Os assim chamados “ativos alternativos” passaram a compor crescentemente as carteiras dos fundos, mais uma vez gerando um retorno mais alto com riscos menores, devido àdiversificação promovida, bem como à adição do prêmio de risco.

Fonte: Investing Like the Harvard and Yale Endowment Funds – CAIA 2017

Alocação de ativos dos maiores fundos patrimoniais dos Estados Unidos (patrimônio líquido acima de US$ 1 bilhão em 2016)

Dessa forma, a gestão dos fundos patrimoniais nos Estados Unidos mudou filosoficamente e se aproximou mais dos objetivos que atualmente são considerados fundamentais:

  1.       Preservação de Capital no Longo Prazo: Os fundos patrimoniais têm uma missão de longo prazo, muitas vezes buscando sustentar uma instituição indefinidamente. A diversificação ajuda a proteger o capital desses fundos, uma vez que a exposição a diferentes classes de ativos reduz o risco de perdas significativas em qualquer setor ou classe de ativos. Isso permite que o patrimônio seja preservado e cresça ao longo do tempo.
  2.       Geração de Renda Sustentável: Muitas organizações dependem da renda gerada pelos fundos patrimoniais para cumprir suas missões e financiar suas operações. Investimentos de longo prazo em ativos que geram renda, como ações pagadoras de dividendos e títulos de renda fixa, são essenciais para garantir um fluxo constante de recursos ao longo do tempo.
  3.       Retorno Real no Longo Prazo: Os investimentos de longo prazo têm o potencial de gerar retornos reais sólidos, uma vez que o tempo permite que os efeitos do crescimento composto se manifestem. Isso significa que o patrimônio real do fundo pode crescer substancialmente ao longo de décadas.
  4.       Redução de Volatilidade: A diversificação também ajuda a reduzir a volatilidade da carteira de investimentos. Quando os fundos patrimoniais têm metas de longo prazo, eles podem manter investimentos em classes de ativos menos voláteis, que proporcionam estabilidade, mesmo em mercados turbulentos.
  5.       Proteção contra Inflação: Investir a longo prazo também ajuda a proteger contra o impacto da inflação. Os investimentos em ações e ativos reais, como imóveis e commodities, tendem a superar a inflação ao longo do tempo, garantindo que o poder de compra do fundo seja mantido.
  6.       Resistência a Ciclos Econômicos: Ao diversificar amplamente em diferentes ativos e classes de ativos, os fundos patrimoniais estão mais bem preparados para resistir a mudanças econômicas e ciclos de mercado adversos. Isso é especialmente importante para instituições que dependem da estabilidade financeira a longo prazo.

Os fundos patrimoniais brasileiros, ainda em sua infância, podem beber desse conhecimento e experiência de décadas dos fundos americanos, acelerando sua evolução. Só o tempo, e diversas edições do presente Anuário, provarão se isso foi feito. 

Artigo originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022

 

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O cenário macroeconômico em 2022 e as implicações para gestores de fundos patrimoniais

Por Diego Martins, sócio da Pragma Gestão de Patrimônio

Os leitores da edição anterior deste anuário certamente se lembrarão de como finalizamos a análise de mercado para 2021, destacando que a inflação local não dera trégua até o final daquele ano. E o tempo nos mostrou que ainda não havíamos chegado ao pico. Depois de encerrar 2021 a 10,1%, o IPCA continuou a subir em janelas acumuladas de 12 meses até abril de 2022, quando atingiu a marca de 12,1%, e permaneceu acima dos 11% até o final do 1º semestre.

Diante da dinâmica inflacionária, o Banco Central do Brasil manteve sua política de aperto monetário iniciada em março de 2021. Nessa esteira, a taxa de juros SELIC, que já havia saltado de 2,0% para 9,25% ao longo de 2021, continuou subindo ao longo de 2022 até atingir a marca dos 13,75% na reunião de agosto do Comitê de Política Monetária (COPOM) – e permaneceu estável a partir daí até o final do ano.

Como é de se esperar em momentos de política monetária restritiva, o 1º semestre de 2022 foi marcado pela retração dos chamados ativos de risco. A começar pelos títulos de renda fixa (excluídos os pós-fixados), que naturalmente sofrem com a subida de juros: tanto o IRFM (índice que agrega os títulos públicos pré-fixados) quanto o IMA-B (indicador do mercado de títulos públicos atrelados à inflação) tinham retornos abaixo do CDI e da inflação até junho daquele ano.

Já a bolsa brasileira encerrou o 1º semestre caindo 6% quando medida pelo IBOVESPA. Mas esse número negativo, por si só, conta apenas parte da história. Não podemos nos esquecer que em fevereiro/2022 a Rússia invadiu a Ucrânia, trazendo volatilidade para os mercados internacionais, principalmente no que tange preços de commodities energéticas e agrícolas. Como uma externalidade positiva, a bolsa brasileira, altamente concentrada em empresas ligadas a commodities, acabou se beneficiando do movimento de preços internacionais – e em abril de 2022 ela atingiu o seu pico no ano, valorizando quase 16%.

No entanto, essa euforia positiva durou pouco, pressionada pelas altas taxas de juros locais, assim como pela entrada dos Estados Unidos e, posteriormente, da Europa no clube dos países com políticas monetárias restritivas. A inflação, que naquele momento encontrava seu pico no Brasil, ainda mostrava suas garras em outras partes do mundo.

Assim entrávamos na segunda metade do ano: vendo alguma luz no ‘fim do túnel’ da política monetária no mercado local, mas com grandes incertezas pairando nos mercados internacionais. De fato, a desaceleração seguida pelo fim do aumento de juros locais trouxe algum alívio para os ativos domésticos entre julho e outubro. Nessa janela, a bolsa subiu quase 18%, enquanto os títulos públicos pré-fixados valorizaram quase 6%. Até mesmo a inflação deu sinais fortes de alívio, com três meses seguidos de deflação.

Contudo, a euforia durou pouco. Após o resultado das eleições presidenciais brasileiras, o mercado passou a refletir negativamente àsincertezas envolvidas na composição do novo governo e aos efeitos expansionistas da PEC da Transição (Proposta de Emenda Constitucional que permitiu o aumento de gastos do governo). Com isso, a Renda Variável local devolveu parte dos seus ganhos, encerrando o ano com alta de 4,7% – valendo aqui destacar que, não fosse o peso dos papéis ligados a commodities nos índices locais, a bolsa teria registrado queda da ordem de -5% no ano.

Do lado da Renda Fixa, a despeito dos retornos positivos para os títulos pré-fixados (+8,8%) e atrelados à inflação (+6,4%), ambos fecharam o ano abaixo do CDI, que acumulou alta de 12,4% em 2022. E, por fim, se no ano passado a diversificação internacional foi a única boia de salvação para os portfólios dos endowments, nesse ano ela levou o destaque negativo: bolsas internacionais caíram, em Reais, -23,5% em 2022.

Em suma, tivemos mais um ano desafiador para a gestão de fundos patrimoniais no Brasil. Basta notarmos que, exceto o CDI, nenhuma outra classe de ativo entregou retornos reais relevantes, com bolsas local e internacional auferindo perdas reais. Esse cenário se refletiu nos resultados dos fundos patrimoniais: aqueles mais conservadores, com alocações relevantes em Renda Fixa, conseguiram entregar retornos reais positivos, ainda que aquém dos almejados 5% ao ano. Já os mais arrojados, com alocações maiores em bolsa, acabaram sofrendo mais um ano com baixos retornos.

Artigo originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022

 

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Uma nova fronteira para os endowments brasileiros

Por Andrea Hanai e Felipe Insunza Groba, gerentes de projeto no IDIS

Nos últimos anos, temos testemunhado avanços notáveis na criação e crescimento de fundos patrimoniais filantrópicos no Brasil, também conhecidos como endowments. O Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022, pesquisa recém-publicada pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, coletou informações 59 fundos patrimoniais em atividade no país, 20 dos quais criados a partir de 2019, ano de aprovação da Lei 13.800/19, primeiro marco legal brasileiro em torno desse tema.

Esses 59 fundos direcionaram, em 2022, um total de quase R$ 340 milhões em benefício de instituições e causas de interesse público. Para se ter uma ideia, esse montante é equivalente a 2,65% do total doado por indivíduos (de acordo com dados da Pesquisa Doação Brasil 2022, do IDIS) e a 8,3% do total doado por empresas (segundo o Benchmarking do Investimento Social Corporativo – BISC) no Brasil.

Além da contribuição crescente dos fundos patrimoniais para o apoio ao desenvolvimento socioambiental, vem chamando cada vez mais atenção o volume de recursos acumulados nessas estruturas, que atingiram um patrimônio total de R$ 123 bilhões, sendo que 5 delas já possuem patrimônio acima de R$ 500 milhões e 12 detêm patrimônios variando entre R$ 100 milhões e R$ 500 milhões, o que demonstra seu potencial de participação no mercado de gestão de ativos ou asset managements brasileiros.

De acordo com o Anuário, grande parte dos recursos acumulados encontram-se investidos em ativos de perfil mais conservador (renda fixa) e de maior liquidez (até 30 dias) o que contraria a tendência entre os maiores endowments americanos, de alocação de parcela importante dos investimentos nos chamados “ativos alternativos” de menor liquidez (private equity, venture capital, ativos reais como imóveis e fazendas produtivas, entre outros).

Indo mais além na diversificação do portfólio de ativos, alguns endowments pelo mundo têm sido pioneiros na intencionalidade de causar impacto positivo por meio dos seus investimentos financeiros. No Canadá, o Investment Readiness Program (IRP) – uma iniciativa da Community Foundations of Canada, que congrega as mais de 200 organizações de base comunitária, totalizando mais de USD 4,7 bilhões em ativos – fomenta que os fundos patrimoniais invistam seus recursos alavancando (por meio de empréstimos e equity, por exemplo) negócios, cooperativas e iniciativas sociais que se proponham a resolver problemas sociais, culturais e ambientais pelo país.

Essas organizações acreditam que é possível gerar impactos positivos não só com as destinações derivadas dos rendimentos dos fundos, mas também através do investimento de seus endowments. A Ford Foundation, uma das maiores fundações privadas dos Estados Unidos, já alocava em 2020 cerca de 13% de seu endowment de USD 16 bilhões entre investimentos relacionados à missão (Mission-Related Investments -MRI) e investimentos relacionados a programas (Program-Related Investments) realizando, por exemplo, empréstimos acessíveis para a construção e provisão de moradias populares e investimentos em fundos que investem em biotechs e health-techs que aumentem o acesso a produtos e serviços de saúde para populações de baixa renda no sul global.

A literatura econômica nos ensina que ser pioneiro tem suas vantagens, muitas vezes recompensando os vanguardistas com reconhecimento, lucros elevados e longevos. No entanto, também destaca os benefícios de “pegar carona” no conhecimento adquirido por outros, aproveitando a sabedoria acumulada e evitando os obstáculos já enfrentados e superados pelos desbravadores. Para os endowments brasileiros, essa pode ser a vocação: combinar a coragem de adotar estratégias de investimento de impacto com a sabedoria de aprender com aqueles que já trilharam esse caminho. E já vemos movimentos promissores nesse sentido: criado em 2022 por iniciativa de membros da família Gerdau, o Instituto Helda Gerdau tem 20% de seu fundo patrimonial investido em negócios de impacto socioambiental. Para além disso, com os proventos do fundo patrimonial, o Instituto fomenta o ecossistema de negócios de impacto no Brasil e, mais intensamente, em Porto Alegre.

É importante reconhecer que a adoção de estratégias de investimento responsável e de impacto depende da maturidade do mercado financeiro, da relativa diversidade e liquidez dos ativos e da resiliência da governança dos endowments em rebater potenciais contestações sobre a rentabilidade de curto prazo, que desconsideram o componente de impacto socioambiental gerado pelo portfólio de ativos adotado. Esses fatores podem fazer com que nem todos os fundos patrimoniais filantrópicos tenham as mesmas condições e recursos para implementar essas estratégias. No entanto, essa parece ser uma tendência e os gestores de fundos patrimoniais que optarem pela não adoção dessa estratégia assumirão o risco de crescente escrutínio por parte da sociedade civil.

Além disso, caso seja definida a adoção dessa estratégia, a transição deve ser avaliada e planejada, levando em consideração as circunstâncias específicas de cada fundo e o perfil de seus atuais e potenciais doadores.

Em um contexto de desafios sociais e ambientais cada vez mais urgentes, é hora de ousar e convocar os maiores fundos patrimoniais, que em sua maioria já passaram da fase mais intensiva de acumulação e captação de recursos, para abraçarem estratégias de investimento responsável e de impacto. Para além disso, é fundamental que os endowments compartilhem suas experiências, casos de sucesso e aprendizados, para que se consolidem as boas práticas de investimento e gestão dentro dessas modalidades, inspirando e dando suporte técnico para fundos patrimoniais que ousem seguir o mesmo caminho de impacto.

Artigo originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022


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Participe do lançamento da segunda edição do Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais

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Bastante populares internacionalmente e cada vez mais adotados no Brasil, os fundos patrimoniais se consolidam como mecanismo potente para a sustentabilidade de organizações e causas. Em novembro, o IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social traz uma nova contribuição no campo do conhecimento e lança a segunda edição do Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais, levantamento que reúne dados essenciais para gestores. A iniciativa teve a participação de 59 endowments ativos no Brasil, 50% a mais que a amostra do ano anterior, e apresenta uma série histórica de 2019 a 2022 .

 

Entre os temas abordados na publicação, estão fluxo de caixa, alocação, captação, rendimentos, política de investimento, governança de endowments e perspectivas para o futuro. Cada bloco traz ainda um artigo de um especialista, que contribui para o entendimento e interpretação dos achados. “Há mais de uma década o IDIS investe no avanço desta pauta no Brasil. Além de apoiar diretamente a criação de fundos patrimoniais, promovemos ações para aprimorar o ambiente regulatório, ampliar o conhecimento da sociedade sobre o tema e agora, contribuímos para a profissionalização da gestão”, comenta Andrea Hanai, especialista no tema e gerente de projetos no IDIS.

 

O lançamento do Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022 acontece no dia 9 de novembro, das 17h às 18h30, em formato online e gratuito. Uma mesa redonda com gestores de fundos patrimoniais ativos será realizada a seguir da apresentação dos dados. Os interessados devem fazer sua inscrição aqui.

INSCREVA-SE

Confira a agenda:

9 de novembro, quinta-feira

17h
Abertura | Paula Fabiani, CEO do IDIS

17h15
Apresentação do Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022 | Andréa Wolffenbuttel, consultoria do IDIS, e Felipe Groba, gerente de projetos no IDIS

17h50
Mesa redonda
Debate com a participação de especialistas e gestores de fundos patrimoniais.

Presenças confirmadas:
Carolina Barrios, responsável do Fundo Patrimonial na Fundação Maria Cecília Souto Vidigal
Márcia Woods, assessora da Fundação José Luiz Egydio Setúbal
Patricia Valente Stireli, presidente do Conselho de Administração da Organização Gestora do Fundo Patrimonial da Sociedade Beneficente de Senhoras Hospital Sírio Libanês
moderação: Andrea Hanai, gerente do IDIS

 

Esta é uma realização do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos, grupo multissetorial liderado pelo IDIS que hoje reúne mais de uma centena de signatários. Esta edição tem o apoio de 1618 Investimentos, ASA – Associação Santo Agostinho, Fundação José Luiz Egydio Setubal, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Pragma Gestão de Patrimônio, Santander e Umane e Wright Capital Wealth Management.

 

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