Não existe longo prazo sem Sustentabilidade

9 de novembro de 2023

Por Fernanda Camargo, sócia fundadora da Wright Capital Wealth Management

O Fundo Patrimonial é uma fonte de recurso de longo prazo, capaz de tornar as organizações sociais mais independentes da captação por projetos e de perenizar a atuação social. É um conjunto de ativos oriundos de doações privadas, geridos com o objetivo de obtenção de receitas, que serão utilizadas para fomentar as atividades de interesse público. O dinheiro das doações, chamado de principal, permanece preservado, sendo apenas as receitas geradas a partir do investimento do principal empregadas nas atividades de interesse público.

O objetivo do Fundo Patrimonial é preservar o valor real de seu patrimônio na perpetuidade e gerar recursos recorrentes para sustentar financeiramente seu propósito. Os Fundos Patrimoniais devem, portanto, ser autossustentáveis, utilizando parte da rentabilidade auferida de seu próprio patrimônio, e não depender de novas doações e patrocínios.

Se estamos falando da preservação de recursos para a perpetuidade, não seria importante olhar para as externalidades que os investimentos geram? Muitos desses fundos existem para financiar uma universidade, um hospital ou uma causa. Não seria importante saber se os investimentos do Fundo Patrimonial podem estar gerando externalidades que são justamente aquelas que o fundo quer combater?

Mas aí vem a questão. Será que olhar para tais externalidades estaria dentro do dever fiduciário do gestor do Fundo Patrimonial? Os gestores de Fundos Patrimoniais devem atuar sempre no melhor interesse do Fundo Patrimonial, respeitar o dever fiduciário, e assim adotar políticas de investimento que levem em consideração critérios Ambientais, Sociais e de Governança. Mas, será que tais critérios geram retornos positivos ou reduzem risco?

Em setembro de 2015, o PRI, UNEP/Fi, UNEP Inquiry e UN Global Compact lançaram o relatório “O Dever Fiduciário do Século 21”. Esse relatório conclui que “é uma quebra do dever fiduciário não levar em consideração todos os drivers de valor de longo prazo, incluindo ASG (Ambiental, Social e Governança, na tradução da sigla ESG)”.

Está cada vez mais claro que o gestor prudente, que respeita seu dever fiduciário, deve incluir os critérios ESG na alocação e isso não representa uma violação do dever de lealdade. Pelo contrário: a incorporação de tais critérios no processo de investimentos ajuda na redução de riscos do portfólio, consequentemente aumentando as chances de obtenção de melhores retornos ajustados ao risco ao longo do tempo.

Os gestores do Fundo Patrimonial devem ser capazes de mostrar que identificaram e avaliaram os riscos aos quais os portfólios sob sua responsabilidade estão expostos. Esses riscos incluem aqueles associados a questões de sustentabilidade, como as mudanças climáticas, o colapso da biodiversidade ou a instabilidade social, que podem ser financeiramente significativos. Dada sua natureza sistêmica, por definição, estes riscos não podem ser mitigados simplesmente pela diversificação da carteira.

Neste contexto, investimento responsável é uma abordagem de investimento que reconhece explicitamente a importância para o investidor dos fatores ESG, da saúde de longo prazo e da estabilidade do mercado como um todo para sua carteira. Ela reconhece que a geração de retorno sustentável de longo prazo depende de sistemas econômicos e ambientais estáveis, funcionais e bem geridos.

O investimento responsável diferencia-se das abordagens convencionais de investimento de duas maneiras.  A primeira é que os prazos são importantes; o objetivo é a geração de retorno de investimento sustentável de longo prazo, e não apenas de curto prazo. A segunda é que isso exige que os investidores estejam atentos a fatores contextuais mais abrangentes, incluindo a estabilidade e a saúde dos sistemas econômicos e ambientais e a evolução dos valores e das expectativas das sociedades das quais fazem parte.

Uma forma de investimento responsável é a baseada em ‘filtros negativos’ — critérios de exclusão de setores ou empresas do universo passível de investimento por problemas ESG. Trata-se de uma estratégia de investimento que exclui do portfólio ramos de atuação e companhias que impactam negativamente a sociedade e o meio ambiente, como tabaco, mineração, petróleo, álcool e armas, por exemplo. Outras abordagens são:

 

       Ativismo Acionário, que se baseia no uso do poder dos acionistas para influenciar o comportamento da empresa no que tange à abordagem ESG, o que vai desde o engajamento nos órgãos societários da companhia até o exercício do poder de voto e;

•        Integração ESG, que leva em consideração fatores ambientais, sociais e de governança na análise e tomada de decisão de investimentos, com o objetivo de melhorar os retornos ajustados ao risco no longo prazo. Empresas de qualquer setor podem ser avaliadas sob a ótica ESG, do financeiro ao de óleo e gás, sendo que os investidores responsáveis focam em setores e empresas que apresentam alto desempenho nos fatores ESG.

 

Na questão ambiental, por exemplo, quando falamos de alocação de longo prazo, não podemos deixar de levar em consideração a transição para a economia de baixo carbono e, por isso, é importante considerar os riscos e as oportunidades atrelados às mudanças climáticas. Neste caso, um primeiro passo é considerar os riscos climáticos nas avaliações de investimento e monitorar os ativos investidos a partir de informações públicas disponíveis. A atuação também pode envolver diálogos colaborativos com os fundos investidos ou empresas, contribuindo para a elaboração de metas e planos de redução de emissões de gases de efeito estufa.

Ao mesmo tempo, entender a transição climática do ponto de vista não apenas de eficiência, mas também do impacto real desse processo, é fundamental. Num país tão desigual como o Brasil, não podemos deixar de endereçar o S (social) do ESG. A emergência climática aumenta a vulnerabilidade de milhões de pessoas. Quando investimos em empresas com uma boa avaliação no que tange a direitos humanos ou políticas sociais, devemos buscar entender o que isso significa, como é medido, quais os resultados, as melhorias, e quem está sendo afetado. No longo prazo, se não olharmos para a questão social, a desigualdade crescente é um dos maiores riscos.

Para ajudar os investidores (ou asset owners), o PRI criou 6 princípios voluntários que servem como objetivos a serem alcançados. Oferecem uma gama de ações possíveis para a incorporação das questões ESG. O objetivo dos Princípios é compreender as implicações do investimento sobre temas ambientais, sociais e de governança, além de oferecer suporte para os signatários na integração desses temas com suas decisões de investimento e propriedade de ativos.

No modelo de engajamento, o PRI sugere alguns passos a investidores ao articularem suas posições:

1. Priorizar questões de sustentabilidade e identificar riscos e oportunidades financeiramente materiais considerando os seus compromissos de sustentabilidade existentes através de uma avaliação descendente dos riscos de sustentabilidade mais significativos ou de uma avaliação ascendente dos resultados associados ao investimento e;

2. Utilizar objetivos e limites de sustentabilidade globais relevantes como referência para garantir níveis adequados de ambição. Uma forma de começar é publicar compromissos com a integração ESG e o investimento responsável, incluindo explicações sobre como tais compromissos se alinham com os deveres fiduciários, implementar esses compromissos de maneira efetiva nos processos de investimento, monitorar como os gestores (internos e externos) de investimento estão acompanhando estes compromissos, publicar relatórios para os beneficiários sobre como estes compromissos foram implementados e seus resultados, garantir que os administradores, conselheiros e executivos possuam os recursos e o conhecimento necessários para responsabilizar os gestores e consultores de investimento sobre a integração ESG, exigir que as companhias prestem contas de maneira robusta, confiável e detalhada tanto sobre sua gestão de questões ESG quanto da importância financeira dessas questões e engajar os governantes e reguladores em assuntos relacionados ao desempenho de longo prazo, incluindo relatórios corporativos mais robustos.

A observação e a incorporação de critérios ESG nos investimentos do Fundo Patrimonial, naturalmente, não garantem, por si só, a perenidade de seu patrimônio. Porém, assim como com outros aspectos fundamentais para a construção do portfólio do Fundo, como o padrão e o percentual de gastos, o perfil de risco e o contexto macroeconômico e jurídico da entidade à qual se destina, respeitá-los é respeitar a sustentabilidade financeira de seu propósito.

Apesar de apenas 30% dos fundos da amostra terem política de investimento responsável e 10% ainda não terem conseguido implementá-la em sua totalidade, percebe-se que uma grande parte dos endowments — quase a metade — declarou a intenção de adotar, futuramente, uma política de investimento responsável. 

Esse dado mostra que a questão do investimento responsável está presente, de algum modo, entre os gestores de 78% dos fundos patrimoniais, o que é uma parcela significativa. 

Artigo originalmente publicado no Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2022

 

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