Guarda-chuvas, para-raios e cisternas para uma filantropia mais transformadora

Texto originalmente publicado na Folha de São Paulo em 19/05/2023

por Felipe Groba, Gerente de Projetos no IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Pouco conhecidas no Brasil, FICs se destacam por intermediação independente entre investidores e organizações sociais

Imagine se existisse no Brasil um mecanismo que permitisse  empresas e indivíduos destinarem recursos para emergências e endereçar questões socioambientais de alta complexidade em um determinado território, sem riscos de conformidade legal e que, além disso, servisse também de instrumento para defender causas e políticas públicas de modo legítimo e sem partidarismos. Imagine se esse mesmo mecanismo fosse capaz de fomentar a cultura de doação local e fortalecer organizações sociais e coletivos locais.

Esses mecanismos existem.  São cerca de 20 no México, 201 no Canadá e mais de 900 nos Estados Unidos – alguns com mais de 100 anos de história – e são comumente chamados de Fundações ou Institutos Comunitários, ou FICs. As FICs são organizações da sociedade civil independentes que atuam fortalecendo a filantropia local, captando recursos junto a empresas e indivíduos e alocando-os de modo estratégico para que organizações sociais formais e informais se desenvolvam, fortaleçam sua atuação e executem seus projetos. Geram, assim, impacto em um território específico.

Visita da equipe IDIS a ‘Tabôa’, Serra Grande, na Bahia

O Brasil conta hoje com 14 organizações operando nesse modelo em 10 estados. Nesse grupo, existem organizações já consolidadas como a Fundação FEAC de Campinas, o Instituto Baixada Maranhense e o ICOM – Instituto Comunitário da Grande Florianópolis, e também organizações mais jovens, como a FEAV, com atuação em Valinhos, o Instituto Cacimba, na região de São Miguel Paulista (periferia de São Paulo), a Manauara Associação Comunitária e o recém-formado ICOSE – Instituto Comunitário do Sergipe. Todas elas integram o Programa Transformando Territórios, lançado em 2021 pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, financiado pela Charles Stewart Mott Foundation e com apoio institucional da Brazil Foundation e do GIFE.

Visita da equipe IDIS a Redes do Bem, organização comunitária no Rio de Janeiro

A maior parte das FICs brasileiras já conta com fundos filantrópicos constituídos para captar e distribuir recursos para organizações e iniciativas de seus territórios. Além disso, elas fomentam campanhas como o ‘Dia de Doar’, iniciativas para o engajamento de voluntários e promovem cursos e capacitações para líderes sociais locais. Algumas delas atuam também como porta-vozes das demais Organizações da Sociedade Civil (OSCs) do território perante o poder público na defesa do fortalecimento e regulamentação de fundos de direitos, do desbloqueio de recursos e no advocacy por mudanças legislativas. A legitimidade para ativar a filantropia e representar o setor social do território vem do fato de não ser vocação das FICs operarem projetos diretamente, sendo seu papel o de canalizar recursos para as organizações que operam na ponta com os beneficiários, assim, as FICs tornam-se aliadas das OSCs locais e não competidoras.

 

 

As experiências bem sucedidas têm provocado algumas mudanças no setor. Segundo pesquisa BISC – Benchmarking do Investimento Social Corporativo, publicada anualmente pela Comunitas, 38% das Empresas contempladas indicaram algum grau de prioridade para apoios às FICs no biênio 2022/2023, enquanto 86% das Fundações e Institutos Corporativos atribuíram prioridade média ou alta. Dentro do setor industrial, 75% dos respondentes afirmam ter introduzido ou fortalecido as FICs em sua estratégia de investimento social (contra 20% no setor de serviços), confirmando a tendência da indústria extrativista e de transformação de buscar soluções socioambientais locais, visando mitigar suas externalidades negativas e potencializar suas externalidades positivas, em consonância com as boas práticas ESG (sociais, ambientais e de governança).

O potencial das FICs como canalizadoras de investimentos sociais locais vem, sobretudo, do estabelecimento de uma governança robusta, diversa e perene, assim como uma  abordagem sistêmica baseada no diagnóstico das potencialidades e necessidades locais, construída através da escuta das diferentes vozes da sociedade civil local e da constante interlocução com as organizações que atuam em prol do território. Essas características dão match com o que as empresas esperam para fortalecer a atuação com organizações sem fins lucrativos. Segundo a BISC, 90% das empresas apontam a “maior evidência do sucesso (resultados, impacto) das parcerias” como um fator determinante para o fortalecimento da relação, enquanto 80% indicam a “necessidade da empresa de atuar em rede”. E essas, são justamente  algumas das principais características das FICs.

Cabe notar que as FICs são, antes de tudo, importantes intermediárias entre doadores e OSCs, buscando atender aos interesses filantrópicos dos doadores, mas sempre de olho nas demandas do território. Um exemplo disto são os DAFs – Donor Advised Funds, ainda pouco populares no Brasil, que funcionam como “contas correntes de filantropia” de indivíduos e empresas, administradas pelas FICs, que ficam responsáveis por investir esses recursos no mercado de capitais e repassá-los às organizações sociais de acordo com as preferências dos doadores. Essa possibilidade de acumular recursos para direcioná-los futuramente é análoga às cisternas, que armazenam água visando a utilização em momentos estratégicos ou de maior necessidade.

Ao consolidarem e gerirem doações de terceiros, as FICs ficam encarregadas de toda a diligência, acompanhamento e prestação de contas sobre o uso desses recursos, permitindo, por exemplo, que grandes empresas financiem projetos e organizações menores e até mesmo movimentos e coletivos informais, pois a FIC estará ali atuando como um “pára-raio” de compliance, mitigando riscos para os doadores ao serem a donatária direta dessas empresas. Feita a diligência na recepção dos recursos, caberá à FIC mentorar os doadores quanto ao uso estratégico desses recursos, tendo como base o seu amplo conhecimento do território, de suas demandas e potencialidades, de suas organizações e líderes.

Por fim mas não menos importante, essa visão privilegiada do território e construída em bases democráticas e de confiança mútua permite às FICs servirem como porta-vozes para que o setor social local lute por direitos e visibilidade, empreenda campanhas de mobilização social ou até faça incidência por mudanças em políticas públicas, sem estarem diretamente expostas perante autoridades. A FIC atua então como um ‘guarda-chuva’ para que as lideranças sociais não se molhem no jogo político e de poder desnecessariamente.

Esse conjunto de características faz das Fundações e Institutos Comunitários mecanismos potentes para uma filantropia mais ativa, efetiva e duradoura em um território, seja ele um bairro, uma cidade, um estado ou mesmo um território que compartilhe afinidades e identidades socioambientais.

Saiba como doar para Institutos e Fundações Comunitárias

Institutos e Fundações comunitárias são associações que atuam em um território geográfico delimitado, seja este um bairro, cidade ou região, com visão de longo prazo e buscando o impacto sistêmico para o desenvolvimento dessa região. 

O objetivo é promover a interlocução entre as organizações e iniciativas sociais com os doadores, sociedade civil e poder público.

No Brasil, o IDIS, em parceria com a Charles Stewart Mott Foundation, realiza o programa Transformando Territórios que apoia o fortalecimento e a criação de Institutos e Fundações Comunitárias no Brasil. 

Sabia que você pode ajudar algumas das organizações participantes com doações?

Saiba mais sobre o Transformando Territórios.

Conheça algumas das organizações participantes do Transformando Territórios e doe!

 

BAHIA

Tabôa Fortalecimento Comunitário - Civic & Social Organization - Overview, Competitors, and Employees | Apollo.ioTabôaAtua na região de Serra Grande, município de Uruçuca, Sul da Bahia, fortalecendo a comunidade pelo acesso a conhecimentos, recursos financeiros e estímulo à cooperação, para que pessoas, negócios e organizações sejam sustentáveis. A atividade é realizada a partir do fomento de iniciativas de base comunitária e empreendimentos socioeconômicos.

 

MARANHÃO

Fundação Baixada – Fundação Comunitária da Baixada MaranhenseInstituto Baixada Atua na criação de condições materiais para realização de transformações em comunidades vulneráveis da Baixada Maranhense, via captação de recursos, fortalecimento de organizações comunitárias e doações.

ESPÍRITO SANTO

Home | Fundaes - Federação das Fundações e Associações do ...

FUNDAES (Federação do Terceiro Setor do Estado do Espírito Santo) Congrega as entidades do Terceiro Setor Capixaba, e representa as suas filiadas, buscando uma profissionalização do setor no estado

 

 

RIO DE JANEIRO

Rede de Organizações do BemRede de Organizações do Bem – A Rede de Organizações do Bem iniciou suas atividades em 2012, atuando no financiamento de projetos, investindo na formação e apoio das organizações na região metropolitana do Rio de Janeiro e realizando um levantamento das OSCs do território. Desde então, a Rede tem se especializado na realização de editais para micro apoios financeiros e formações.

SÃO PAULO

Fundação ABHFundação ABH Tem o papel de potencializar a atuação de iniciativas sociais, como coletivos, movimentos, organizações e lideranças comunitárias na periferia sul da cidade de São Paulo por meio de investimentos financeiros, geração de conhecimento e formação de redes. 

 

FEAV: Fórum das Entidades Assistenciais de Valinhos Formado por um grupo de entidades assistenciais da cidade de Valinhos no interior de São Paulo, visa o engajamento, consenso e a troca de experiência com a sociedade. A partir do conhecimento gerado nesta troca, a FEAV busca fortalecer a representatividade dos desejos populares junto ao poder público.

 

 

Fundação FEAC » Empoderamos pessoas - Impulsionamos organizações - Potencializamos territórios

Fundação FEAC – Tem como missão a promoção humana, a assistência e o bem-estar social, com prioridade à criança e ao adolescente, em Campinas. Para alcançar esses objetivos, concentra sua ação socioeducativa em três dimensões: empoderamento de populações vulneráveis, potencialização de territórios e impulsionamento de empresas, causas e pessoas.

 

SANTA CATARINA

Home - ICOM - Instituto Comunitário da Grande FlorianópolisICOM: Instituto Comunitário Grande Florianópolis Apoia empresas e indivíduos para que possam fazer investimentos sociais e doações com alto impacto social. Ao mesmo tempo, auxilia organizações da sociedade civil a terem uma gestão mais eficiente e a servirem como canais de participação dos cidadãos para melhorarem a qualidade de vida na Grande Florianópolis e em Santa Catarina.

Atuação filantrópica territorial é destaque no Valor

A filantropia comunitária em territórios é um movimento que vem ganhando espaço no país e é destaque no jornal Valor Econômico. Estas iniciativas que visam ampliar a participação individual e fomentar estratégias de longo prazo para a mudança social em territórios estão sendo aprimoradas nos últimos anos. O trabalho coordenado entre ONGs, fundações, associações de ação social, empresas e universidades se mostra muito mais eficiente na transformação social e vem demostrando grande potencial de impacto.

Para Paula Fabiani, CEO do IDIS, os esforços que envolvem o conceito mais amplo de filantropia comunitária, representam uma tendência que veio para ficar. Segundo Paula, “a sociedade entendeu que precisa de soluções integradas e locais”. “Este olhar mais sistêmico e com atuações transversais estimula o surgimento das fundações comunitárias”, ressalta.

A atuação das associações leva em conta as realidades de áreas delimitadas, levantando informações socioeconômicas, promovendo saúde, inclusão produtiva e empreendedorismo. Paula cita como exemplos desse modelo de atuação do ICom – Instituto Comunitário da Grande Florianópolis; o Instituto Comunitário Baixada Maranhense e a Tabôa, associação comunitária criada no sul da Bahia pelo fundador da Natura Guilherme Leal. Todas estas organizações fazem parte do projeto Transformando Territórios, uma iniciativa do IDIS com a Charles Stewart Mott Foundation para fomentar a criação e fortalecimento de Institutos e Fundações Comunitárias no Brasil.

Confira o artigo na íntegra.

 

Marcos Kisil propõe fundação comunitária para futuro de Mariana

A tragédia que assolou o município mineiro de Mariana, em Minas Gerais, com o rompimento da barragem de Fundão, da empresa Samarco, causando um tsunami de lama e devastando tudo o que encontrou pela frente, gerou uma série de discussões sobre as causas e uma onda de solidariedade que mobilizou o país. Diante deste cenário e avaliando a situação com um olhar no futuro, o fundador do IDIS e consultor estratégico, Marcos Kisil, escreveu um artigo que propõe um novo modelo de gestão para os recursos que serão destinados à reconstrução de Mariana e das cidades que praticamente desapareceram. O texto foi publicado no portal do Estadão. Marcos Kisil fala sobre a criação de uma Fundação Comunitária, um tema ainda inédito nos debates atuais.

Confira a íntegra do texto clicando aqui.

Tragédia Mariana - Antonio Cruz - Agência Brasil

Antonio Cruz/Agência Brasil

 

 

 

 

 

Pesquisa: The New Generation of Community Foundations (A Nova Geração de Fundações Comunitárias)

Esta pesquisa, escrita Jenny Hodgson, Barry Knight e Alison Mathie, demonstra como as fundações comunitárias têm crescido nos últimos anos. O surgimento de uma nova geração de organizações da sociedade civil está ocorrendo em um contexto mais amplo no campo da solidariedade, com o aparecimento de formas híbridas de atuação. Publicado pela Global Fund for Community Foundations e pelo Coady International Institute, em março, o documento foi baseado em três fontes de pesquisa: 1) revisão da literatura sobre conceitos relacionados às fundações comunitárias e sua relação com a ampliação da chamada “economia social”; 2) observações empíricas de profissionais do setor; e 3) apresentação dos seguintes estudos de caso: Dalia Association, da Palestina; Waqfeyat al Maadi Community Foundation, do Egito; Amazon Partnerships Foundation, do Equador; Tewa – Nepal Women’s Fund, do Nepal; e Kenya Community Development Foundation, do Quênia.

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Pesquisa Discute Situação das Fundações Comunitárias e seu Papel no Desenvolvimento Local

Com base em 50 solicitações de apoio financeiro, o Fundo Global para Fundações Comunitárias (GFCF) elaborou um relatório em que retrata a situação das fundações comunitárias no mundo. Denominado Mais do que um Primo Pobre? A Emergência de Fundações Comunitárias como um Paradigma de Desenvolvimento, a diretora-executiva do GFCF, Jenny Hodgson, e o conselheiro do Fundo, Barry Knight, refletem como o investimento social comunitário pode criar um novo paradigma de desenvolvimento local. Eles também refletem sobre a emergência de fundações comunitárias nos últimos 15 anos em países do Sul, como Brasil e África do Sul. A versão em português teve apoio do Instituto Comunitário Grande Florianópolis (ICom). A íntegra também está disponível no endereço http://globalfundcommunityfoundations.org/html/documents/more_than_poor_Portuguese.pdf.

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