Por Paula Fabiani e Luisa Lima, respectivamente CEO e gerente de comunicação e conhecimento no IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social
Brasil cai no ranking global de generosidade e é preciso ir além do óbvio para entender motivos
Pessoas passando fome, educação de má qualidade, temporais levando casas e vidas, animais abandonados. De quem é a responsabilidade por resolver estas questões? Alguns podem dizer que exclusivamente dos governos. Outros, implicam também empresas e ONGs. Mas as mudanças apenas acontecerão na velocidade que precisamos, quando cada indivíduo também se perceber como parte da solução.
Eu e você, cada um de nós, temos a possibilidade de contribuir de diversas formas. De acordo com o recém-lançado World Giving Index, o ranking global de generosidade promovido pela Charities Aid Foundation e lançado no Brasil pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, em todo o mundo, 4,2 bilhões de pessoas ajudaram alguém que não conheciam, fizeram trabalho voluntário ou doaram dinheiro para uma organização social no ano passado.
Entre 142 nações, Indonésia, Ucrânia e Quênia lideram o ranking. O Brasil aparece na 89ª posição, depois de ocupar a 18ª apenas um ano antes. Enquanto esses comportamentos se mantiveram estáveis na maioria dos países, o Brasil foi na contramão e apresentou reduções. O percentual de brasileiros que reportaram ter realizado uma doação caiu de 41% em 2021 para 26% em 2022, doação de tempo (voluntariado) foi de 25% para 21%, e ajuda a um desconhecido, a forma mais básica de solidariedade, recuou de 76% para 64% entre os respondentes.
A diversidade de perfis entre os países bem posicionados não nos permite dizer que o engajamento é maior em função do grau de desenvolvimento econômico, religião ou continente a que pertence. Dentre os dez mais bem colocados há países de várias partes do mundo e com diferentes religiões praticadas. Apenas três dos dez países mais solidários estão entre as maiores economias do mundo, e a Libéria, um dos países mais pobres do mundo aparece em quarto lugar no ranking. É preciso ir além do óbvio para entender o que contribui para o fortalecimento da cultura de doação.
Um ponto já foi mencionado – os cidadãos devem se perceber como parte da mudança. De acordo com a Pesquisa Doação Brasil 2022, estudo do IDIS acerca do comportamento do doador individual, 93% dos respondentes reconheceram que pessoas comuns são também responsáveis por resolver os problemas sociais e ambientais no Brasil. Sete anos antes, apenas 61% concordaram com a afirmação. Apesar da doação informal também ser importante, ela é potencializada quando é feita a organizações sociais, as ONGs, pois elas têm em sua atuação a atenção a causas e territórios e podem agir de forma sistemática. A confiança no trabalho dessas organizações, dessa forma, é um outro fator determinante.
No Brasil, o protagonismo das ONGs no período da pandemia e a visibilidade que ganharam na mídia, contribuíram para um crescimento acentuado em sua confiança. Passado o efeito da pandemia, segundo a Pesquisa, os níveis caíram, mas ainda assim, ficaram em 2022 em um patamar superior a 2015. Somado a isso, é necessário que exista uma infraestrutura que conecte doadores a organizações, como plataformas, redes, coalizões, meios de pagamento, consultorias, capacitações e legislações que facilitem e incentivem o ato da doação. No caso da Ucrânia, que vinha ganhando posições no World Giving Index desde 2019 e ocupa agora a segunda posição, foi determinante haver um ecossistema constituído para receber as doações e atuar com agilidade quando a guerra, infelizmente, teve início.
Outros aspectos que também têm influência são o nível de satisfação das pessoas com a vida de forma geral – quanto mais felizes, mais doadores, com destaque aos habitantes dos países nórdicos – e o nível de segurança em relação ao futuro – em épocas de eleições conturbadas ou crises econômicas, as pessoas tendem a ficarem mais cautelosas e doarem menos, e isso pode explicar, em partes, a queda do Brasil no ranking.
Doar é se conectar com os seres vivos que nos cercam, estejam eles do outro lado da rua ou do outro lado do país. Doar é praticar a nossa humanidade: doar nos faz mais humanos. Governos, empresas, ONGs e cada um de nós deve se comprometer a espalhar essa prática e a agir. Que isso faça parte de nós e da cultura do nosso Brasil.
Artigo originalmente publicado pela Folha de S. Paulo na coluna “Papo de Responsa” em 14/12/2023