A diversidade na governança de fundos patrimoniais

* Por Viviane Elias Moreira, C-level e conselheira fiscal do IDIS

A provocação proposta neste texto tem a intenção de convocar todos para sairmos de uma zona de conforto que a rotina ligada ao tema nos criou, gerando obviedades que estamos negligenciando e que não podemos mais ignorar suas consequências, se quisermos um país mais igualitário: diversidade e inclusão precisam ser mais bem gerenciadas em nossas ações de filantropia, principalmente quando pensamos na governança de organizações desse setor.

Nos últimos anos, as ações filantrópicas vêm ganhando força como ferramenta fundamental na luta para reduzir as desigualdades sociais no Brasil. O ano de 2024 nos trouxe um momento de entendimento real de quem adota as ações de filantropia com a verdadeira intencionalidade versus quem adotou estas ações como uma forma de “estar na moda”, ou como tecnicamente conhecemos, os famosos “washings”.  De todos os possíveis “washings” adotados e normalizados, nenhum foi tão danoso para nossa sociedade e para a real intencionalidade da filantropia do que o diversitywashing.

Diversitywashing é um termo que se refere à prática de empresas ou organizações que adotam uma aparência superficial de compromisso com a diversidade, inclusão e equidade sem realmente implementá-las de forma significativa ou eficaz. No Brasil, o termo diversitywashing foi patenteado por Liliane Rocha, fundadora da empresa Gestão Kairós, que é uma referência no campo de sustentabilidade e Diversidade & Inclusão (D&I). Ela destaca a importância de combatê-lo, assegurando que as ações de diversidade sejam profundas e transformadoras, e não apenas uma estratégia de marketing ou uma fachada.

Fábio Barbosa, uma das principais lideranças inspiradoras no setor de sustentabilidade e responsabilidade social, propõe uma teoria extremamente relevante, onde existem 3 princípios (ou 3 Cs) essenciais para a eficácia do desenvolvimento sustentável: as pessoas só fazem o que fazem por convicção, por conveniência ou por constrangimento. Minha contribuição a esta teoria é que não importa o tipo do C que a sua ação de filantropia adote, se ela adotar diversitywashing como direcionador, ela será mais uma ação de marketing que terá como resultado uma correção superficial, postergando e potencializando os impactos de desigualdade social para as gerações futuras.

A filantropia precisa entender o papel da diversidade e inclusão em seus processos, metas e intencionalidade, não apenas como uma atividade de imperativo moral, mas como ferramenta estratégica de transformação social. Quando falamos de diversidade, estamos nos referindo à presença de pessoas de diferentes origens, raças, etnias, gêneros, orientações sexuais, habilidades e crenças em espaços sociais e de trabalho. A inclusão, por sua vez, vai além da representatividade, trata-se de criar ambientes em que essas diferentes vozes sejam ativamente ouvidas, estimuladas e valorizadas. E, por isso, a presença deste público em órgãos de governança é essencial para que as decisões estratégicas norteadoras de uma determinada organização leve em conta uma pluralidade de perspectivas.

Sabemos que, alcançar a igualdade em temas de diversidade ainda é algo desafiador para algumas equipes operacionais, em órgãos superiores de governança é algo ainda mais crítico. Serão necessários cerca de 20 anos para que haja uma paridade entre homens e mulheres na composição dos conselhos deliberativos, de acordo com o Censo GIFE 2022/2023. No tema de raça, apesar de haver aumentos, o percentual de pessoas brancas nos conselhos é de 92%, 7% negros, 1% amarelos/orientais e apenas 1 pessoa indígena. E, quando fazemos ainda outro recorte, como no caso da governança de fundos patrimoniais apresentados cujo dado inédito é apresentado neste Anuário, notamos que, no caso de gênero, as mulheres já conquistaram representação na maior parte dos Conselhos e Comitês, porém ainda não em igual número dentro dessas instâncias. Já na questão racial, há presença de apenas de pessoas pretas, pardas ou indígenas em apenas 43% das Assembleias Gerais, 36% dos Conselhos Deliberativos/Curadores/de Administração e 11% dos Comitês de Investimento. Apesar disso, a presença numericamente é muito baixa e em nenhuma das instâncias supera 8% dos membros.

Quando grupos sub-representados ganham espaço e são ouvidos de forma estratégica dentro das ações de filantropia, ainda mais em instâncias decisórias, há uma redistribuição de oportunidades e recursos que impactam positivamente e estão alinhados com a definição moderna de filantropia pelo mundo, que vai muito além de doações financeiras para causas sociais, mais para um conjunto de ações mais amplas e estruturadas que visam o impacto sustentável.

Quando a diversidade é considerada pelas ações de filantropia como um valor inegociável, o potencial de impacto é exponencial, com a promoção da justiça social, fomento ao desenvolvimento econômico, impulsionando a inovação e competitividade, elementos essenciais para o crescimento sustentável do país. No Brasil, onde as disparidades sociais estão fortemente ligadas à raça, gênero e localização geográfica, a promoção dessas práticas pode ser transformadora.

Por isso que, no caso de fundos patrimoniais, existe uma janela de oportunidade. Observamos novos endowments sendo criados no Brasil nos últimos anos. Não só podemos, como devemos levar em consideração a diversidade na criação da governança dessas novas organizações, assim podemos trazer à mesa de decisões uma representatividade para um ideal de sociedade igualitária que tanto buscamos. Uma governança plural e tomadora de ações para uma filantropia estratégica para tornar o Brasil menos desigual.

Ainda há um longo caminho a percorrer para alcançá-lo. Acredito que a filantropia é umas das formas mais eficientes para acelerarmos mudanças sistêmicas que não apenas reduzem a desigualdade social, mas também constroem uma sociedade mais justa, equitativa e inclusiva, criando um país com oportunidades verdadeiramente iguais para todos. Por uma filantropia que trate a diversidade com mais convicção e menos constrangimento.

Tese de doutorado de Paula Fabiani sobre filantropia corporativa estratégica está disponível

Paula Fabiani, CEO do IDIS, concluiu recentemente seu Doutorado. Ela pesquisou sobre a Cadeia de Doação Corporativa e seu potencial no aprimoramento da filantropia corporativa estratégica.

Ela obteve seu doutorado em Gestão de Operações e Sustentabilidade na Fundação Getúlio Vargas (FGV) / Escola de Administração de Empresas de São Paulo.

“A academia tem poder de transformação. A partir do rigor científico, que confere credibilidade ao mundo acadêmico, pesquisas e publicações tem o potencial de contribuir para a construção de um mundo melhor. Este é justamente um dos meus compromissos: buscar sempre o aprofundamento de questões que possam ser contributivas para a nossa sociedade […] A partir do olhar sobre o engajamento dos stakeholders (partes interessadas), busquei contribuir para que as corporações adotem uma abordagem mais estratégica em suas atividades filantrópicas”, diz Paula.

A tese completa está disponível para consulta aqui (disponível apenas em inglês).

Fundo de Fomento à Filantropia é criado com apoio de grandes doadores

Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, José Luiz Egydio Setúbal, médico e empresário, Luis Stuhlberger, engenheiro e gestor de fundos de investimentos, e o casal Teresa Cristina e Candido Bracher, estão entre os doadores que aportaram recursos no Fundo de Fomento à Filantropia, iniciativa criada pelo IDIS para ampliar o impacto da filantropia estratégica e do investimento social e, assim, promover mais transformações sociais positivas. Recém-lançado, o fundo começa com um patrimônio de R$5 milhões com matching garantido de mais R$5 milhões. Ou seja, para cada real doado, o IDIS está aplicando mais R$1, utilizando, para isso, o recurso doado pela filantropa MacKenzie Scott para o Instituto. O fundo tem uma meta de captação de R$25 milhões, com atração de R$15 milhões em até 2 anos.

Fundos Patrimoniais Filantrópicos, também conhecidos como endowments, são fundos criados para receber doações destinadas a causas de interesse público ou organizações específicas. De modo geral, os recursos recebidos permanecem no fundo, preservados em aplicações financeiras, e apenas os rendimentos são periodicamente resgatados, contribuindo para a sustentabilidade no longo prazo. O IDIS é um grande promotor do mecanismo há mais de uma década, investindo na produção de conhecimento e apoiando a criação de muitos fundos patrimoniais. Em 2018, criou a Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, que reúne uma centena de signatários articulados para a melhoria do ambiente regulatório.

Muito populares nos Estados Unidos e Europa, no Brasil, há registro de 107 endowments, que beneficiam inúmeras causas. Este, entretanto, é o primeiro destinado ao fortalecimento da filantropia e da cultura de doação, incluindo o apoio a iniciativas de advocacy por um ambiente regulatório favorável, e a produção de conhecimento, como pesquisas e campanhas. Os ativos serão também aplicados para ampliar a articulação de atores e parcerias para o desenvolvimento do setor e para catalisar iniciativas estruturantes que possam multiplicar o Investimento Social Privado (ISP) e o seu impacto.

“O IDIS completa 25 anos e foi o momento perfeito para concretizarmos um sonho antigo – a criação de um fundo patrimonial que garanta perenidade do investimento em causa tão importante para o Brasil – a filantropia. Com uma base financeira sólida, poderemos investir em novos projetos e expandir nossas iniciativas, atingindo mais pessoas e promovendo mudanças duradouras”, ressaltou Paula Fabiani, CEO do IDIS.

Estruturado a partir da aplicação das melhores práticas internacionais e seguindo as orientações da Lei 13.800/19, o Fundo de Fomento à Filantropia contará com Conselho Deliberativo, Conselho Fiscal, Comitê Consultivo do Fundo Patrimonial, Comitê de Investimentos e Equipe Técnica. 

Valor Econômico destaca relevância da filantropia estratégica no Brasil

A ‘filantropia estratégica’, ou investimento social privado, refere-se à prática de alocar recursos privados de maneira voluntária e estratégica, sejam eles financeiros, materiais, humanos, técnicos ou gerenciais, com o objetivo de beneficiar o público.

Além dessa prática, a Lei Orçamentária Anual (LOA) representa outra fonte de recursos para entidades privadas sem fins lucrativos. Um artigo do Valor Econômico destaca a importância da combinação de recursos orçamentários e filantropia estratégica no enfrentamento de problemas sociais. Confira.

Doação milionária feita ao IDIS é pauta na Época Negócios

Após 25 anos desenvolvendo o investimento social no Brasil, o IDIS foi reconhecido por meio de uma doação de US$1,5 milhão (cerca de R$ 7,5 milhões) da norte-americana, Mackenzie Scott. A doação da filantropa será alocada no fundo patrimonial do IDIS, que deve ser criado ainda este ano e auxiliará a garantir que a organização continue a fortalecer a filantropia estratégica e seu impacto positivo na sociedade brasileira. A notícia foi pauta no jornal Época Negócios.

Confira a matéria na íntegra aqui.

 

Glossário de Investimento Social Privado: conheça alguns conceitos que fazem parte deste universo

O investimento social privado (ISP) tem se tornado uma prática cada vez mais relevante no cenário empresarial contemporâneo. Empresas e organizações têm reconhecido a importância de ir além do lucro financeiro e buscar formas de contribuir para o desenvolvimento social e sustentável da sociedade em que estão inseridas.

Ainda assim, muitos termos e conceitos do investimento social privado podem ser complexos e confusos para aqueles que estão explorando esse campo pela primeira vez. Ao entender esses fundamentos, você poderá se sentir mais confiante e capacitado para iniciar ou aprimorar suas iniciativas de investimento social privado.

Conheça os serviços prestados pelo IDIS visando aprimorar o ISP no país 

Filantropia estratégica

É a alocação voluntária e estratégica de recursos privados, sejam eles financeiros, em espécie, humanos, técnicos ou gerenciais, para o benefício público. Para promover a transformação social sistêmica e de longo prazo, esse investimento é feito com planejamento estratégico ancorado em dados, com indicadores pré-definidos, execução cuidadosa, monitoramento dos resultados e avaliação do seu impacto.
Fonte: IDIS

 

Filantropia de risco

A filantropia de risco, também chamada ‘venture philanthropy’, tem como objetivo apoiar e catalisar soluções inovadoras para problemas socioambientais, propostas por negócios de impacto em estágio inicial ou organizações da sociedade civil. Neste modelo, o investidor assume riscos ao apostar em potenciais de mudanças sistêmicas e prioriza o impacto positivo ao retorno financeiro, com financiamento personalizado, complementado com apoio estratégico, monitoramento e avaliação do impacto.
Fonte: Investimento Social e Impacto no Brasil – Latimpacto

 

Blended finance

Blended Finance, ou finanças híbridas, são estruturas que combinam capital filantrópico e o capital financeiro para realização de iniciativas com impacto socioambiental. Elas podem combinar instrumentos diversos para apoio aos projetos, como por exemplo dívida, equity, garantias, seguros, programas ou fundos garantidores, grants, pagamento por resultados e assistência técnica.
Fonte: World Economic Forum e BNDES

 


Negócio de impacto

Negócios de impacto são empreendimentos que oferecem, por meio de seus produtos e serviços, soluções para desafios socioambientais e geram mudanças positivas ao mesmo tempo em que geram resultados financeiros positivos de forma sustentável.
Fonte: Artemisia e Anprotec/ICE

 


Inclusão produtiva

Inserção de pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social no mundo do trabalho, em áreas rurais ou urbanas, por meio do empreendedorismo ou da empregabilidade formal, de modo que sejam capazes de gerar sua própria renda de maneira digna e estável, e assim superar processos crônicos de exclusão social.
Fonte: IDIS e Sebrae

 


Empreendedorismo social

Empreendedorismo social é o conceito por trás da construção de negócios de impacto. Ou seja, o ato de empreender para promover soluções sistêmicas que responder a desafios sociais e ambientais.
Fonte: Fundação Schwab

 


Economia regenerativa

A economia regenerativa propõe o reconhecimento – de maneira calculada – do valor econômico do meio-ambiente, das pessoas e das relações entre estes elementos, para os sistemas produtivos. Com isso, é possível prever usos mais adequados, privilegiando a regeneração e evitando o consumo até a escassez.
Fontes: NetZero