Artigo publicado originalmente no portal Um Só Planeta
por Guilherme Sylos, Diretor de Prospecção e Parcerias no IDIS ; e Marcel Fukayama é Co-fundador Sistema B Brasil e Conselheiro no IDIS.
A coletividade sempre foi um valor importante para o avanço da sociedade. Não à toa, compõe o imaginário popular em contos e fábulas infantis, e por meio ditados como ‘a união faz a força’. Não é de se surpreender o esforço quase intuitivo dos adultos de fazer jovens aprenderem desde cedo a importância da coletividade, já que a vida em sociedade é intrinsecamente ligada à colaboração e ao apoio mútuo. O princípio, por mais básico que soe, precisa ser constantemente reforçado, para que cheguemos a resoluções comuns para problemas de todos.
A Organização das Nações Unidas (ONU) pensou nisso ao delimitar os dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O conceito é visto em peso justamente no ODS 17 – Parcerias e meios de implementação, que indica a importância de parcerias como um meio para acelerar e garantir o desenvolvimento sustentável. Justamente o último ODS da base que fomenta e fortalece todos os outros.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entretanto, revelam que, dos 24 indicadores monitorados pelo Brasil relacionados ao ODS 17, apenas seis foram totalmente desenvolvidos até o momento, enquanto treze estão em fase de construção ou análise. Com apenas seis anos para o alcance das metas da Agenda 2030, é nas parcerias que poderíamos encontrar parte das soluções que faltam, unindo recursos, conhecimentos e experiências.
A construção de pontes entre governos, empresas e sociedade civil organizada gera forças para enfrentar desafios que, individualmente, seriam intransponíveis. Pensemos, por exemplo, na filantropia estratégica. Como o próprio nome sugere, trata-se da alocação de recursos privados para benefício público, de forma estratégica. Esses recursos fortalecem iniciativas e soluções que nem sempre seriam viáveis apenas pelo braço estatal, além de serem mais flexíveis, possibilitando a adoção de abordagens experimentais e o desenvolvimento de soluções criativas para problemas complexos. A prática, por si só, já é muito poderosa no âmbito do impacto social.
Acontece que a filantropia estratégica pode ser ainda mais eficaz quando respaldada por parcerias sólidas de outros setores, ao invés de apenas permanecer fechada em si mesma. Colaborações potencializam os impactos das iniciativas, tornando-as mais duradouras e sustentáveis.
Enquanto os governos detêm o poder regulatório e os recursos do setor público, as organizações filantrópicas contribuem com uma visão estratégica, agilidade e recursos privados que impulsionam o impacto social. A sociedade civil, por sua vez, traz uma perspectiva direta da comunidade, guiando o direcionamento final dos recursos e garantindo que as soluções sejam verdadeiramente alinhadas com as necessidades da população atendida.
Um dos exemplos que evidencia o sucesso desse tipo de parceria é o Juntos Pela Saúde. Lançado em 2023, o Programa é uma iniciativa do BNDES, gerido pelo IDIS. Em parceria com doadores privados, o Juntos Pela Saúde reúne recursos para apoiar e fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. A perspectiva é que, até 2026, sejam destinados aproximadamente R$ 200 milhões não reembolsáveis (R$ 100 milhões da iniciativa privada e R$ 100 milhões do BNDES) para projetos de saúde que visem beneficiar atividades de atendimento às populações que vivem nestas regiões do país, incluindo os serviços da atenção primária; a média e a alta complexidades; os serviços de urgência e emergência e o apoio diagnóstico. A cada real doado por outras instituições, o BNDES aporta outro real, em um modelo de matchfunding.
O desafio não é simples, uma vez que a gestão desses multi-stakeholders é complexa. Para o alcance do objetivo do Juntos pela Saúde, foi necessária a construção de diversas dessas pontes entre iniciativa privada, setor público (secretarias de saúde dos municípios, estados e ministério da saúde) e organizações da sociedade civil que ficarão responsáveis por executar os projetos apoiados pelo programa. Até o momento, o programa já direcionou cerca de R$ 96 milhões em recursos, destinados a três projetos que, juntos, chegarão a mais de 300 municípios.
Outro grande exemplo brasileiro de incidência coletiva e que atua em rede em busca de mudanças estruturais é o movimento global Catalyst 2030, formado por cerca de 127 empreendedores e inovadores sociais mobilizados em acelerar o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O grupo passou a fazer parte em 2023 do Comitê da Estratégia Nacional para Economia de Impacto (ENIMPACTO), a quem apresentou uma carta com propostas de como a rede pode contribuir ainda mais com políticas públicas e avançar nas soluções.
Uma referência adicional evidencia como a parceria entre os setores empresarial e social podem criar novos paradigmas. Em 2023, três Empresas B: a incorporadora MagikJC, a securitizadora Grupo Gaia e orquestradora Din4mo, criaram o Sistema Organizado para Moradia Acessível (SOMA), uma organização sem fins lucrativos que busca oferecer habitação de interesse social em centros urbanos.
O SOMA levantou 15 milhões numa operação na B3 em um certificado de recebível imobiliário (CRI) com investidores como Gerdau, Votorantim, Dexco, Movida e P4 Engenharia. O recurso viabilizou a construção de um prédio no Largo do Arouche e agora está provendo locação social a famílias em situação de vulnerabilidade.
Reconhecendo o papel essencial do trabalho conjunto e da união de esforços e recursos, podemos avançar em direção a um futuro mais inclusivo, equitativo e regenerativo.