Artigo publicado originalmente no Nexo Jornal, em 23/11/2024
Por Felipe Insunza Groba, Juliana Santos Oliveira e Paula Jancso Fabiani
A sucessão é um desafio inerente à vida e permeia todas as esferas da sociedade, seja nas empresas familiares, onde disputas por heranças podem gerar brigas quase fraticidas como na aclamada série Succession; na política, onde a transição de lideranças é usualmente marcada por períodos de instabilidades; ou até mesmo no seio de doutrinas religiosas, como a divergência entre xiitas e sunitas, fruto de uma disputa sucessória ocorrida após a morte do profeta Maomé.
A humanidade está repleta de exemplos de como sucessões podem ser pontos de inflexão na história, moldando o destino de nações e desencadeando grandes transformações sociais e, no Brasil, não é diferente. Após quase cinquenta anos de reinado de Dom Pedro II, a monarquia, sem uma sucessão bem estruturada, ruiu em poucos anos, demonstrando como a falta de planejamento pode fragilizar instituições consolidadas.
Quando vamos para o mundo empresarial, o recente falecimento de Silvio Santos, uma das personalidades mais conhecidas da televisão brasileira e fundador do Grupo Silvio Santos, coloca em dúvida a continuidade da empresa como a conhecemos hoje. Ao longo de décadas, Silvio construiu um império midiático e empresarial centrado em sua persona, deixando um desafio para suas sucessoras em lidar com a sua ausência.
No setor social, o padrão também se repete. Lideranças visionárias e notáveis, dotadas de paixão e visão, são a alma de muitas organizações da sociedade civil. Essas pessoas dedicam suas vidas a causas e ao bem comum, cativam pessoas para contribuírem com sua organização, e zelam pelo funcionamento delas como se fossem seus filhos. No entanto, essa mesma paixão que estrutura e impulsiona as organizações pode se tornar um obstáculo no momento da sucessão, resultando na chamada síndrome do fundador. Esse fenômeno, caracterizado pela dificuldade do fundador de uma organização em delegar responsabilidades ou preparar novas lideranças, pode enraizar uma dependência excessiva em sua figura central. Isso afeta a cultura organizacional, tornando a transição da liderança ainda mais desafiador. A síndrome também compromete diretamente os processos decisórios, muitas vezes engessando a capacidade de inovação da instituição.
Enfrentar ou mitigar os efeitos da síndrome do fundador requer clareza de propósito e planejamento, com ações que garantam a partilha da tomada de decisão de forma progressiva conforme a organização amadurece. Uma das principais abordagens é o fortalecimento da governança da organização por meio da criação de conselhos deliberativos, que integrem membros independentes com poder real de decisão. Isto porque a inclusão de pessoas com perfis diversos e sem vínculos afetivos com as lideranças atuais permite a oxigenação de ideias e a diluição da influência excessiva de líderes longevos ou até dos fundadores, garantindo que a governança seja mais equilibrada e representativa.
Este processo não costuma ser simples, uma vez que a distribuição de poder não se limita a questões técnicas e precisa considerar as emoções e vaidades inerentes à natureza humana. Compartilhar responsabilidades gradativamente e delegar tarefas antes da efetiva sucessão é uma forma de preparar uma nova geração de líderes e construir a confiança nas suas capacidades, minimizando conflitos e resistências. Muitas organizações optam pela criação de comitês de sucessão, dedicados a propor um plano de ação, mapear talentos e monitorar os processos sucessórios, garantindo que sejam bem conduzidos.
A transição da liderança da organização, no entanto, deve estar inserida em um plano de sucessão e contingência abrangente. A saída dos fundadores é apenas uma das possíveis mudanças que podem desafiar a continuidade de uma organização, e um bom plano de sucessão também deve contemplar a substituição de outros líderes-chave e colaboradores ao longo do tempo. Identificar os cargos críticos dentro da organização e desenvolver planos de sucessão individualizados para essas posições também é essencial. O IDIS passou por um processo de sucessão onde o fundador trabalhou junto à nova liderança e ao Conselho Deliberativo para garantir uma transição positiva para a organização, preservando sua cultura, valores e conhecimento acumulado. E atualmente buscamos trabalhar o processo de sucessão em diretorias e gerências estratégicas para a organização.
Para diminuir o estigma e o medo de conversas sobre sucessão em uma organização, é importante que o tema esteja sempre em pauta, de modo respeitoso e transparente, junto aos membros da governança e colaboradores. No que diz respeito à comunicação externa, é boa prática informar sucessões relevantes aos diferentes stakeholders, de parceiros e doadores aos atendidos pela organização. Isso assegura que as partes envolvidas estejam preparadas e alinhadas com o processo de transição, mitigando o sentimento de ruptura que pode ser gerado pelas mudanças.
A sustentabilidade financeira é outro fator crucial para garantir a fluidez dos processos de sucessão. Fundos patrimoniais, ou endowments, representam uma solução estratégica para garantir a perenidade de organizações da sociedade civil. Esses fundos, ao serem geridos de forma responsável, podem propiciar recursos suficientes para remunerar futuras lideranças, especialmente em cargos ocupados por voluntários a serem sucedidos. Além de assegurar recursos no longo prazo, a criação de fundos patrimoniais transmite segurança aos colaboradores quanto ao futuro da organização mesmo após alterações na liderança.
Embora o processo de sucessão seja repleto de incertezas, ao acolher novas vozes e saberes as organizações têm a oportunidade de revisar sua missão, atividades e práticas, alinhando-as com as novas demandas sociais e fortalecendo sua relevância. A sucessão, portanto, não deveria ser encarada apenas como um desafio, mas como uma janela de oportunidade para o fomento à inovação, uma chance de aprender com o passado mirando o futuro. A falta de planejamento sucessório pode comprometer a continuidade dos projetos sociais e prejudicar milhares de pessoas que se beneficiam ou até dependem dessas organizações. Para os líderes a serem sucedidos, é fundamental o envolvimento direto com a sucessão. Abordar o tema de forma proativa e antes que seja tarde demais é a única forma de perpetuar as mudanças nas vidas daqueles que são atendidos.