Construindo a Favela 3D: digna, digital e desenvolvida

O terceiro setor — representado por ONGs e empreendedores sociais — tem historicamente um papel fundamental na transformação sistêmica da vida da parcela mais pobre da população. Ele é ambicioso e inovador. Organizações como a Gerando Falcões têm eficiência, velocidade e capacidade de execução porque penetram onde o Estado não chega. No início da pandemia, por exemplo, o terceiro setor se fez presente na vida dos mais pobres semanas antes do governo. Enquanto o Estado tinha dificuldade para localizar os fantasmas brasileiros — quem não têm RG nem CPF — as ONGs sabiam onde eles estavam e os chamavam pelo nome.

Fundada em 2011 no Jardim Kemel, bairro periférico de Poá, na região metropolitana de São Paulo, a Falcões começou como uma iniciativa que oferecia atividades extracurriculares a crianças e adolescentes e cursos de qualificação profissional a jovens e adultos da região.

Dez anos depois, cresceu exponencialmente e se converteu numa aceleradora de desenvolvimento social, que apoia mais de cem líderes e organizações de favelas em 19 estados do Brasil.

O que ela quer, agora, é ainda maior, mas está longe de ser inviável: implementar a primeira Favela 3D — digna, digital e desenvolvida — do país. Trata-se de um projeto multissetorial, com participação do governo e da iniciativa privada, para dar autonomia social e financeira à Vila Itália, favela de São José do Rio Preto (SP). O Favela 3D vai atuar tanto no trabalho de base tradicional — construindo casas, regularizando o uso da área e melhorando a infraestrutura — quanto na criação de ferramentas sociais transformadoras, como programas de capacitação e empreendedorismo que deem soberania financeira aos moradores e tornem a comunidade autossustentável.

A ideia a médio e longo prazo é fazer da Vila Itália um projeto-piloto que possa ser replicado Brasil afora. Os 14 milhões de brasileiros que vivem em favelas estão habituados a ser ignorados pelo poder público, vistos como problema ou ter seu potencial desperdiçado por falta de oportunidades. Com o Favela 3D, eles passam a ser parte da solução, agentes ativos da própria emancipação.

O método para alcançar esse objetivo é o mesmo que consolidou a Gerando Falcões como uma das principais iniciativas sociais do país: localizar as lideranças capazes de gerar mudanças locais na quebrada, investir em treinamento e capacitação e acompanhar os resultados com afinco, usando sistemas como o SROI (sigla em inglês para Retorno Social do Investimento), que quantifica o impacto social em valores financeiros. Uma análise feita com apoio do IDIS mostrou que, a cada R$ 1 investido nas iniciativas avaliadas, R$ 3,50 são gerados na forma de benefício para a sociedade.

Foi identificado também que o investimento social da ONG “paga-se socialmente” (payback) já no segundo ano após o investimento, algo raro para a maioria de ativos financeiros disponíveis no mercado. É o melhor dos dois mundos: propósito e inovação, uma combinação de conhecimento da favela com o conhecimento das empresas que estão mudando o mercado.

São avaliações de impacto como essas que dão à Gerando Falcões a segurança de estar no caminho certo, justificando perante seus apoiadores e sociedade civil a relevância de seu Programa de Aceleração. É assim que essa expertise é levada aos quatro cantos do país, revolucionando a maneira como encaramos o urbanismo e o desenvolvimento social nas periferias brasileiras.

Olhar para trás, para o que foi realizado, identificar o que deu certo, o que poderia ter sido diferente e de fato avaliar exige tempo e dedicação. Mas é assim que conseguimos evoluir e dar escala ao que fazemos. E é reorganizando a forma como o dinheiro circula na favela e dando instrumentos aos seus moradores que o Brasil vai criar condições para quebrar o círculo vicioso da desigualdade, transformar os excluídos em cidadãos e fazer com que a miséria vire item de museu.

Edu Lyra e Nina Cheliga são, respectivamente, fundador e CEO e Diretora de Tecnologias Sociais da Gerando Falcões; Paula Fabiani e Felipe Insunza Groba são, respectivamente, CEO e Gerente de Projetos do IDIS. Este artigo foi publicado em uma versão reduzida no Exame.

Saiba mais sobre Avaliação de Impacto e SROI.