Por Maurício de Almeida Prado, Diretor Executivo da Plano CDE
“Falhamos em deixar um Brasil melhor para nossos filhos, mas conseguimos deixar filhos melhores para o Brasil”. Com essas palavras o executivo Fábio Barbosa definia, em uma entrevista para a revista Carta Capital, suas expectativas com uma geração que seria supostamente mais consciente de seu papel frente a questões sociais e ambientais do que a dele.
Mas será que as novas gerações têm mesmo uma postura diferente? Uma das formas de entender essas diferenças é olhando para uma questão muito importante em sociedades de todo mundo: a disposição para fazer doações e o envolvimento com a filantropia. Para isso, nada melhor do que analisarmos os dados e evidências levantados pela recém-lançada pesquisa Doação Brasil, coordenada pelo IDIS e realizada pela Ipsos Brasil.
No estudo, que ouviu mais de 1.500 pessoas em todo o País, podemos comparar as respostas do público da faixa etária de 18 a 27 anos – que costuma ser classificado como Geração Z – com o restante da população.
A Geração Z e as doações
Geração Z é nome dado ao grupo de pessoas nascidas entre os anos de 1995 e 2010. Como a pesquisa “Doação Brasil” foi realizada apenas com maiores de 18 anos, usaremos o recorte de 18 a 27 anos para esta análise.
O primeiro achado deste estudo é que os jovens da Geração Z estão doando mais do que há dois anos. Na pesquisa recém-lançada, coletada em 2022, 84% dos jovens da Geração Z disseram ter feito alguma doação no último ano, frente a 63% na pesquisa de 2020. Isso demonstra um crescimento expressivo da prática de doação por esta faixa da população.
As doações mais realizadas foram de bens materiais (76%), seguidas por dinheiro (43%) e doação de tempo/trabalho voluntário (30%). Interessante notar que a Geração Z doa proporcionalmente mais em forma de trabalho voluntário do que o restante da população (30% contra 26%) e faz menos doações em dinheiro (43% contra 49%) do que a população em geral). Essa diferença pode ser explicada pela menor renda média deste público frente as gerações mais velhas, sendo que a maior doação de tempo pode indicar uma oportunidade para as organizações filantrópicas.
Jovens acreditam mais na sociedade civil e confiam mais na ONGs
Quando perguntados sobre quem deveria ser responsável pelas soluções dos problemas sociais e ambientais no Brasil, os jovens da Geração Z conferem maior responsabilidade às ONGs e empresas do que à população em geral, que atribui um peso maior ao governo para resolver essas questões (indicam as ONGs 91% contra 84% da população/indicam as empresas 96% contra 92% da população).
É no entendimento do papel das ONGs na sociedade e na confiança em sua atuação que a Geração Z apresenta as maiores diferenças em relação ao restante da população. Elas concordam mais que as ONGs são necessárias para ajudar no combate aos problemas sociais e ambientais (74% contra 67%), entendem melhor que a ação das ONGs leva benefícios a quem realmente precisa (74% contra 58%) e compreendem melhor o papel das ONGs na sociedade (73% contra 65%).
Também demonstram claramente uma maior confiança nessas organizações, uma vez que concordam mais com a afirmação “A maior parte das ONGs é confiável” (39% contra 31%), com que “ONGs dependem da colaboração de pessoas e empresas para obter recursos e funcionar” (83% contra 75%) e confiam mais na transparência da atuação das ONGs (39% contra 31%).
No estudo “Conservadorismo e questões sociais”, realizado pela Plano CDE para a Fundação Tide Setubal, foram levantadas algumas hipóteses que explicariam a desconfiança de parte do público conservador mais idoso em relação às ONGs. Os entrevistados relataram em pesquisas qualitativas uma dificuldade de confiar em ONGs que não conheciam direito, com certa generalização de uma imagem negativa dessas organizações. Porém, quando mencionadas ONGs que eram próximas fisicamente e conhecidas dos entrevistados, como as da igreja do bairro, estas eram apontadas como merecedoras de confiança por esse público. Havia certa dicotomia entre a imagem da ONG distante e intangível e a imagem da ONG local, próxima, tangível e confiável.
Mais do que dar transparência ao trabalho das ONGs através de relatórios, parece haver a necessidade de uma aproximação com esses públicos, que já consolidaram uma imagem de desconfiança de algo que, muitas vezes, aparece como distante e incerto. Trazer esse público para perto, com envolvimento direto nos projetos, poderia ser uma forma de aproximação para diminuir essa desconfiança e aumentar as doações.
Por outro lado, a maior confiança em ONGs por parte da Geração Z traz uma enorme oportunidade para o campo da filantropia amplificar sua participação na sociedade civil, não apenas com a captação de recursos, mas também com o envolvimento direto dessa parcela da sociedade em seus projetos.
Uma geração que doa com menos desconfiança
Quando olhamos as visões da Geração Z sobre a doação em geral, percebemos também uma relação de menor desconfiança do que no restante da população. Eles concordam menos com as frases “Não tenho confiança no que vão fazer com meu dinheiro, se doar” (37% contra 45%) e “Algumas doações beneficiam pessoas que não merecem esta ajuda” (43% contra 53%).
Outros aspectos que demonstram maior confiança nas doações por esse perfil mais jovem é que eles concordam menos com as frases “Eu acredito que é melhor dar dinheiro diretamente a quem precisa sem intermediários” (36% contra 46%) e “Eu penso que não devemos dar dinheiro, mas alimentos e bens” (45% contra 53%). Há claramente maior confiança em intermediários (que podem ser entendidas principalmente como as ONGs) e mesmo na real necessidade do beneficiário — quando veem menos problema em dar dinheiro do que as outras gerações, que, proporcionalmente, preferem doar alimentos e bens, com certa desconfiança de seus usos quando da doação realizada em dinheiro.
Fica aqui o desafio de aproveitar a oportunidade criada pela maior confiança em doações e nas próprias ONGs dessa parcela da sociedade para se criar uma cultura de doação focada nesse público.
Por que os jovens doam e quem os influencia?
As principais motivações dos jovens nas doações estão ligadas a três fatores: os objetivos/temáticas das causas, participação cidadã e a aspectos pessoais/emocionais. Logo, vemos como principais respostas: acredito nessa causa que ajudo (94%), seguida pelo sentimento de fazer a diferença (89%) e do entendimento de que todos devem participar da solução dos problemas sociais (88%). Na sequência, temos “Porque me faz bem”, com 88% das respostas, e “Porque me ajuda no meu desenvolvimento como pessoa”, com 76%. O que mais diferencia a Geração Z é que, para esse grupo, as doações são menos motivadas por motivos religiosos (44% contra 55% da população em geral).
As principais influências dessa geração na hora de doar são: familiares e amigos, grupos religiosos e abordagens na rua – o que é similar à população em geral. Porém, para a Geração Z há uma importância maior de influenciadores/redes sociais do que para a população em geral (25% contra 17%). A rede social que mais influencia esse grupo a doar é o Instagram (89%), seguido pelo Facebook (37%) e TikTok (13%).
As causas que mais receberam doações dessa geração foram: crianças (38%), seguidas por combate à fome (26%), população de rua (20%) e situações emergenciais (19%). As causas/públicos que mais diferenciam essa geração em relação ao restante da população são: população de rua (20% contra 15%) e causa animal (9% contra 5%). Quando perguntados sobre seu envolvimento além das doações, 62% dos jovens dessa geração já se envolveram em outras ações sociais, para além das doações realizadas.
A maior importância das redes sociais para o engajamento desse público deve subsidiar as estratégias das ONGs em sua comunicação.
Por outro lado, quando vemos que quase dois terços dos jovens (62%) já se envolveram com a filantropia para além das doações, reforçamos a ideia de uma geração com maior potencial de participação no campo.
O papel socioambiental das empresas importa muito para essa geração
Quando olhamos para as percepções dessa geração em relação ao consumo e às práticas das empresas, notamos que esse perfil declara rejeitar mais a compra de produtos de empresas envolvidas com práticas inadequadas do que a população geral (83% de rejeição contra 77%).
Já um estudo sobre a Geração Z realizado pela consultoria Deloitte em 2023 aponta que os jovens dessa geração consideram que suas empresas estão evoluindo em questões de diversidade e impacto socioambiental. Porém, a maioria ainda percebe que suas empresas não estão fazendo o bastante nessas frentes.
Seja como consumidores ou colaboradores, os jovens da Geração Z demonstram estar atentos à atuação das empresas, impondo um desafio para que as organizações acelerarem suas atuações em ASG (ambiental, social e governança).
Conclusões
A análise dos dados da pesquisa “Doação Brasil”, no recorte dos jovens da Geração Z, demonstra maior entendimento do papel da sociedade civil por esse público, com empresas e ONGs tendo uma importância similar a governos na solução dos problemas socioambientais. Mais do que isso, vemos uma relação de maior confiança no trabalho das ONGs e destinação de suas doações e um interesse no envolvimento direto com seus projetos. A comunicação com essa geração deve considerar a importância das redes sociais para esse público nas estratégias de engajamento e captação. Por fim, temos essa parcela da população com um olhar mais crítico frente a atuação das empresas – o que deve ser um ponto de atenção às estratégias ASG dessas organizações.
Os achados deste estudo apontam para caminhos interessantes de planos de ação focalizados no público jovem que apresenta uma pré-disposição maior em participar de filantropia – uma grande oportunidade de alavancarmos a cultura de doação em nosso país.