Planejando a sucessão do fundador

Por Andrea Hanai, gerente de projetos no IDIS

Qualquer mudança na liderança de organizações da sociedade civil pode ser um grande desafio, mas quando se trata da sucessão do fundador da instituição, que geralmente desempenha o papel de principal executivo, esse processo pode ser ainda mais complexo, representando muitas vezes um teste à sua sobrevivência.

Por essa razão, cada vez mais organizações vêm buscando o IDIS para apoiá-las no planejamento da sucessão de seus fundadores, baseados em nosso conhecimento no tema da governança de organizações da sociedade civil e inspirados na experiência do processo sucessório do próprio IDIS. Também é comum a questão surgir como uma preocupação durante o processo de planejamento ou revisão estratégica da organização, passando a ser foco do planejamento de curto e médio prazos da instituição.

A estruturação de um plano de sucessão deve ser iniciada a partir de um bom diagnóstico institucional, focado na governança da organização. Nesse trabalho, procura-se mapear os papéis e responsabilidades assumidos pelo fundador e analisar as forças e fraquezas da organização, seus recursos e competências e a efetividade da participação dos demais membros de sua liderança.

Com base nesse diagnóstico, é possível determinar as ações necessárias para viabilizar um processo de transição de liderança que não comprometa o desempenho e impacto da organização. Usualmente essas ações envolvem a reestruturação da governança (e do estatuto social da instituição) com o engajamento de novos membros; a revisão do processo de mobilização de recursos (em geral dependente da rede de relacionamentos construída pelo fundador); e a formulação (ou atualização) das políticas institucionais e operacionais da organização.

É fundamental que este trabalho se desenvolva de forma transparente, com uma comunicação clara para todos os stakeholders. Além disso, a BoardSouce, importante fonte de informações sobre governança de organizações da sociedade civil, recomenda que o processo conte com a assistência de consultores externos à organização, capazes de lidar com sensibilidade com as questões emocionais que comumente envolvem a sucessão do fundador.

Texto originalmente publicado em julho de 2019. 

Quer saber mais sobre a consultoria e os serviços oferecidos pelo IDIS? Escreva para comunicacao@idis.org.br

10 dicas para verificar a confiabilidade em uma OSC ou ONG

Confira 10 dicas do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento Social para saber se uma ONG é confiável.

 

1. Visita ao site da OSC

O primeiro passo é conhecer o canal principal de comunicação da OSC. Em geral, é o site, mas é possível que a organização também use um perfil nas mídias sociais para se comunicar ou tenha uma página hospedada no site de um parceiro. Seja onde for, este deve ser o canal onde ela informa a seus beneficiários, doadores, parceiros e demais stakeholders sobre suas atividades. Não encontrar um site ou qualquer perfil da OSC nas redes sociais, é preocupante. Um perfil nas redes sociais sem muitas informações sobre as atividades da OSC também é um sinal de alerta.

2. Facilidade para identificar os dados de contato

Se consta endereço ou telefone da OSC no site ou nas redes sociais, significa que ela está aberta para receber ligações e visitas. Isso é um bom indício. Porém, se os canais de comunicação não aparecem, é sinal de que não será fácil obter informações adicionais ou cobrar uma prestação de contas do que é feito com as doações.

3. Identificação de quem trabalha na OSC

Sabemos que uma organização é feita de pessoas. Se elas aparecem no site, com nomes, currículos e até fotos, quer dizer que existem pessoas físicas por trás da pessoa jurídica. Por outro lado, não fazer referência alguma às pessoas que compõem a equipe, é um pouco estranho.

4. Identificação do(s) responsável(is)

É importante que o site deixe claro quem toma as decisões na organização. Normalmente é um Conselho, e é bom que constem os nomes dos conselheiros. OSCs menores, por sua vez, podem ter apenas um presidente ou diretor-executivo. De qualquer forma, é bem relevante saber de quem será a responsabilidade caso a organização faça algo errado.

5. Conhecimento das atividades da organização

Toda organização tem um propósito específico, está conectada a uma ou mais causas, e desenvolve iniciativas para cumprir sua finalidade. O site precisa mostrar qual o foco de atuação, o tema ou o problema que a OSC pretende tratar e quais as suas atividades. É interessante checar se as atividades apresentadas no site coincidem com aquelas para as quais a OSC está pedindo doações.

6. Presença de registro das atividades

Dizer o que faz é bom, mas mostrar é melhor ainda. Por isso, o site deve trazer fotos, vídeos, depoimentos, relatos ou notícias sobre os projetos realizados. Neste caso, vale a pena visitar as redes sociais porque, muitas vezes, elas são o canal de veiculação do que acontece no dia-a-dia da organização. Encontrar os registros das atividades quer dizer que a OSC está trabalhando. É bom aproveitar para confirmar se as fotos e relatos coincidem com o tipo de atividade para a qual a OSC está pedindo doação.

7. Identificação dos resultados das atividades

Dizer o que faz, mostrar como faz e apresentar os resultados. Essa é a sequência ideal. Não é necessário que haja um relatório pormenorizado. Pode ser suficiente a apresentação de resultados básicos sobre o que se espera do tipo de atividade que a OSC desenvolve, como volume de pacientes atendidos, número de trabalhadores capacitados, ou quantidade de bibliotecas criadas. Muitas vezes, esses dados são encontrados em Relatórios Anuais de Atividades, que as OSCs costumam disponibilizar em seus sites.

8. Verificação dos parceiros

Em sua maioria, as OSCs contam com parceiros tanto para sua sustentabilidade financeira quanto para a realização de seus trabalhos. Dependendo do porte da organização, esses parceiros variam de um pequeno comerciante da vizinhança até fundações internacionais. Também fazem convênios com governos, empresas ou outras organizações sociais. Constatar que a OSC conta com a parceria de outras entidades é um bom indicador. Se essas entidades forem conhecidas e tiverem credibilidade, é ainda melhor.

9. Pesquisa sobre notícias a respeito da OSC

Essa é uma checagem simples de ser feita, mas muito importante. Se a OSC não aparece no noticiário, não quer dizer nada. Caso apareça e a notícia for positiva, conta como ponto favorável, mas se for negativa, talvez seja o caso de pensar duas vezes antes de realizar a doação. A pesquisa pode ser feita em um site de busca, como o Google, e também dentro de veículos específicos, como jornais ou portais de notícias. Mas um alerta: não esquecer que existem fake news, por isso, é melhor dar preferência a veículos de imprensa com credibilidade.

10. Uma última precaução

Se após as verificações anteriores ainda restarem dúvidas, sempre é possível fazer um contato telefônico. O contato direto costuma transmitir mais confiança do que os canais digitais. A preferência deve ser por um telefone fixo, mas caso a OSC não tenha, vale ligar para o celular e pedir informações. As dicas 2 a 9 servem como um roteiro de perguntas a serem feitas, e as respostas podem ser comparadas com os conteúdos encontrados no site e nas redes sociais. A segurança e a tranquilidade de quem estiver respondendo também ajudam a trazer credibilidade. Se ainda assim, não for possível sentir confiança na organização, ainda resta a alternativa de visitar pessoalmente a OSC para conhecer a equipe e o trabalho.

 

Esta lista é baseada na vivência de trabalho no Terceiro Setor, na conversa com colegas e amigos doadores e em minha experiência pessoal. Infelizmente, não há garantia plena de que a OSC que passar por todas as verificações é confiável. Assim como não é possível afirmar, de modo algum, que a OSC que não preencher todos os requisitos não merece receber doações. São apenas precauções aconselháveis
antes de fazer doações. A motivação para esta Nota Técnica foi contribuir para modificar o cenário de desconfiança mencionado no início. O texto tem a intenção de ajudar potenciais doadores a superarem seus temores e construírem laços de confiança com as OSCs. Isso será bom para eles, para as OSCs e para o Brasil!

 

Confira a nota completa em:

Por que doadores privados não dão dinheiro para o setor público?

Por Marcos Kisil*

Neste momento de minguados recursos públicos para manter o funcionamento de serviços essenciais para a sociedade brasileira, surge a pergunta: por que os doadores privados não doam para organizações públicas? Existem várias razões. A primeira, e talvez a mais importante, é a dificuldade do Estado brasileiro, por meio de Executivo e Legislativo, em entender o que representa a filantropia ou o investimento social privado para o desenvolvimento sustentável.

Em uma sociedade democrática e capitalista é sempre esperado que ocorra a liberdade para exercício da livre iniciativa econômica, mas também a livre iniciativa para apoiar as necessidades de áreas como educação, saúde, cultura, meio ambiente. Para tanto, os países que entenderam essa necessidade produziram um marco legal que estimula a doação e o aparecimento de uma cultura de doação. O recurso não precisa ser canalizado a uma estrutura do Estado, mas sim servir à res publica desde a ação de cidadãos, como iniciativas de organizações da sociedade civil que atuem em setores específicos. Essas ações, muitas vezes, vêm em apoio à definição e implementação de políticas públicas essenciais, como é a criação de creches e melhoria da educação básica.

No caso brasileiro, encontramos muitas vezes um não entendimento por parte dos governantes, explícito ou não, sobre o papel das ONGs e dos projetos, financiados com recursos privados. Vide o atual entendimento sobre as organizações não governamentais na questão ambiental. Em países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Austrália essa participação cidadã é bem-vinda e estimulada por marco legal.

Uma segunda questão está na interpretação limitada da Constituição de 1988. Todos os capítulos sociais se iniciam com a frase: direito do cidadão, dever do Estado. Normalmente se faz uma leitura ideológica de que o Estado deve ser o único provedor de saúde, educação, cultura. Neste sentido, a cidadania não floresce e os serviços passam a ser uma exigência a ser cumprida pelo Estado. Essa ação reivindicatória leva muitas vezes a uma demora nas ações necessárias, com o deterioro da situação original.

Uma terceira razão está na existência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação, conhecido como ITCMD. Este é um imposto absolutamente ilógico, que mistura transmissão de bens por causa mortis, onde o direito à propriedade de bens se dá no interior de relações interpessoais, com doação para entidades de benefício público, como as Santas Casas. Por sua vez, pune aquelas entidades que, mercê de um esforço de captação de recursos do setor privado, têm de pagar ao Estado tributo em que o Estado não é incentivador e, muito menos, produtor da riqueza que gerou a doação. E quando de maneira limitada define valores de isenção baixos, demonstra que a intenção é realmente cobrar o tributo.

Assim, chegamos a uma quarta razão, que não deixa de ser resultado das anteriores: o modelo institucional e de incentivos que adotamos simplesmente não favorece o desenvolvimento da filantropia. Ele incentiva que as pessoas esperem que o Estado resolva seus problemas. Um exemplo: no Brasil, o abatimento para pessoas físicas é limitado a 6% do Imposto de Renda a pagar. Nos EUA, é possível abater de 30% a 50%.

Vivemos ainda com a tutela do Estado sobre a doação que se pode deduzir do Imposto de Renda por meio de incentivos fiscais. O governo entende o recurso dos incentivos como forma de suprir o orçamento de diferentes ministérios e programas. E essa posição explica, por exemplo, os recentes vetos da Presidência à nova lei dos “fundos de endowment” ou fundo patrimonial para que se tivesse incentivo fiscal para sua criação nas organizações sociais.

A justificativa para um fundo patrimonial é bem simples: uma poupança de longuíssimo prazo, destinada a crescer, ano a ano, da qual a instituição retira parte dos rendimentos para seu custeio. E para que isso aconteça há a necessidade de ter os incentivos fiscais que estimulem os doadores. Somente em 2018 a Michigan State University (MSU) recebeu doações de US $ 2,9 bilhões, de acordo com The Chronicle of Higher Education. Naquele mesmo ano, a Penn State University recebeu US$ 4,2 bilhões e a Ohio State, US$ 5,2 bilhões.

Em resumo, necessitamos urgentemente de uma maior atenção dos poderes públicos federais e também dos governos estaduais, para que percebam o papel do recurso privado em apoiar as causas públicas. Não se trata de uma questão ideológica. Nossa legislação ainda é muito tímida em reconhecer importância e transcendência das doações.

*Marcos Kisil é professor titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e fundador do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Artigo originalmente publicado no Jornal O Estado de S.Paulo em 30 de agosto de 2019.