×

Matchfunding: um modelo de financiamento que alavanca recursos e amplia impacto

Em um mundo que valoriza cada vez mais a colaboração e a construção coletiva como um valor, modelos de financiamento que seguem essa lógica ganham mais espaço e começam a produzir efeitos significativos para a sociedade. 

Devido a força do ambiente digital, hoje tão parte de nossas vidas, tornou-se bastante comum recebermos convites para participar de campanhas online de arrecadação de recursos. São as famosas “vaquinhas”. Nelas, pessoas físicas e jurídicas apresentam seus projetos e solicitam apoio financeiro para viabilizá-los.

Os potenciais doadores podem apoiar com diferentes faixas de valores e recebem, ao final do processo, variados tipos de recompensas (que pode ser o produto final, no caso de uma produção independente, ou mesmo um relatório de prestação de contas, com os resultados obtidos a partir dos recursos aplicados). Trata-se, portanto, de um modelo que envolve diversos doadores, unidos por objetivos e valores comuns. 

Matchfunding é um tipo de crowdfunding. A expressão tem origem da junção das palavras em inglês, “match = combinação” e “funding = financiamento”. É um modelo de financiamento coletivo, porém, conhecido como turbinado, por ser capaz de alavancar tanto a arrecadação de recursos, como a capacidade de impacto dos projetos contemplados, em função da sua estratégia de multiplicação das doações captadas. 

Neste texto, vamos explicar como se dá a estratégia de matchfunding e quais as vantagens de optar por ela, além de citar exemplos que comprovam o sucesso deste modelo de captação, a partir da contextualização, inicial, do cenário de cultura de doação no país.

 

A cultura de doação no Brasil e as vantagens do Matchfunding

A cultura de doação no Brasil apresenta-se em constante amadurecimento, e ganhou força, principalmente, no período pós-pandemia, momento em que ficou evidente a necessidade (e a urgência) de unir esforços em prol do bem comum.

Segundo dados da Pesquisa Doação Brasil, coordenada pelo IDIS  e pela CAF – e realizada pela Ipsos – em 2020, 63% dos brasileiros efetuaram algum tipo de doação. Em 2022, esse número saltou para 84%, com grande parte das pessoas doando para projetos ligados à temática da infância. A soma das doações realizadas por pessoas físicas alcançou, no ano passado, um total de 12,8 bilhões de reais.

Se entre os indivíduos da sociedade civil, a responsabilização social está crescendo, entre as empresas, já é uma premissa. Uma empresa que não possui cultura de doação como pilar de seu negócio, na pior das hipóteses, já está mal colocada no ranking de avaliação dos consumidores. Segundo dados levantados pela Agência Union + Webster (2019), na hora da compra, 87% das pessoas optam por empresas/marcas que assumem um modelo de gestão socialmente responsável.

Ocorre que, ao traçar um plano de ação alinhado às práticas ESG e à sua política de filantropia, as organizações precisam avaliar fatores diversos, entre eles:

 

1. O alinhamento das suas estratégias institucionais às causas apoiadas;
2.
A seleção de ações e/ou projetos que sejam relevantes e
3.
A definição de como irão acompanhar e mensurar o impacto positivo que desejam alcançar.

Além disso, devem, também, avaliar os possíveis riscos de reputação de marca, que podem surgir em decorrência das parcerias estabelecidas. Para evitar desgastes de imagem, é fundamental que os parceiros escolhidos pelas organizações estejam alinhados em valores e princípios. 

A depender da natureza dos objetivos traçados para as iniciativas, o modelo de matchfunding pode ser uma opção interessante, por reunir diferentes organizações em torno de objetivos comuns e, assim, não apenas ampliar a capacidade de impacto, mas também reduzir os possíveis riscos relacionados à falta de recursos, isso porque, ao envolver diversos apoiadores, tanto o investimento de recursos financeiros, como de tempo e força de trabalho serão, sempre, complementares, maximizando as chances de chegar aos resultados esperados. 

Cabe ressaltar, também, que, de acordo com estudos da Goteo Foundation, projetos que utilizam a estratégia de matchfunding são capazes de atrair, em média, 180% mais recursos junto aos doadores do que projetos sem a participação de um investidor institucional. Logo, é possível associar esse formato ao maior engajamento das pessoas no momento de escolha da doação.

Há exemplos que comprovam os benefícios que estratégias de matchfunding trazem a todos os envolvidos. Veremos alguns a seguir.

 

Tipos de matchfunding e casos de sucesso

Há formas distintas de estruturar uma estratégia de matchfunding. A grande lógica norteadora é que, a instituição que idealiza a iniciativa, turbina o valor investido por apoiadores/parceiros. Geralmente, a cada 1 real doado por um parceiro, a empresa líder da iniciativa coloca mais um real, num formato em que, ao final, cada uma das partes financia 50% do custo total do projeto. Contudo, podem haver outros modelos, com a empresa líder da iniciativa garantindo o maior percentual do custo total e os parceiros/apoiadores contribuindo com quantias menores. 

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já aderiu a  esse modelo de financiamento, turbinando a captação para projetos a partir da união de recursos públicos e privados. Em 2022, o BNDES lançou o Programa Juntos pela Saúde, que visa fortalecer os serviços do SUS nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, apoiando projetos focados, sobretudo, na atenção primária. Na lógica de matchfunding estabelecida, o Banco se comprometeu a doar 1 real, a cada outro real doado por apoiadores, alavancando o investimento destinado aos projetos de saúde contemplados. A meta do Programa é levantar um total de R$ 200 milhões em quatro anos.

A iniciativa já está em atividade, com três projetos em execução. Todos eles contam com recursos dobrados e, aos doadores, há vantagens que vão desde maior alcance geográfico e duração dos projetos selecionados, até a oportunidade de trocar aprendizados, somar inteligências, compartilhar riscos, e, claro, ampliar a capacidade de impacto dos projetos apoiados, gerando resultados mais expressivos e perenes nos territórios atendidos.

Outro exemplo é a ação liderada pelo Grupo Raia Drogasil (RD).  Em parceria com a Editora MOL, a empresa vende em suas lojas de varejo (farmácias) a coleção Sorriso (composta por revistas, livros, calendários, sacolas para presente e cartões) e toda a renda arrecadada com as vendas dos produtos é revertida para ONGs de saúde. 

No “Dia de Doar” – que na RD estende por todo o mês – a empresa se propõe a dobrar a doação dos clientes, numa lógica de matchfunding, ou seja, o Grupo investe o mesmo valor doado pelos consumidores, dobrando os recursos destinados às instituições apoiadas. Segundo Maria Izabel Toro, Gerente de Investimento Social da empresa, as vendas dos produtos sociais crescem consideravelmente durante o “mês de doar”, pois as pessoas sabem que o impacto da ação será muito grande e, por isso, sentem-se mais engajadas.

Além dos exemplos do campo da saúde citados, existem iniciativas de matchfunding bem sucedidas em outros campos, como o da cultura, empreendedorismo social, igualdade de gênero etc. Isso mostra como esse formato de financiamento coletivo é potente e pode atrair mais recursos para ampliação de impacto em diferentes causas. 

Embora esse formato ainda seja recente no Brasil, o surgimento de novas plataformas online de financiamento coletivo e o fortalecimento da cultura de doação no país mostram que existe um grande potencial para ampliação desse modelo estratégico que traz múltiplos benefícios para todos os públicos envolvidos.

 

Para saber mais

Você já participou, seja como pessoa física ou jurídica, de alguma estratégia de crowdfunding? Conhece outros exemplos bem sucedidos de macthfunding que gostaria de compartilhar? Se sim, deixe o seu comentário. Vamos adorar conhecer mais sobre a sua experiência.

E, caso tenha interesse em aprofundar seu conhecimento sobre matchfunding, acesse os links abaixo:

 

O grande potencial da doação de centavos

Por Beatriz Bouskela, Diretora Executiva do Movimento Arredondar e Nina Valentini, Co-fundadora do Movimento Arredondar

Um dos dados que mais chama a atenção, entre os resultados da Pesquisa Doação Brasil, é a constatação de que 11% dos doadores para organizações e iniciativas socioambientais afirmaram ter feito doação por arredondamento.

Entretanto, para nós, que trabalhamos há anos para que o arredondamento seja uma alternativa de doação cada vez mais acessível para os brasileiros, a informação não é tão surpreendente.

Como uma entidade impulsionadora dessa modalidade de doação, nos últimos anos temos observado uma adesão crescente por parte de empresas, dos clientes e do engajamento dos colaboradores.  Internamente, temos conquistado um crescimento contínuo nos últimos anos com um crescimento de 21% em 2022, 40% em 2021, 3% em 2020 e 52% em 2019. E sabemos que esses números são ainda maiores se somarmos outros varejistas que têm aplicado essa modalidade. Vibramos com os resultados globais de todos que podem arredondar, sejam em parceria conosco, ou não – desde que feitos com seriedade, claro.

Nesse sentido, vemos os números da Pesquisa Doação Brasil 2022 com entusiasmo e com a confiança de que este formato de arrecadação tem se tornado cada vez mais relevante na vida dos brasileiros. Atingir o patamar de 11%, após duas edições anteriores da pesquisa que registraram uma adesão inferior a 1%, nos deixa entusiasmadas e certas de que este modelo tem uma potência no nosso contexto e espaço para crescer.

E as nossas expectativas não são alimentadas apenas pelo significativo crescimento apontado pela pesquisa ou pelo que temos conquistado na operação do Arredondar. Pesquisas internacionais, como America’s Charity Checkout Champions 2023, publicada pelo Engage for Good, mostram o arredondamento crescendo ano após ano no varejo dos Estados Unidos e se consolidando como potência de arrecadação. Só em 2022 a arrecadação através de pontos de venda do varejo atingiu o patamar de 759 milhões de dólares no ano, e a oferta de doação por arredondamento cresceu 43% (versus 2020) entre os varejistas listados pela pesquisa. Ainda não temos uma pesquisa que consolide especificamente o valor arrecadado através dos pontos de venda ou dos arredondamentos no Brasil, mas é certo que ainda temos um grande caminho a ser percorrido neste sentido.

Manifestada nos mais diversos formatos, a solidariedade permeia a nossa cultura e o tecido social que temos construído enquanto país.  Os dados da Pesquisa Doação Brasil 2022 indicam um crescimento no engajamento solidário, com 84% das pessoas entrevistadas realizando algum tipo de doação durante o ano de 2022, maior índice até então. Esse gesto assume variadas formas, abrangendo diferentes maneiras de contribuição e contando com uma diversidade de gêneros, classes sociais, faixas etárias e regiões geográficas.

À medida que as práticas de solidariedade ganham mais destaque, é fundamental ressaltar que há um espaço para desenvolvermos uma cultura de doação estruturalmente presente na vida dos brasileiros, como o arredondamento. Um aspecto particular a ser notado é a estagnação das doações institucionais,  que desempenham um papel crucial na viabilização de projetos e na manutenção das organizações sociais. Em 2022, apenas 36% dos entrevistados afirmaram ter atuado como doador institucional, índice que se manteve estável quando comparado a 2020 e que caiu 10 pontos percentuais em relação a 2015.

As análises da Pesquisa Doação Brasil nos anos de 2015, 2020 e 2022 trazem uma visão aprofundada desse desafio. Ao examinarmos as principais dificuldades relacionadas à doação institucional, identificamos que há fatores recorrentes nas três edições do estudo. Destacam-se os seguintes aspectos: a percepção de falta de recursos financeiros disponíveis para doação, fator citado em 1º lugar nos três anos de pesquisa; a ausência de pedidos de doações, demonstrando falta de convite para doar; e a falta de confiança nas organizações.

À medida que as doações institucionais continuam a se mostrar um desafio enraizado na cultura brasileira, torna-se importante reforçar que as organizações sociais dependem substancialmente dessas contribuições. Seja na luta contra as disparidades sociais, na expansão do acesso a direitos fundamentais ou na preservação do meio ambiente, as doações são parte da engrenagem que possibilita que essas atividades possam existir, resistir e avançar.

 

História do Movimento Arredondar

Em resposta aos desafios relacionados à cultura de doação, o Movimento Arredondar foi fundado em 2011. A nossa missão tem como norte criar oportunidades para que todos os dias milhares de pessoas sejam convidadas a doar e fortalecer a sustentabilidade de organizações sociais.

Primeiramente, partimos da premissa que para criar um novo hábito na vida das pessoas, é estratégico estarmos presentes em alguma atividade já habitual para o indivíduo. Charles Duhigg reforça esta teoria no livro “O poder do hábito”, amplamente difundido. Nesse sentido, entendemos o varejo como o parceiro ideal para estar conosco nesta operação, uma vez que ir à farmácia, ao supermercado e/ou a um estabelecimento comercial faz parte do cotidiano de milhões de brasileiros, em diferentes regiões do Brasil.

Adicionalmente, buscamos desenvolver uma solução que fosse acessível e democrática, que ajudasse a quebrar a percepção de que é necessário ter muito dinheiro para doar. Acreditamos que doar centavos seja o suficiente para que um ato solidário possa começar, e  se concretizar. Dessa forma, trazemos a opção de doações que vão de R$ 0,01 até R$ 1,00. Ou seja, uma compra de R$ 18,70 pode se transformar em uma transação de R$ 19,00, de forma que R$ 0,30 sejam doados.

Foi importante também entender que o convite para a doação ajuda as pessoas a se lembrarem que elas podem fazer parte da diferença. Por isso, realizamos treinamentos recorrentes com os colaboradores do varejo e apoiamos a construção de materiais de loja. Quando o cliente diz “sim” para arredondar o valor da compra, este ato é o suficiente para conectar colaboradores, clientes e organizações em um único propósito.

Por fim, e igualmente importante, entendemos que é fundamental fortalecermos a visibilidade do trabalho das ONGs, e consequentemente aumentarmos a confiança dos clientes em relação ao uso dessas doações. Nesse sentido, nos responsabilizamos pela certificação das ONGs apoiadas, pelo repasse de recursos livres (não carimbados) e pela transparência do uso dessas doações.

Buscando soluções para diferentes barreiras, construímos um caminho com o objetivo de criar uma solução simples, rápida, acessível e fácil para o consumidor e para as empresas.

 

Os desafios do arredondamento

Apesar do empenho para trazer uma oportunidade de doação que faça parte do dia-a-dia dos brasileiros, a jornada de concepção do Arredondar não foi especialmente simples.

Uma das barreiras foi a própria legislação tributária. As regras sobre isenção e imunidade são diversas, complexas e um tanto burocráticas. No Brasil, até hoje tivemos um desincentivo estrutural para a cultura de doação de recursos, que é o próprio ITCMD, imposto sobre transmissão causas mortis e doações. Enquanto o governo deveria estimular esses atos de doação, e consequentemente o engajamento para o benefício comum, até agora vem tributando e dificultando a participação daqueles que querem contribuir. Uma pesquisa da FGV, em 2019, indicou que, de 74 países, o Brasil é um dos únicos três que não estabelece um tratamento diferenciado de alíquota para doações a OSCs, ao lado apenas da Coreia do Sul e Croácia.

Na nossa operação, essa realidade fica ainda mais evidente. Como recebemos recursos em várias localidades do Brasil, tivemos que entender, estado a estado, a peculiaridade da legislação. Isso porque em muitos deles, até mesmo as doações de centavos são tributadas, o que torna a nossa operação inviável nessas localidades. Nesse sentido, o advocacy entra como estratégia de ampliação da nossa atuação, o que tem apresentado resultados positivos, como por exemplo a alteração da legislação do Ceará, que em 2021 passou a permitir a isenção de impostos para doações de até R$ 50.

Um outro desafio que faz parte da nossa jornada é a priorização das empresas, assim como a percepção de seu papel em relação às demandas socioambientais. Se hoje a sigla ESG (ou ASG) tem se mostrado cada vez mais popular, ainda há um grande espaço para a ampliação de seus compromissos.

É possível ainda mencionar as recessões econômicas, inflação, pandemia e crises ambientais, que têm aprofundado as disparidades no país nas últimas décadas. Essa realidade adiciona ainda mais demandas sobre as organizações sociais, ao mesmo tempo que agrava dificuldades financeiras para muitos brasileiros.

 

Crescimento e oportunidades futuras

Apesar das dificuldades, acreditamos que esses desafios externos reforçam a prática das doações através de arredondamento como uma importante alternativa.

Algumas evidências do Brasil reforçam essa perspectiva. Estamos em meio à uma reforma tributária que considera eliminar a cobrança de ITCMD para organizações sociais, o que seria um ganho significativo para o arredondamento, e para a cultura de doação como um todo.

Adicionalmente, vemos com ótimas perspectivas a digitalização e inovação tecnológica que acompanha a vida das pessoas e das empresas, e que pode trazer de forma ainda mais facilmente o convite a doar. Estamos trabalhando para que o arredondamento acompanhe e se beneficie dessas tendências.

Por fim, destacamos com otimismo a crescente percepção do papel das empresas para os compromissos sociais e ambientais, apoiada também pela cobrança dos consumidores. É certo que quanto mais varejistas se engajarem, maior será a capilaridade, montante de recursos captados e pessoas mobilizadas através desse tipo de engajamento.

E é nisso que acreditamos: a construção de um país mais solidário passa pela mobilização, bastante articulada, de todos os setores da economia. O desafio está em encontrar e construir modelos que são capazes de conectar a cultura de doação à cada um deles.

Os resultados da Pesquisa Doação Brasil 2022 sob a ótica da cultura de doação

 

Por Pamela Ribeiro, coordenadora de Programas do Gife, e Fernando Nogueira, diretor executivo da ABCR (Assoc. Bras. de Captadores de Recursos)

 

Doar é o ato de transferir um bem, recurso ou patrimônio a outra pessoa ou organização. Cada vez mais, um conjunto de pessoas e organizações procura entender e promover esse ato não de forma isolada, mas de forma ampla e constante. É quando passamos a falar de uma Cultura de Doação: como tornar o ato de doar algo que faz parte constante e consciente do dia a dia das pessoas?

A Pesquisa Doação Brasil, em sua terceira edição, traz muitos dados relevantes sobre o quanto essa Cultura se desenvolveu no Brasil, e o quanto ainda falta a percorrer. O estudo tem uma prioridade, é claro: o hábito da doação a organizações da sociedade civil, também chamada de doação institucional. Isso não quer dizer que outros hábitos e formas de doação não são expressões relevantes da solidariedade do povo brasileiro, mas que a doação de dinheiro a entidades sociais é parte fundamental de uma sociedade civil forte, efetiva e sustentável.

O objetivo deste texto é refletir sobre o que os resultados da pesquisa trazem para o debate da Cultura de Doação. Em particular, queremos trazer potenciais desdobramentos para dois públicos: investidores sociais e organizações da sociedade civil.

Os investidores sociais são o conjunto de fundações, institutos, empresas e filantropos que se propõem a executar e financiar iniciativas sociais de forma estruturada, planejada e monitorada. Têm um papel importante na valorização e na promoção de uma Cultura de Doação, por meio de suas práticas e exemplos. É importante que incorporem a Pesquisa Doação Brasil em seu planejamento e sua prática.

As organizações da sociedade civil são o conjunto de entidades que compõem o setor social no Brasil. Possuem uma grande diversidade de causas e formas de atuação, mas em sua maioria ainda têm uma estrutura frágil, com poucos recursos, equipes principalmente voluntárias e de dedicação parcial. A Pesquisa traz dados importantes para a revisão de seus processos de mobilização de recursos e sustentabilidade. Toda organização do terceiro setor tem o desafio de ampliar a quantidade de apoiadores, parceiros, voluntários e doadores para si e para sua causa. Aqui temos vários indícios de caminhos a percorrer e armadilhas que devem ser evitadas.

O artigo começa com uma breve apresentação do que entendemos por Cultura de Doação. Em seguida, destacamos os principais perfis de doadores que são retratados na Pesquisa. Feitas essas contextualizações, refletimos sobre as implicações do atual estado da doação no Brasil para Investidores Sociais e para Organizações da Sociedade Civil.

 

CULTURA DE DOAÇÃO

No Brasil, 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer! É o que diz  2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil da Rede PENSSAN. Em 2021, a pobreza teve aumento recorde, atingindo 62,5 milhões de pessoas, segundo o IBGE. Ainda de acordo com o instituto, a proporção de pretos e pardos abaixo da linha de pobreza (37,7%) é praticamente o dobro da proporção de brancos (18,6%). Situações de racismo, inclusive, já foram presenciadas por metade da população brasileira, segundo pesquisa do Instituto de Referência Negra Peregum e Projeto Seta. Ocupamos a 5ª posição mundial em casos de feminicídio, de acordo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Tudo isso em um país que derrubou 10.781 km² de floresta em um período de um ano, o que equivale a sete vezes a cidade de São Paulo, segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Motivos para doar não faltam, então por que não temos uma Cultura de Doação mais fortalecida no Brasil?

A Pesquisa Doação Brasil 2022 reforça uma tendência das edições anteriores: a falta de dinheiro é o principal motivo para as pessoas não doarem. Outros dados da pesquisa corroboram com este resultado, como o fato da prática da doação estar mais presente entre pessoas com renda e escolaridade mais elevada e também em faixas etárias mais avançadas. A pesquisa aponta, porém, para outros fatores, que ainda que com menor relevância, também influenciam na decisão de doar, como conhecer a utilização que será feita do dinheiro e conhecer uma organização confiável para tal. Portanto, são diversos fatores que influenciam e ajudam a construir uma Cultura de Doação.

“Cultura de Doação é um conjunto de comportamentos, símbolos e valores que se expressam no compartilhamento habitual e voluntário de recursos privados em busca de uma sociedade justa, equitativa e sustentável.” Essa é a definição usada pelo Movimento por Uma Cultura de Doação (MCD), uma iniciativa formada por pessoas físicas e jurídicas que surgiu em 2013, com o objetivo de inspirar e mobilizar pessoas e organizações no propósito de enraizar a doação como parte de nossa cultura.

Essa definição contém alguns marcadores importantes que indicam como a Cultura de Doação é entendida pelo MCD. O primeiro é o uso da palavra “voluntário” indicando que o doar é uma escolha. Ainda que existam incentivos ou barreiras à doação, ela é uma opção feita pelo doador e nunca uma obrigação. O segundo marcador, é a palavra “habitual”, indicando que, em uma Cultura Doadora, doar é algo recorrente, um hábito que se cria e é incorporado no dia-a-dia de pessoas e organizações. Por fim, a definição é explícita em relação ao objetivo da doação, que busca contribuir para uma sociedade justa, equitativa e sustentável. Isso significa que o ato de doar não é apenas uma ação de caridade. Ele carrega consigo uma intenção de transformação e o entendimento de que doar é um ato político e uma forma de exercer cidadania. Essa é a Cultura de Doação que se busca construir no Brasil.

A maior parte dos brasileiros diz ter feito uma doação em 2022, segundo a Pesquisa Doação Brasil. Mais do que isso, o percentual de pessoas que fizeram uma doação cresceu de 66% para 84% entre 2020 e 2022, indicando que o brasileiro está se tornando mais solidário. Destes, 75% doaram itens e bens materiais e apenas 48% doaram dinheiro. Quando olhamos para a doação de dinheiro feita para organizações, chamada na Pesquisa de doações institucionais, esse número é ainda menor (36%) e é aí que está o principal desafio quando falamos de fortalecer uma Cultura de Doação no Brasil.

Todo e qualquer tipo de doação é legítima e bem-vinda. Porém, as doações institucionais são essenciais para o fortalecimento das organizações da sociedade civil (OSCs), coletivos, movimentos e outras iniciativas lideradas pela sociedade civil. Financiar a atuação e o fortalecimento destas organizações e iniciativas é o que vai garantir a transformação socioambiental no médio e longo prazo. Por isso, a importância de se promover uma Cultura de Doação (como a definida pelo MCD) no Brasil e de se ter a produção constante de dados, como estes da Pesquisa Doação Brasil, para monitoramento dos avanços conquistados neste campo.

Com objetivo de orientar uma ação mais articulada e efetiva na direção de promover a Cultura de Doação no Brasil, o MCD elaborou de forma colaborativa cinco diretrizes estratégicas para impulsionar o campo: (1) Educar para a cultura de doação, (2) Promover narrativas engajadoras, (3) Criar um ambiente favorável à doação, (4) Fortalecer as organizações da sociedade civil, (5) Fortalecer o ecossistema promotor da cultura de doação.

 

PERFIL DOS DOADORES: UM RETRATO MAIS ATUAL E MENOS NÍTIDO

Em suas edições anteriores, a Pesquisa Doação Brasil trazia um perfil mais definido de doadores brasileiros, apontando traços que se destacavam. Em 2020, por exemplo, a doação era um hábito principalmente de mulheres, com idade entre 30 e 49 anos, com instrução superior, das regiões Nordeste ou Sudeste, com renda familiar superior a 4 salários mínimos e com alguma religião.

Em 2022, esse quadro fica menos nítido. O percentual de doadores institucionais se aproxima entre homens e mulheres. Entre as regiões, além de Nordeste e Sudeste, também o Sul passa a se destacar. Declarar ter uma religião não é mais um marcador tão relevante. Alguns dos critérios diferenciadores anteriores continuam com algum peso, mas com novas nuances. Há ainda maior propensão a doar entre as pessoas de maior escolaridade, mas há um aumento significativo entre aqueles que possuem ensino fundamental. A mesma tendência se dá na renda: maior penetração em rendas familiares mais altas, mas aumento em rendas baixas. Finalmente, continua havendo relação entre idade e doação: quanto maior a idade, maior a chance de doar. Mas o retrato atual mostra uma variância menor: todas as faixas estão mais próximas à média.

Podemos enxergar essas mudanças de duas formas. No enfoque dos desafios, as mudanças geralmente resultam da diminuição dos estratos que antes se destacavam, e não pelo aumento dos outros. Para ficar claro: em 2015, 49% das mulheres doavam, ante 42% dos homens. Em 2022, os números caíram para 36% (mulheres) e 37% (homens).

Na visão de oportunidades, a atual pesquisa reforça a crença de que qualquer pessoa tem a capacidade de doar. Os perfis anteriores podem levar a um efeito indesejado, o de se concentrar nas “personas” ditas como mais propensas a doar e esquecer largos segmentos da população. O desafio que fica, para quem quer ampliar a Cultura da Doação, é se debruçar sobre diferentes abordagens que, em conjunto, podem funcionar com os mais variados grupos.

Finalmente, precisamos lembrar que a pesquisa revela, acima de tudo, que a população brasileira tem aumentado seus comportamentos solidários. 84% dos respondentes declarou ter feito uma doação em 2022, um percentual recorde quando comparado às outras edições. O que diminuiu, porém, foi a proporção de doadores institucionais. Há pistas que permitem levantar algumas hipóteses da razão dessa mudança de comportamento solidário: crise econômica e social, efeitos da pandemia, maior desconfiança nas OSCs, polarização crescente… Para realmente afirmar qual hipótese explicaria melhor isso, serão necessários novos estudos com foco específico nesse dilema.

 

IMPLICAÇÕES PARA INVESTIDORES SOCIAIS PRIVADOS (ISP)

Uma Cultura de Doação é formada por um coletivo de pessoas físicas e jurídicas, que idealmente atuam de forma conjunta e complementar para contribuir com a construção de uma sociedade mais justa, equitativa e sustentável. Assim como a Pesquisa Doação Brasil, pesquisas como o Censo GIFE, realizado pelo GIFE, e o BISC, realizado pela Comunitas, apontam para uma Cultura de Doação ainda bastante frágil. O Censo GIFE 2020, por exemplo, mostra que a Cultura de Doação está pouco presente entre investidores sociais privados. Entre os institutos, as fundações e as empresas respondentes da pesquisa, 50% declararam ter a execução de projetos próprios como sua principal estratégia de doação, enquanto apenas 27% são mais financiadores de projetos e iniciativas de terceiros.

Ambas as pesquisas também mostram que a confiança é um importante fator de estímulo à doação. Para os respondentes do Censo GIFE 2020, a confiabilidade e transparência das OSC ou de seus líderes é o principal critério de seleção de uma organização. Já para os respondentes da Pesquisa Doação Brasil 2022, saber como o dinheiro está sendo usado, conhecer uma organização em que confie e a entidade ser transparente/ prestar contas /mostrar aplicação de recursos estão entre as condições para um não doador se tornar doador, atrás apenas de ter dinheiro.

Há uma expectativa por parte dos indivíduos de que as empresas contribuam para solucionar os problemas socioambientais no Brasil. Como mostra a Pesquisa Doação Brasil 2022, 92% dos respondentes têm essa expectativa em relação às empresas, com um crescimento de 10 pontos percentuais em relação a 2020 (82%). A edição de 2023 do Trust Barometer da Edelman corrobora esse resultado quando aponta as empresas e as ONGs como as instituições mais confiáveis num contexto de medo.

Além de doar de forma estruturada, o investimento social privado (ISP), em especial o empresarial, tem um importante papel de contribuir para a promoção da Cultura de Doação por meio do engajamento de consumidores, funcionários, acionistas, fornecedores e outras partes interessadas. Ainda que as principais influências para doar, de acordo com a Pesquisa Doação Brasil 2022, sejam a igreja/ culto religioso/ grupo comunitário que frequenta (33%), as abordagens diretas na rua, por e-mail ou por telefone (31%) e a família, amigos ou vizinhos (31%), as campanhas no trabalho, na escola ou na faculdade e as campanhas promovidas por empresas que destinam parte dos lucros para doação são apontadas como uma influência por 14% e 10% dos respondentes, respectivamente.

Os dados mostram ainda que a rejeição a marcas com práticas inadequadas é mais relevante na influência ao consumidor que o engajamento socioambiental positivo da marca. Para adquirir um produto ou contratar um serviço, 44% dos respondentes levam em consideração se a empresa atua a favor de alguma causa social ou destina parte de seus lucros para doação, enquanto 56% não consideram. Já o percentual de respondentes que rejeitam marcas/ produtos envolvidos em práticas inadequadas chega a 77%, enquanto 23% não consideram isso na sua decisão de compra. Em especial entre a geração Z, a rejeição a marcas com práticas ruins está mais presente.

Outro apontamento relevante da pesquisa é que doadores institucionais são mais influenciados pelas práticas de uma marca que a população geral. Os dados mostram que 49% dos doadores institucionais consideram se a empresa atua a favor de alguma causa social ou destina parte de seus lucros para doação na sua decisão de compra e 85% rejeitam marcas com práticas inadequadas. Portanto, pessoas mais engajadas com doação tendem a priorizar marcas com atitudes semelhantes.

Por fim, é interessante notar que as causas preferenciais de doadores pessoas físicas e jurídicas não são as mesmas. Enquanto o ISP atua majoritariamente com educação, segundo o Censo GIFE 2020, pessoas físicas preferem doar para as causas da criança/ infantil (46%), saúde (31%) e combate à fome (29%). Educação é a causa escolhida por apenas 5% dos doadores pessoa física. Esse resultado acende um alerta para empresas e atores da filantropia que buscam engajar suas partes interessadas, indicando que nem sempre o que é prioridade para a organização é também prioridade para a sociedade em geral. Por outro lado, essa complementaridade entre doações de pessoas físicas e jurídicas pode ser uma boa estratégia para avançarmos na construção de uma sociedade mais justa, equitativa e sustentável. Nesse sentido, é importante que investidores sociais privados se atentem para pautas descobertas pelos dois perfis de doadores, como as causas vinculadas à defesa de direitos e promoção da justiça socioambiental.

 

IMPLICAÇÕES PARA ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL (OSCs)

Os resultados desta pesquisa trazem muitas implicações para a gestão das organizações da sociedade civil brasileiras, especialmente quanto a seus esforços de captação de recursos. Sabemos que a sustentabilidade institucional é um grande desafio para a maioria das centenas de milhares de OSCs brasileiras, que buscam recursos com diferentes fontes – pessoas, empresas, fundações, governo, comunidade, ajuda internacional – por meio de diferentes estratégias e técnicas. Quando comparamos esse cenário com outros países, a doação individual ainda tem muito a crescer no Brasil, mas já é a fonte mais mobilizada pelo conjunto das organizações (NIC.BR, 2023).

Destacamos a seguir duas das implicações que mais chamam atenção.

As doações e o pix

Começamos destacando uma mudança significativa na forma de pagamento das doações: o pix. Não existia em 2015, na primeira edição; já estreava timidamente em 2020, com 8%. Agora, pula diretamente para o meio mais usado para doar, com 39% das menções, à frente de métodos mais tradicionais como dinheiro, débito e boleto.

A primeira implicação é óbvia: toda organização que quer facilitar o recebimento de doações deve ter uma chave pix, idealmente ligada à conta bancária da organização. Se parece algo óbvio, não necessariamente é uma tarefa tão fácil de ser cumprida. O setor sofre dificuldades na relação com bancos. Estudo recente da ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos – mostra que muitas organizações têm dificuldade de abrir contas bancárias (⅓ já teve abertura de conta negada). A maioria dos respondentes relata a dificuldade de ter acesso a serviços básicos como cartões de débito, crédito ou linhas de empréstimo. Quase 20% afirmaram já ter tido sua conta bloqueada. Em função de todas as dificuldades, não é de se surpreender que 1 em cada 4 organizações (26%) já precisou movimentar recursos por meio de contas pessoais de seus dirigentes (ABCR, 2023). Dessa forma, ter chave pix em nome da organização já representa uma conquista para muitas das OSCs brasileiras.

A segunda implicação do crescimento do uso do pix é o desafio da recorrência das doações. O aumento do pix veio acompanhado, na Pesquisa de 2022, da diminuição na regularidade das doações às OSCs. Se em 2015 64% dos respondentes faziam doações ao menos uma vez por mês, essa taxa caiu consideravelmente agora, passando a 44%. Já a proporção dos que doam 4 vezes ao ano quadruplicou, passando de 5% para 21%. Não podemos afirmar que a preferência pelo pix causou a diminuição na frequência, mas é preciso lembrar que este modelode transferência ainda não encontra meios fáceis para sua recorrência. Captadores e prestadores de serviço neste campo – como as plataformas de doação e empresas de tecnologia – precisarão usar de sua criatividade para enfrentar esse desafio.

A (des)confiança nas OSCs

Há consenso na literatura acadêmica de que confiança é um indicador importante para a chance de sucesso de um pedido de doação (Abdal et al, 2019). Quanto maior a confiança, maior a probabilidade de doação; quanto menor a confiança, mais difícil a doação. Diante desse quadro, é preocupante notar que a Pesquisa Doação Brasil 2022 traz o aumento da desconfiança dos respondentes perante as organizações sociais que atuam no país.

Duas perguntas relativas à confiança tiveram piora em seu índice. Ainda que com valores maiores do que 2015, a melhoria vista durante a pandemia caiu significativamente. Apenas 31% concorda que as “ONGs deixam claro o que fazem com os recursos que aplicam”, ante 45% em 2020. A mesma proporção (31%) acha que a “maior parte das ONGs é confiável” (41%, na pesquisa anterior). Outras questões que medem dimensões relacionadas – como competência, efetividade e clareza na comunicação – também tiveram piora nos resultados.

Novamente, não temos dados suficientes para explicar a queda na confiança. Esse retrato é semelhante ao de outras pesquisas, que mostram uma piora na imagem geral das organizações e do setor. O desafio concreto, para cada organização, é buscar cada vez mais transparência e proximidade ao público (conforme Abdal et al, 2019). Transparência tende a ser algo mais impessoal e acontece por meio de boas práticas de prestação de contas, auditoria e demonstração de resultados. Já a proximidade aos doadores e potenciais doadores vem da indicação de amigos, familiares, colegas e influencers, bem como um conhecimento maior da organização (em visitas, por exemplo).

Mas há ainda uma dimensão coletiva da confiança, que depende do esforço de cada profissional e voluntário e de cada organização. Depende também da boa relação com imprensa, influenciadores e formadores de opinião. Idem quanto à relação com governo, seja nas parcerias em políticas públicas, seja no diálogo constante e aberto com seus órgãos de controle. Vale destacar, ainda, iniciativas lideradas por organizações de infraestrutura do campo social que se mobilizam para divulgar e valorizar o papel das organizações sociais no Brasil, como a Sociedade Viva (https://sociedadeviva.org.br/).

Espera-se que o conjunto de esforços citados acima contribua para aumentar a confiança nas ONGs. E, por consequência, ajudar no crescimento dos doadores institucionais no país. Que o Brasil seja cada vez mais conhecido por sua forte Cultura de Doação.

 

Referências

  • ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos. AS ONGS E OS BANCOS: Uma pesquisa exploratória sobre as barreiras que as organizações da sociedade civil enfrentam no sistema financeiro. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/13tQDpnRRqkngOrjuDl8DEASQNQKuVKEV/view . Acesso em 16 de agosto de 2023.
  • Alexandre Abdal ; ALVES, M. A. ; Nogueira, F. A. ; Andrea Pineda ; Campos, P. H. ; CALIXTO, G. ; CAMPOS, G. . Pesquisa Comportamental Sobre Doadores de Alta Renda. 2019. (Relatório de pesquisa).
  • NIC.BR – Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (editor). Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nas organizações sem fins lucrativos brasileiras : TIC Organizações Sem Fins Lucrativos 2022 [livro eletrônico]. — 1. ed. — São Paulo : Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2023

 

 

Analisando a Geração Z | Pesquisa Doação Brasil 2022

Por Maurício de Almeida Prado, Diretor Executivo da Plano CDE

“Falhamos em deixar um Brasil melhor para nossos filhos, mas conseguimos deixar filhos melhores para o Brasil”. Com essas palavras o executivo Fábio Barbosa definia, em uma entrevista para a revista Carta Capital, suas expectativas com uma geração que seria supostamente mais consciente de seu papel frente a questões sociais e ambientais do que a dele.

Mas será que as novas gerações têm mesmo uma postura diferente? Uma das formas de entender essas diferenças é olhando para uma questão muito importante em sociedades de todo mundo: a disposição para fazer doações e o envolvimento com a filantropia. Para isso, nada melhor do que analisarmos os dados e evidências levantados pela recém-lançada pesquisa Doação Brasil, coordenada pelo IDIS e realizada pela Ipsos Brasil.

No estudo, que ouviu mais de 1.500 pessoas em todo o País, podemos comparar as respostas do público da faixa etária de 18 a 27 anos – que costuma ser classificado como Geração Z – com o restante da população.

 

A Geração Z e as doações

Geração Z é nome dado ao grupo de pessoas nascidas entre os anos de 1995 e 2010. Como a pesquisa “Doação Brasil” foi realizada apenas com maiores de 18 anos, usaremos o recorte de 18 a 27 anos para esta análise.

O primeiro achado deste estudo é que os jovens da Geração Z estão doando mais do que há dois anos.  Na pesquisa recém-lançada, coletada em 2022, 84% dos jovens da Geração Z disseram ter feito alguma doação no último ano, frente a 63% na pesquisa de 2020. Isso demonstra um crescimento expressivo da prática de doação por esta faixa da população.

As doações mais realizadas foram de bens materiais (76%), seguidas por dinheiro (43%) e doação de tempo/trabalho voluntário (30%). Interessante notar que a Geração Z doa proporcionalmente mais em forma de trabalho voluntário do que o restante da população (30% contra 26%) e faz menos doações em dinheiro (43% contra 49%) do que a população em geral). Essa diferença pode ser explicada pela menor renda média deste público frente as gerações mais velhas, sendo que a maior doação de tempo pode indicar uma oportunidade para as organizações filantrópicas.

 

Jovens acreditam mais na sociedade civil e confiam mais na ONGs

Quando perguntados sobre quem deveria ser responsável pelas soluções dos problemas sociais e ambientais no Brasil, os jovens da Geração Z conferem maior responsabilidade às ONGs e empresas do que à população em geral, que atribui um peso maior ao governo para resolver essas questões (indicam as ONGs 91% contra 84% da população/indicam as empresas 96% contra 92% da população).

É no entendimento do papel das ONGs na sociedade e na confiança em sua atuação que a Geração Z apresenta as maiores diferenças em relação ao restante da população. Elas concordam mais que as ONGs são necessárias para ajudar no combate aos problemas sociais e ambientais (74% contra 67%), entendem melhor que a ação das ONGs leva benefícios a quem realmente precisa (74% contra 58%) e compreendem melhor o papel das ONGs na sociedade (73% contra 65%).

Também demonstram claramente uma maior confiança nessas organizações, uma vez que concordam mais com a afirmação “A maior parte das ONGs é confiável” (39% contra 31%), com que “ONGs dependem da colaboração de pessoas e empresas para obter recursos e funcionar” (83% contra 75%) e confiam mais na transparência da atuação das ONGs (39% contra 31%).

No estudo “Conservadorismo e questões sociais”, realizado pela Plano CDE para a Fundação Tide Setubal, foram levantadas algumas hipóteses que explicariam a desconfiança de parte do público conservador mais idoso em relação às ONGs. Os entrevistados relataram em pesquisas qualitativas uma dificuldade de confiar em ONGs que não conheciam direito, com certa generalização de uma imagem negativa dessas organizações. Porém, quando mencionadas ONGs que eram próximas fisicamente e conhecidas dos entrevistados, como as da igreja do bairro, estas eram apontadas como merecedoras de confiança por esse público. Havia certa dicotomia entre a imagem da ONG distante e intangível e a imagem da ONG local, próxima, tangível e confiável.

Mais do que dar transparência ao trabalho das ONGs através de relatórios, parece haver a necessidade de uma aproximação com esses públicos, que já consolidaram uma imagem de desconfiança de algo que, muitas vezes, aparece como distante e incerto. Trazer esse público para perto, com envolvimento direto nos projetos, poderia ser uma forma de aproximação para diminuir essa desconfiança e aumentar as doações.

Por outro lado, a maior confiança em ONGs por parte da Geração Z traz uma enorme oportunidade para o campo da filantropia amplificar sua participação na sociedade civil, não apenas com a captação de recursos, mas também com o envolvimento direto dessa parcela da sociedade em seus projetos.

 

Uma geração que doa com menos desconfiança

Quando olhamos as visões da Geração Z sobre a doação em geral, percebemos também uma relação de menor desconfiança do que no restante da população. Eles concordam menos com as frases “Não tenho confiança no que vão fazer com meu dinheiro, se doar” (37% contra 45%) e “Algumas doações beneficiam pessoas que não merecem esta ajuda” (43% contra 53%).

Outros aspectos que demonstram maior confiança nas doações por esse perfil mais jovem é que eles concordam menos com as frases “Eu acredito que é melhor dar dinheiro diretamente a quem precisa sem intermediários” (36% contra 46%) e “Eu penso que não devemos dar dinheiro, mas alimentos e bens” (45% contra 53%). Há claramente maior confiança em intermediários (que podem ser entendidas principalmente como as ONGs) e mesmo na real necessidade do beneficiário — quando veem menos problema em dar dinheiro do que as outras gerações, que, proporcionalmente, preferem doar alimentos e bens, com certa desconfiança de seus usos quando da doação realizada em dinheiro.

Fica aqui o desafio de aproveitar a oportunidade criada pela maior confiança em doações e nas próprias ONGs dessa parcela da sociedade para se criar uma cultura de doação focada nesse público.

 

Por que os jovens doam e quem os influencia?

As principais motivações dos jovens nas doações estão ligadas a três fatores: os objetivos/temáticas das causas, participação cidadã e a aspectos pessoais/emocionais. Logo, vemos como principais respostas: acredito nessa causa que ajudo (94%), seguida pelo sentimento de fazer a diferença (89%) e do entendimento de que todos devem participar da solução dos problemas sociais (88%). Na sequência, temos “Porque me faz bem”, com 88% das respostas, e “Porque me ajuda no meu desenvolvimento como pessoa”, com 76%. O que mais diferencia a Geração Z é que, para esse grupo, as doações são menos motivadas por motivos religiosos (44% contra 55% da população em geral).

As principais influências dessa geração na hora de doar são: familiares e amigos, grupos religiosos e abordagens na rua – o que é similar à população em geral. Porém, para a Geração Z há uma importância maior de influenciadores/redes sociais do que para a população em geral (25% contra 17%). A rede social que mais influencia esse grupo a doar é o Instagram (89%), seguido pelo Facebook (37%) e TikTok (13%).

As causas que mais receberam doações dessa geração foram: crianças (38%), seguidas por combate à fome (26%), população de rua (20%) e situações emergenciais (19%). As causas/públicos que mais diferenciam essa geração em relação ao restante da população são: população de rua (20% contra 15%) e causa animal (9% contra 5%).  Quando perguntados sobre seu envolvimento além das doações, 62% dos jovens dessa geração já se envolveram em outras ações sociais, para além das doações realizadas.

A maior importância das redes sociais para o engajamento desse público deve subsidiar as estratégias das ONGs em sua comunicação.

Por outro lado, quando vemos que quase dois terços dos jovens (62%) já se envolveram com a filantropia para além das doações, reforçamos a ideia de uma geração com maior potencial de participação no campo.

 

O papel socioambiental das empresas importa muito para essa geração

Quando olhamos para as percepções dessa geração em relação ao consumo e às práticas das empresas, notamos que esse perfil declara rejeitar mais a compra de produtos de empresas envolvidas com práticas inadequadas do que a população geral (83% de rejeição contra 77%).

Já um estudo sobre a Geração Z realizado pela consultoria Deloitte em 2023 aponta que os jovens dessa geração consideram que suas empresas estão evoluindo em questões de diversidade e impacto socioambiental. Porém, a maioria ainda percebe que suas empresas não estão fazendo o bastante nessas frentes.

Seja como consumidores ou colaboradores, os jovens da Geração Z demonstram estar atentos à atuação das empresas, impondo um desafio para que as organizações acelerarem suas atuações em ASG (ambiental, social e governança).

 

Conclusões

A análise dos dados da pesquisa “Doação Brasil”, no recorte dos jovens da Geração Z, demonstra maior entendimento do papel da sociedade civil por esse público, com empresas e ONGs tendo uma importância similar a governos na solução dos problemas socioambientais. Mais do que isso, vemos uma relação de maior confiança no trabalho das ONGs e destinação de suas doações e um interesse no envolvimento direto com seus projetos. A comunicação com essa geração deve considerar a importância das redes sociais para esse público nas estratégias de engajamento e captação. Por fim, temos essa parcela da população com um olhar mais crítico frente a atuação das empresas – o que deve ser um ponto de atenção às estratégias ASG dessas organizações.

Os achados deste estudo apontam para caminhos interessantes de planos de ação focalizados no público jovem que apresenta uma pré-disposição maior em participar de filantropia – uma grande oportunidade de alavancarmos a cultura de doação em nosso país.

O que é Grantmaking e como a prática contribui para ações de impacto social

por Paula Lottenberg e Aline Herrera

 

Você sabe o que é grantmaking? A prática tem se destacado no campo do Investimento Social Privado como um caminho para a potencialização dos recursos investidos nas causas e projetos sociais. Conheça aqui todos os detalhes sobre o modelo!

 O termo se refere a uma estratégia de atuação do campo da filantropia que envolve o repasse de recursos financeiros para organizações e projetos sociais já existentes. Desta maneira, o investimento social amplia as fronteiras de atuação para além do entorno do financiador, como seria com a criação e execução de projetos próprios.

Além de reduzir os custos financeiros e técnicos para as empresas e organizações financiadoras, a prática de grantmaking é capaz de potencializar o Investimento Social Privado e impacto. Isso ocorre porque a descentralização dos recursos passa a contemplar uma diversidade de causas e comunidades, promovendo, inclusive, iniciativas em regiões e localidades menos estruturadas do país.

Pensemos, por exemplo, num doador interessado em investir em determinada causa, com um recurso disponível de R$150 mil. Se esse doador decidir por criar um novo projeto, esse recurso seria consumido em grande parte entre as etapas de estruturação e despesas operacionais relacionadas ao início de um novo programa, com pouca vazão para o impacto de ponta. Além disso, todo o recurso estaria concentrado em um único projeto, com atuação e beneficiários muitas vezes limitados geograficamente.

Já se esse mesmo doador optar pelo grantmaking, esses R$150 mil seriam repassados para organizações da sociedade civil, podendo virar dois apoios de R$75 mil ou cinco apoios de R$30 mil. Como as organizações que receberiam os repasses já são estruturadas, quase a totalidade do recurso se destinaria para a execução dos projetos escolhidos, potencializando a atuação e a abrangência daquele investimento e, consequentemente, seu impacto na sociedade.

As organizações beneficiárias são selecionadas a partir de um criterioso processo de análise – que pode se dar por editais abertos, cartas convites ou outros meios. Também é comum, na prática, a relatoria de utilização do recurso, através de ferramentas de Monitoramento e prestações de contas. Dessa forma, o doador garante que o investimento está voltado para o impacto e sendo gerenciado por equipes que tem expertise na causa escolhida.

Este incentivo estratégico, mais do que repasse financeiro, é um ato de encorajamento às organizações da sociedade civil (OSCs) que desenvolvem soluções reais para as comunidades e causas com as quais atuam. Assim, as organizações firmam-se como protagonistas de seu meio, proporcionando resultados mais assertivos aos beneficiários.

O grantmaking estimula que as iniciativas sejam cada vez mais aperfeiçoadas em níveis técnicos, de abrangência e de impacto, impulsionando um desenvolvimento comunitário mais sustentável, justo e inclusivo.

 

Surgimento do Grantmaking como estratégia de doação

O grantmaking surgiu junto com a ascensão da filantropia moderna no final do século XIX, provocada pela crítica social da doação de quantias muito pequenas e sem foco para organizações beneficentes.

Essa nova forma de investimento social foi constituída pela criação de fundações inovadoras de famílias como Rockefeller e Ford que enriqueceram com as indústrias siderúrgica, petrolífera, ferroviária, telegráfica e automobilística.

Para receber as doações em larga escala dessas fundações, as instituições sociais começaram a adotar métodos de gestão profissional e colocaram como foco de seu trabalho a melhoria das condições sociais. Essas novas práticas tiveram impacto de longo prazo na forma de fazer filantropia e na educação, cultura, ciência e saúde pública em todo o mundo.

Esse momento histórico também foi marcado pelo desenvolvimento das doações e do voluntariado nos Estados Unidos, impulsionados pela Primeira Guerra Mundial. Durante esse período, os americanos doaram mais de US$400 milhões à Cruz Vermelha, gerando uma democratização das doações, incluindo também a classe média.

 

Grantmaking no Brasil

Historicamente, observamos como prática do investimento social brasileiro mais agentes executores de seus próprios projetos do que financiadores de organizações da sociedade civil. Contudo, em 2020, o Censo GIFE registrou, pela primeira vez, que o volume de recursos doados (47%) foi superior aos executados pelos próprios financiadores (42%). Foram R$2,5 bilhões doados a terceiros, sendo R$2 bilhões para iniciativas de enfrentamento aos efeitos da pandemia de Covid-19, indicando que este foi um acelerador para novos modelos de filantropia e concessão de recursos.

O resultado demonstrou que o campo do investimento social pode atuar de forma solidária e ágil na resposta a situações emergenciais. Contudo, esse dado não indica necessariamente que as empresas, institutos e fundações estão atuando mais como grantmakers, uma vez que não é possível saber o quanto desse formato de doações foi incorporado às estratégias permanentes das organizações.

Nesse sentido, outro dado importante do Censo GIFE é o número de investidores sociais essencialmente financiadores, ou seja, aqueles que destinam mais de 90% do orçamento à doação para terceiros. Em 2020, apenas 16% dos respondentes foram classificados como essencialmente financiadores, praticamente o mesmo patamar de dez anos atrás e com queda de 7% em relação a 2018, apesar do acentuado crescimento no volume de doações em razão da pandemia.

Os doadores institucionais têm preferido alocar os seus funcionários na administração direta de programas próprios, dedicando-se a uma visão de redução dos riscos que poderiam existir com o repasse de recursos para terceiros. Nesse caso, a ausência de ações de grantmaking pode ser explicada principalmente pela falta de confiança nas organizações da sociedade civil.

Essa perspectiva faz com que as práticas de repasse de recursos hoje sejam bastante limitadas, normalmente vinculadas a financiamentos pontuais a projetos com prazos pré-definidos de 12, 18 ou 24 meses e com alto nível de controle e exigências para as prestações de contas.

No entanto, esse alto nível de controle sobre o recurso vem se mostrando cada vez mais infundado. Uma pesquisa global da Eldeman sobre confiança e credibilidade, realizada com mais de 36 mil respondentes em 28 países indica que 60% dos respondentes confiam nas ONGs e que essas, em conjunto com as empresas, são as instituições mais confiáveis pela população. O nível de confiança se potencializa quando esses dois agentes trabalham juntos, indicando que a parceria deve ser transparente e sólida e que se há alguma desconfiança das empresas, essa não se justifica.

Mudanças na prática de grantmaking

Desde a pandemia, o debate sobre as práticas de grantmaking tem ganhado espaço e importância em temas como apoio institucional e confiança, que se apresentam como desafios a serem superados e aspectos a serem desenvolvidos.

Nas experiências de ações emergenciais, as formas de repasse dos recursos mudaram: aconteceu um movimento de maior flexibilidade, simplificação de processos, menos controle e mais autonomia para as organizações da sociedade civil do que normalmente. Nesse momento o foco passou a ser a resolução rápida de problemas. Para isso, algumas organizações investidoras desenvolveram instrumentos jurídicos mais simples, flexibilizaram processos e protocolos, agilizaram as aprovações internas e o repasse de recursos, aumentaram o prazo para prestação de contas, diminuíram o rigor técnico no monitoramento e deram maior liberdade para realocação de recursos nas rubricas orçamentárias.

Utilizando-se da metáfora de Vu Le, especialista em organizações sem fins lucrativos, fazer um bom projeto é como assar um bolo: para garantir que o resultado seja satisfatório não basta pagar pelos ingredientes, é necessário também pensar na eletricidade, funcionários da padaria, e todos os outros custos envolvidos.

Outro ponto relevante nesse mesmo sentido é a discussão de que mudanças permanentes em agendas sociais complexas, como é o caso do racismo, machismo, e a inclusão de pessoas com deficiência (PCDs) não são possíveis apenas com apoios de projetos de curto prazo. Nesse sentido, destaca-se que um grantmaking efetivo tem caráter de médio a longo prazo, a exemplo do The California Endowment, que investiu 1 bilhão de dólares ao longo de 10 anos em 14 bairros de Los Angeles para melhoria da saúde na região.

 

Grantmaking participativo: os beneficiários no centro

Existe hoje uma busca maior pela prática do grantmaking participativo, que consiste no compartilhamento ou transferência do poder de decisão sobre a gestão dos recursos doados pelos filantropos e investidores sociais às iniciativas e organizações beneficiárias.

Essa perspectiva parte do reconhecimento de que as pessoas afetadas pelos problemas de determinadas comunidades, possuem legitimidade para falar de suas vivências e assim determinar quais são as prioridades para o uso dos recursos financeiros que lhe são ofertados.

Algumas práticas são aceleradoras dos processos de grantmaking mais participativo, sendo elas:

  • Reafirmação de valores;
  • Escuta de feedback dos beneficiários (grantees);
  • Adoção de uma abordagem de aporte equitativo;
  • Resposta a influência de grupos ou pares e;
  • Reação a crises mundiais e políticas.

A adoção desse modelo também passa por uma mudança nos processos de Monitoramento e Avaliação, que passam a ser menos documentais, feitos por relatórios, e mais pautados na confiança e no diálogo, promovendo uma interlocução entre financiadores, instituições financiadas e beneficiários.

Fazer com que os investidores sociais brasileiros mudem suas estratégias de doação e da operação do grantmaking não é uma tarefa simples. Há ainda barreiras, principalmente no que diz respeito às políticas orçamentárias e a aversão ao risco dos investidores. Ainda assim, a prática vem crescendo significativamente nos últimos anos e seus ganhos vêm superando esses entraves.

O foco maior em repasses de recurso de forma mais democrática entre as regiões do país, orientada para transformações sociais de longo prazo e consolidando uma visão de parceria e diálogo entre as organizações envolvidas num modelo de financiamento flexível e plurianual é um caminho para que os repasses gerem impacto social de forma mais efetiva.

O IDIS oferece consultoria e apoio técnico a organizações que desejam investir por meio de prática de grantmaking. Conheça nossos cases sobre o assunto ou converse com nosso time!

Glossário de Investimento Social Privado: conheça alguns conceitos que fazem parte deste universo

O investimento social privado (ISP) tem se tornado uma prática cada vez mais relevante no cenário empresarial contemporâneo. Empresas e organizações têm reconhecido a importância de ir além do lucro financeiro e buscar formas de contribuir para o desenvolvimento social e sustentável da sociedade em que estão inseridas.

Ainda assim, muitos termos e conceitos do investimento social privado podem ser complexos e confusos para aqueles que estão explorando esse campo pela primeira vez. Ao entender esses fundamentos, você poderá se sentir mais confiante e capacitado para iniciar ou aprimorar suas iniciativas de investimento social privado.

Conheça os serviços prestados pelo IDIS visando aprimorar o ISP no país 

Filantropia estratégica

É a alocação voluntária e estratégica de recursos privados, sejam eles financeiros, em espécie, humanos, técnicos ou gerenciais, para o benefício público. Para promover a transformação social sistêmica e de longo prazo, esse investimento é feito com planejamento estratégico ancorado em dados, com indicadores pré-definidos, execução cuidadosa, monitoramento dos resultados e avaliação do seu impacto.
Fonte: IDIS

 

Filantropia de risco

A filantropia de risco, também chamada ‘venture philanthropy’, tem como objetivo apoiar e catalisar soluções inovadoras para problemas socioambientais, propostas por negócios de impacto em estágio inicial ou organizações da sociedade civil. Neste modelo, o investidor assume riscos ao apostar em potenciais de mudanças sistêmicas e prioriza o impacto positivo ao retorno financeiro, com financiamento personalizado, complementado com apoio estratégico, monitoramento e avaliação do impacto.
Fonte: Investimento Social e Impacto no Brasil – Latimpacto

 

Blended finance

Blended Finance, ou finanças híbridas, são estruturas que combinam capital filantrópico e o capital financeiro para realização de iniciativas com impacto socioambiental. Elas podem combinar instrumentos diversos para apoio aos projetos, como por exemplo dívida, equity, garantias, seguros, programas ou fundos garantidores, grants, pagamento por resultados e assistência técnica.
Fonte: World Economic Forum e BNDES

 


Negócio de impacto

Negócios de impacto são empreendimentos que oferecem, por meio de seus produtos e serviços, soluções para desafios socioambientais e geram mudanças positivas ao mesmo tempo em que geram resultados financeiros positivos de forma sustentável.
Fonte: Artemisia e Anprotec/ICE

 


Inclusão produtiva

Inserção de pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social no mundo do trabalho, em áreas rurais ou urbanas, por meio do empreendedorismo ou da empregabilidade formal, de modo que sejam capazes de gerar sua própria renda de maneira digna e estável, e assim superar processos crônicos de exclusão social.
Fonte: IDIS e Sebrae

 


Empreendedorismo social

Empreendedorismo social é o conceito por trás da construção de negócios de impacto. Ou seja, o ato de empreender para promover soluções sistêmicas que responder a desafios sociais e ambientais.
Fonte: Fundação Schwab

 


Economia regenerativa

A economia regenerativa propõe o reconhecimento – de maneira calculada – do valor econômico do meio-ambiente, das pessoas e das relações entre estes elementos, para os sistemas produtivos. Com isso, é possível prever usos mais adequados, privilegiando a regeneração e evitando o consumo até a escassez.
Fontes: NetZero

Guarda-chuvas, para-raios e cisternas para uma filantropia mais transformadora

Texto originalmente publicado na Folha de São Paulo em 19/05/2023

por Felipe Groba, Gerente de Projetos no IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Pouco conhecidas no Brasil, FICs se destacam por intermediação independente entre investidores e organizações sociais

Imagine se existisse no Brasil um mecanismo que permitisse  empresas e indivíduos destinarem recursos para emergências e endereçar questões socioambientais de alta complexidade em um determinado território, sem riscos de conformidade legal e que, além disso, servisse também de instrumento para defender causas e políticas públicas de modo legítimo e sem partidarismos. Imagine se esse mesmo mecanismo fosse capaz de fomentar a cultura de doação local e fortalecer organizações sociais e coletivos locais.

Esses mecanismos existem.  São cerca de 20 no México, 201 no Canadá e mais de 900 nos Estados Unidos – alguns com mais de 100 anos de história – e são comumente chamados de Fundações ou Institutos Comunitários, ou FICs. As FICs são organizações da sociedade civil independentes que atuam fortalecendo a filantropia local, captando recursos junto a empresas e indivíduos e alocando-os de modo estratégico para que organizações sociais formais e informais se desenvolvam, fortaleçam sua atuação e executem seus projetos. Geram, assim, impacto em um território específico.

Visita da equipe IDIS a ‘Tabôa’, Serra Grande, na Bahia

O Brasil conta hoje com 14 organizações operando nesse modelo em 10 estados. Nesse grupo, existem organizações já consolidadas como a Fundação FEAC de Campinas, o Instituto Baixada Maranhense e o ICOM – Instituto Comunitário da Grande Florianópolis, e também organizações mais jovens, como a FEAV, com atuação em Valinhos, o Instituto Cacimba, na região de São Miguel Paulista (periferia de São Paulo), a Manauara Associação Comunitária e o recém-formado ICOSE – Instituto Comunitário do Sergipe. Todas elas integram o Programa Transformando Territórios, lançado em 2021 pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, financiado pela Charles Stewart Mott Foundation e com apoio institucional da Brazil Foundation e do GIFE.

Visita da equipe IDIS a Redes do Bem, organização comunitária no Rio de Janeiro

A maior parte das FICs brasileiras já conta com fundos filantrópicos constituídos para captar e distribuir recursos para organizações e iniciativas de seus territórios. Além disso, elas fomentam campanhas como o ‘Dia de Doar’, iniciativas para o engajamento de voluntários e promovem cursos e capacitações para líderes sociais locais. Algumas delas atuam também como porta-vozes das demais Organizações da Sociedade Civil (OSCs) do território perante o poder público na defesa do fortalecimento e regulamentação de fundos de direitos, do desbloqueio de recursos e no advocacy por mudanças legislativas. A legitimidade para ativar a filantropia e representar o setor social do território vem do fato de não ser vocação das FICs operarem projetos diretamente, sendo seu papel o de canalizar recursos para as organizações que operam na ponta com os beneficiários, assim, as FICs tornam-se aliadas das OSCs locais e não competidoras.

 

 

As experiências bem sucedidas têm provocado algumas mudanças no setor. Segundo pesquisa BISC – Benchmarking do Investimento Social Corporativo, publicada anualmente pela Comunitas, 38% das Empresas contempladas indicaram algum grau de prioridade para apoios às FICs no biênio 2022/2023, enquanto 86% das Fundações e Institutos Corporativos atribuíram prioridade média ou alta. Dentro do setor industrial, 75% dos respondentes afirmam ter introduzido ou fortalecido as FICs em sua estratégia de investimento social (contra 20% no setor de serviços), confirmando a tendência da indústria extrativista e de transformação de buscar soluções socioambientais locais, visando mitigar suas externalidades negativas e potencializar suas externalidades positivas, em consonância com as boas práticas ESG (sociais, ambientais e de governança).

O potencial das FICs como canalizadoras de investimentos sociais locais vem, sobretudo, do estabelecimento de uma governança robusta, diversa e perene, assim como uma  abordagem sistêmica baseada no diagnóstico das potencialidades e necessidades locais, construída através da escuta das diferentes vozes da sociedade civil local e da constante interlocução com as organizações que atuam em prol do território. Essas características dão match com o que as empresas esperam para fortalecer a atuação com organizações sem fins lucrativos. Segundo a BISC, 90% das empresas apontam a “maior evidência do sucesso (resultados, impacto) das parcerias” como um fator determinante para o fortalecimento da relação, enquanto 80% indicam a “necessidade da empresa de atuar em rede”. E essas, são justamente  algumas das principais características das FICs.

Cabe notar que as FICs são, antes de tudo, importantes intermediárias entre doadores e OSCs, buscando atender aos interesses filantrópicos dos doadores, mas sempre de olho nas demandas do território. Um exemplo disto são os DAFs – Donor Advised Funds, ainda pouco populares no Brasil, que funcionam como “contas correntes de filantropia” de indivíduos e empresas, administradas pelas FICs, que ficam responsáveis por investir esses recursos no mercado de capitais e repassá-los às organizações sociais de acordo com as preferências dos doadores. Essa possibilidade de acumular recursos para direcioná-los futuramente é análoga às cisternas, que armazenam água visando a utilização em momentos estratégicos ou de maior necessidade.

Ao consolidarem e gerirem doações de terceiros, as FICs ficam encarregadas de toda a diligência, acompanhamento e prestação de contas sobre o uso desses recursos, permitindo, por exemplo, que grandes empresas financiem projetos e organizações menores e até mesmo movimentos e coletivos informais, pois a FIC estará ali atuando como um “pára-raio” de compliance, mitigando riscos para os doadores ao serem a donatária direta dessas empresas. Feita a diligência na recepção dos recursos, caberá à FIC mentorar os doadores quanto ao uso estratégico desses recursos, tendo como base o seu amplo conhecimento do território, de suas demandas e potencialidades, de suas organizações e líderes.

Por fim mas não menos importante, essa visão privilegiada do território e construída em bases democráticas e de confiança mútua permite às FICs servirem como porta-vozes para que o setor social local lute por direitos e visibilidade, empreenda campanhas de mobilização social ou até faça incidência por mudanças em políticas públicas, sem estarem diretamente expostas perante autoridades. A FIC atua então como um ‘guarda-chuva’ para que as lideranças sociais não se molhem no jogo político e de poder desnecessariamente.

Esse conjunto de características faz das Fundações e Institutos Comunitários mecanismos potentes para uma filantropia mais ativa, efetiva e duradoura em um território, seja ele um bairro, uma cidade, um estado ou mesmo um território que compartilhe afinidades e identidades socioambientais.

O que é Capitalismo de Stakeholders?

As empresas são organismos poderosos e podem, e devem,
usar seus recursos para melhorar a sociedade

 

Um dos grandes economistas da história, Klaus Schwab, sugeriu em 1971 um modelo de capitalismo no qual as empresas deveriam almejar a criação de valor a longo prazo, levando em consideração as necessidades de todos os públicos relacionados ao negócio. Ou seja, o papel das empresas não deveria se resumir apenas ao lucro, mas envolveria também a contribuição ativa ao bem-estar da sociedade.

Este conceito foi nomeado mais tarde por R. Edward Freeman como Capitalismo de Stakeholders (Capitalismo das partes interessadas, em tradução livre). Você já ouviu falar do termo? Entende suas implicações no mundo e nas atuais dinâmicas empresariais? 

Em um mundo envolto de demandas urgentes que exigem, cada vez mais, práticas sustentáveis, a temática torna-se mais relevante a cada dia. E é sobre esse assunto que vamos falar nesse texto!

 

A origem do Capitalismo de Stakeholders

Em 1970, o Nobel da Economia Milton Friedman conceituou o modelo capitalista que seria dominante ao longo das próximas décadas. Ele afirmava que a única responsabilidade social das empresas era a maximização de seus lucros, ou seja, que o dinheiro era o único objetivo a ser cobiçado e alcançado pelos negócios. Este  modelo ficou conhecido como Capitalismo de Shareholders ou Capitalismo de Acionistas.

A resposta de Schwab, na época, não surtiu muito efeito. Nos anos 1970 e 1980, processos de desregulamentação e liberalização dos mercados incentivaram a competição acirrada e a maximização dos lucros em detrimento de outras considerações importantes. O processo envolveu a eliminação e flexibilização de muitas das leis governamentais que controlavam as atividades econômicas, incluindo as que estabeleciam salários mínimos e limites de horas de trabalho. A pressão por lucros a curto prazo muitas vezes se sobrepôs a considerações mais amplas sobre os impactos sociais e ambientais.

Passados 20 anos, o consenso sobre este entendimento acerca do papel das empresas na sociedade começou a entrar em xeque. John Elkington apresentou, em 1994,  o conceito de ‘Triple Bottom Line’ (que no Brasil foi popularizado como o tripé da sustentabilidade ), uma expansão do modelo tradicional de avaliação das empresas, que considera, além de sua dimensão financeira, a performance social e ambiental dos negócios.

 

 

O debate evoluiu com o surgimento do conceito de Capitalismo Consciente, cunhado em 2007 pelo empresário Raj Sisodia e por John Mackey. O Capitalismo Consciente tem uma relação próxima com o Capitalismo de Stakeholders, no entanto, vai além, enfatizando a importância de uma liderança consciente, cultura empresarial e propósito maior na criação de valor para todas as partes interessadas.

Com o crescimento gradativo do entendimento sobre os diferentes papéis que devem ser exercidos por uma empresa, o Capitalismo de Stakeholders passou a ganhar uma aplicação  cada vez mais prática às corporações. Além de olharem para seus lucros, as empresas passaram a encarar práticas de responsabilidade socioambientais junto a seus stakeholders, como papéis inerentes à sua função na sociedade

Em agosto de 2019, o grupo de CEO’s das principais empresas norte-americanas, conhecido como Business Roundtable, divulgou uma declaração afirmando o compromisso de agregar valor para todos os stakeholders, incluindo clientes, trabalhadores, fornecedores e comunidades onde operam. Essa decisão é considerada uma mudança significativa na perspectiva empresarial.

Além disso, a BlackRock, que administra mais de US$ 7 trilhões em investimentos, tem buscado incentivar práticas de gestão que impulsionam a rentabilidade e promovam a responsabilidade corporativa, social e ambiental. Em 2018, a organização recomendou que as empresas se perguntassem: “Que papel desempenhamos na comunidade? Como estamos gerenciando nosso impacto no meio ambiente? Estamos trabalhando para criar uma força de trabalho diversificada?”.

 

 

Segundo a definição do filósofo Robert Freeman, stakeholders são qualquer grupo ou pessoa cujos interesses podem afetar ou ser afetados pelas realizações dos objetivos de uma organização. De maneira simplificada, são todos os grupos que possuem alguma relação, direta ou indireta, com a atuação da empresa.

As empresas desempenham um papel fundamental na sociedade, e sua influência se estende muito além dos limites de suas operações comerciais. Elas empregam pessoas, geram renda, criam produtos e serviços, e possuem um impacto significativo na vida de muitas pessoas e de comunidades. Nesse sentido, as empresas não podem simplesmente buscar maximizar seus lucros sem considerar as consequências de suas ações. É fundamental que os negócios considerem seu relacionamento com o público e sua responsabilidade na cadeia produtiva, para garantir que suas ações tenham um impacto positivo na sociedade e no meio ambiente.

Os públicos querem ser escutados e desejam que seus pedidos sejam atendidos. Mais do que nunca, buscar essa satisfação é importante para as empresas, não apenas como forma de compreender as demandas mais urgentes da sociedade, mas também como um meio para a conquista de confiança.

No artigo ‘Do corporates have a duty to be trustworthy?’ (em português ‘As empresas têm o dever de ser confiáveis?’), Nikolas Kirby, Andrew Kirton e Aisling Cream apontam uma queda de confiança nas empresas desde a crise global de 2008. Segundo o Edelman Trust Barometer 2023, o nível de confiança  das pessoas no setor privado é de 62% no mundo, o que apesar de ser um número elevado, está longe de ser um consenso.

 

O que caracteriza o Capitalismo de Stakeholders

O Capitalismo de Stakeholders passa a se destacar em um contexto de crescimento da consciência da sociedade sobre questões sociais, ambientais e econômicas, que determinam e influenciam os hábitos de consumo das pessoas.

Os negócios são organismos poderosos e, nessa conjuntura, é inevitável um novo olhar para eles, a fim de apontar e questionar: Afinal, o que é uma boa empresa? De qual empresa eu quero consumir? O que a empresa tem feito para diminuir seu impacto negativo? E assim sucessivamente. 

O equilíbrio entre lucro e sustentabilidade é um dos principais critérios de avaliação a partir da ótica do Capitalismo de Stakeholders. Para definir com mais exatidão o que caracteriza o modelo, foram, então, instituídos 4 pilares:

Princípios de governança – relacionado ao propósito do empresa, comportamento ético, estruturas equilibradas de tomada de decisão e práticas de transparência;

Planeta – análise dos impactos da empresa no meio ambiente;

Pessoas – como o negócio se relaciona com seus colaboradores;

Prosperidade – influência da empresa no bem-estar da sociedade.

Semelhante com algo que temos visto muito atualmente por aí, certo? Como é possível observar, o Capitalismo de Stakeholders possui uma conexão direta com os chamados critérios ‘ESG’ (em português Ambiental, Social e Governança). A prática fornece métricas sistematizadas que ajudam a determinar se as empresas estão, de fato, projetando uma atuação sustentável na sociedade. 

Além disso, o ESG e suas métricas são critérios de extrema relevância para as escolhas dos investidores no mercado financeiro. Um estudo da Comissão de Valores Imobiliários (CVM) chamado “A agenda ESG e o mercado de capitais”, estima que cerca de 36% dos ativos globais sob gestão estão investidos a partir de algum critério de sustentabilidade.

 

O preço caro de adaptar-se a qualquer custo

Com a crescente demanda de adequação das empresas nas práticas sustentáveis, passamos a observar outro fenômeno, e dessa vez extremamente problemático: os “washings”. O termo se refere às empresas que se colocam como agentes de práticas sustentáveis mas que, na realidade, não seguem bons preceitos de governança e não criam impactos efetivos nos campos social e ambiental.

O conceito se manifesta de formas variadas, podendo ser um greenwashing (relativo ao meio ambiente), socialwashing (relativo às pautas sociais), ou até ESG-washing (abrange as práticas ESG de forma geral). 

Essa fraude de propósito e a adoção de medidas de washings são prejudiciais ao setor filantrópico e a outras iniciativas sérias, já que levanta suspeitas sobre a credibilidade e confiança do setor como um todo. O comportamento também representa,  a um potencial de perda de valor de mercado para as empresas, além de, é claro, ser prejudicial à população, que não será beneficiada da forma como a foi prometida, podendo, inclusive, estar sendo prejudicada.

 

O Capitalismo de Stakeholders hoje

Empresas são o principal agente econômico de nossa sociedade, mas é cada vez mais evidente sua interdependência com os demais. Conforme as  desigualdades sociais e os impactos da mudança climática se agravam, são convocadas a fazer parte da solução. A pandemia de Covid-19, por exemplo, evidenciou uma conexão muito forte entre negócios e sociedade. Um estudo feito pela consultoria PwC indicou que sete em cada dez negócios no mundo foram impactados negativamente pela pandemia. Em contrapartida, de acordo com o Monitor de Doações da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), 85% dos mais de R$ 7 bilhões doados para fazer frente à pandemia de Covid-19 vieram de empresas, um recorde de investimento social privado no país.

A partir dessa mutualidade, o Capitalismo de Stakeholders passou a integrar de maneira natural e cada vez mais constante o mundo empresarial. Porém, o modelo ainda não possuía parâmetros oficiais até pouco tempo. 

Em janeiro de 2020, o Fórum Econômico de Davos atualizou seu manifesto, endossando o conceito. O evento apontou ser essencial refletir sobre estruturas de governança, que garantam o equilíbrio entre as demandas dos vários grupos diretamente interessados em um negócio. Ainda como maneira de sistematizar os requisitos para a adoção do Capitalismo de Stakeholders, o Fórum elaborou um documento chamado de “Measuring Stakeholder Capitalism”(em português Medindo o Capitalismo de Stakeholders), que visa melhorar as formas como as empresas calculam e exibem seu desempenho.

“O objetivo dos negócios não é produzir lucros. O objetivo dos negócios é produzir soluções lucrativas para os problemas das pessoas e do planeta”

                            Colin Mayer da Universidade de Oxford

 

Conheça os 8 princípios que norteiam o Protocolo SROI

Você sabe quais são os 8 princípios que norteiam as avaliações de impacto baseadas no retorno social do investimento (protocolo SROI)? Confira:

 

PRINCÍPIO 1: ENVOLVA AS PARTES INTERESSADAS

As pessoas e organizações envolvidas com o projeto devem ser identificadas e consultadas no processo de avaliação. Afinal, são elas que sentirão os impactos a partir das intervenções.

 

PRINCÍPIO 2: COMPREENDER O QUE MUDOU

A avaliação deve identificar como o projeto gera mudanças sociais por meio de dados coletados com esse objetivo. Essas mudanças podem ser positivas ou negativas, intencionais ou não. Esse processo gera o que chamamos de Teoria da Mudança (TdM), a partir da qual é estabelecida a relação de causalidade entre a intervenção e os impactos gerados. A TdM serve como um mapa da intervenção que orienta todo o processo de avaliação.

 

PRINCÍPIO 3: VALORE AS COISAS QUE IMPORTAM

O processo de valoração, uma das principais etapas da avaliação SROI, deve considerar as preferências dos beneficiários sobre o grau de importância entre as diferentes mudanças por eles experimentadas.

 

PRINCÍPIO 4: INCLUA APENAS O QUE TIVER MATERIALIDADE

A materialidade aqui tem o sentido financeiro, de considerar coisas que são substanciais e sobre as quais se tenha evidências.

 

PRINCÍPIO 5: NÃO REIVINDIQUE IMPACTO EM EXCESSO

O avaliador deve ser conservador e atribuir valor apenas aos impactos que são de fato causados pela intervenção realizada. Assim, evita superestimar o impacto de um projeto.

 

PRINCÍPIO 6: SEJA TRANSPARENTE

O avaliador deve garantir que as fontes, fundamentos e procedimentos metodológicos estejam claros e acessíveis para o público em geral.

 

PRINCÍPIO 7: VERIFIQUE OS RESULTADOS

Desenhar, implementar e documentar os procedimentos adotados na avaliação, garantindo que possam ser revisados e validados.

 

PRINCÍPIO 8: SEJA RESPONSIVO

Fazer da avaliação um instrumento de planejamento estratégico, encaminhando soluções que visem a correção de rota e a maximização do impacto social gerado.

 

De onde vem o Protocolo SROI?

Os 8 princípios do SROI foram estabelecido pela organização britânica Social Value International (SVI), que há 15 anos certifica profissionais em todo o mundo para sua aplicação. Paula Fabiani, CEO do IDIS, é a única brasileira com certificação pela organização e o IDIS é hoje referência na aplicação do protocolo no Brasil, com trabalhos realizados para organizações como Amigos do Bem, Fundação Sicredi, Gerando Falcões, Parceiros da Educação, Petrobras e Vale.

De acordo com a rede “valor social significa compreender a importância que as pessoas atribuem às mudanças em seu bem-estar e o uso dos insights que obtemos dessa compreensão para tomar melhores decisões”. Ou seja, a avaliação visa informar um processo de tomada de decisões baseadas em evidências em organizações sociais.

Considerando, assim, os desafios de mensurar impacto, a SVI estabelece um protocolo para o cálculo do índice SROI que engloba diferentes metodologias de pesquisa participativa: a realização de entrevistas em profundidade, grupos focais com beneficiários, questionários e análise de dados secundários.

Percebe-se, então, que o SROI não é apenas um índice numérico, mas, sobretudo, o processo e resultados de uma atividade intensa de pesquisa e consulta a beneficiários de programas sociais.

Avaliação de Impacto e SROI

Estudos de Avaliação de Impacto ganham cada vez mais importância entre filantropos e investidores sociais no Brasil e no mundo. É crescente a preocupação das organizações em mensurar o impacto de suas ações, enquanto doadores estão interessados em verificar se seus recursos estão alocados em iniciativas que trazem benefícios efetivos à sociedade.

 

O que é impacto e como mensurá-lo

Consideramos impacto a mudança social produzida por um programa ou projeto. Enquanto resultados se relacionam com as conquistas concretas, que, em geral, representam o alcance e a amplitude da iniciativa, o impacto pode ter uma natureza mais subjetiva – relacionado à ideia de transformação social. Quando mensuramos o impacto de um programa, ponderamos o quanto este muda a vida das pessoas envolvidas. Ou seja, é uma prática reflexiva que visa buscar evidências para identificar se uma iniciativa tem alcançado as transformações sociais que estabeleceu como objetivos.

 

Metodologias

Para avaliar os benefícios de uma intervenção socioambiental são utilizadas técnicas de Avaliação de Impacto que irão fornecer subsídios para compreender as transformações causadas pelo projeto ou programa. A escolha do método deve ser coerente com a amplitude, duração e objetivos estratégicos do investimento socioambiental. A cada novo projeto, o time de consultores do IDIS avalia a demanda do cliente e características dos projetos para definir qual o caminho mais adequado.

 

SROI – Social Return on Investment

O ‘SROI – Social Return on Investment’, ou Retorno Social sobre Investimento, é um protocolo de avaliação que propõe uma análise comparativa entre o valor dos recursos investidos em um projeto ou programa e o valor social gerado para a sociedade com essa iniciativa. Para isso, aplica diversas técnicas para estimar o valor intangível de ativos que não podem ser comprados ou vendidos. Dessa forma, nos permite concluir que a cada R$ 1 investidos, foram gerados R$ X em benefícios sociais, por exemplo.

O SROI é uma ferramenta poderosa de mensuração, que transcende a monetarização do impacto social. Ainda que a relação custo-benefício (ou retorno sobre o investimento) seja o que geralmente atrai a atenção dos investidores sociais, que veem a possibilidade de uma avaliação objetiva e financeira sobre o uso de seus recursos, este processo não deve ser considerado somente um índice. Cada uma de suas etapas é capaz de revelar informações pertinentes sobre o projeto ou programa e gerar insights que favorecem a tomada de decisão e a busca por impactos cada vez maiores e mais consistentes.

Um aspecto chave desse protocolo é seu foco na percepção do beneficiário – o envolvimento dos stakeholders é um dos princípios da SROI, o que significa que o impacto social deve ser avaliado a partir do ponto de vista daqueles que estão diretamente envolvidos no projeto social. Ademais, esse método favorece a integração de dados qualitativos e quantitativos. O primeiro fornece uma visão mais clara sobre a natureza do impacto do projeto por meio de depoimentos dos públicos envolvidos. A abordagem quantitativa, por outro lado, proporciona um trabalho com amostras estatisticamente significativas que mensuram a intensidade das mudanças percebidas.

Paula Fabiani, CEO do IDIS, é a única brasileira certificada na metodologia SROI pela Social Value Internacional.

 

Avaliação de impacto e captação de recursos

Os resultados da Avaliação de Impacto, além de permitirem a potencialização dos impactos do projeto, também funcionam como um poderoso meio para captação de recursos. Uma mensuração objetiva a respeito da transformação social oriunda de um Programa ou índices de retorno sobre o investimento são maneiras de fazer um doador se sentir mais confiante de que seu recurso está sendo bem utilizado e de que a organização tem uma boa gestão sobre a iniciativa.

Saiba mais no artigo ‘Avaliar o Impacto Social é também uma estratégia de Comunicação e Captação de Recursos’.

 

 

A experiência do IDIS em avaliação de impacto

Já avaliamos o impacto de dezenas de projetos, para organizações como Amigos do Bem, Gerando Falcões, Instituto Chamex, Parceiros da Educação, Petrobras, Sesc e Vale.

Leia nossos cases.

Conheça aqui alguns dos relatórios publicados em nosso site:

 

Conhecimento

Conheça também os produtos de conhecimento desenvolvidos sobre Avaliação de Impacto.

 

eventos

O que é Avaliação de Impacto e por que ela é importante?

Consideramos impacto a mudança social produzida por um programa ou projeto. Enquanto resultados se relacionam com as conquistas concretas, que, em geral, representam o alcance e a amplitude da iniciativa, o impacto pode ter uma natureza mais subjetiva – relacionado à ideia de transformação social.

Como medir o impacto?

Quando mensuramos o impacto de um programa, ponderamos o quanto este muda a vida das pessoas envolvidas. Ou seja, é uma prática reflexiva que visa buscar evidências para identificar se uma iniciativa tem alcançado as transformações sociais que estabeleceu como objetivos.

Por que medir o impacto?

Há diversos motivos pelos quais a Avaliação de Impacto é uma ferramenta estratégica valiosa. Ela fornece às organizações dados e evidências que permitem refletir sobre as abordagens adotadas e oferecem suporte para o processo de tomada de decisão. Ademais, torna possível analisar a relação de causalidade entre as intervenções e os impactos percebidos, identificando fatores que são fundamentais para impulsionar as transformações, outros que não contribuem de forma tão direta e, ainda, limitadores e fatores que criam obstáculos. Assim, estudos de Avaliação de Impacto vão muito além da mensuração – permitem também refletir sobre estratégias para potencializar as transformações desejadas. Por fim, estudos avaliativos têm o potencial de fortalecer o diálogo com investidores e com o setor público, auxiliando organizações a manterem um relacionamento transparente com doadores, reivindicarem melhorias nas políticas públicas e negociarem a ampliação de programas sociais efetivos.

Estudos de Avaliação de Impacto não apenas monitoraram resultados, adentram profundamente na relação de causa e efeito entre as atividades de um programa e os desdobramentos na vida das pessoas. Isso pode ser uma atividade complexa, especialmente em programas que trabalham com questões abstratas como empoderamento ou habilidades sociais. Mesmo quando esse tipo de impacto é perceptível, pode ser muito desafiador mensurá-lo e traduzi-lo em termos objetivos e quantitativos.

O que é SROI e por que ele é útil?

O ‘SROI – Social Return on Investment’ (ou Retorno Social sobre Investimento), é um protocolo de avaliação que propõe uma análise comparativa entre o valor dos recursos investidos em um projeto ou programa e o valor social gerado para a sociedade com essa iniciativa. Para isso, aplica diversas técnicas para estimar o valor intangível de ativos que não podem ser comprados ou vendidos.

O SROI é uma ferramenta poderosa de mensuração, que transcende a monetarização do impacto social. Ainda que a relação custo-benefício (ou retorno sobre o investimento) seja o que geralmente atrai a atenção dos investidores sociais, que veem a possibilidade de uma avaliação objetiva e financeira sobre o uso de seus recursos, este processo não deve ser considerado somente um índice. Cada uma de suas etapas é capaz de revelar informações pertinentes sobre o projeto ou programa e gerar insights que favorecem a tomada de decisão e a busca por impactos cada vez maiores e mais consistentes.

Um aspecto chave desse protocolo é seu foco na percepção do beneficiário – o envolvimento dos stakeholders é um dos princípios da SROI, o que significa que o impacto social deve ser avaliado a partir do ponto de vista daqueles que estão diretamente envolvidos no projeto social. Ademais, esse método favorece a integração de dados qualitativos e quantitativos. O primeiro fornece uma visão mais clara sobre a natureza do impacto do projeto por meio de depoimentos dos públicos envolvidos. A abordagem quantitativa, por outro lado, proporciona um trabalho com amostras estatisticamente significativas que mensuram a intensidade das mudanças percebidas.

A demanda por avaliação de impacto e SROI no Brasil

Apesar da demanda crescente por Avaliação de Impacto no Brasil, trata-se de prática ainda pouco desenvolvida. Seus conceitos são frequentemente mal utilizados ou pouco claros e organizações enfrentam dificuldades em definir os indicadores. Por exemplo, muitas declaram que mensuram seu impacto, quando na verdade estão mensurando seus resultados, informando o número de pessoas ou famílias atendidas, por exemplo. Evidentemente, analisar os resultados da organização é muito importante e deve ser feito regularmente. Contudo, avaliar impacto é um processo mais profundo e uma oportunidade de refletir sobre como um projeto pode gerar valor social a seus beneficiários e à sociedade como um todo.

O desafio é ainda maior quando consideramos o SROI especificamente. A monetização do impacto é uma tarefa desafiadora, devido à falta de bases de dados de estimativas financeiras no País (instrumento bastante desenvolvido em outros países). Portanto, quando são definidos os valores das estimativas, muitas vezes é necessário coletar dados de fontes primárias, porque praticamente não há dados secundários disponíveis para sustentar as pesquisas.

É muito necessário disseminar conhecimento sobre esse assunto no Brasil, enfatizando a importância de avaliar o impacto de projetos e programas sociais, mesmo com os desafios e limitações envolvidos neste processo. Mensurar o impacto pode nem sempre resultar em conclusões precisas, mas, recomendamos sempre trabalhar com estimativas viáveis (construídas e analisadas com responsabilidade e critérios) do que trabalhar sem nenhum tipo de evidência sobre as consequências das suas intervenções.

Certamente ainda iremos amadurecer e evoluir nessa temática. Por isso, no IDIS, vamos além da realização de trabalhos de consultoria. Procuramos disseminar conceitos e práticas, por meio de publicações, de cursos, do compartilhamento de relatórios de projetos realizados e da participação em eventos.

Qual horizonte enxergamos para a Avaliação de Impacto?

Esperamos que, no futuro, avaliar o impacto seja parte integrante do processo de concepção e planejamento de projetos sociais e programas. Tanto organizações sociais, quanto filantropos e investidores sociais, precisam reconhecer o quão essencial é esta prática e devem trabalhar juntos para fortalecê-la e disseminá-la.

Também esperamos que a Avaliação de Impacto influencie as políticas públicas, revelando o valor de projetos para o desenvolvimento social e contribuindo para a ampliação de sua escala. Para ilustrar esse potencial, destacamos um exemplo. Em 2016, o IDIS conduziu a avaliação do Retorno Social sobre Investimento – SROI de um projeto dedicado à primeira infância na região da Amazônia (conheça o relatório aqui). O resultado positivo evidenciado pelo estudo – a notável mudança social que o projeto provia aos seus beneficiários – ofereceu argumentos irrefutáveis para que o projeto se tornasse uma política pública, beneficiando uma parcela significativamente maior da população e contribuindo para a melhoria da vida de mais crianças. Iniciativas como essa poderiam ser ainda mais regulares caso houvesse uma cultura de avaliação de impacto em organizações brasileiras – não apenas nas organizações privadas, mas também nos programas mantidos pelo setor público.

Novas ferramentas tecnológicas podem contribuir para o futuro da Avaliação de Impacto, reduzindo seu custo e tempo necessário para coleta de dados e aumentando a precisão dos estudos. A coleta e análise de dados poderá se tornar mais fácil, rápida e permitirá a mensuração de mudanças sociais no longo prazo. A tecnologia permitirá que a sociedade tenha maior acesso a informações relevantes sobre soluções, podendo, assim, aprender mais rapidamente com experiências prévias, e, com isso, ampliar os benefícios àqueles que mais precisam.

Veja organizações e empresas para quem o IDIS já realizou avaliações de impacto.

Para saber mais, entre em contato conosco por meio do comunicacao@idis.org.br.

Qual é a sua causa e o que você faz para apoiá-la?

Paula Fabiani – CEO do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, vencedora do Prêmio Empreendedor Social 2020 e membro do Catalyst 2030

Roberta Faria – Cofundadora e CEO da Editora MOL, vencedora do Prêmio Empreendedor Social 2018, e presidente do Instituto MOL

Texto publicado originalmente na Folha de São Paulo em 06/08/2023

Descobrir seu propósito é ferramenta poderosa de transformação da sociedade

Não faz muito tempo que chegar a algum lugar demandava de nós um esforço coletivo de encontrar o caminho. O GPS de hoje era, no início dos anos 2000, um taxista experiente que te dava a dica de rota para encontrar a rua exata do consultório do dentista que você ia pela primeira vez.

Duas décadas depois, os apps de localização te dão não só o caminho, mas também a opção de trocar a voz robótica apontando as ruas por uma que te agrade. Do personagem do filme da Disney a Gil do Vigor, o sistema de navegação criado para guiar as Forças Armadas estadunidenses nos deu agilidade de circular pelas cidades mundo afora.

Mas, enquanto achar o caminho se tornou uma tarefa simples e quase banal do nosso dia a dia, encontrar o nosso próprio caminho se apresenta como um dos grandes desafios da década: do trabalho ao lazer, queremos mais do que apenas existir.

Em outras palavras, decifrar a nossa estrada exige uma bússola interior bem calibrada e, descobrir qual é a nossa causa pode oferecer, ao menos, as coordenadas que nos guiarão por experiências pessoais e coletivas que façam sentido, que promovam mudanças, que inspirem a outros seres e que nos leve a ter uma vida com propósito.

E se (até aqui) não há app que nos mostre qual direção seguir, nós temos uma forma de desenhar nosso próprio mapa: o Descubra sua Causa. Um teste, gratuito e online, que calcula, a partir de nossas respostas a 20 diferentes perguntas, qual é a causa social que mais se relaciona com nossa personalidade, interesses e nos dá “a rota” para apoiá-la de diferentes formas.

Construído com base em pesquisas de tendências de comportamento e em conversas com especialistas da área social, montamos um oráculo com 10 resultados, apresentados em formato de arquétipo, que ilustram os principais desafios de nossa sociedade. Uma forma divertida e repleta de conteúdo para que você possa começar a agir hoje mesmo.

Além do teste, e com o objetivo de mostrar o que há por trás de cada causa, o Instituto MOL acaba de lançar a série de podcast Descubra sua Causa. Em dez episódios, o ouvinte tem contato com diferentes temas, como direitos humanos, educação, promoção do esporte, antirracismo e lutas identitárias, e revela como é o trabalho das ONGs que atuam em diferentes frentes e quem são as pessoas que dedicam suas vidas à transformação social.

Nosso objetivo é dar mais visibilidade às organizações e projetos do setor e mostrar que apoiar uma causa é um ato político, que nos dá propósito e impacta nossas vidas em diferentes aspectos: em nossos relacionamentos, em nosso consumo de cultura, na escolha das pessoas que seguimos nas redes sociais, nas ações do nosso dia a dia e muito mais.

Por isso, convidamos a todas e todos que descubram sua causa e passem a atuar pelo seu fortalecimento, como for possível: pela doação, pelo voluntariado, emprestando a influência que todos exercemos em nossa rede de amigos e familiares e, principalmente, falando mais sobre nossos atos generosos. Quanto mais embaixadores tivermos espalhados pelo país, mais força as causas sociais ganham para se tornarem assunto de conversas e motores de transformação da sociedade. Com ou sem GPS, que a viagem por esta estrada seja uma experiência muito mais prazerosa a todos os seres.

Protocolo SROI: quando utilizar e como interpretar o índice monetário da avaliação de impacto

por Olívia Guaranha e Isadora Pagy

O SROI – Social Return on Investment – é um protocolo de avaliação que tem chamado cada vez mais a atenção de investidores sociais e organizações do terceiro setor por aplicar métodos qualitativos e quantitativos de pesquisa a fim de identificar, qualificar e monetizar o impacto social.

O processo avaliativo é uma oportunidade para que investidores e organizações entendam melhor os impactos sociais positivos – e eventualmente negativos – que têm gerado nas comunidades em que atuam, a partir da percepção de seus beneficiários.

Os achados são ricos e indicam caminhos para o aprimoramento da ação. Destaca-se, ainda, que ao final do processo, um dos resultados obtidos é um valor que traduz em termos financeiros o impacto gerado: o índice SROI indica quantos reais são gerados para a sociedade em benefícios a cada 1 real investido no projeto.

De onde vem o Protocolo SROI?

O Protocolo SROI foi estabelecido pela organização britânica Social Value International (SVI), que há 15 anos certifica profissionais em todo o mundo para sua aplicação. Paula Fabiani, CEO do IDIS, é a única brasileira com certificação pela organização e o IDIS é hoje referência na aplicação do protocolo no Brasil, com trabalhos realizados para organizações como Amigos do Bem, Fundação Sicredi, Gerando Falcões, Parceiros da Educação, Petrobras e Vale.

De acordo com a rede “valor social significa compreender a importância que as pessoas atribuem às mudanças em seu bem-estar e o uso dos insights que obtemos dessa compreensão para tomar melhores decisões”. Ou seja, a avaliação visa informar um processo de tomada de decisões baseadas em evidências em organizações sociais.

Considerando, assim, os desafios de mensurar impacto, a SVI estabelece um protocolo para o cálculo do índice SROI que engloba diferentes metodologias de pesquisa participativa: a realização de entrevistas em profundidade, grupos focais com beneficiários, questionários e análise de dados secundários.

Percebe-se, então, que o SROI não é apenas um índice numérico, mas, sobretudo, o processo e resultados de uma atividade intensa de pesquisa e consulta a beneficiários de programas sociais.

Quando utilizar o Protocolo SROI?

A aplicação do protocolo SROI em projetos com grande quantidade de beneficiários: para que o processo seja verdadeiramente participativo e para que o protocolo seja aplicado em sua integridade, é importante que o projeto tenha um número significativo de beneficiários. Não existe um número ideal, mas se o número de beneficiários for muito baixo, não é possível obter estatísticas relevantes na etapa de consulta via questionário bem como o alto investimento no processo de escuta e consulta junto aos participantes da ação perde o sentido.

Ainda, é importante que a organização tenha em mente que precisará apoiar os avaliadores a todo o momento, fornecendo dados do projeto e acesso aos beneficiários. Por isso, uma avaliação SROI demanda maior disponibilidade de tempo das organizações sociais e um maior acompanhamento dos beneficiários: caso não seja possível acessá-los, não será possível coletar dados sobre suas percepções e experiências junto ao projeto.

No mesmo sentido, quando um projeto possui descontinuidade em suas atividades também pode haver dificuldades de acessar beneficiários e aferir impactos gerados. Imagine, por exemplo, que um beneficiário tenha participado de um ciclo de atividades durante um ano e depois essas atividades foram suspensas durante dois anos e, enfim, retomadas. Esse período de suspensão das atividades gera consequências que podem afetar a percepção do beneficiário e a mensuração do impacto real do projeto.

O processo avaliativo é longo – estima-se que uma avaliação SROI dure cerca de 8 meses. De modo que, esse tipo de avaliação não é recomendada para casos em que há pressa por resultados.

E por ter uma longa duração e demandar etapas qualitativas e quantitativas, também é importante que as organizações considerem o custo da avaliação: recomenda-se que o valor da avaliação não represente mais do que 10% do valor investido no projeto. Por isso, o SROI é recomendado para projetos de maior porte.

Feitas estas considerações, as organizações conseguem decidir de forma mais estratégica quando é um bom momento para conduzir uma avaliação de impacto SROI. Tomada essa decisão e realizada a avaliação, também é importante ter alguns pontos em mente no momento de interpretar os resultados obtidos.

 

Como Interpretar os resultados do SROI?

Inicialmente, importa dizer que, para além do índice, a avaliação produz outros produtos interessantes para as organizações sociais: uma Teoria da Mudança do projeto, com o mapeamento de stakeholders e impactos que cada atividade visa gerar; a realização de grupos focais com beneficiários, espaço em que eles podem debater sobre as atividades e gerar insights sobre o que funcionou e o que poderia melhorar; as respostas de questionário, que visam medir quais impactos tiveram maior intensidade; e, por fim, o índice SROI e um relatório avaliativo final.

O primeiro cuidado a ser tomado é que não se deve comparar índices SROI obtidos para projetos distintos. Cada projeto tem suas particularidades e objetivos e, por isso, não são comparáveis. Pense, por exemplo, em um projeto que oferece atividades culturais para crianças em uma comunidade periférica e em um projeto que oferece capacitações e educação ambiental para pescadores em um pequeno município da costa brasileira. Os públicos, os lugares e as atividades são radicalmente diferentes, de modo que não podemos dizer que um projeto é melhor que o outro simplesmente com base no índice numérico.

O índice deve ser interpretado considerando as características de cada projeto e os objetivos estratégicos do investidor. Projetos com apenas um ciclo de atividades completo podem não ter um alto índice de retorno, por exemplo.

Da mesma forma, um índice de retorno monetário é apenas um dos indicadores a serem analisados quando avaliamos os benefícios gerados por um projeto social. Considere, por exemplo, um investidor social que deseja promover o esporte entre os jovens de uma comunidade com alta vulnerabilidade social. O índice não mede o valor intrínseco daquelas intervenções, mas serve como um guia para aprimorá-las e atingir o objetivo final do investidor, que é a promoção do esporte. Nesse sentido, um índice menor que 1 – ou seja, que o retorno social é menor do que o investimento – pode servir como ponto de partida para aprimorar o projeto e gerar mais impacto em um próximo ciclo de atividades.

É a partir da etapa qualitativa que o investidor consegue entender quais impactos estão sendo gerados pela intervenção, por exemplo. No caso do projeto que visa a promoção do esporte pode ser que, inicialmente, o investidor acreditava que promover o esporte geraria uma maior empregabilidade entre os jovens. A partir da pesquisa, pode-se descobrir que, na realidade, a promoção do esporte favoreceu o desenvolvimento cognitivo e a sociabilidade destes jovens, não a empregabilidade. Tais impactos não foram previstos inicialmente e agora podem ser monitorados pelo projeto.

A partir destas reflexões, vemos que as avaliações de impacto podem ser ferramentas poderosas para a gestão de projetos sociais, mas que é necessário um processo reflexivo prévio para entender se uma avaliação de impacto SROI é a mais adequada para aquele projeto, em determinado momento, fazendo-se algumas perguntas simples como, por exemplo: o que eu quero medir? Com qual objetivo? De quais recursos vou precisar e de quais eu disponho?

Para organizações que estão começando ou que desejam fazer uma avaliação de impacto no futuro, o IDIS recomenda realizar um Plano de Monitoramento e Avaliação; para aquelas que desejam apenas mais conhecimento sobre a intervenção sem a necessidade de um índice monetário, o IDIS realiza uma avaliação de impacto combinando metodologias qualitativas e quantitativas.

Conheça nossos serviços e fale com a equipe especialista no assunto.

 

MAIS SOBRE AVALIAÇÃO DE IMPACTO

Com ampla experiência e tendo a produção de conhecimento como um de nossos pilares de atuação, temos inúmeros materiais disponíveis a quem deseja se aprofundar

Avaliação de Impacto SROI

Acesse aqui.

Para saber mais sobre nossos serviços e falar com a equipe de consultoria, escreva para comunicacao@idis.org.br.

Colaboração e materialidade: fatores-chave para empresas concretizarem ações sociais da pauta ESG

Por Marcos Alexandre Manoel, Diretor de Projetos do IDIS

Empresas têm o desafio de transformar metas em ações materiais, especialmente quando falamos do ‘S’. Aquelas que o fizerem, sairão na frente

Cada vez mais, empresas são cobradas por sua responsabilidade perante a sociedade, indicando a inevitabilidade de pensar além do lucro. A lógica das avaliações de risco e retorno de aplicações passaram a ter uma nova e importante variável: o impacto em temas de interesse público. Isso se reflete no aumento exponencial de investimentos, que têm buscado componentes de impacto socioambiental em suas práticas.

Nesse movimento é que a pauta ESG vem cada vez mais se fortalecendo e, com ela, novos desafios para as empresas se (re)posicionarem no mercado. Não apenas focando em mitigação de riscos e problemas de curto prazo, mas com uma visão de longo prazo que se torne parte, efetivamente, da cultura e da estratégia de negócio da empresa. E aquelas que fizerem este movimento antes das outras, serão as que definirão a “régua” do mercado.

Segundo a sexta edição da Pesquisa Global com Investidores Institucionais da EY (antiga Ernst & Young), 90% dos grandes gestores respondem que diretrizes ESG devem ser levadas em conta na tomada de decisão sobre os portfólios. Por outro lado, a mesma pesquisa demonstra que 50% dos investidores pesquisados disseram estar preocupados com a falta de foco em questões materiais por parte da atuação ESG das empresas – um aumento de 37% em relação a 2020.

Por definição, materialidade é a “característica do que é material, substancial”, ou seja, não basta as empresas no Brasil estarem atentas ao ESG, é importante encontrar, dentro disso, o que necessita de atenção pensando em modelo de negócio e local de atuação.  Quando falamos de parâmetros ESG, a grande maioria das métricas foram pensadas e feitas em países desenvolvidos. Então, geralmente elas trazem questões “E” (ambientais) mais fortes, e as “S” (sociais), por sua vez, vêm enfraquecidas, uma vez que o bem-estar social nesses locais acompanha o desenvolvimento econômico desses países.

No caso do Brasil, se seguirmos a mesma lógica da Europa ou dos Estados Unidos, o nosso problema com o “S” será maior, tendo em vista os números de desigualdade socioeconômica que atingem a população brasileira. Prova disso, são os dados recentes revelados por um estudo do Banco Mundial. Ao analisar perdas de habilidades do nascimento até os 18 anos, a pesquisa demonstra que as atuais condições de educação e saúde brasileiras só vão permitir o desenvolvimento de 50% do potencial de quem nasceu no ano de 2021. A pesquisa demonstra, ainda, que é como se estivéssemos 60 anos atrás no desenvolvimento social em comparação a países desenvolvidos.

Nesse sentido, se inicialmente cito que não há mais espaço para não pensar além do lucro, no caso brasileiro, urge a necessidade de o investimento privado colocar uma lupa no campo social. O ponto de partida é compreender e mapear riscos e externalidades sociais do setor de atuação. Provavelmente, muitas das questões sociais que precisam de atenção do negócio estarão “do lado de fora” da própria empresa: na cadeia de suprimentos, territórios de atuação e ciclo de vida do produto, por exemplo. Será preciso compreender e aprimorar a materialidade e indicadores dos fatores sociais de cada negócio.

Compreender, entretanto, o que é material para o negócio é um desafio e este não pode ser resolvido sem a colaboração entre setores. As empresas terão que agir de maneira proativa e colaborativa, demostrando para a sociedade e investidores seu comprometimento com transparência e materialidade de suas ações, principalmente as sociais. Nesta trajetória, devem envolver as organizações da sociedade civil (OSCs) e, mais do que isso, aprender com elas.

As empresas que forem capazes de, ao mesmo tempo, compreender a materialidade de seu próprio setor e formar alianças colaborativas, tendem a se diferenciar, se tornar mais competitivas no médio e longo prazo e principalmente transformar metas e intenções em resultados reais, perenes e diretamente conectados aos diferentes interesses de sua cadeia de stakeholders.

Conheça mais conteúdos sobre ESG e investimento social privado aqui.

Empresas brasileiras não estão preparadas para responder a situações emergenciais

Por Andrea Hanai, gerente de projetos no IDIS e Paula Gonçalo, coordenadora de projetos no IDIS

Cerca de 25% das mortes por chuvas no Brasil nos últimos 10 anos ocorreram em 2022 e investidores sociais devem se preparar mais do que nunca para situações de emergência

Entre janeiro de 2013 e abril de 2022, os desastres naturais causaram R$341,3 bilhões de prejuízos em todo o Brasil, isso é o que dizem os dados de um levantamento realizado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). O estudo demonstra, também, que apenas nos primeiros três meses de 2022, cerca de oito milhões de brasileiros já haviam sido afetados por algum tipo de catástrofe ambiental.

Ainda falando de números, outro dado alarmante para o assunto vem do relatório de transição governamental divulgado no fim de dezembro de 2022. Nele consta que o dinheiro público reservado para “o apoio a obras emergenciais de mitigação para redução de desastres” foi reduzido de R$ 2,57 milhões para míseros R$ 25 mil, tornando-se um dos gargalos orçamentários para 2023.

Nesse contexto, a solidariedade tem movido indivíduos e empresas em torno de campanhas emergenciais que buscam ajudar comunidades mais afetadas por desastres naturais por meio da doação de alimentos, roupas, medicamentos, etc, tendo no Investimento Social Privado uma alternativa complementar aos recursos públicos. O reduzido volume de recursos financeiros disponíveis e, principalmente, a falta de coordenação e planejamento estratégico das ações, mostram que há uma enorme lacuna entre as demandas sociais e a capacidade de resposta de investidores sociais privados a essas tragédias, que aumentam em frequência e gravidade a cada ano.

Por definição, de acordo com o ISDR – International Strategy for Disaster Reduction, o “desastre” é uma “séria interrupção no funcionamento de uma comunidade ou sociedade, com impactos sobre pessoas, bens, economia e meio ambiente, que excede a capacidade dos afetados para lidar com a situação mediante o uso de seus próprios recursos.” A pandemia da Covid-19, desastre de proporções globais, revelou o importante papel que as empresas podem assumir nos esforços para o enfrentamento de situações de emergência, por exemplo.

Segundo o Ranking de Doações Corporativas 2020, produzido pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, as dez empresas que mais realizaram doações e patrocínios no mundo, destinaram em 2020 mais de US$ 4 bilhões a ações de enfrentamento à Covid-19 – o equivalente a cerca de R$ 20 bilhões. Enquanto isso, no Brasil, os dez maiores doadores corporativos destinaram mais de R$ 3 bilhões para o combate à pandemia.

Enchentes no Estado da Bahia em dezembro de 2021 .Foto: Isac Nóbrega/PR

Por outro lado, esses números contrastam com o que se vinha observando como tendência em investimento social privado empresarial voltado para situações ocasionadas por desastres. De acordo com o estudo Measuring the State of Disaster Philanthropy, realizado pelo Candid & Center for Disaster Philanthropy, em 2019, ainda que 70% das empresas tenham reportado que a resposta a desastres é extremamente importante, o volume destinado a essa atuação vem diminuindo ano a ano, demonstrando que esse tipo de filantropia é visto pelas empresas como pouco estratégica.

Esse mesmo estudo mostra que, de fato, a atuação da filantropia e do investimento social privado poderia ser mais estratégica. Mais da metade dos recursos voltados a emergências são direcionados para a resposta imediata e alívio do choque inicial causado pelo desastre, enquanto somente 20% das doações apoia as comunidades a se tornarem mais resilientes, promovendo a redução e mitigação do risco e o preparo e prontidão para as situações emergenciais.

O estudo “A purpose-action framework for Corporate Social Responsibility in times of shock”, desenvolvido por Francisco Javier Forcadell e Elisa Aracil, corrobora com esses dados. Ele analisou a atuação de 218 empresas na Espanha durante as primeiras semanas da Covid-19 no país e as classificou em 4 categorias (simbólica, seletiva, reativa e solidária). Isso de acordo com o desempenho das empresas nas duas principais dimensões consideradas críticas à efetividade de intervenções corporativas em situações emergenciais: o escopo da intervenção e o tempo de resposta.

Empresas classificadas como simbólicas ou reativas possuem um tempo de resposta bastante lento mas se diferem pelo escopo da atuação, sendo a simbólica bastante restrita e a reativa bastante ampla, com maior senso de responsabilidade social. Já as classificações seletiva e solidária categorizam empresas com rápido tempo de resposta a situações emergenciais. Sendo a seletiva restrita em relação ao escopo de atuação, preferindo em geral atuar apenas quando há necessidade de apoio imediato e, em contrapartida, a solidária que olha amplamente para o escopo de atuação, se permitindo maior flexibilidade e fomentando a proatividade e inovação. De acordo com a pesquisa, 42% das empresas tiveram uma atuação ‘seletiva’, ou seja, agiram rapidamente, mas com escopo bastante reduzido e de forma menos estratégica, limitando o potencial das ações de gerar impactos mais transformadores junto ao público beneficiado.

Cidade de Petrópolis em fevereiro de 2022 após deslizamentos | Foto: Clauber Cleber Caetano /PR

É necessário que as empresas ampliem sua visão sobre situações emergenciais, repensando a estratégia de seu investimento social privado no apoio à sociedade. Há espaço para uma atuação de maior impacto nos médio e longo prazos, que não só ampare as comunidades no momento da tragédia, mas que busque também sua resiliência e preparo para o enfrentamento dessas tragédias, bem como sua recuperação e reconstrução. E para tanto, as empresas precisam garantir estruturas, políticas e governança claras que funcionem com agilidade em casos de emergência, garantindo que as atuações sejam efetivas e o tempo de resposta menor.

É fato de que devemos atuar para prevenir as consequências desastrosas de chuvas, desabamentos ou incêndios. Mas é fato também que eles virão, e terão consequências desastrosas na vida de milhares de pessoas. Você está preparado para fazer a sua parte?

O que são ODS e o que eles têm a ver com impacto social

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ou ODS, essa sigla soa conhecida para você? Saberia explicar o que ela representa para o mundo e para a sociedade? Pois bem, vamos lá: em 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), composta por 193 Estados-membros da ONU definiu metas mundiais para que ‘ninguém no mundo fosse deixado para trás’. 

Partindo de quatro principais dimensões: social, ambiental, econômica e institucional, os ODS defendem que é necessário levar o mundo a um caminho sustentável com medidas transformadoras. Assim, foram definidos  17 objetivos e 169 metas globais interconectadas, a serem atingidos até 2030 – a , como ficou conhecida, “Agenda 2030”.   

Na Agenda estão previstas ações nas áreas de erradicação da pobreza, segurança alimentar, agricultura, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades, e tantas outras temáticas. Há questões que dependem da ação de  governos  e grandes empresas globais, mas há recomendações também mais específicas, com um olhar voltado  às comunidades e especificidades de cada local do mundo.

Como surgiram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?

Para responder a essa questão, precisamos primeiramente contextualizar a Agenda 2030. Ela  surgiu de um processo global participativo de mais de dois anos, iniciado em 2013 e coordenado pela ONU, no qual governos, sociedade civil, iniciativa privada e instituições de pesquisa contribuíram através da Plataforma ‘My World’. 

Sua implementação teve início em janeiro de 2016, dando continuidade à Agenda de Desenvolvimento do Milênio (2000-2015). Para atingir objetivos tão ousados, o plano de ação foi pensado em quatro frentes principais:

  • A primeira foi a construção de uma declaração, onde foi documentada a visão, os princípios e os compromissos da Agenda 2030. De acordo com a própria ONU “a visão é ambiciosa e transformadora, porque prevê um mundo livre dos problemas atuais, como pobreza, miséria, fome, doença, violência, desigualdades, desemprego, degradação ambiental, esgotamento dos recursos naturais, entre outros.”
  • O segundo passo, foi a criação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Esses 17, citados anteriormente neste artigo, abrangendo as dimensões ambiental, econômica e social do desenvolvimento sustentável.

Até aqui, parece semelhante ao que se espera de ações de impacto social positivo por parte dos diferentes atores sociais, não? Seguindo:

O terceiro passo do plano foca no acompanhamento e avaliação da Agenda 2030, “fundamentais para a sua implementação e deverão ser feitos sistematicamente nos níveis global, regional e nacional”, de acordo com o documento. Por fim, o quarto ponto prevê a implementação desses objetivos e, para tal, definiu metas que tratam dos meios necessários para a execução da Agenda. Coincidentemente, são os mesmos previstos no Objetivo 17, dos ODS.

Saiba mais: como medir o impacto de projetos socioambientais?

Quais são os ODS?

De acordo com a descrição da ONU sobre o objetivo principal de cada ODS, ele são: 

01 – Erradicação da pobreza: acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares.

02 – Fome zero e agricultura sustentável: acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável.

03 – Saúde e bem-estar: assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades.

04 – Educação de qualidade: assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.

05 – Igualdade de gênero: alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.

06 – Água limpa e saneamento: garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos.

07 – Energia limpa e acessível: garantir acesso à energia barata, confiável, sustentável e renovável para todos.

08 – Trabalho decente e crescimento econômico: promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos.

09 – Indústria, inovação e infraestrutura: construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação.

10 – Redução das desigualdades: reduzir as desigualdades dentro dos países e entre eles.

11 – Cidades e comunidades sustentáveis: tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.

12 – Consumo e produção responsáveis: assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis.

13 – Ação contra a mudança global do clima: tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos.

14 – Vida na água: conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares, e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável.

15 – Vida terrestre: proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da Terra e deter a perda da biodiversidade.

16 – Paz, justiça e instituições eficazes: promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.

17 – Parcerias e meios de implementação: fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.

Acessando o site dos objetivos de desenvolvimento no Brasil, você ainda consegue acompanhar o andamento do Brasil em cada um desses objetivos. No objetivo 14, por exemplo, que diz respeito à vida na água, o Brasil de 10 indicadores, conseguiu produzir até o momento apenas 1.

ODS e Impacto social, como se relacionam?

Antes de mais nada, é importante conceituar o que estamos considerando como “impacto social”. Do latim impactus, o impacto é o efeito diretamente atribuível a uma ação ou a consequência de determinado esforço para atingir um fim estabelecido.

No contexto de programas, projetos ou investimentos sociais, o impacto é simplesmente o conjunto de mudanças produzidas pela intervenção. Estas mudanças podem ser intencionais e não intencionais, positivas e negativas, diretas e indiretas.

Sendo assim, é importante compreender que o impacto pode ser mais amplo do que os objetivos declarados de uma intervenção ou negócio, o que afeta seu processo de medição e valoração.

O que ocorre é que impactos sociais são muitas vezes subjetivos e difíceis de se mensurar. Essa complexidade representa um grande desafio para projetos e negócios sociais, que, na sua maioria, acabam não tendo seus impactos – suas intervenções, ou mudanças –  avaliados.

Aqui entram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Oficialmente, os ODS não são uma métrica de avaliação e mensuração de impacto social, entretanto eles ajudam empresas, projetos e organizações a criarem um norte para as ações, considerando esses objetivos e indicadores.

No fim do dia, os ODS e o impacto social estão buscando um mesmo fim que é mudar positivamente, de certa forma, a realidade de uma sociedade, melhorando seu dia a dia, vida, sustentabilidade e economia.

Quer aprofundar-se ainda mais no assunto? Leia “Filantropia e os ODS”, Ebook produzido pela Rockfeller Philanthropy Advisors.

Conheça as Perspectivas para a Filantropia no Brasil 2024. Baixe a publicação completa:

Captcha obrigatório

O que é filantropia?

Filantropia é um conceito antigo, cujo significado vem se transformando ao longo dos séculos. A expressão é formada por duas palavras gregas. A primeira é filos, que quer dizer afeição, amor. E a segunda é antropo, que quer dizer homem, humanidade. Portanto, ao pé da letra, filantropia é ‘amor pela humanidade’.

No decorrer do tempo, porém, passamos a entender filantropia como ‘ações realizadas em favor do próximo, ou do bem público’. Talvez você esteja se perguntado: por que não chamamos de filantropo todo mundo que faz doações, que faz trabalho voluntário, que doa bens, enfim, que ajuda os outros?

Porque existe uma diferença entre quem pratica a caridade e quem faz filantropia. As pessoas que praticam a caridade estão buscando aliviar o sofrimento dos outros, enquanto a tendência da filantropia é tentar resolver o problema que está causando o sofrimento.

Conheça aqui as Perspectivas da Filantropia no Brasil 2023

Como solucionar a origem do problema quase sempre exige mais recursos e mais tempo, os ‘chamados’ filantropos costumam ser pessoas com maior poder aquisitivo. Por isso, quando pensamos em filantropos, logo lembramos dos grandes milionários. Um dos maiores exemplos atuais de filantropo é Bill Gates, criador da Microsoft, que destinou mais de 50 bilhões de dólares para a Fundação Bill e Melinda Gates. Antes dele, houve diversos outros, talvez o mais famoso seja John D. Rockefeller, mais conhecido simplesmente como Rockefeller, que construiu sua fortuna na indústria do petróleo, fez vultuosas doações e criou a Fundação Rockefeller.

 

Filantropia no Brasil

Aqui no Brasil também temos grandes filantropos, ainda que não cultivemos o costume de falar muito a respeito. Um deles é Guilherme Leal, fundador da Natura e de diversas organizações sociais que cobrem as várias causas apoiadas por ele. Outro filantropo brasileiro é Jorge Paulo Lemann, um dos sócios da Ambev, que também criou diversas organizações sociais. Mais recentemente, Elie Horn, fundador da construtora Cyrela, tem surgido como um grande filantropo. Ele foi o primeiro brasileiro a assinar o Giving Pledge, uma declaração de que vai doar, em vida, pelo menos metade de sua fortuna. O Giving Pledge é uma iniciativa lançada por Bill Gates e Warren Buffet, em 2010, que convida bilionários a se comprometerem a doar, no mínimo, 50% de suas riquezas antes da morte. Até outubro de 2021, a iniciativa contava com 224 assinaturas.

Estamos falando sobre pessoas, mas também existe a filantropia corporativa. Em 2020, o Banco Itaú doou R$ 1 bilhão para ajudar no combate à pandemia. É menos comum vermos doações realizadas pelas empresas com um caráter exclusivamente espontâneo e humanitário. As companhias costumam fazer doações estratégicas, alinhadas com sua atuação empresarial ou com públicos de interesse. Mas na pandemia também as empresas precisaram mobilizar em ações assistenciais.

 

Filantropia e Caridade: diferenças e semelhanças

De um modo geral, caridade e filantropia formam uma excelente dobradinha. Uma traz o alívio imediato e a outra trabalha para resolver o problema no longo prazo. E sempre foi assim ao longo da história. A primeira entidade filantrópica no Brasil foi a Santa Casa de Misericórdia de Santos, fundada em 1543. Naquela época, a caridade e a filantropia estavam fortemente concentradas na Igreja Católica, e permaneceu desse modo, aqui no Brasil, até o século XX, quando ocorreu a separação da Igreja e do Estado, e o surgimento de associações, sindicatos e partidos para defesa dos interesses da sociedade. Essas entidades foram evoluindo e se transformando. Surgiram as Organizações Não Governamentais, conhecidas como ONGs e, que, hoje em dia, são chamadas de OSCs, ou seja, Organizações da Sociedade Civil.

 

Para que serve a filantropia?

Todas essas instituições não têm fins lucrativos e trabalham para defender os interesses da sociedade em diversos campos, desde Saúde e Educação, até Cultura e Meio Ambiente. Para viver e funcionar, elas contam com as doações dos filantropos, das empresas e, eventualmente, de recursos advindos do governo. De acordo com Censo Gife 2018, as doações filantrópicas de institutos, fundações e empresas totalizaram R$ 3,5 bilhões naquele ano. Mas esse número foi muito mais alto em 2020, quando empresas doaram mais de R$ 6 bilhões apenas para o enfrentamento da pandemia de COVID-19, segundo levantamento feito pelo Monitor das Doações.

O longo período de instabilidade que o Brasil atravessou na última década prejudicou bastante o crescimento da filantropia. Mas a onda de solidariedade e empatia, gerada pela pandemia, pode ter virado esse jogo, mostrando a doadores e filantropos, que a responsabilidade por construir uma sociedade melhor para todos e todas está nas mãos de cada um de nós.

Por Andrea Wolffenbuttel, consultora associada do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social. 

O IDIS promove anualmente o Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais, um espaço exclusivo para a comunidade filantrópica se reunir, trocar experiências e aprender com seus pares, fortalecendo a filantropia estratégica para a promoção do desenvolvimento da sociedade brasileira.

No evento a discussão sobre filantropia e investimento social é ampliada e agregada com diversas temáticas que tangem a sociedade. Filantropos, especialistas e grandes investidores sociais contribuem com o debate.

Nos acompanhe nas redes sociais, inscreva-se em nossa newsletter e fique por dentro das novidades do universo da filantropia e do investimento social privado. Basta preencher o formulário abaixo:

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

ESG, RSC e ISP: o que significa e como as siglas se relacionam

Com o mercado atento às métricas de sustentabilidade e impacto socioeconômico das empresas privadas, é importante saber o que cada conceito propõe

Com o avanço da discussão sobre ESG (em português Ambiental, Social e Governança), seus limites e abrangência começam a se definir com mais clareza. Há dúvidas sobre até onde o conceito  influencia e se relaciona com outros que já vimos por aí, como a Responsabilidade Social Corporativa (RSC) e o Investimento Social Privado (ISP), principalmente no que diz respeito às pautas relacionadas ao “S”. 

Nesse artigo, você encontrará definições e conceitos sobre as três siglas e como elas fazem parte de um conceito mais amplo que todos os outros: a Sustentabilidade.

Vamos lá?

Sustentabilidade

A Sustentabilidade é o conceito mais amplo de todos quando se trata de olhar atentamente para as relações socioeconômicas e ambientais entre os diferentes setores (poder público, sociedade civil e iniciativa privada). 

O tema é debatido desde a década de 1960, quando começou a aparecer  a “suspeita” de que a exploração do meio ambiente pela atividade industrial não estava compatível com a finitude dos recursos naturais. As questões sociais e a intervenção humana também não demoraram a entrar na pauta, afinal, a questão da dignidade do homem já era um debate antigo.

A sustentabilidade compreende as relações na sociedade e suas demandas. Indivíduos, empresas, governos e sociedade civil passam a mudar sua mentalidade, visando equilíbrio entre economia, sociedade e meio ambiente. 

Este pensamento, por sua vez, influencia mudanças de comportamento e, no caso das empresas, pautará as prioridades de Responsabilidade Social Corporativa (RSC), Investimento Social Privado (ISP) e, por fim, o tão falado ESG

Um exemplo de sustentabilidade em sentido amplo são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), uma agenda multisetorial em que todos podem contribuir para o avanço das metas e indicadores estabelecidos.

Fonte: https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento/parcerias-e-meios-de-implementacao/

Responsabilidade Social Corporativa e o Investimento Social Privado 

Por sua vez, a RSC e o ISP são conceitos que dizem respeito principalmente às relações sociais, em especial entre a  iniciativa privada e sociedade civil. Se, por um lado, a sustentabilidade surge a partir de uma constatação acerca das relações entre a atividade humana e o ecossistema global, a RSC e o ISP surgem como reflexo de um sistema econômico globalizado, onde a iniciativa privada passa a assumir, de forma organizada e estratégica, pautas socioambientais que antes eram em sua maioria delegadas unicamente ao Estado.

A Responsabilidade Social Corporativa considera a empresa corresponsável pelo contexto socioambiental em que está inserida e sugere a atuação de forma intencional em duas dimensões:

  • Dimensão externa: mitigação dos impactos negativos gerados pela sua atividade principal. Ou seja, a empresa minimiza ou anula os efeitos colaterais externos que a sua atividade gera. Por exemplo, compensar a emissão de gases de efeito estufa de uma fábrica por meio do plantio de árvores. 

Aqui é importante notar que cada empresa possui atividades e efeitos colaterais específicos. Portanto, as ações de responsabilidade social corporativa podem variar de acordo com o tipo de empresa e atividade econômica.

  • Dimensão interna: prevê a busca da empresa por uma relação sustentável com seus colaboradores, fornecedores e clientes. Por exemplo, questões de diversidade e inclusão, saúde mental, remuneração, política de contratação de fornecedores, características do produto, entre outros.

Se por um lado a RSC diz respeito à qualidade da relação da empresa com diversos públicos, pautada por princípios de ética e transparência, o Investimento Social Privado (ISP), diz respeito, especificamente, à relação da empresa com o público ‘comunidade’. Entendemos o ISP como a alocação voluntária e estratégica de recursos privados, sejam eles financeiros, em espécie, humanos, técnicos ou gerenciais para o benefício público. Para promover a transformação social, esse investimento precisa ser feito com planejamento estratégico ancorado em dados, com indicadores pré-definidos, execução cuidadosa, monitoramento dos resultados e avaliação do seu impacto.

Por exemplo, uma empresa que oferece serviços pro bono para organizações sociais; uma empresa de tecnologia que oferece licenças gratuitas de sua plataforma para pessoas em vulnerabilidade social; ou uma empresa que realiza doações financeiras para organizações da sociedade civil implementarem projetos ou se fortalecerem institucionalmente, e assim por diante. 

Qual a relação dos conceitos com ESG? 

Pois bem, no ESG, falamos das relações entre a iniciativa privada e o mercado financeiro. Novamente, com uma economia altamente globalizada e o fluxo de informações cada vez mais dinâmico, vemos o mercado financeiro exercendo cada vez mais influência sobre as decisões corporativas. 

Isso porque investidores institucionais que são compostos por fundos de pensão, soberanos, seguradoras e grandes gestores de fundos, e que representam grande parte do capital alocado em empresas de capital aberto, apresentam uma preocupação com os riscos e geração de valor destes ativos no longo prazo, sobretudo os riscos não financeiros quando falamos de ESG.

Ao mesmo tempo, a maior rapidez de acesso às informações faz com que consumidores e sociedade tomem conhecimento cada vez mais rápido sobre o comportamento das marcas que consomem. Esse é o ponto de virada: o consumidor passa a se atentar às ações socioambientais das empresas antes de consumir. 

E é neste contexto que o posicionamento e as ações socioambientais e de governança das empresas passam a entrar na conta de risco e oportunidade dos investidores.

A agenda  ESG aproxima o  mercado financeiro ao debate sobre  sustentabilidade. Ao mesmo tempo, passa a considerar em suas decisões os riscos que estas pautas podem representar ao valor e à perenidade das empresas.  

Esse movimento faz com que investidores demandem informações precisas e mensuráveis sobre como a marca se posiciona com relação a temas emergentes nos tópicos ambientais, sociais e de governança.

O que é analisado pelos investimentos ESG 

Por se tratar da perspectiva do mercado financeiro sobre questões de sustentabilidade empresarial, o objetivo principal segue sendo a geração de valor. No entanto, os acionistas e financiadores consideram os aspectos não financeiros (como as métricas ESG) como um fator importante na tomada de decisão de investimentos. 

Sendo assim, para que o investimento considere os aspectos ESG, existem dois principais requisitos que a empresa deve cumprir: 

  • Transparência na mensuração de desempenho dos eixos ESG; 
  • Materialidade

Ou seja, todos os dados precisam ser divulgados de acordo com padrões internacionais de transparência empresarial (existem vários, como o GRI, SASB, TCFD, CDSB). Pelo fato destes padrões de relatórios ainda não estarem totalmente consolidados no mercado, atualmente cada empresa escolhe o sistema que mais faz sentido para sua atividade. No Brasil, o sistema mais adotado atualmente é o GRI

Já para a materialidade, é necessário que a avaliação seja bastante fiel ao que ocorre na realidade. É comum que empresas de grande porte contratem agentes externos (as auditorias) justamente para comprovar que determinadas mensurações são reais – ou materiais. E aqui, vale a mesma ideia explicada em RSC, no sentido de cada empresa possuir uma atividade específica e, por sua vez, externalidades (efeitos colaterais) específicas.

Portanto, cada empresa possui questões de materialidade próprias, para medir de fato o que importa considerando sua atividade principal. Por exemplo, uma empresa de mineração priorizará aspectos ambientais em detrimento de questões de inclusão digital, algo que se aplicaria melhor para empresas de tecnologia e mídia social. 

De forma simplificada, o ESG de maneira geral se trata de analisar os riscos não financeiros e geração de valor no longo prazo como a mensuração das práticas de Responsabilidade Social Corporativa e Investimento Social Privado de uma empresa.

Diferença conceitual entre ESG, RSC, ISP e Sustentabilidade

De acordo com as definições apontadas, há diferentes patamares de influência: de forma global, a maior consciência acerca dos temas socioambientais são representados pela Sustentabilidade. Na iniciativa privada, a RSC e o ISP (cada um com suas especificidades) representam a forma como cada empresa endereça os temas socioambientais da sustentabilidade. E o ESG, seria o olhar do mercado financeiro para a forma como os temas socioambientais são encarados pelas empresas.

Para facilitar, preparamos um resumo para compreensão: 

  • Sustentabilidade: em seu sentido amplo, a sustentabilidade significa o desenvolvimento da sociedade, economia e meio ambiente visando atender às necessidades do presente, ao mesmo tempo que não compromete a capacidade das próximas gerações de suprir as próprias necessidades. Trata-se de uma premissa que implica  na tomada de decisão de organizações (empresas, setor público e terceiro setor) e indivíduos.
  • Responsabilidade Social Corporativa: diz respeito aos processos de gestão empresarial, pautados por princípios de ética e transparência, de tal maneira que a torna corresponsável pelo contexto socioambiental em que está inserida.
  • Investimento Social Privado: é a alocação voluntária e estratégica de recursos privados, sejam eles financeiros, em espécie, humanos, técnicos ou gerenciais, para o benefício público. Em outras palavras, pode ser definido de maneira simplificada como: “filantropia com estratégia”.
  • ESG: entendimento pelo mercado financeiro que aspectos não financeiros representam riscos/oportunidades para geração de valor das empresas. Trata-se da avaliação e publicação (report) do desempenho das práticas de sustentabilidade empresarial nos eixos: Governança, Social e Meio Ambiente.

Conheça as frentes de atuação do IDIS.

Não é mais possível ignorar os impactos causados

O ESG surge em um momento em que é inevitável, seja pelo contexto histórico, seja pela amplitude de sua influência, que o tema da Sustentabilidade siga ignorado pelo  mercado financeiro. 

Assim, surgem diversos desafios, e um deles é como traduzir aos investidores as informações adequadas sobre  as práticas de RSC e ISP das empresas. Se o impacto social e sua mensuração tornam-se importantes ao mercado financeiro por meio do ESG, as práticas e o histórico do ISP e da RSC são essenciais para apoiá-lo neste desafio.

Quer saber mais sobre o tema? Acesse a Nota técnica “ESG e o S brasileiro”. 

Elaboração de Projetos: O que é e por que realizar?

A elaboração de projetos já foi muito discutida no terceiro setor. No entanto, ainda é uma ferramenta pouco utilizada pela maioria das organizações da sociedade civil. Saiba por que esse instrumento ainda é atual e deve ser realizado de forma coletiva.

“Projeto é um empreendimento planejado que consiste num conjunto de atividades interrelacionadas e coordenadas, com o fim de alcançar objetivos específicos dentro dos limites de tempo e de orçamento dados”.
(APREMAVI, 1999 apud ONU, 1984)

 

 

Um projeto é uma ação organizada. É o resultado obtido ao se “projetar” no papel tudo o que é necessário para o desenvolvimento de um conjunto de atividades: quais são os objetivos, quais os meios para atingi-los, quais os recursos necessários, onde serão obtidos e como serão avaliados os resultados. O projeto social deve responder, de forma positiva, a uma ou mais necessidades implícitas na causa social sobre a qual a organização atua.

A elaboração de um documento do projeto ajuda a sistematizar esse trabalho em etapas a serem cumpridas, a compartilhar a imagem do que se quer alcançar, a identificar as principais deficiências, e a superar e a apontar possíveis falhas durante a execução das atividades previstas.

Quando um projeto é elaborado em grupo, o resultado é mais amplo e profundo do que se alguém o tivesse feito sozinho, pois a troca de ideias no processo gera outras propostas; há aprendizados e uma nova solução pode aparecer. Além disso, nos projetos elaborados de forma participativa, todas as ideias têm permissão para aparecer e são discutidas até se chegar a um consenso. Deste modo, cada participante se apropria do resultado final e tem clareza do que acontecerá, de que maneira e por que será feito da forma previamente discutida. A construção coletiva de um projeto promove o compromisso de todos os participantes, pois se eles ajudaram a idealizá-lo, são também corresponsáveis pelas ideias acordadas.

 

Por que falar em elaboração de projetos?

O tema da elaboração de projetos se disseminou no terceiro setor nos anos 90. Nessa época, as organizações da sociedade civil (OSCs) passaram a criar formas de sobrevivência em um contexto de concorrência por recursos e no qual a profissionalização e as mudanças sociais relevantes são exigidas pelos financiadores. Capacitações e cursos voltados ao planejamento estratégico, elaboração e avaliação de projetos foram criados por consultorias e pelos próprios financiadores. Assim, ferramentas tradicionalmente usadas pelo setor privado passaram a ser adaptadas à realidade das OSCs.

No entanto, o que se percebe atualmente é que uma “elite” de organizações conquistou a profissionalização. Poucas instituições expandiram sua rede de relações com órgãos governamentais e instituições privadas e conquistaram facilidades para acessar recursos. A maioria se manteve distante desse processo, sendo mantidas por meio de formas tradicionais de captação de recursos, como o apoio da comunidade local, realização de bazares, bingos, jantares e festas, além de doações de pessoas físicas.

Esse afastamento da profissionalização não seria ruim não fossem duas questões. Em primeiro lugar, as maneiras tradicionais de captação já não funcionam com tanta eficácia. As comunidades estão menos coesas e os doadores estão mais exigentes. Em uma recente conversa para a prospecção de parceiros para o programa social de um cliente do IDIS, a liderança de uma organização afirmou que a cada ano diminui o número de doadores e que as pessoas não doam mais como antigamente. A organização tem dificuldade de captar novos doadores – o que denota a mudança no perfil dessas pessoas e a forma como eles desejam atuar socialmente.

A captação, portanto, precisa mudar. Suas ferramentas devem ganhar novas roupagens. As organizações, por exemplo, devem comunicar seus resultados com mais freqüência e por meio de recursos mais modernos. Devem utilizar novos canais de comunicação para mais do que pedir recursos, mobilizar e envolver os doadores de formas inovadoras. Os bazares, por sua vez, podem ser modernizados por meio da produção e venda de peças com design contemporâneo, e do engajamento de parceiros como lojas e restaurantes que produzam eventos mais interessantes. Bons projetos também devem ser desenhados e apresentados para serem financiados pelo setor privado ou público.

Em segundo lugar, a aplicação de ferramentas como planejamento estratégico, elaboração e avaliação de projetos contribui para que as OSCs revejam sua forma de atuação, passando do assistencialismo a uma ação mais transformadora e impactante diante das questões sociais. Esses processos geram reflexões sobre o contexto em que a organização atua e sobre o seu papel diante dele, além de fomentar o aparecimento de soluções mais efetivas, que se transformam em escopo do projeto a ser elaborado.

Por isso, ainda que o tema da elaboração de projetos tenha sido exaustivamente trabalhado na área social, é preciso retomá-lo. Diversas organizações, principalmente as de base comunitária, ainda não se beneficiaram dessa ferramenta. Elas tendem a ganhar com essa discussão sobre sua forma de atuar e sobre como conquistar sua sustentabilidade financeira.

CASES DE SUCESSO

O IDIS apoiou o planejamento estratégico do Instituto Avon, Fundação André e Lúcia Maggi – FALM e do Pacto de Promoção da Equidade Racial:

 

Quer saber mais sobre a consultoria e os serviços oferecidos pelo IDIS? Escreva para comunicacao@idis.org.br

 

Qual a diferença entre associações, institutos e fundações?

Além dos termos utilizados para designar os tipos de organização e/ou seus títulos jurídicos, algumas outras classificações são comumente utilizadas em referência a entidades do terceiro setor. Entende o que são e a diferença entre associações, institutos e fundações.

Uma Associação é definida por um grupo de pessoas, sem fins lucrativos, unidas em um objetivo comum relacionada a alguma causa socioambiental. Juridicamente, a exigência para o funcionamento de uma associação é a elaboração de um Estatuto Social registrado formalmente em um Cartório de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas.

O Estatuto Social é um importante documento, que deve refletir efetivamente os objetivos da OSC, sua forma e área de atuação, estrutura de funcionamento, regras de governança, sucessão, limites de responsabilidade patrimonial dos administradores, o modo de constituição do seu patrimônio, forma de prestação de contas, natureza jurídica, enquadramento tributário e se está sujeita ao controle externo de órgãos públicos.

Por sua vez, as Fundações são patrimônios constituídos para beneficiar uma causa. De acordo com o Código Civil, artigo 62, é necessário que o criador da Fundação, antes da sua instituição, especifique formalmente o destino do patrimônio. Elas podem ser criadas por empresas, indivíduos ou pelo poder público. O registro oficial é realizado também pelo Ministério Público.

As Fundações, como é o caso das associações, devem também dar frutos destinados ao desenvolvimento de causas socioambientais de interesse público e possuir, obrigatoriamente, um Estatuto Social.

Por fim, o termo Instituto não é uma classificação oficial, mas uma nomenclatura genérica. A palavra não consta na legislação brasileira e, portanto, não possui um enquadramento jurídico. O termo pode ser utilizado livremente como nome fantasia em qualquer organização do terceiro setor.

Conheça as Associações, Fundações e Institutos com quem o IDIS já trabalhou! 

OSCs, OSCIP e OS: o que são e como se diferenciam?

O terceiro setor é um universo cheio de terminologias e siglas que costumam confundir quem tenta compreender seus significados. Você sabe o que são ONGs, OSCs, OSCIPs e OSs? Qual a diferença entre Associações, Institutos e Fundações? 

Segundo dados da Pesquisa Doação Brasil 2020 sobre hábitos de doação dos brasileiros, apenas 37% dos indivíduos com hábitos regulares doam dinheiro para organizações da sociedade civils. Ao mesmo tempo, o nível de confiança nessas instituições, apesar de crescente, não passa de 60%, segundo dados globais da Edelman Trust Barometer 2022.

Esse artigo vai te situar sobre cada uma das siglas e ajudar você a compreender os diferentes modelos de atuação das organizações que compõem o terceiro setor.  Vamos lá!

 

Contexto histórico das OSCs no Brasil

Em primeiro lugar, é necessário saber quais requisitos uma organização precisa atender para fazer parte do terceiro setor. De forma geral, uma organização de terceiro setor busca gerar mudanças e benefícios no âmbito socioambiental, além de, necessariamente, não pertencerem ao setor público (governo) ou ao setor privado (empresas). 

Uma OSC, sigla para Organização da Sociedade Civil, segundo o glossário do IPEA é definida como um grupo de pessoas, legalmente constituído, que organizam uma entidade sem fins lucrativos e que exerçam atividades de interesse público sem visarem o lucro. A denominação OSC é um sinônimo para o que conhecemos ONG, Organizações Não-Governamentais. A nova denominação veio de um desejo de descrevê-las a partir daquilo que elas são de fato, e não a partir de uma negação – ‘não governamental’. 

As OSCs estão presentes no Brasil mais ou menos desde a década de 1950 e, na época, em um contexto muito único, estavam relacionadas principalmente à igreja e ligadas à educação básica. 

Com o passar dos anos, a quantidade de causas apoiadas pelas OSCs foi aumentando, na medida em que as pessoas compreendiam suas dificuldades e como a sociedade civil se organizava para resolvê-las. Uma ampliação significativa aconteceu a partir do surgimento de entidades de defesa aos direitos humanos, durante a Ditadura Militar no Brasil.

Na década de 1990, a partir de um processo de descentralização de diversos serviços de interesse público, o Brasil tornou-se um campo fértil para estruturação de OSCs, inclusive com incentivos governamentais, resultando em uma expansão considerável do número de organizações desse tipo no país.

O termo OSC foi designado oficialmente pela Lei n° 13.019/2014, o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), principal legislação que define e regulariza a atuação das OSCs no Brasil. Segundo a Lei, uma OSC pode ser definida em três possíveis estruturas:

 

1 – Entidade privada sem fins lucrativos: recebem esta denominação as organizações nas quais não há distribuição entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros de eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, devendo aplicá-los integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva

2 – Sociedades cooperativas: são organizações integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social; alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda; voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural; e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de cunho social

3 – Organizações Religiosas: refere-se a instituições ligadas a uma religião que se dedicam a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos;

 

 

Qual a diferença da OSC para OSCIP e OS?

Diferentes das OSCs, as OSCIPs (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) não são um tipo específico de organização, mas uma qualificação jurídica.

Isso significa, basicamente, que a OSCIP é um título que garante a legalidade de alguns benefícios para as organizações, principalmente a possibilidade de fomentos estatais, além de permitir que as doações realizadas por empresas sejam descontadas no imposto de renda.

De forma geral, as Organizações da Sociedade Civil são as entidades mais aptas para a solicitação do título de OSCIP justamente por seu caráter social e pelo seu papel de desenvolvimento social sustentável que promovem. O processo deve ser requerido no Ministério da Justiça.

Além dos requisitos comuns às OSCs, incluindo a necessidade de não possuir finalidade lucrativa, para se alcançar o título de OSCIP é necessário que a organização, segundo sua lei regulatória, n° 9.790 de 1999:

  • seja pessoa jurídica de direito privado
  • possua mais de três anos de funcionamento e constituição
  • tenha os objetivos sociais e as normas adequadas à lei
  • possua um Conselho Fiscal 

Adquirir o título de OSCIP não é uma obrigação para que as OSCs exerçam seu trabalho no Brasil. Entretanto, a denominação garante algumas possibilidades para a organização, como a instauração de vínculos com o Poder Público por meio de Termos de Parceria, um documento que oficializa um contrato entre o poder público e uma entidade de terceiro setor.

Já as OSs (Organizações Sociais) também são qualificações jurídicas dependentes da aprovação do Poder Público, mas ao contrário das OSCIPs, elas possuem uma função específica para atuação. As entidades qualificadas como OSs podem substituir e absorver as funções de entidades e órgãos extintos pela Administração Pública, em um processo chamado de Publicização.

Para serem classificadas como OS, as organizações precisam possuir um Conselho de Administração, com 20% a 40% de membros do Poder Público. O processo e a qualificação são regulamentadas pela Lei n° 9.637 de 1998.

No Brasil, há inúmeras organizações que atuam como OSs, em inúmeras causas. São exemplos de OS o Instituto do Câncer Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho e o Instituto de Responsabilidade Social Sírio Libânes

 

Qual a diferença entre associações, institutos e fundações?

Além dos termos utilizados para designar os tipos de organização e/ou seus títulos jurídicos, algumas outras classificações são comumente utilizadas em referência a entidades do terceiro setor. 

Uma Associação é definida por um grupo de pessoas, sem fins lucrativos, unidas em um objetivo comum relacionada a alguma causa socioambiental. Juridicamente, a exigência para o funcionamento de uma associação é a elaboração de um Estatuto Social registrado formalmente em um Cartório de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas.

O Estatuto Social é um importante documento, que deve refletir efetivamente os objetivos da OSC, sua forma e área de atuação, estrutura de funcionamento, regras de governança, sucessão, limites de responsabilidade patrimonial dos administradores, o modo de constituição do seu patrimônio, forma de prestação de contas, natureza jurídica, enquadramento tributário e se está sujeita ao controle externo de órgãos públicos.

Por sua vez, as Fundações são patrimônios constituídos para beneficiar uma causa. De acordo com o Código Civil, artigo 62, é necessário que o criador da Fundação, antes da sua instituição, especifique formalmente o destino do patrimônio. Elas podem ser criadas por empresas, indivíduos ou pelo poder público. O registro oficial é realizado também pelo Ministério Público.

As Fundações, como é o caso das associações, devem também dar frutos destinados ao desenvolvimento de causas socioambientais de interesse público e possuir, obrigatoriamente, um Estatuto Social.

Por fim, o termo Instituto não é uma classificação oficial, mas uma nomenclatura genérica. A palavra não consta na legislação brasileira e, portanto, não possui um enquadramento jurídico. O termo pode ser utilizado livremente como nome fantasia em qualquer organização do terceiro setor. 

 

Saiba mais:

Se você quiser se aprofundar mais sobre o tema, selecionamos algumas referências:

Conheça as Organizações, Associações e Fundações com quem o IDIS já trabalhou! 

 

Filantropia, colaboração e estratégias de longo prazo: perspectivas para o investimento social no Brasil

por Paula Fabiani, CEO do IDIS e Gabriella Bighetti, Diretora Executiva na United Way

A filantropia tem amadurecido no Brasil nos últimos anos. Com um início profundamente assistencialista, hoje conseguimos ver seu poder transformador vivido pelas pessoas em gerações. Isso porque filantropos e doadores – sejam pessoas físicas ou organizações – perceberam que problemas complexos e sistêmicos, demandam soluções colaborativas, estratégicas e de longo prazo.

A pandemia foi um ponto de inflexão nesse caminho de aperfeiçoamento. As colaborações sempre aconteceram, mas, especialmente neste período de crise sanitária, elas ganharam luz e dimensão nunca antes vistas e o investimento social privado obteve um aporte recorde. De acordo com o Monitor das Doações, da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), que acompanhou o aumento das doações de março de 2020 até agosto de 2021, foram doados R$ 7.164.458.094 como resposta à COVID-19. Destes, 85% foram realizados por empresas.

Do ponto de vista da doação individual, também experimentamos mudanças. De acordo com o World Giving Index 2022, ou Ranking Global de Solidariedade, o Brasil passou da posição 54 para a posição 18, entre 119 nações. O levantamento feito pela organização britânica Charities Aid Foundation leva em consideração doações em dinheiro, trabalho voluntário e ajuda a desconhecidos.

Foi nesse momento que, felizmente, a filantropia intensificou a colaboração. Não por coincidência, as últimas edições dos principais eventos brasileiros sobre o tema abordam essa conexão. Foi o caso da 11ª edição do Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, realizado em São Paulo no fim de setembro, e o Fórum Latino-Americano de Impacto Coletivo, da United Way Brasil (UWB) – organização filantrópica presente em mais de 40 Países -, realizado em outubro. Ambos trouxeram a mesma premissa: juntos vamos mais longe.

A tendência vai além da nossa região, ela é pauta em todo o mundo. Em novembro, o Global Philanthropy Forum 2022, que acontece desde 2013 nos Estados Unidos, trouxe também a colaboração como tema principal do seu encontro. “Shifting Power, Collective Action” ou, em tradução livre, “Mudando o poder, Ação Coletiva” foi a agenda da vez.

A partir da união entre filantropia e colaboração chegamos, enfim, ao que chamamos de filantropia transformadora – provando que uma doação pontual ou doações feitas ao longo de um ano, por exemplo, não promovem transformações consistentes. Não tem outra maneira de resolver problemas complexos como os do Brasil – desigualdade social, racismo estrutural e outras questões sistêmicas – sem uma forte atuação em rede e de forma perene. Por isso, a UWB acredita tanto na força do impacto coletivo e difunde a atuação a partir desta metodologia. Criada em Stanford pelos pesquisadores John Kania e Mark Kramer e divulgada em um artigo publicado em 2011 no Stanford Social Innovation Review, é uma abordagem em que um grupo de atores importantes, de diferentes setores, que têm compromissos de longo prazo com uma agenda comum, trabalha junto para resolver um problema social específico com escala.

A metodologia ainda é pouco conhecida na América Latina. Ela pressupõe também que é necessário ouvir e incluir os atores que figuram nas pontas dos processos. Afinal, eles detém o conhecimento das necessidades reais da comunidade, do território e têm uma capacidade ímpar de garantir a implementação de ações e projetos com agilidade. No Brasil, o GOYN SP (Global Opportunity Youth Network São Paulo) coloca em prática a metodologia, conectando jovens, empresas e outras organizações em prol da inclusão produtiva. Atuando na capital paulista, possui em sua rede 80 organizações como Itaú Educação e Trabalho, Instituto Coca-Cola Brasil, Fundação Tide Setubal, Fundação Arymax, Secretaria Municipal de Juventudes e PepsiCo e, só em 2022, impactou mais de 8 mil jovens das periferias.

Embora seja possível apontar os visíveis avanços e os olhares mais atentos à temática da filantropia, há ainda muitos desafios pela frente. É possível reconhecer que houve uma mudança na cultura das organizações, que estão se tornando mais criteriosas em relação à importância de avaliar o impacto de projetos, mas ainda enfrentam muitos desafios na hora de comprovar que os investimentos realizados estão gerando as transformações desejadas.

No IDIS, entre 2019 e 2020, foram realizadas sete consultorias dessa natureza. No biênio 2021-22, esse número saltou para 54, em sua maioria com a aplicação do protocolo SROI – ‘Social Return on Investment’, ou Retorno Social sobre Investimento. Esse processo gera uma agenda propositiva a investidores sociais e projetos, pois ao mesmo tempo em que identifica o sucesso das suas ações, aponta sugestões de melhoria, unindo investidores e beneficiários. Por tudo isso, a perspectiva de futuro para o investimento social privado no Brasil é otimista, mas só seguirá evoluindo de forma consistente se não esquecer a colaboração e as estratégias de longo prazo pelo caminho. Vamos desafiar o ditado e mostrar que juntos é possível ir longe e ainda mais rápido!

Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo.

Você já ouviu falar em Institutos e Fundações Comunitárias?

O conceito de Fundação Comunitária surgiu nos Estados Unidos, mais precisamente em Cleveland/Ohio, em 1914, como uma solução para a dificuldade que os bancos encontravam em satisfazer o desejo de seus clientes de doar parte de seus recursos para organizações filantrópicas em testamento, pois não havia regras específicas para isso. Desde então, se espalhou pelos Estados Unidos tornou-se popular em outros países da América do Norte, Europa e mais recentemente, na África. De acordo com o Community Foundation Atlas, atualmente existem mais de 1.800 Fundações Comunitárias no mundo, que movimentam anualmente mais de USD 5 bilhões.

Mas o que são Institutos ou Fundações Comunitárias? Certamente você conhece ou já ouviu falar de organizações não governamentais (ONGs) que lutam em prol de uma causa como saúde, combate à fome, educação, meio ambiente, etc. Diferente das ONGs tradicionais, os Institutos ou Fundações Comunitárias atuam em um território geográfico específico, seja este um bairro, distrito ou até uma cidade ou região, e trabalham na solução dos problemas prioritários daquela localidade, ou seja, são multi-temáticos.

Os Institutos e Fundações Comunitárias se diferem também em outros princípios como:

  • Não executam projetos sociais, seu objetivo é apoiar financeiramente e tecnicamente iniciativas no território em que atuam;
  • Constroem conexões, capacidade e confiança dentro do território;
  • Servem como ponte entre os diversos atores de dentro e fora da localidade;
  • São gestoras de doação e doadores;
  • Buscam a construção de fundos temáticos e fundos patrimoniais para garantir perenidade de investimento no território;
  • Sua governança tem membros do território em sua composição.

Os Institutos e Fundações Comunitárias têm um modelo de organização social que fomenta o protagonismo local e empodera a comunidade reduzindo desigualdades, promovendo o desenvolvimento local sustentável e agindo como interlocutora dos diversos stakeholders (parte interessadas).

INSTITUTOS E FUNDAÇÕES COMUNITÁRIAS NO BRASIL

Hoje, no Brasil, apenas três organizações operam neste modelo: o Instituto Comunitário Grande Florianópolis, o Tabôa – Desenvolvimento Comunitário e o Instituto Baixada Maranhense.  Entendendo a importância deste tipo de instituição para o desenvolvimento social inclusivo, o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), em parceria com a Charles Stewart Mott Foundation, criou o programa Transformando Territórios, que vem fomentando a criação de mais Institutos e Fundações Comunitárias no Brasil, desde 2018.

Você já ouviu falar em Institutos e Fundações Comunitárias?

Evento – Fundação ABH (antes da pandemia de Covid-19)

Uma das organizações participantes é a Fundação ABH, que atua na periferia sul da cidade de São Paulo com o objetivo de gerar sustentabilidade e trazer investimento de maneira perene para a região, tendo sempre atores da comunidade envolvidos na concepção e desenvolvimento de todos as iniciativas que realiza. Com apoio do IDIS e do Programa Transformando Territórios, em 2021, a Fundação ABH criou o projeto PerifaSul 2050, que está sendo construído por meio de um processo colaborativo e empoderador, onde são identificadas as temáticas prioritárias para o território em curto, médio e longo prazo, junto aos atores locais. É um projeto ambicioso, pois vai além da construção de um plano, ele fomenta o protagonismo local, a construção de relações de confiança e cria uma visão e objetivos comuns para a região.

Para a Fundação ABH, é fundamental a participação e o envolvimento das pessoas do território. Se todos se percebem como parte do processo, entendendo seu papel e como podem contribuir para alcançar os objetivos em comum, a comunidade se torna protagonista na construção de soluções, na inovação de seus fazeres e o resultado desse processo pode ser exponencial.

O PerifaSul 2050 já identificou as três causas “guarda-chuva” prioritárias para o território: Inclusão Produtiva; Desenvolvimento Comunitário e Vida Digna e Bem-Estar. Estas causas contemplam ainda subtemas que são abordados e discutidos em cada reunião. A cada oficina, os atores sociais traçam atividades, metas, objetivos e os resultados esperados. André Benelli, participante do PerifaSul 2050 e membro do coletivo Fora de Frequência, reforça o foco no desenvolvimento local: “Acredito que todos os temas escolhidos são de extrema relevância e, de certa forma, todos estão associados com direitos básicos da vida em sociedade. Com isso, proporcionar ações que melhorem todos esses campos sociais, é contribuir e muito com o desenvolvimento humano no território sul da cidade de São Paulo”.

Transformando Territórios e Fundação ABH

Evento – Fundação ABH (antes da pandemia de Covid-19)

Assim como a Fundação ABH outras organizações estão se desenvolvendo como Institutos ou Fundações Comunitárias e participando desta mudança no cenário do terceiro setor e da filantropia social. O Programa Transformando Territórios está atuando em parceria com organizações em São Paulo, Minas Gerais, Amazônia, Rio de Janeiro, entre outros.

Saiba mais sobre o Programa Transformando Territórios.

Por Marina Fay, Diretora-Executiva da Fundação ABH, e Paula Fabiani, CEO do IDIS

Ampliação do uso de incentivos fiscais pelos doadores

Flavia Regina de Souza | sócia do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados
Priscila Pasqualin | sócia do PLKC Advogados
Paula Fabiani | CEO do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Os Fundos Patrimoniais passaram a ser regulamentados no Brasil com a aprovação da Lei 13.800/2019. Eles permitem que instituições sem fins lucrativos estabeleçam uma base financeira sólida, capaz de sustentar ou complementar suas atividades de interesse público com os recursos gerados a partir do rendimento do patrimônio. Com isso, se tornam menos dependentes de recursos públicos, de novas doações e patrocínios, alcançam maior estabilidade financeira, asseguram sua viabilidade operacional e, em especial, a destinação perene de recursos privados para a promoção de causas de interesse público. Eles permitem, também, que a sociedade civil apoie instituições públicas, como universidades, hospitais, museus com a destinação de doações privadas voltadas investimentos voltados para o fomento, pesquisa, inovação, reformas, acervos, capacitação dos servidores públicos, sem substituição de verbas do orçamento público. Assim, em cenários de limitação de gastos públicos, os Fundos Patrimoniais são uma fonte alternativa e viável de recursos.

Apesar de muito positiva e inovadora, a Lei 13.800/2019 foi aprovada com vetos aos artigos referentes aos incentivos fiscais. Além do incentivo fiscal à doação, para que o potencial dos Fundos Patrimoniais seja desenvolvido ao máximo, é essencial que sua regulamentação tributária reconheça às Organizações Gestoras de Fundo Patrimonial o direito a não incidência dos impostos e contribuições sociais federais sobre os rendimentos de aplicação financeira, ganhos de capital e demais receitas.

Nesse sentido, tem-se o substitutivo apresentado ao PLC 158/2017 pelo senador Rodrigo Cunha (União/AL), antigo relator na Comissão de Educação, que recebeu subsídios da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos que demostram como os endowments são fomentados em outros países.

A proposta de substitutivo visa contemplar as doações realizadas por pessoas físicas e jurídicas à Organizações Gestoras de Fundos Patrimoniais com os incentivos fiscais de imposto de renda, sem aumento dos limites já existentes no ordenamento jurídico, em esfera federal.

O texto merece destaque em alguns pontos no tocante aos incentivos fiscais: a proposta prevê a ampliação do acesso dos fundos patrimoniais vinculados a outras causas que já contam com incentivos fiscais no ordenamento jurídico, mas ainda são subutilizados pelos contribuintes. É importante dizer que tais incentivos não representam aumento da renúncia de receita que demanda a elaboração de estimativa de impacto orçamentário-financeiro ou a criação de novas fontes de recursos; a experiência internacional nos mostra que a existência de um sistema de criação de Fundos Patrimoniais aliado à concessão de incentivos fiscais aos doadores cria um ambiente fértil para o desenvolvimento patrimonial dos Fundos, e estimula a cultura de doação como mecanismo de fortalecimento da sociedade civil e do desenvolvimento social.

O Substitutivo proposto traz dispositivos que visam aproximar a legislação brasileira da internacional, garantindo segurança jurídica à tributação das Organizações Gestoras, com normas interpretativas, e desonerando o Fundo Patrimonial do Imposto de Renda sobre aplicação financeira, com a aplicação de norma isentiva já existente para os fundos de pensão.

Merecem destaque as propostas do Substitutivo como a que propõe que as OGFPs tenham a tributação de sua própria atividade definida com base na causa de interesse público a que se destinam – se causas imunes, devem ser imunes a impostos; se causas isentas, devem ser isentas a impostos; outro ponto é o direito à isenção da COFINS, já prevista na legislação atual, sobre todas as receitas previstas no art. 13 da Lei nº 13.800/2019.

Além disso, as Organizações Gestoras devem poder investir o principal do fundo patrimonial tanto no exterior quanto em participações societárias, se isso se mostrar a estratégia mais conveniente para perenizar e rentabilizar o patrimônio do fundo e se os rendimentos forem usados para custear sua atividade fim, sem que isso afaste seu direito à imunidade ou à isenção de impostos e também remunerar a valor de mercado os membros de todos os seus órgãos de governança, se isso se mostrar necessário à boa gestão da instituição, sem que isso afaste seu direito à imunidade ou à isenção. Sem falar na isenção de Imposto de Renda incidente sobre aplicações financeiras para as OGFPs que se dediquem a causas de interesse público, mesmo aquelas que não sejam abrangidas pela imunidade constitucional, tendo em vista a relevância desses fundos para a sustentabilidade de longo prazo dessas causas. O bem social a ser promovido pelas OGFPs é maior do que o potencial impacto econômico e orçamentário que seria possivelmente gerado, tendo em vista que tais instituições destinam recursos a programa, projetos e causas de interesse público, realizados por instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos.

A proposta de substitutivo busca complementar a Lei 13.800/2019, utilizando-se das ideias do projeto original, e incluindo medidas que consideramos imprescindíveis à uma adequada regulamentação dos incentivos fiscais e da tributação dos Fundos Patrimoniais. Após 4 anos de tramitação é urgente a aprovação do PLC 158/2017, com a finalidade de se atingir maior adesão à lei e de se fomentar a cultura de doação do país.

O texto foi originalmente publicado pelo Estadão no dia 27/08/2022 

Com confiança e estratégia, a solidariedade é ainda mais forte!

Paula Fabiani – CEO do IDIS
Texto publicado originalmente pela Folha de São Paulo em 21/08/2022

O brasileiro é conhecido por ser um povo solidário, mas até recentemente, não tínhamos dados para afirmar se existia, de fato, uma cultura de doação no país. Em 2015, a primeira edição da Pesquisa Doação Brasil, realizada pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, relevou que mais de três quartos da população havia feito uma doação – seja dinheiro, bens ou tempo, na forma de voluntariado. A segunda edição, com dados de 2020, constatou que as classes mais privilegiadas passaram a se engajar mais e a percepção geral sobre doação passou a ser mais positiva. Por outro lado, metade dos entrevistados disse não conhecer o papel das organizações da sociedade civil (OSCs) e 33% afirmou não ter certeza se o ato de doar faz alguma diferença. Naquele ano, doações em dinheiro a OSCs somaram R$ 10,3 bilhões, o equivalente a 0,14% do PIB.

Se por um lado constatamos que existe engajamento, também identificamos espaço para crescer e amadurecer. Em relação a outros países, em 2021, o Brasil se encontrava na posição 54 entre 114 nações na prática da solidariedade, segundo o World Giving Index, publicado pela britânica Charities Aid Foundation.

Quando consideramos o investimento social de empresas e famílias, os levantamentos também mostram mudanças. Durante a pandemia, os recursos investidos em causas atingiram seu recorde. De acordo com o Censo GIFE 2020, o montante total investido foi de R$ 5,3 bilhões – aumento de 53% em relação a 2018. Apesar do grande volume, ele não foi igualmente distribuído. Naquele ano, enquanto mais de três quartos dos entrevistados financiaram projetos nas áreas de Educação e Assistência, em especial em ações para o enfrentamento da Covid-19, menos da metade investiu em causas de grande relevância para o país como Meio Ambiente, Defesa de Direitos e Democracia e, apenas 36%, em Fortalecimento da Gestão Pública ou em Ciência e Tecnologia. Mais uma vez, os dados mostram que há possibilidades de evolução.

É preciso um olhar estratégico na prática da filantropia para que ela seja poderosa e transformadora. É preciso focar em sanar as causas dos problemas socioambientais, e não apenas seus efeitos. E essa tomada de consciência é necessária em toda a sociedade. A boa notícia é que estamos dando passos importantes nessa direção. Durante a pandemia de Covid-19, muitos doaram para aliviar o sofrimento dos grupos mais vulneráveis, uma abordagem assistencialista extremamente necessária naquele momento. Por outro lado, diversos doadores sabiam a mudança que queriam provocar, e desenvolveram tecnologias e caminhos inovadores para gerar impacto positivo. Doaram com rapidez e confiança nas OSCs. E as entidades beneficiárias responderam criando redes de apoio para levar ajuda a todos que precisavam.

Esse momento raro, do casamento da confiança com a estratégia, trouxe frutos maravilhosos e modificou a maneira como atuamos. Ouso acreditar que corporações e famílias com mais recursos ainda estão sob o efeito mágico produzido pelas transformações que foram capazes de gerar. E buscam evoluir na sua prática filantrópica, refletindo, monitorando e avaliando o impacto produzido na sociedade.

Testemunhamos um número crescente de empresas preocupadas com agenda ASG (ambiental, social e governança). Por parte das famílias mais privilegiadas, ainda que sutil, vemos um aumento da constituição de fundos patrimoniais filantrópicos, instrumento que permite perenizar o investimento social. Acompanhamos também o surgimento de ações colaborativas, fundamentais para acelerar mudanças socioambientais em linha com os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

O debate sobre a importância da filantropia foi impulsionado pela pandemia, e correntes de solidariedade surgiram em todo país. Vemos que a confiança e as estratégias estão amadurecendo, na medida em que aprendemos que o ato de doar tem o poder de mudar realidades. Mas, se quisermos realmente contribuir para a redução das desigualdades sociais no país, precisaremos da união entre empresas de todos os setores e portes, organizações da sociedade civil, governos e todos os brasileiros e brasileiras. O caminho é longo, mas o fundamental já temos, que é a solidariedade e o desejo de um Brasil justo e sustentável.

Investimento Social: seis passos para estruturá-lo em uma empresa

Em agosto de 2019, o Business Roundtable, grupo formado pelos CEOs das cem maiores companhias norte-americanas, declarou que, na sua visão, o propósito de uma empresa não era somente proporcionar lucro a seus acionistas. O propósito de uma empresa é também entregar valor aos seus clientes, investir em seus funcionários, lidar de forma justa com os fornecedores e apoiar as comunidades em que atuam. Em resumo, as empresas devem ir além de seus números, e impactar positivamente a sociedade.

Esta declaração histórica é o resultado de uma longa caminhada que, no Brasil, começou há cerca de quatro décadas e evolui por meio de diversos conceitos que vão desde responsabilidade social até ESG, passando pelo investimento social corporativo.

Saiba mais sobre estes conceitos

Independentemente dos rótulos, o importante é a percepção de que empresas são organismos poderosos, que devem usar seu potencial para melhorar a sociedade na qual atuam e da qual retiram os recursos para sua existência.

E como fazer isso de forma que traga benefícios concretos para todos?

O primeiro passo é admitir que problemas socioambientais são complexos e que, normalmente, as empresas não sabem lidar com eles, portanto, é necessário dedicação antes decidir o que fazer.

Escolha do foco de investimento social para atuação

O ideal é começar tentando identificar em qual faixa do imenso espectro de problemas sociais a empresa tem maior possibilidade de contribuir. Considere nesta análise os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e como é possível apoiar o cumprimento das metas estabelecidas na Agenda 2030.

A resposta pode estar ligada ao setor de atividade da firma. Por exemplo, um fabricante de alimentos provavelmente tem capacidade para atuar no combate á fome. Um banco pode contribuir com ações de educação financeira.

Ou ela pode ter relação com a estrutura de operação. Um distribuidor de bebidas pode contribuir com sua capilaridade, enquanto uma escola pode ceder seu espaço ocioso para alguma atividade.

Há ainda a possibilidade da atuação vir do local onde a empresa está instalada e até mesmo da comunidade onde se encontram seus fornecedores ou clientes.

O importante aqui é que exista um vínculo, uma razão ao se escolher uma causa ou uma região para ser adotada, porque é essa ligação que vai dar sentido ao investimento social e vai envolver toda a cadeia de stakeholders, desde os sócios.

Pensando no ESG, essa escolha é chamada de “materialidade”. Ou seja, algo que diga respeito realmente a onde/quem/ o que a empresa atinge de uma forma ou de outra.

Nota técnica: ESG e o “S” brasileiro

Diagnóstico do problema

Uma vez escolhida a causa ou o foco de atuação, vem a etapa de diagnóstico. Ela serve para compreender quais os principais problemas existentes nesse foco, quais tentativas de solução já foram experimentadas e quem são as pessoas e organizações envolvidas com essas questões.

Muitos investidores sociais perdem tempo e dinheiro porque acreditam ter a solução para alguma situação, sem, na verdade, conhecer a realidade das pessoas ou local que sofrem com aquele problema.

Portanto, é necessário estudar bem o problema que se quer atacar. E isso serve para qualquer tamanho de investimento social. Mesmo uma iniciativa pequena, deve ser bem concebida para surtir efeito e, quem sabe, tornar-se um grande projeto!

Definição do projeto de impacto social a ser realizado

Após entender o problema a ser atacado, chegou a hora de definir qual a intervenção a ser realizada. Para qualquer questão que tenha sido escolhida, existirão diversas abordagens possíveis.

O combate à fome não se restringe à doação de alimentos. Ele pode ser feito por meio de capacitação para o emprego, de educação para melhor utilização de alimentos ou estímulo à produção de alimentos mais baratos.

O melhor é optar pelo caminho mais viável dentro das condições da empresa e que traga mais impactos positivos para os beneficiários.

Ao final desta etapa é necessário ter as respostas para as seguintes perguntas:

  • O que vai ser feito?
  • Como vai ser feito?
  • Onde vai ser feito?
  • Quando vai ser feito?
  • Quanto vai custar?
  • Quais resultados queremos atingir?
  • Quais indicadores serão monitorados?

Fazer com as próprias mãos ou apoiar quem já faz?

Esta é outra decisão importante. Como a empresa vai conduzir sua ação social? Vai realizar ela própria ou vai optar por apoiar organizações sociais que já trabalham com a causa ou na comunidade escolhida?

Na verdade, estamos buscando a resposta para a pergunta: quem vai fazer?

Se a empresa vai operacionalizar as ações sociais, será preciso destacar ou contratar pessoas e criar uma célula dentro da companhia com essa responsabilidade, exigindo uma estrutura robusta. Ela estabelecerá uma ligação próxima com os beneficiários e terá maior controle sobre os resultados alcançados.

Se a empresa optar por apoiar organizações do Terceiro Setor para realizarem a ação social, não precisará fazer modificações internas profundas. Em compensação, haverá menos controle sobre a operação e resultados.

Como saber se deu certo?

Depois de todo esforço e dedicação para a realização de uma ação social, é fundamental saber se a intervenção gerou impactos positivos aos beneficiários. Recomenda-se que, antes de começar algum projeto, já se defina quais são as metas a serem perseguidas, quais os indicadores que dirão se elas foram alcançadas ou não e quais os processos que integrarão a avaliação. Fomentar a cultura avaliativa é desejável. O processo mostrará onde estão as fortalezas e onde há espaços para melhorias.

Convide todo mundo para participar

Um projeto social é uma iniciativa que deixa todo mundo entusiasmado. Equipe internas, fornecedores, parceiros, clientes, investidores, comunidade. Por isso, é muito importante contar para todos eles o que será feito e convidá-los a fazer parte. Eles podem dar ideias para melhorar o projeto, podem fazer doações para complementar a verba, podem realizar trabalho voluntário, podem ajudar a divulgar e mais uma série de coisas que nem sequer conseguimos imaginar. E ainda que não se engajem diretamente, podem reconhecer o valor da ação e recompensar a empresas pela atitude.

Com estas seis etapas, empresas se colocam na direção correta para honrar o propósito que se espera de uma empresa atualmente. O IDIS apoia investidores sociais privados em toda esta jornada. Conheça nossos serviços e algumas histórias de sucesso.

Por Que as Empresas Estão Implantando Códigos de Ética?

16/08/2006 – Escrito por Maria do Carmo Whitaker* e publicado originalmente no livro “Ética na Vida das Empresas – Depoimentos e Experiências”, o artigo defende que o código de ética é um facilitador para se aliar lucros, produtividade, qualidade e eficiência de produtos e serviços, além de outros valores intangíveis que advêm das pessoas que as integram as empresas, tais como honestidade, justiça, cooperação, compreensão.

“Nossa empresa é ética. Temos uma filosofia de trabalho que prioriza a coerência entre o que se diz e o que se faz. Preservamos nossos valores. Somos reconhecidos no mercado por essa nossa postura. Não transigimos com nossos princípios. Assim, não precisamos de código de ética”. Não raro esse comentário advém de empresários que exercem importante papel de liderança, sem perceberem as reais vantagens de adotar, para suas empresas, códigos de ética ou guias de conduta.

Isso não quer dizer que para ser ética, seja imprescindível que a empresa adote um código de conduta. O importante é que, se optar por adotá-lo, deverá estimular a vivência prática de seu conteúdo no dia-a-dia.

 

Código de ética ou guia de conduta

O código de ética é um instrumento de realização da filosofia da empresa, de sua visão, missão e valores. “É a declaração formal das expectativas da empresa à conduta de seus executivos e demais funcionários.” 1

O código de ética deve ser concebido pela própria empresa, expressando sua cultura. Serve para orientar as ações de seus colaboradores e explicitar a postura da empresa em face dos diferentes públicos com os quais interage. É um instrumento que serve de inspiração para as pessoas que  aderem a ele e se comprometem com seu conteúdo. É imperioso que haja consistência e coerência entre o que está disposto no código de ética e o que se vive na organização. Se o código de conduta de fato cumprir o seu papel, sem dúvida significará um diferencial que agregará valor à empresa.

 

 

As empresas estão implantando códigos de ética porque esse documento tem a faculdade de:

  • Fornecer critérios ou diretrizes para que as pessoas se sintam seguras ao adotarem formas éticas de se conduzir.
  • Garantir homogeneidade na forma de encaminhar questões específicas.
  • Aumentar a integração entre os funcionários da empresa.
  • Favorecer ótimo ambiente de trabalho que desencadeia a boa qualidade da produção, alto rendimento e, por via de consequência, ampliação dos negócios e maior lucro.
  • Criar nos colaboradores maior sensibilidade que lhes permita procurar o bem-estar dos clientes e fornecedores e, em consequência, sua satisfação.
  • Estimular o comprometimento de todos os envolvidos na elaboração do documento.
  • Proteger interesses públicos e de profissionais que contribuem para a organização.
  • Facilitar o desenvolvimento da competitividade saudável entre concorrentes.
  • Consolidar a lealdade e a fidelidade do cliente.
  • Atrair clientes, fornecedores, colaboradores e parceiros que se conduzem dentro de elevados padrões éticos.
  • Agregar valor e fortalecer a  imagem da empresa.
  • Garantir a sustentabilidade da empresa.

Eis as razões2 que respondem à pergunta formulada no título. Elas levam as pessoas a acreditarem na possibilidade de explorar um caminho que abre espaço para que percorram juntos, sem antagonismo, os valores intangíveis e os resultados econômicos.

As pessoas que se dedicam à consultoria podem facilmente identificar, senão todos, ao menos alguns dos efeitos gerados nas empresas e nos seus colaboradores, durante e após o processo de implantação do código de ética ou do guia de conduta.

 

A crescente preocupação dos empresários

Os líderes empresariais perceberam que a ética passou a ser um fator de competitividade. Por isso é crescente a preocupação, entre os empresários brasileiros, com a adoção de padrões éticos para suas organizações. Sem dúvida, os integrantes dessas organizações serão analisados através do comportamento e das ações por eles praticadas, tendo como base um conjunto de princípios e valores.

Da mesma forma que o indivíduo é analisado pelos seus atos, as empresas (que são formadas por indivíduos) passaram a ter sua conduta mais controlada e analisada, sobretudo após a edição de leis que visam à defesa de interesses coletivos.

 

Todas as pessoas querem ser éticas . E a empresa?

De modo muito simples e resumido pode-se afirmar que é ético aquele que, livremente, com a consciência bem formada, responsabilidade e reta intenção, aplica a inteligência na procura da verdade e a vontade na busca do bem, em todas as circunstâncias. Nessa definição está a referência, o parâmetro da pessoa ética e pode-se afirmar com toda segurança, que existem muitas pessoas que se esforçam por atingir essa meta.

A fonte da Ética é a própria realidade humana, o ambiente em que se vive. Desta forma, o ambiente de trabalho, no qual se convive grande parte do dia, se desenvolve em uma sucessão de escolhas para tomadas de decisões e de práticas de virtudes, que nada mais são do que os valores transformados em ação.

A credibilidade de uma instituição é o reflexo da prática efetiva de valores como a integridade, honestidade, transparência, qualidade do produto, eficiência do serviço, respeito ao consumidor, entre outros. Conclui-se, portanto, que quando se fala em empresa ética, quer-se dizer que as pessoas que nela trabalham são éticas e buscam a excelência. Que os princípios e valores eleitos pelos seus fundadores e que impregnam a cultura da organização são éticos. Que os seus colaboradores, desde a alta administração até o último contratado, zelam pela conduta ética, e procuram exercer a liberdade com responsabilidade, tanto no seu relacionamento interno, como com o público externo.

Em suma, as pessoas são éticas; a empresa é uma pessoa jurídica, uma ficção de direito que, como se disse, refletirá a conduta daqueles que a representam.

 

Vulnerabilidade das empresas

Em consequência, se a ética é questão de conduta das pessoas  não cabe a indagação sobre que tipo de empresas são mais vulneráveis às fraudes e problemas éticos, se as pequenas ou as grandes. Cada ser humano desenvolve um papel na sociedade. São as convicções e comprometimentos das pessoas, que conduzidas pela sua consciência, bem ou mal formada, praticarão condutas éticas ou antiéticas. Qualquer um de nós está sujeito às fraquezas humanas e, portanto, torna-se um imperativo a manutenção de um esforço diário para a prática do bem.  Assim, o problema não é das pequenas ou grandes empresas, mas das pessoas que integram as grandes e pequenas empresas.

 

Dois grandes desafios

Nessa dimensão ética distinguem-se dois grandes planos de ação que são propostos como desafios às organizações: de um lado, em termos de projeção de seus valores para o exterior, fala-se em empresa cidadã, no sentido de respeito ao meio ambiente, incentivo ao trabalho voluntário, realização de algum benefício para a comunidade, responsabilidade social, sustentabilidade, etc.

De outro lado, sob a perspectiva de seu público mais próximo, como executivos, acionistas, empregados, colaboradores, fornecedores, envidam-se esforços para a criação de um sistema que assegure um modo ético de operar, sempre respeitando os princípios gerais da organização e os princípios do direito e da moral.

São muito pesados os ônus impostos às empresas que, despreocupadas com a ética, enfrentam situações que muitas vezes, em apenas um dia, destroem uma imagem que consumiu anos para ser conquistada. Multas elevadas, quebra da rotina, empregados desmotivados, fraude interna, perda da confiança na reputação da empresa, são exemplos desses ônus.

Daí o motivo de muitas empresas terem adotado elevados padrões pessoais de conduta para seleção de seus empregados, cientes de que, atualmente, a integridade nos negócios exige profissionais altamente capazes de conciliar princípios pessoais e valores empresariais.

 

Gestão da ética

Ao lidar com pessoas, é imprescindível considerar a dignidade da pessoa, facilitando e promovendo o seu crescimento integral. Não se pode considerar as pessoas como simples elementos de produção e geração de lucros, que estão a serviço da empresa. Ao contrário, a empresa ética torna-se um instrumento do desenvolvimento econômico, a serviço da mulher e do homem integral, um campo riquíssimo de aperfeiçoamento da pessoa.

O empresário ético, que tem visão de futuro, investe na formação de seus colaboradores e conquista o comprometimento deles; lança desafios para que cresçam e se superem.

Por essa razão, muitas empresas de respeito empreendem um esforço organizado, a fim de encorajar a conduta ética entre seus empregados. Para tanto, implantam códigos de ética, reciclam o aprendizado de seus executivos e colaboradores, idealizam programas (hoje em dia programas virtuais) de treinamento, criam comitês de ética, capacitam líderes que percorrem os estabelecimentos da organização incentivando o desenvolvimento de um clima ético. Nessa perspectiva, servem-se de consultores externos que os assessoram na elaboração de códigos de conduta e no desenvolvimento do clima ético, sensibilizando seus integrantes, mediante cursos e palestras, e participando ativamente de treinamentos, procurando adequar tudo à legislação e aos critérios oferecidos por instituições internacionais de renome.

 

O empresário ético no seu dia-a-dia

Após inúmeras conversas e entrevistas com empresários que privilegiam a ética foi possível identificar os seguintes itens em suas condutas:

  • Certificam-se de que sua consciência foi bem formada.
  • Seguem a voz de sua consciência.
  • Não transigem com seus princípios.
  • Agem com liberdade e responsabilidade.
  • Cercam-se de bons assessores.
  • Desenvolvem suas próprias competências e estabelecem planos estratégicos.
  • Aglutinam e mobilizam pessoas, estimulam iniciativas e novas idéias.
  • Conquistam a confiança de seus colaboradores e investem no seu treinamento.
  • Respeitam as pessoas, valorizando a dignidade de cada colaborador, cliente, fornecedor, concorrente, e todas as demais pessoas de seu círculo de relacionamento.

 

Aliar resultados econômicos aos valores intangíveis

Pode-se concluir, portanto, que o código de ética é um facilitador para se aliar lucros, resultados, produtividade, qualidade e eficiência de produtos e serviços, além de outros valores típicos de empresa, com valores intangíveis que advém das pessoas que a integram, tais como: honestidade, justiça, cooperação, tenacidade, compreensão, exigência, prudência, determinação, entre outros.

*Maria do Carmo Whitaker, professora universitária, sócia fundadora e ex-diretora da Associação Latino-Americana de Ética, Negócios e Economia, – Alene. Advogada, membro do Tribunal de Ética da OAB/SP. Membro do Grupo de Excelência em Ética e Responsabilidade Social do Conselho Regional de Administração – CRA/SP, consultora de Ética nas organizações e organizadora do site de ética empresarial do Portal Academus.

1 ARRUDA, Maria Cecilia Coutinho de, RAMOS, Jose Maria Rodriguez e WHITAKER, Maria do Carmo. Fundamentos de Ética Empresarial e Econômica. São Paulo: Atlas, 2003. p.64.

2 ARRUDA, Maria Cecilia Coutinho de. Código de Ética: um instrumento que adiciona valor. São Paulo: Negócio Editora, 2002. p. 2-18. (com adaptações)

Saiba mais sobre práticas empresariais sustentáveis:

O que é Capitalismo de Stakeholders?

ESG, RSC e ISP: o que significa e como as siglas se relacionam?

Colaboração e materialidade: fatores-chave para empresas concretizarem ações sociais da pauta ESG

Como entender os dados sobre doações de indivíduos no Brasil

Produzir e divulgar dados sobre as organizações da sociedade civil é uma recomendação que aparece em três das cinco diretrizes para a promoção da cultura de doação. É normal que seja assim. Quanto mais sabemos sobre um tema, mais entendemos e mais conseguimos atuar sobre ele.

Mas muitas vezes, o que dificulta não é a falta de dados, senão a existência de diversas pesquisas, com resultados aparentemente conflitantes, a respeito de um mesmo assunto.

Isso acontece com as diferentes pesquisas sobre doação de indivíduos no Brasil. Para quem trabalha no tema, é fácil entender as características de cada levantamento, mas para quem está de fora, acaba parecendo confuso.

Vou contar a origem dessas pesquisas e como cada uma pode ser interpretada.

World Giving Index (WGI)

É uma pesquisa global anual, realizada pela britânica Charities Aid Foundation (CAF), representada no Brasil pelo IDIS, cujo intuito é criar um ranking de países classificados de acordo com o grau de solidariedade de cada população.

Para calcular o grau de solidariedade, são feitas três perguntas simples, que podem ser aplicadas em todos os países, independentemente das diferenças culturais.

1)     Você doou dinheiro para alguma organização social no último mês?

2)    Você ajudou algum desconhecido no último mês?

3)   Você fez trabalho voluntário para alguma organização social no último mês?

O que caracteriza essa pesquisa? Foco em organizações sociais (não levam em consideração igrejas, partidos políticos, etc). Foco no último mês, porque dá mais precisão, já que a resposta está fresca na memória.

Só que essas duas características restringem o volume de respostas positivas. Portanto, a tendência do WGI é dar um resultado baixo. Mas o interessante dessa pesquisa não é ver o percentual, é comparar a posição de um país com o outro.

Então, minha recomendação é que você use o WGI sempre que precisar comparar o Brasil com outras nações.

Pesquisa Doação Brasil

Esta pesquisa, realizada a cada cinco anos pelo IDIS, tem um objetivo completamente diferente: quer traçar um retrato amplo e profundo do doador e do não doador brasileiro. Ela tem a vantagem de ser feita por uma instituição brasileira, ou seja, os organizadores conhecem nossa realidade.

PESQUISA DOAÇÃO BRASIL 2020

A Pesquisa Doação Brasil também se restringe a mensurar as doações e o trabalho voluntário para organizações sociais. Mas em vez de cobrir o último mês, ela cobre o ano anterior inteiro.

Esta é a pesquisa mais rica e confiável que existe sobre doação de indivíduos no Brasil, mas tem o problema de só ser realizada a cada cinco anos. Até o momento, existem apenas duas edições, a de 2015 e a de 2020, que, em breve vai ficar defasada.

Mesmo assim, se você quer mergulhar no mundo da doação de indivíduos no Brasil, escolha a Pesquisa Doação Brasil.

Brasil Giving Report

Quando o IDIS fez a primeira Pesquisa Doação Brasil, em 2015, a Charities Aid Foundation (CAF) achou o material tão rico e interessante, que decidiu produzir um estudo parecido para os escritórios de sua rede (África do Sul, Austrália, Brasil, Índia e Rússia).

Para viabilizar anualmente esse estudo, a CAF precisou fazer um número reduzido de perguntas e, mais uma vez, padronizá-las para diferentes realidades.

Considerando as ações realizadas nos últimos doze meses, o Giving Report optou por ampliar a abrangência das atividades mapeadas, incluindo doações e voluntariado para instituições religiosas e ativismo político.

Essas alterações tiveram o efeito de aumentar o volume de respostas positivas, portanto, a tendência do Brasil Country Report é apresentar resultados melhores.

A grande vantagem do Brasil Giving Report é que ele se repete todos os anos, então, se você quer acompanhar a evolução do comportamento doador no Brasil, esta é a pesquisa.  

Recomendação final

Espero ter conseguido ajudar um pouco aqueles que procuram entender melhor os dados sobre doação individual no Brasil e, antes de terminar, deixo uma última recomendação: não compare os resultados de uma pesquisa com os de outra porque elas utilizam metodologias diferentes e chegam a números diferentes. Procure sempre comparar os resultados de diferentes edições de uma mesma pesquisa. Assim você terá a garantia de chegar a resultados seguros!

Boa sorte!

 

Por Andréa Wolffenbüttel, Consultora Associada ao IDIS e membro do Comitê Coordenador do MCD, em artigo publicado originalmente no LinkedIn Movimento por uma Cultura de Doação

O ‘S’ do ESG brasileiro não irá evoluir sem dialogar com a sociedade civil organizada

Por Renato Rebelo, diretor de Projetos do IDIS

Nota-se nesse assunto uma certa dificuldade de tornar materiais ações e medidas para que o ‘social’ se fortaleça na cultura de empresas e seja, enfim, perene na sociedade. Conheça uma possível solução

A B3 (Bolsa de Valores no Brasil) anunciou no ano passado que passaria a ter novas regras para o seu Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). As mudanças do ranking partiram principalmente de uma pressão por parte de investidores para que as empresas avaliadas passassem a estar cada vez mais atentas a ações “ESG” (em português, ações “ambientais, sociais e de governança”).

Outra novidade, foi que a B3 passou a publicar abertamente as notas das organizações participantes do índice. E assim aconteceu no final de janeiro deste ano, quando a bolsa divulgou a lista completa com notas gerais e por dimensões – capital humano; governança corporativa e alta gestão; modelo de negócio e inovação; capital social e meio ambiente – das 73 empresas avaliadas.

Entre as 10 primeiras colocadas, a dimensão com menor média de avaliação foi a de capital humano, que averigua questões como diversidade e direitos trabalhistas por exemplo; seguido pelo índice de capital social, responsável por tópicos como investimento social privado e relações com a comunidade. Ambos representando, não apenas, mas essencialmente o “S” dentro de “ESG”.

Nota-se nesse assunto uma certa dificuldade de tornar materiais ações e medidas para que o “S” se fortaleça na cultura de empresas e seja, enfim, perene na sociedade. Uma pesquisa da BNP Paribas (ESG Global 2021) revelou que 51% dos investidores consultados consideraram o “S” o mais difícil de analisar e incorporar às estratégias de investimento. Outra análise, feita pela Global Reporting Initiative (GRI) em parceria com o Deutsche Bank, mostra que apenas 14% das classificações “sociais” compiladas pela GRI são direcionadas a investidores. Em contraste, 97% das classificações ambientais e 80% das classificações de governança têm investidores como seu público principal.

O que as empresas brasileiras deveriam fazer, então, para evoluir na pauta social em suas práticas ESG?

A resposta não é simples, e tampouco é única. Entre os caminhos, há na agenda ESG uma grande oportunidade para repensar a maneira como as empresas dialogam, planejam e alocam o seu investimento social levando em conta sua capacidade de promover transformações sociais atreladas ao alinhamento com o negócio.

O que acontece é que nem sempre as empresas possuem em suas políticas os recursos necessários para lidar com pautas do “S”. E quando elas não suprem lacunas como essa – e o governo também não, é ali onde estão atuantes as organizações da sociedade civil (OSCs). Neste contexto, as empresas devem envolver mais as OSCs em suas iniciativas e, mais do que isso, aprender com elas. Devem colaborar para o desenvolvimento de projetos, manutenção das instituições e criar linhas de investimento direto, uma vez que as OSCs podem ter mais influência e capacidade de execução e transformação junto aos beneficiários do que as empresas.

Por exemplo, no Brasil vemos com nitidez que nos momentos mais difíceis os problemas se concentram nas populações mais vulneráveis, seja na precariedade do sistema ou na falta de trabalho e renda. Ao mesmo tempo, são também nesses atores onde encontramos as chaves para as soluções. Lição disso são as mobilizações gigantescas conduzidas por líderes comunitários em momentos emergenciais, como as realizadas pela CUFA (Central Única de Favelas) que garantem desde necessidades básicas como alimento até fomento ao empreendedorismo nas favelas em todo o país.

Esse é um ponto que não pode mais ser invisível. O Censo GIFE 2020 registrou, inclusive, um crescimento de 11 pontos percentuais na quantidade de investidores sociais focados no ‘fortalecimento da sociedade civil’ em relação ao levantamento de 2018. Ao invés de criar projetos novos e internos à empresa, por que não fortalecer e amadurecer cada vez mais organizações que já estão há anos trabalhando e pensando nessas mais variadas questões?

Este artigo foi publicado originalmente pelo Valor Econômico no dia 02/05.

Brasil, um país cada vez mais voluntário

Por Luisa Gerbase de Lima, Gerente de Comunicação no IDIS

Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 traz cenário positivo
e aponta caminhos para evolução por meio da participação de empresas

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 traz excelentes notícias. Em apenas duas décadas, o número de pessoas que já praticou alguma atividade voluntária em algum momento de sua vida mais que triplicou, passando de 18% para 56% da população. O número de voluntários ativos também é notável – mais de um terço da população (34%). Em outras palavras, são 57 milhões de brasileiros e brasileiras que doaram, em 2021, seu tempo, talento e energia em prol de uma causa em que acreditam e fizeram a diferença na vida dos beneficiados pela ação. E por que fazem? A grande motivação foi a solidariedade, indicada por 74% dos voluntários.

Vibramos com os números, mas não podemos dizer que são surpreendentes – vão ao encontro de achados de outras pesquisas que mostram o fortalecimento da Cultura de Doação e do voluntariado. No World Giving Index 2021, estudo global da britânica Charities Aid Foundation (CAF), promovido pelo IDIS, o Brasil ficou em 54º lugar entre 114 nações. Este ranking de solidariedade contempla atitudes como doação de dinheiro, ajuda a estranhos e voluntariado e, em termos absolutos, subimos 14 posições em relação a 2018 e 20 posições em comparação à média dos 10 anos anteriores.

Outro levantamento, a Pesquisa Doação Brasil 2020, realizada pelo IDIS e com foco em doação individual de dinheiro a causas, mostra que, apesar da queda nos índices de doação, há uma tendência de amadurecimento da sociedade – mais de 80% dos entrevistados concordam que o ato de doar faz diferença e, entre os não doadores, essa concordância atinge 75%. O conceito de que a doação faz bem para o doador também cresceu significativamente entre 2015 e 2020, de 81% para 91% da população, atingindo uma maioria quase absoluta. Mais um aspecto positivo é que está perdendo força a ideia de que o doador não deve falar que faz doações. Em 2015, a afirmação contava com a concordância de 84% da população e, em 2020, o percentual caiu para 69%. Este é um ponto especialmente importante porque o falar sobre doações estimula sua prática, traz inspiração, esclarece temores e desperta o interesse em outras pessoas.

É neste contexto que o voluntariado se desenvolve no Brasil e nota-se que, apesar de a pandemia e o isolamento social terem abalado estruturas, exigindo rápidas readequações, fomos capazes de enfrentar estes desafios – 47% dos voluntários passaram a se dedicar mais, e 21% começaram a fazer atividades voluntárias online como apoio psicológico e ações ligadas à educação.

Tais avanços não são, de forma alguma, espontâneos. São fruto de trabalho e investimento de inúmeras organizações e indivíduos. Estudos e pesquisas geraram dados e reflexões; a prática nos permitiu aprender com as experiências exitosas e, também, com os erros; o aprimoramento do ambiente regulatório trouxe bases mais sólidas e a tecnologia nos permitiu ultrapassar barreiras e contribuiu para conectarmos pessoas e saberes.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 traz um retrato de onde estamos, indica pontos de atenção e possíveis caminhos para seguirmos evoluindo. Manter o crescimento do número de voluntários é sempre desejável, mas o grande desafio é transformar essa tendência em uma prática rotineira – temos 34% de brasileiros voluntários atualmente, mas apenas cerca um terço deles fazem isso regularmente, com frequência definida. A resposta para essa transformação está em um outro número – apenas 15% dos voluntários dizem participar de programas empresariais, indicativo de potencial enorme que pode ser explorado.

Quando unimos o investimento social corporativo com os anseios individuais, encontramos um campo fértil para ações solidárias de empresas junto ao seu público interno e aí moram os programas de voluntariado corporativo. Os resultados possíveis dessa união são muitos, indo além do impacto social gerado e da criação de uma rotina de atuação. Melhoria do clima organizacional, aumento do sentimento de pertencimento, oportunidade de desenvolvimento de competências, fortalecimento de laços entre colaboradores, aprofundamento do relacionamento com a comunidade da empresa, contribuição à estratégia de impacto e investimento social privado corporativo, atração de talentos e contribuição à reputação da marca junto a outros stakeholders são alguns dos benefícios de ações solidárias envolvendo os colaboradores. Tais programas integram também a agenda ESG (sigla para Environmental, Social and Governance, no português, Ambiental, Social e Governança), cada vez mais considerada nas tomadas de decisão de investidores. Ao promover programas de voluntariado corporativo, todos ganham.

A generosidade no mundo aumentou, em especial nas economias com pessoas em situação de maior vulnerabilidade. Este movimento de cuidar do próximo e realizar doações, seja de tempo ou de recursos, precisa continuar para enfrentarmos os efeitos perversos da pandemia e acelerar a melhoria do bem-estar de quem mais precisa. Estamos indo na direção certa e vamos avançar.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 foi elaborada e coordenada por Silvia Naccache, com apoio dos consultores Kelly Alves do Carmo e Felipe Pimenta de Souza. Sua viabilização teve o suporte de organizações que acreditam na importância do avanço do voluntariado no Brasil e participam dessa rede de apoiadores, Ambev, Bradesco, Fundação Itaú Social, Fundação Telefônica Vivo, Raízen, Sabesp, Sicoob e Suzano. IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – e Instituto Datafolha assinam a realização.

Acesse os resultados completos da pesquisa

Legisladores, é hora de fomentar os fundos patrimoniais no Brasil!

Apesar de positiva e inovadora, a Lei dos Fundos Patrimoniais (nº 13.800/19) foi aprovada com vetos em relação a incentivos fiscais aos doadores de endowments (fundos patrimoniais) e não tratou dos aspectos tributários das organizações gestoras de fundos patrimoniais. O Projeto de Lei 158/2017, em tramitação na Comissão de Educação do Senado Federal, propõe mudar esse cenário.

A sua aprovação fomenta que fundos patrimoniais de instituições apoiadas, públicas ou privadas sem fins lucrativos, avancem na atração de recursos e na sustentabilidade financeira para realizar seus programas, projetos ou iniciativas em prol de causas de interesse público. O projeto propõe incentivos para todas as causas, ampliando o entendimento da atual legislação, que traz incentivos apenas para a área da cultura.

Harvard, Yale, Oxford e Cambridge, por exemplo, são apenas algumas universidades internacionais que possuem fundos patrimoniais já consolidados. Também conhecido como endowments, estas estruturas perpetuam grande quantidade de recursos para uma determinada causa, dado que somente os rendimentos são utilizados. Essa é uma estratégia de financiamento adotada por estas instituições para garantir recursos no longo prazo para pesquisa científica, bolsas de estudos, investimentos em inovação e outros.

No Brasil, Unicamp, Unesp e USP são algumas das instituições de ensino que também adotaram este modelo recentemente. O mesmo movimento é visto para beneficiar outros campos, como saúde ou direitos humanos, e também é uma alternativa para famílias de alta renda que desejam deixar um legado.

Como se sabe, os incentivos fiscais são importantes mecanismos para fomentar práticas e induzir comportamentos que possam gerar benefícios à coletividade, seja para a implementação de uma política pública, desenvolvimento de um setor ou de uma região. Estudos econômicos demonstram que a propensão a doar aumenta com os incentivos fiscais. Tendo em vista o contexto brasileiro envolvendo as doações às organizações da sociedade civil e a existência de uma cultura de doação ainda em desenvolvimento, deve-se priorizar a ampliação do uso de incentivos fiscais pelos doadores, como meio para o necessário financiamento de ações em prol da coletividade[1]. No PL 158/17, que está sendo avaliado pela Comissão de Educação do Senado Federal, prevê-se a ampliação do acesso a incentivos fiscais já presentes no ordenamento jurídico e subutilizados para fundos patrimoniais.

Estados Unidos, Inglaterra e Índia são países onde encontramos incentivos fiscais para doadores que contribuem com os endowments. Tal experiência internacional comprova que a existência de fundos patrimoniais aliado à concessão de incentivos fiscais aos doadores cria um ambiente fértil para o desenvolvimento destes fundos, além de estimular a cultura de doação dentro de um país. Não é à toa que no exterior existem endowments centenários e bilionários em sociedades que colhem frutos bem diferentes dos nossos, em especial nas áreas do ensino, da pesquisa e do desenvolvimento.

Esse estímulo é ainda mais necessário no contexto brasileiro. Segundo dados da Pesquisa Doação Brasil, houve redução no montante total das doações. Em 2015, o valor total doado por indivíduos foi de R$ 13,7 bilhões, o que correspondia a 0,23% do PIB. Esse percentual à época era três vezes maior no Reino Unido (0,73% do PIB) e sete vezes maior nos Estados Unidos (1,67% do PIB) segundo a pesquisa “Sustentabilidade econômica das Organizações da Sociedade Civil: Desafios do ambiente jurídico brasileiro atual”[2]. Em 2020, as doações feitas por brasileiros somaram R$ 10,3 bilhões, equivalentes a 0,14% do PIB brasileiro deste ano, aumentando ainda mais essa discrepância, evidenciando a necessidade de haver incentivos que estimulem a cultura de doação no Brasil.

Os fundos patrimoniais são regulados pela Lei nº 13.800/2019, que sofreu vetos nos dispositivos relacionados aos incentivos fiscais para os doadores. São instrumentos inovadores e promissores para atração de recursos privados de longo prazo, a serem destinados a inúmeras causas de interesse público, e para impactar positivamente a vida de milhares de pessoas. Após 4 anos tramitando no Senado, chegou a hora de aprovarmos o PL 158/17 e fomentar a cultura de doação do país.

 

Flavia Regina de Souza, sócia do Mattos Filho Advogados

Paula Fabiani, CEO do IDIS

Priscila Pasqualin, sócia do PLKC Advogados

[1] Amaro, Luciano da Silva. Direito Tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 43.

[2] PANNUZIO, Eduardo. Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil: Desafios do ambiente jurídico brasileiro atual. São Paulo: GIFE: FGV Direito SP

Este artigo foi publicado originalmente por Migalhas 

Mais que doador, cidadão

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS, e Andréa Wolffenbüttel,  e consultora associada do IDIS

O exercício da democracia educa. Ainda que o processo seja lento e possa gerar erros graves, ele é inexorável. Após mais de trinta anos de regime democrático, os brasileiros já percebem que fazem parte dos problemas nacionais e, além disso, que são responsáveis também pela busca por soluções.

Os dados apresentados na Pesquisa Doação Brasil 2020, realizada pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – não deixam dúvidas: 84% dos brasileiros acreditam que as pessoas comuns têm algum grau de responsabilidade pela solução dos problemas sociais e ambientais do país, enquanto há cinco anos, essa proporção era de 61%. O salto foi ainda maior quando se trata da responsabilidade das organizações da sociedade civil (OSCs). Em 2015, somente 27% dos brasileiros esperavam das OSCs soluções para os problemas socioambientais, em 2020, essa parcela cresceu para 86%.

Ver a si próprio e à sociedade civil organizada como capazes de transformar a realidade é uma das principais características definidoras de uma democracia. E apesar de todas as crises, ameaças e dificuldades, esse espírito está amadurecendo no coração do Brasil.

Outros resultados da pesquisa reforçam a conclusão. Setenta por cento da população diz entender o papel das organizações do Terceiro Setor na sociedade e 79% reconhece que elas dependem da colaboração de pessoas e empresas para funcionar. Como consequência, 83% acreditam que doar faz diferença. E o mais curioso é que 75% daqueles que não têm o hábito de doar também concordam. O que leva a crer que eles têm essa postura por outras razões, não por falta de fé no poder da doação para organizações sociais.

As motivações para doar apresentaram, também, um forte caráter de cidadania. Setenta e nove por cento doadores disseram que o fazem porque acreditam que todos devem participar da solução problemas dos sociais. Chama a atenção que, ao analisarmos o recorte por renda, constatamos que essa motivação é mais importante justamente para a faixa mais pobre dos doadores, aqueles que recebem até dois salários mínimos por mês. O mesmo padrão se repete quando a motivação é “porque sinto que posso fazer a diferença ao doar”.

Ao mesmo tempo, os números indicam que a capacidade de doação entre os mais vulneráveis caiu em quase um quarto entre 2015 e 2020. A longa crise econômica e social que o País atravessa transformou muitos doadores em dependentes de doação. Entretanto, durante esse período, as camadas de alta renda compreenderam que precisavam tomar alguma atitude e, no sentido inverso, passaram a doar mais do que faziam há cinco anos.

No último 30 de novembro celebramos o Dia de Doar, ou Giving Tuesday, como é chamado em vários países. É um movimento global para encorajar a generosidade e a solidariedade, e conectar pessoas com causas. E este movimento nunca teve tantos adeptos no setor privado e público no Brasil.

Estamos diante de um processo de tomada de consciência sobre o papel e o poder do cidadão na sociedade, que está acontecendo de forma abrangente, em todas as faixas de renda. Nos faz ter esperanças de que o fantasma do assistencialismo, esteja, por fim, sendo substituído pela força da compreensão de que todos, juntos, somos aptos a contribuir para a solução dos problemas.

Artigo também publicado pela Folha de São Paulo, acesse.  

Dilema empresarial: como medir o impacto de projetos socioambientais?

Mais do que nunca, empresas não são apenas o negócio que entregam, mas o impacto que geram. A pandemia escancarou mazelas, acelerou mudanças e elevou a exigência de comprometimento das marcas a um novo patamar. Mas, para isso, não basta abraçar a agenda ESG (sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e de governança) sem critério ou direção clara. Para garantir a eficácia das contribuições voluntárias que as empresas fazem sob a forma de projetos, é essencial medir com precisão os resultados das ações– e avaliar, com lupa, o retorno gerado.

Esse é um dos grandes desafios das empresas que investem em projetos socioambientais voluntários (também conhecido como investimento social privado): como mensurar a eficácia do investimento? Como garantir o maior índice de assertividade desses projetos, de forma a materializar os benefícios gerados e avaliar sua performance?

Não há dúvida que o desempenho dos projetos e os impactos associados são geralmente subjetivos e difíceis de mensurar. Mas, se no início do movimento de responsabilidade social e ambiental no Brasil, tudo era “mato”, com uma grande dose de improviso justificada pela “boa vontade” e “benevolência” das empresas, atualmente não há mais espaço para amadorismo ou “tentativa e erro”. Isso porque todo investimento precisa gerar valor, caso contrário, estaria destruindo valor e destruição de valor não é positivo para ninguém, nem para o acionista, nem para a sociedade.

 

Nova metodologia elimina subjetividade

A Petrobras é exemplo disso. Passamos a avaliar nossos investimentos voluntários do Programa Petrobras Socioambiental utilizando a metodologia SROI (Social Return on Investment) – e sua variante de Análise Custo-Benefício (ACB). Ela converte em valores monetários a transformação ambiental, social e econômica decorrente da implementação dos projetos.

Dessa forma, o retorno social do investimento passa a ser quantificado monetariamente conforme o impacto percebido pelas partes interessadas. Sendo assim, o SROI informa exatamente qual foi o resultado do projeto, quais os principais beneficiados e como esse benefício ocorreu.

Até o momento, avaliamos, por essa metodologia, onze projetos que integram o Programa Petrobras Socioambiental. Os estudos demonstraram que, para cada 1 real investido, são gerados em média R$ 4,70 em forma de benefícios para o meio ambiente e a sociedade, como renda, conservação de ecossistemas costeiros e marinhos, desenvolvimento profissional e recuperação de áreas de florestas, entre outros.

Ou seja: o valor que investimos em projetos socioambientais tem potencial de se multiplicar por quase cinco vezes quando são dimensionados seus resultados. Somando os onze projetos já avaliados, os cálculos mostram um retorno socioambiental de mais de R$ 220 milhões, considerando os valores investidos pela companhia. Um resultado expressivo que comprova, portanto, a eficácia dos investimentos.

Entre os resultados apurados, estão o reflorestamento de 100 hectares no bioma da Mata Atlântica (Projeto Guapiaçu); a garantia da segurança alimentar de 464 crianças e familiares (Centro de Esporte e Educação); a ampliação da consciência ambiental de 40.423 pessoas (Coral Vivo); a melhoria da performance escolar de 471 crianças e adolescentes (Unicirco) e o acesso assegurado ao processo de ensino-aprendizagem para 502 crianças e jovens (Maré Unida), entre diversos outros indicadores de impacto. O uso da metodologia permite identificar ainda oportunidades de melhorias no planejamento das ações, na condução e na avaliação dos resultados.

Muito além do simples valor monetário, o SROI mede resultados sociais, ambientais e econômicos dos projetos. Dessa forma, aponta se a empresa está na direção correta e serve de bússola para eventuais ajustes de rota, mostrando, por exemplo, quais esforços geram mais ou menos impacto, quais públicos o projeto melhor alcança e para quais o projeto ainda precisa se adaptar. Como se não bastasse, ainda dá suporte à tomada de decisões estratégicas, a partir de dados qualitativos, quantitativos e financeiros, sem margem para deduções ou subjetividades.

*O artigo é de Rafaela Guedes Monteiro, gerente executiva de Responsabilidade Social da Petrobras, originalmente publicado no LinkedIn

 

Avaliação de Impacto SROIQuer saber mais sobre esse tema? Confira nossas publicações, vídeos e eventos sobre o tema, clicando aqui.

 

 

ESG e o “S” brasileiro: quais os pontos que mais necessitam de atenção

A pauta ESG (sigla para Environmental, Social and Governance, no português, Ambiental, Social e Governança) ganha a cada ano mais espaço entre investidores e empresas. Mas o que vem sendo mensurado de fato? Com detalhes da pauta ainda em definição pelo mundo, estudos apontam uma falta de padrões consistentes, principalmente sociais. O “S” é, inclusive, apontado como o mais difícil de se analisar e incorporar a estratégias corporativas, isto de acordo com 51% dos investidores entrevistados pelo BNP Paribas – um dos maiores bancos da Europa.

No caso brasileiro, a pauta ESG vem sendo absorvida absorvida por investidores, reguladores e empresas, a partir do modelo dos Estados Unidos e países europeus. Entretanto, para que o movimento seja efetivo é necessário estabelecer uma visão do “S” que considere as especificidades e prioridades do nosso país. Nesta Nota Técnica, elaborada por Renato Rebelo, diretor de Projetos do IDIS, apresentamos dados e conceitos refletindo o que mais necessita de atenção quando pensamos em pautas sociais em ESG.

Para acessar a nota completa basta acessar abaixo ou clicar aqui.

Desafios da colaboração entre empreendedores sociais

Agenda comum, liderança e diálogo são pontos fundamentais para ONGs e negócios sociais ajudarem a atingir objetivos da ONU

 

Vivemos em uma sociedade desigual e que coloca em risco a sobrevivência dos seres que aqui habitam. Precisamos repensar o consumo e nossas relações humanas e organizacionais.

Este anseio pode ser endereçado se trabalharmos pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), movimento liderado pela ONU para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e garantir que as pessoas desfrutem de paz e de prosperidade.

Mas precisamos atuar já e juntos, para que esses objetivos sejam atingidos em 2030, e não em 2093, como se projeta se continuarmos a agir da mesma maneira.

Em um momento em que desafios foram acentuados pela pandemia, a polarização e crise de confiança nas instituições dificultam a união em torno de agendas prioritárias. Por isso, a colaboração se torna ainda mais vital.

Para promover a colaboração e catalisar condições para acelerar a implantação dos ODS, surge o movimento Catalyst 2030 no mundo, que conta com um capítulo brasileiro.

O movimento acredita que um caminho promissor é a colaboração entre empreendedores sociais, ou seja, líderes de ONGs e negócios de impacto.

Contudo, apesar do alinhamento de propósito para a geração de impactos socioambientais destes líderes, é preciso reconhecer alguns desafios que devem ser superados para que a colaboração potencialize os atributos de diferentes visões em projetos conjuntos.

ONGs e negócios de impacto podem apresentar ritmos, repertórios e competências diversas. Desta forma, as capacidades operacionais precisam ser compreendidas em suas especificidades, e as prioridades bem estruturadas. Diferenças metodológicas e processuais precisam ser equalizadas no processo colaborativo.

Neste tipo de arranjo, há que se observar ainda a governança da colaboração, evitando conflitos de interlocução, e as diferentes abordagens comunicacionais, cuidando para que o projeto tenha uma voz própria que represente, de forma colaborativa, o conjunto das iniciativas realizadoras.

E, por fim, o desafio do financiamento, comum a quaisquer empreendedores sociais, pode se tornar uma oportunidade de ampliação das possibilidades, uma vez que ONGs e negócios sociais podem acessar uma maior diversidade de fontes.

Somente unindo forças nesse momento de reconstrução do mundo e das organizações é que podemos encontrar uma saída para que consigamos atingir os ODS em colaboração.

A implementação dos ODS alinhados com a estratégia não somente nos fortalece para resolvermos os problemas socioambientais mais rapidamente no mundo, mas também intensifica a relação entre todos os setores através da comunicação de uma linguagem comum e global.

Também promove inovação no desenvolvimento de soluções socioambientais, favorece a atração de novos talentos comprometidos com a causa e de investimentos a longo prazo.

Na prática, estabelecer agendas de colaboração entre ONGs e negócios de impacto para promover impacto coordenado e sustentável depende de uma visão ampla sobre pontos de atenção que não podem ser deixados de lado.

AGENDA COMUM

É fundamental que haja clareza sobre as ODS que busca atingir, e a estratégia que será utilizada em torno disso se aproveitando das fortalezas de cada iniciativa envolvida. Muitas vezes, uma boa discussão sobre o plano de trabalho antecipa problemas em momentos futuros.

LIDERANÇA E COLABORAÇÃO

A governança da colaboração precisa estar alinhada e estruturada: a interlocução deve ser única e o fluxo interno de conhecimento deve escoar na direção correta, evitando uma descentralização que prejudique o resultado.

Os times devem ter claras as maneiras de interagir entre si, e o ritmo de trabalho deve respeitar as limitações e possibilidades de todos os envolvidos.

ESCUTA E DIÁLOGO

Nada mais importante em processos de colaboração do que a oportunidade de se aprender com experiências diversas. ONGs e negócios de impacto trazem repertórios complementares que, unidos, podem gerar soluções poderosas –e nesse contexto, a escuta e a troca se tornam ferramentas poderosas para o sucesso da colaboração.

 

Por Larissa Gurjão (SIB Impact), Paula Brandão (Baluarte Cultura), Paula Fabiani (IDIS) e Rodrigo Pipponzi (MOL)

Este artigo foi publicado originalmente pela Folha de São Paulo.

Fundos patrimoniais: desafios e benefícios da Lei 13.800/19

A Lei nº. 13.800, de 4 de janeiro de 2019, estabeleceu a regulamentação para a criação de fundos patrimoniais (endowments) no país. Algumas instituições públicas e privadas foram precursoras na estruturação de seus fundos patrimoniais filantrópicos, sendo que a maioria delas contou (ou está contando) com o apoio do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) nesse processo. Assim, nesse espaço compartilhamos os aprendizados desses meses desde a aprovação da Lei, com o objetivo de ajudar grantmakers e investidores sociais que ainda buscam compreender as oportunidades e desafios de criarem seus próprios fundos patrimoniais.

 

Os fundos patrimoniais (ou endowments) são um caminho para a sustentabilidade de longo prazo de organizações sem fins lucrativos e universidades. São estruturas destinadas a realizar a gestão de um conjunto de ativos formado por doações filantrópicas, cuja aplicação financeira gera recursos para apoiar causas de interesse público, como a educação, a saúde, a cultura e o meio ambiente. Para garantir a perpetuidade, objetivo da maioria dos fundos patrimoniais ao redor do mundo, sua estrutura deve prever a preservação do valor principal, composto pelas doações recebidas. Assim, somente o rendimento real (descontada a inflação) resultante do investimento deste conjunto de doações poderá ser utilizado, garantindo o objetivo de perpetuidade do fundo.

 

Os endowments podem ser criados em benefício de uma instituição, como o Harvard Endowment (um dos maiores e mais conhecidos fundos patrimoniais universitários do mundo), ou em favor de uma causa social específica como o da Rockefeller Foundation (que destina seus recursos para o bem-estar social e populações vulneráveis). A forma de constituição e regras de funcionamento dos endowments variam de acordo com a legislação de cada país, mas em todo o mundo são instituídos como entidades sem fins lucrativos.

 

No Brasil, alguns importantes fundos patrimoniais surgiram ainda antes da regulamentação, a partir dos anos 1950, entre eles o da Fundação Bradesco (1956), da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (1965), do Instituto Unibanco (1982) e da Fundação Itaú Social (1993). Esses fundos patrimoniais compartilham o objetivo de se tornar o legado de um investidor social privado (familiar, empresarial ou ambos) assim como fizeram Bill e Melinda Gates e a família proprietária da empresa Ford, com a criação de seus endowments.

 

Não gera surpresa, então, que o primeiro fundo patrimonial filantrópico instituído após a promulgação da Lei 13.800/19 seja de origem familiar: o Fundo Rogério Jonas Zylbersztajn, criado por Raikel Zylbersztajn, em memória de seu filho, com a finalidade de “fomentar e promover causas de interesse público, voltadas para a população em geral”. No entanto, a aprovação da Lei dos Fundos Patrimoniais vem impulsionando mais a formação desta estrutura por outros grupos de atores sociais.

 

A movimentação em torno da criação de novos endowments no país não vem sendo liderada por investidores sociais familiares pensando em seu legado (como é comum em outras partes do mundo), mas por instituições públicas e privadas buscando fortalecer sua própria sustentabilidade financeira por meio de um instrumento de diversificação de suas fontes de recursos. A Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) se lançaram no desafio de criar seus fundos patrimoniais. Outras universidades e instituições da área da cultura como o Museu de Arte do Rio também estão nessa trajetória.

 

Questões tributárias podem justificar uma menor movimentação por parte dos investidores sociais familiares, uma vez que não há incentivos fiscais à doação em vida de grandes fortunas (como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos). Entretanto, questões culturais também parecem ter relevância no debate em torno da constituição de grandes fundos patrimoniais filantrópicos familiares no Brasil.

 

Investidores sociais privados familiares, aparentemente, receiam a perda de controle sobre a gestão financeira dos recursos de sua atuação filantrópica, uma vez instituído um fundo patrimonial sob as regras da Lei 13.800/19. Além disso, a preocupação com o legado filantrópico ainda é tema pouco difundido em nossa sociedade.

 

Essas questões podem seguir trajetória semelhante à onda de profissionalização de empresas familiares, que aconteceu em décadas anteriores no Brasil. Muitas famílias equacionaram os desafios do legado e sucessão em seus negócios, por meio da profissionalização. Entretanto, o mesmo ainda não ocorreu em relação ao legado e sucessão na filantropia, o que coloca o destino de programas e projetos socioambientais bastante consolidados nas mãos de novas gerações, cujas motivações e interesses filantrópicos muitas vezes não convergem com os da geração anterior.

 

Poucas famílias nos abordaram para discutir a estruturação de fundos patrimoniais visando o planejamento do legado e sucessão na filantropia familiar. Porém, assim como ocorreu no âmbito empresarial nas últimas décadas, as famílias paulatinamente estão percebendo a importância desse instrumento para profissionalização de sua filantropia e garantia da perpetuidade do apoio a uma causa ou organização da sociedade civil.

 

A Lei 13.800/19 buscou endereçar essas questões de perpetuidade, o fundo patrimonial na Lei brasileira é estruturado para perdurar no longo prazo. E também buscou endereçar a profissionalização da gestão. Mas alguns destes aspectos ainda permanecem como desafios na formação de fundos patrimoniais no Brasil, em especial a governança e a mobilização de recursos.

 

Com normas de proteção ao patrimônio e seguindo princípios de boa governança, a Lei dos Fundos Patrimoniais propõe a seguinte estrutura: uma organização gestora do fundo patrimonial (OGFP), instituída na forma de associação ou fundação, capta e gere doações e o patrimônio acumulado; aplicando os ativos no mercado e resgatando somente rendimentos líquidos de inflação, que são destinados a uma (ou mais) causa ou instituição apoiada.

 

A legislação determina a segregação contábil, administrativa e financeira do patrimônio do fundo patrimonial e da instituição apoiada. Isso evita que problemas financeiros, trabalhistas, fiscais ou outros, ocorridos na instituição apoiada, venham a afetar os ativos do fundo patrimonial.

 

A gestão desses ativos é orientada por políticas de investimento, resgate e utilização de recursos, desenhadas por um órgão consultivo e aprovadas pelo órgão deliberativo da OGFP, seu Conselho de Administração.

 

A Lei 13.800/19 determina parâmetros específicos para a governança da OGFP. Esses parâmetros são baseados nas melhores práticas do tema e representam um importante desafio na estruturação de fundos patrimoniais filantrópicos no Brasil, principalmente àqueles destinados a apoiar com exclusividade uma instituição pública ou privada.

 

Nesses casos, a instituição pública ou privada que recebe os recursos do fundo patrimonial tem um assento garantido no Conselho de Administração da OGFP, para endereçar maior garantia de autonomia programática.

 

O receio da perda da autonomia programática por parte dos gestores de instituições apoiadas exclusivas tem sido recorrente em diversos dos casos que acompanhamos. Porém, vale reforçar que um fundo patrimonial (e uma OGFP) vinculado a uma instituição apoiada exclusiva existe para ajudar a instituição a desenvolver sua causa, e não o contrário. Em nenhum momento a OGFP deveria interferir na estratégia, programas e projetos desenvolvidos pela instituição apoiada para o cumprimento de suas finalidades socioambientais.

 

É claro que nada impede que os órgãos de governança da OGFP contem com mais de um membro indicado pela sua instituição apoiada exclusiva. Na realidade essa medida pode agilizar a conformação desses órgãos e a criação da OGFP. Deve-se, no entanto, considerar os seguintes fatores:

 

Diferença de perfil dos conselheiros das duas organizações

A instituição apoiada pode ter excelentes conselheiros, que muito contribuem para as definições estratégias que fomentam o avanço de sua causa. Infelizmente, esses mesmos conselheiros podem não ser os mais indicados para apoiar a finalidade da OGFP de captar, gerir e destinar recursos para a instituição apoiada. Recomenda-se para os fundos patrimoniais a composição de uma governança diversa, capaz de promover uma boa gestão técnica dos recursos e, simultaneamente, atrair doações para o crescimento do fundo patrimonial.

Transparência.  É preciso garantir que o sistema de “checks and balances” (freios e contrapesos) e a robustez da prestação de contas não sejam comprometidos quando há grande coincidência entre os órgãos de governança da OGFP e sua instituição apoiada exclusiva. Além disso, deve-se atentar aos potenciais conflitos de interesses que podem surgir a partir dessa sobreposição.

Aspectos legais de instituições apoiadas públicas exclusivas. A composição dos órgãos de governança de OGFPs de instituições públicas com muitos membros da instituição pública apoiada pode caracterizar um ambiente de órgão público, ao passo que a OGFP deve, obrigatoriamente, ser uma organização de caráter privado (ainda que apoie de forma exclusiva uma instituição pública).

Participação dos doadores e outros stakeholders. É importante abrir espaço para a participação de outros stakeholders na governança do fundo patrimonialalém daqueles ligados à instituição apoiada. Não endereçar esta questão pode prejudicar a legitimidade da OGFP e sua consequente capacidade de captar recursos em nome da instituição apoiada exclusiva.

Importante lembrar que uma governança bem estruturada, baseada nas melhores práticas, reforça o compromisso com a causa, inspira segurança e atrai parceiros e investidores. Aliás, também ajuda a potencializar a captação de recursos, grande desafio não somente à estruturação de fundos patrimoniais filantrópicos, mas também às organizações sem fins lucrativos em geral.

O legado ou herança, por exemplo, é uma fonte relevante de recursos para fundos patrimoniais filantrópicos ao redor do mundo. Entretanto, ainda não vemos muitas heranças direcionadas de forma organizada a causas filantrópicas, ou endowments criados para dar continuidade a um investimento social familiar.

O Brasil ainda precisa aumentar e amadurecer sua Cultura de Doação. Entretanto, o crescimento significativo de doações devido à pandemia da Covid-19 mostrou o potencial filantrópico do país, que pode perdurar com mecanismos confiáveis e transparentes para o estabelecimento de relações duradouras entre doadores e beneficiados. Nesse sentido, possuir um plano de mobilização de recursos estruturado é fundamental para uma instituição que busca atrair recursos, em especial se tratando de recursos para um fundo patrimonial.

Outro caminho importante para a atração de recursos para os fundos patrimoniais filantrópicos no Brasil são as chamadas ‘receitas não tradicionais’, como, por exemplo, doações decorrentes de obrigação assumida em termos de ajuste de conduta, acordos de leniência e colaboração premiada[1].

A filantropização via privatização’, conceito criado pelo professor Lester Salamon, da Johns Hopkins University, propõe que parte dos valores advindos da privatização de empresas públicas seja destinada a fundos patrimoniais, formados para beneficiar causas da sociedade.

Também são fontes de recursos não tradicionais para os fundos patrimoniais filantrópicos as multas decorrentes de danos ao meio ambiente e ao patrimônio, e valores recuperados em ações de combate à corrupção, entre outros. Caminhos promissores não faltam, mas a implementação destas trilhas depende de ajustes na lei, superação de entraves burocráticos e atuação conjunta do Poder Público e da sociedade civil.

Como mencionamos, o desejo dos brasileiros de apoiar causas socioambientais vem crescendo. Em apenas dois meses após o início da pandemia do Covid-19, mais de R$ 5 bilhões foram doados por mais de 300 mil pessoas. Em pouco tempo, foram criadas diversas iniciativas para enfrentar o colapso na saúde e economia, como fundos emergenciais, que se propõem a dirimir os impactos da pandemia em diferentes setores[1].

Ainda é cedo para prever uma mudança de comportamento e um impacto de longo prazo na Cultura de Doação no país, mas esse movimento mais uma vez comprova que o brasileiro é solidário e que se mobiliza em torno de causas relevantes. Faltam mais estímulos, especialmente os incentivos fiscais. Pena que a Lei não endereçou de forma ampla essa questão, mas estamos diante da chance de exercer nosso papel social e atuar pela equidade e justiça socioambientais. Os fundos patrimoniais são certamente uma importante ferramenta para alavancar esse processo.

NOTA:
[1] Contanto que não haja transferência de recursos da Administração Pública aos fundos patrimoniais (art.13, §6º, cc art. 17, Lei nº. 13.800/19).

[2] Como o Fundo Emergencial para a Saúde, instituído pelo IDIS, pela BSocial e pelo Movimento Bem Maior, com o apoio de diversos parceiros.

PARA SABER MAIS

Leia mais sobre a atuação e saiba como se engajar na Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos, entre em contato com comunicacao@idis.org.br.

Conheça nossa produção de conhecimento sobre Fundos Patrimoniais Filantrópicos:

Nota Técnica: Fundos Patrimoniais Filantrópicos

Fundos Patrimoniais Filantrópicos – Sustentabilidade para causas e organizações (IDIS)

Brazil’s New Endowment Law Could Strengthen Philanthropy and Democracy Around the Globe (Stanford Social Innovation Review)

Something amazing just happened in Brazilian politics (Alliance Magazine)

IDIS led an education and advocacy strategy to build support for an Endowment Law, capítulo publicado em Impact Case Studies: Promoting an enabling environment for philanthropy and civil society (Wings)

Eight-year long fight for new law in Brazil (Charities Aid Foundation CAF-UK)

Lei de Endowments pode transformar o Brasil (Capital Aberto)

Regulação de fundo patrimonial pode elevar doação de fortunas (Folha de S.Paulo)

O impacto da lei dos fundos patrimoniais (Gazeta do Povo)

Lei dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos completa 1 ano (IDIS)

Recursos não tradicionais para Fundos Patrimoniais de OSCs (IDIS)

Brumadinho: e depois da comoção? (IDIS)

A aprovação da lei dos Fundos Patrimoniais e sua repercussão (IDIS)

 

* Paula Fabiani é diretora-presidente do IDIS e Andrea Hanai, gerente de projetos no IDIS.

Artigo originalmente publicado na plataforma Grantlab, do Gife, em 19 de junho de 2020 

Uma Máquina do tempo para o Brasil – Banheiros Mudam Vidas

A pesquisa Banheiros Mudam Vidas, promovida pela Kimberly-Clark, aborda a percepção sobre saneamento básico no Brasil. O projeto integra a estratégia de investimento social privado da marca, que tem como causa o acesso à água potável e saneamento no Brasil. Hoje, há quase 100 milhões de brasileiros que não possuem coleta de esgoto, mostrando a urgência do tema.

Paula Fabiani, CEO do IDIS, contribuiu para este projeto com um artigo analisando os achados. Se por um lado nos vemos diante de um problema complexo, por outro é animador ver que a população o considera importante e entende que todos, não apenas o poder público, podem fazer algo para mudar esse cenário.

Leia o artigo na íntegra:

Uma Máquina do tempo para o Brasil

Quando pensamos no século XIX, imaginamos mulheres de vestidos longos, bondes pelas ruas e música tocada pelos modernos gramofones. Tudo bem diferente do que vivemos hoje. Mas, a verdade é que nem tudo mudou para todos. Muitos brasileiros ainda convivem com uma realidade bem próxima do século antepassado. E não são poucos. Mais de 4 milhões de brasileiros não têm banheiros em suas casas, mais de 34 milhões não têm acesso à água potável e quase 100 milhões não contam com coleta e tratamento de esgoto¹. Todas essas carências são ligadas a uma só questão, a falta de saneamento básico. Os serviços de tratamento de água e esgoto são invisíveis para muitas pessoas, porque correm embaixo da terra, mas os problemas que sua ausência traz, saltam aos olhos de qualquer um.

− Doenças: pessoas que convivem com esgoto a céu aberto contraem diversas doenças, tais como diarreia, dengue e hepatite.
− Baixo rendimento escolar: crianças com problemas de saúde têm dificuldade para aprender e, frequentemente, abandonam a escola.
− Poluição: esgoto não tratado contamina o solo e deságua nos rios, poluindo as águas.
− Enchentes: o acúmulo de esgoto e lixo entope os bueiros e as águas das chuvas não são drenadas.
− Desigualdade social: pessoas que vivem sem saneamento básico aprendem menos, adoecem mais e têm renda mais baixa.

Por todos esses motivos, o acesso universal ao saneamento básico tem um Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU só para ele. É o Objetivo número seis e todos podemos colaborar para que o Brasil consiga cumprir a meta até 2030. Talvez você esteja pensando que um indivíduo sozinho não pode fazer nada, mas não é verdade. Qualquer um pode fazer, e muito. Pode fazer como doador, procurando uma organização social que trabalhe pela ampliação do saneamento básico no País e contribuindo com ela. Se você puder doar recursos financeiros, ajuda muito. E se conseguir também doar trabalho voluntário, vai ajudar ainda mais.

Pode fazer como consumidor, preferindo adquirir produtos de empresas que destinem investimento social privado para a melhoria do saneamento básico no Brasil. Pode fazer como cidadão, ao escolher e acompanhar o trabalho de lideranças comprometidas em destinar recursos para o saneamento básico. E pode fazer como ser humano, preocupando-se com o assunto, se informando, conversando com os amigos e colaborando para que mais pessoas se importem com esse problema. São várias formas de ajudar o País a sair do século XIX e construir um século XXI mais justo para todos.

 

Onde você pode se informar mais

Blog do Instituto Trata Brasil: Mantido pela ONG cuja missão é contribuir para a melhoria da saúde da população e a proteção dos recursos hídricos do país através da universalização do acesso aos serviços de água tratada, coleta e tratamento dos esgotos.

Blog Saneamento em Pauta: Mantido pela BRK Ambiental, empresa canadense de saneamento que atua no Brasil.

Portal do Saneamento Básico: Site com notícias sobre saneamento básico

Onde você pode descobrir a sua causa e encontrar organizações sem fins lucrativos que trabalhem com saneamento:

Descubra Sua Causa: Teste desenvolvido pelo IDIS, que ajuda a identificar sua causa e encontrar organizações que atuam nas suas áreas de interesse.

Atados: Portal que reúne organizações que necessitam de voluntários. É possível procurar por área de atuação.

Instituto Democracia e Sustentabilidade: Organização de interesse público que conta com parceiros e redes da sociedade civil organizada para fomentar soluções. Entende que a política e a participação cidadã democrática são imprescindíveis para alcançar a sustentabilidade. Banheiros Mudam Vidas.

¹ SNIS 2019

Paula Fabiani, CEO do IDIS

Artigo originalmente publicado no site www.banheirosmudamvidas.com.br

Posicionamento da Receita Federal traz desestímulo para fundos patrimoniais

Um dos esforços do advocacy liderado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), com o apoio da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, era obter um posicionamento da Receita Federal do Brasil com relação a alguns pontos de dúvida sobre a legislação tributária aplicável aos fundos patrimoniais constituídos com base na Lei 13.800, de 4 de janeiro de 2019, dado que ela não definiu essas questões. E, para tanto, o IDIS apoiou a Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (Enimpacto) na apresentação de uma consulta formal à Receita Federal do Brasil sobre oito questões.

Sabemos que na filantropia a insegurança jurídica desestimula as doações. Portanto, melhor conhecermos o posicionamento da Receita Federal do que sermos surpreendidos, no futuro, com eventuais autos de infração cobrando tributos do passado.

FundosPatrimoniais_Tributos

O posicionamento da Receita Federal, expressada na Solução de Consulta nº 178, de 29 de setembro deste ano, infelizmente, trouxe um posicionamento que vai na contramão do que há no exterior, em termos de tributação dos endowments, contrariando a Constituição Federal do Brasil e diversas decisões de nossas cortes, administrativas e judiciais, sobre temas similares.

Imunidade 

Nossa Constituição Federal garante o regime da imunidade de impostos a instituições sem fins lucrativos de educação, saúde e assistência social. A função dessa imunidade é a desoneração das instituições privadas que, sem intuito de lucro para seus associados, cumprem algumas das obrigações do Estado, garantindo o compromisso maior de nossa Constituição com o dever do Estado em prover os meios de acesso à educação, à saúde e à assistência social a toda a população. Esse é o valor essencial por trás da imunidade.

No entanto, a Receita Federal entendeu que a imunidade não se aplica às organizações gestoras de fundo patrimonial. Na prática, isso significa que os fundos patrimoniais constituídos com base na Lei 13.800/19 deverão tributar pelo Imposto de Renda seus rendimentos de aplicações, ainda que se dediquem exclusivamente a uma escola, a uma universidade ou a um hospital, sejam eles públicos ou filantrópicos.

Ora, a Lei 13.800/19 veio trazer um mecanismo eficiente e profissional de geração de recursos de longo prazo para as instituições de educação, saúde e de assistência social, com proteção ao patrimônio do fundo patrimonial, para que ele seja perenizado de forma segregada as instituições públicas ou sem fins lucrativos que apoia. Mas, o posicionamento da Receita Federal fez com que a estruturação de um fundo patrimonial na própria instituição seja mais econômico, tributariamente. Por que então montar em uma outra instituição, se ela pagará mais impostos?

Investimento no exterior e em empresas 

Com relação à aplicação do montante principal do fundo patrimonial, no Brasil ou no exterior, com utilização apenas de seus rendimentos em favor das instituições apoiadas, a Receita Federal entendeu que isso não afasta a isenção dos tributos federais, mas não se manifestou quanto à imunidade, pois já havia afastado sua aplicação de antemão. Entendeu, porém, que mesmo a isenção deve ser afastada se parte do principal do fundo patrimonial for composto por quotas ou ações de sociedades empresárias. Isso vai totalmente contra os investimentos de qualquer endowment no mundo e à própria Lei 13.800/19, que determina que a instituição deve fazer o patrimônio render e deve contar com um comitê de investimentos, especializado e profissional. Ora, para que o fundo patrimonial mantenha seu recurso apenas em aplicações financeiras conservadoras, não é necessária a composição de um órgão de governança especializado em mercado financeiro! No exterior, por sua vez, os endowments são grandes investidores institucionais e de risco. Foram endowments de porte, fundos de pensão e as grandes fundações que começaram o movimento dos investimentos de impacto e ESG, razão pela qual a Enimpacto articulou a apresentação da consulta, agora respondida pela Receita Federal.

Essa postura não está em linha com a recente Lei das Startups, que autoriza as empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, decorrentes de outorgas ou de delegações firmadas por meio de agências reguladoras, a cumprir seus compromissos com aporte de recursos em startups por meio de fundos patrimoniais definidos pela Lei nº 13.800/19, destinados à inovação. Ou seja, a Lei das Startups reconhece e incentiva que os fundos patrimoniais atuem como investidores de startups, como acontece no exterior. Mas, com a posição da Receita, esse investimento trará riscos tributários ao fundo patrimonial, que poderia passar a ser taxado como uma empresa com finalidade de lucro.

PIS e Cofins

A Receita Federal deu a entender ainda que os rendimentos financeiros poderiam ser tributados pela Cofins, à alíquota de 4%, afastando apenas a incidência do PIS. O motivo é que nem todas as receitas expressamente previstas na Lei 13.800/19 poderiam ser consideradas receitas derivadas de atividades próprias das organizações gestoras de fundo patrimonial. Isso porque as receitas de atividades próprias de instituições sem fins lucrativos têm isenção da Cofins. Essa interpretação contraria a própria Lei dos Fundos Patrimoniais e o Código Tributário Nacional, que determina que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado.

Remuneração de conselho e comitês

A Receita Federal afastou também a isenção, na hipótese de remuneração de membros do Comitê de Investimentos e do Conselho Fiscal, ainda que a Lei 13.800/19 a tenha expressamente permitido. Essa postura afasta o profissionalismo almejado pela lei dos fundos patrimoniais.

Abatimento do Imposto de Renda 

Por fim, a Receita Federal entendeu que se aplicam aos fundos patrimoniais o incentivo fiscal de dedutibilidade de doações feitas por pessoas jurídicas que apuram Imposto de Renda pelo lucro real da base de cálculo de referido imposto e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, respeitado o limite de dedução da legislação.

Apesar de ter havido o tão esperado posicionamento da Receita Federal, ele acabou por representar um desestímulo à criação de fundos patrimoniais, com a proteção e profissionalização trazida pela Lei 13.800/19. Primeiramente para aqueles voltados à educação, saúde e assistência social, áreas eleitas por nossa Constituição Federal como de maior interesse público, razão da garantia da imunidade. Em segundo lugar, é um desestímulo à criação de fundos patrimoniais em geral, por entender que eles não podem investir diretamente em empresas e por entender que há incidência de Cofins sobre receitas financeiras.

Agora restam duas alternativas — levar a discussão ao Poder Judiciário ou ao Congresso Nacional, para que permitam explicitamente — e com todas as letras — aquilo que outros países, com legislação muito mais conceitual e minimalista, permitem há tantos anos. Não é à toa que no exterior existem endowments centenários e bilionários em sociedades que colhem frutos bem diferentes dos nossos, em especial nas áreas do ensino, da pesquisa e do desenvolvimento.

Artigo originalmente publicado no Conjur, em 20 de outubro de 2021.


Desde 2012 o IDIS vem defendendo sua regulamentação no Brasil. Apesar de muito populares em outros países, não havia legislação por aqui e por isso eram raros. Foi em junho de 2018, que a pauta se fortaleceu e ganhou muitos apoiadores, quando lideramos a criação da Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos. Com o objetivo de fortalecer a agenda dos Fundos Patrimoniais no Brasil, a coalizão é composta por mais de 80 membros, entre organizações, empresas e pessoas, de diversas áreas. O grupo está mobilizado para apoiar e promover a articulação necessária para que o Brasil tenha uma legislação que regulamente a existência, governança e operação dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos e também acelerar a adoção do mecanismo. Entre as principais conquistas está a sanção da Lei 13.800/19, que regulamenta os Fundos Patrimoniais Filantrópicos no Brasil, em janeiro de 2019, mas a ação de incidência continua para aprimoramento do ambiente legal.

5 razões para as empresas continuarem doando

Dois anos após a chegada da pandemia da Covid-19 ao Brasil, sabemos que ela transformou para sempre nossa realidade e trouxe muito sofrimento, mas também provocou uma onda inédita de solidariedade e doações.

O Monitor das Doações, desenvolvido pela ABCR (Associação Brasileira dos Captadores de Recursos), registra R$ 7,1 bilhões em doações para o combate à pandemia, sendo que 85% desse montante foi aportado por empresas.

Contudo, os recursos não vieram de forma uniforme ao longo do tempo. No final de 2020, o totalizador já indicava R$ 6,5 bilhões. Ou seja, durante boa parte do ano de 2021, foram reportadas doações de apenas 10% do volume de 2020, mesmo com as condições da pandemia no Brasil voltando a piorar de forma drástica, o auxílio emergencial do governo federal reduzido a um quarto do valor inicial e muitas organizações reportando queda nas doações recebidas.

A cultura de doação iniciada em 2020 não pode ser passageira, afinal temos uma série de desafios pela frente. Por isso, indicamos cinco razões para que as empresas continuem doando agora e nos próximos anos, fazendo disso uma cultura.

1. Consumidores preferem empresas que doam e se posicionam sobre questões sociais

Um primeiro fato a se destacar é que os consumidores querem comprar de empresas engajadas e olham positivamente para empresas que doam para organizações sociais.

Sete em cada dez brasileiros (71%) afirmam que estariam mais inclinados a comprar um produto ou serviço de uma empresa que doa a causas sociais ou que apoia sua comunidade local.

As mulheres, em especial, são mais propensas a levar isso em consideração na hora da compra (77% contra 65% dos homens), segundo a Charities Aid Foundation e o IDIS divulgaram no Brazil Giving Report de 2020.

2. Suas futuras contratações também preferem empresas doadoras e engajadas

Segundo ponto: as pessoas querem trabalhar em empresas engajadas. Em tempos em que passamos por longos períodos de isolamento social e home office, é ainda mais importante fortalecer o vínculo entre a empresa e seus colaboradores. Mostrar preocupação com os problemas sociais do país e envolver os profissionais em iniciativas de doação podem ser excelentes formas de atrair e reter talentos.

O trabalho com propósito, principalmente diante de todo o cenário criado desde 2020, é uma demanda. Uma pesquisa global focada em trabalhadores, do IBM – Institute for Business Value, mostrou que quase a metade dos entrevistados (48%) aceitaria um salário mais baixo para trabalhar em empresas ambiental e socialmente responsáveis.

3. A população quer ser mais solidária e doar mais, mas não sabe como

Terceiro fator a ser levado em conta: a população quer ser mais solidária, mas não consegue colocar isso em prática. Como doar, para quem, onde?

Quase a totalidade dos brasileiros (96%) tem o desejo de ser mais solidária, mas pouco mais de um quarto (27%) concretiza essa vontade, especialmente porque não conhece formas e oportunidades.

As empresas, doando para organizações sociais, têm a chance de ajudar a canalizar essa imensa solidariedade e criar caminhos para que consumidores e colaboradores também possam doar. Comuniquem as doações realizadas. É preciso dar o exemplo a outras empresas e para indivíduos.

4. Parâmetros ESG

Em quarto lugar, destaco que cada vez mais as empresas são avaliadas de acordo com os parâmetros ESG (Environmental/Ambiental, Social e Governança). Doar reforça o S.

Inevitavelmente, o mercado brasileiro vai seguir a tendência de adotar critérios ESG para orientar os investidores. Fazer doações para projetos sociais e ambientais reafirma o posicionamento da empresa e também contribui para o seu desempenho.

Pesquisas indicam que empresas que doam e com melhores práticas em ESG colhem mais lucros no longo prazo, além do aumento de seu valor de mercado.

5. A democracia precisa da sociedade civil

E fecho reforçando que o livre mercado depende da democracia e a democracia depende de uma sociedade civil forte. As empresas quando doam e dão apoio às organizações da sociedade civil, podem ter um ambiente saudável para os negócios, pois elas defendem a democracia, a livre expressão e os direitos civis. Além disso, trabalham por uma sociedade mais forte e equilibrada, ou seja, uma estrutura melhor dentro da qual as empresas podem operar e prosperar.

Essas são apenas cinco de muitas razões pelas quais convocamos as empresas a readequarem definitivamente o padrão de investimento social que costumam praticar e assumir um compromisso com a solução dos crescentes problemas socioambientais que enfrentamos.

Subam a régua. Doem mais e melhor. Se não for pelo legítimo desejo de construir um Brasil mais justo e acolhedor para todos, que seja pela certeza de que todo Real doado voltará para a empresa na forma de admiração, valorização e resultados.

Saiba mais: cultura de doação

Este artigo foi publicado originalmente pela Folha de S. Paulo.

 

Construindo a Favela 3D: digna, digital e desenvolvida

O terceiro setor — representado por ONGs e empreendedores sociais — tem historicamente um papel fundamental na transformação sistêmica da vida da parcela mais pobre da população. Ele é ambicioso e inovador. Organizações como a Gerando Falcões têm eficiência, velocidade e capacidade de execução porque penetram onde o Estado não chega. No início da pandemia, por exemplo, o terceiro setor se fez presente na vida dos mais pobres semanas antes do governo. Enquanto o Estado tinha dificuldade para localizar os fantasmas brasileiros — quem não têm RG nem CPF — as ONGs sabiam onde eles estavam e os chamavam pelo nome.

Fundada em 2011 no Jardim Kemel, bairro periférico de Poá, na região metropolitana de São Paulo, a Falcões começou como uma iniciativa que oferecia atividades extracurriculares a crianças e adolescentes e cursos de qualificação profissional a jovens e adultos da região.

Dez anos depois, cresceu exponencialmente e se converteu numa aceleradora de desenvolvimento social, que apoia mais de cem líderes e organizações de favelas em 19 estados do Brasil.

O que ela quer, agora, é ainda maior, mas está longe de ser inviável: implementar a primeira Favela 3D — digna, digital e desenvolvida — do país. Trata-se de um projeto multissetorial, com participação do governo e da iniciativa privada, para dar autonomia social e financeira à Vila Itália, favela de São José do Rio Preto (SP). O Favela 3D vai atuar tanto no trabalho de base tradicional — construindo casas, regularizando o uso da área e melhorando a infraestrutura — quanto na criação de ferramentas sociais transformadoras, como programas de capacitação e empreendedorismo que deem soberania financeira aos moradores e tornem a comunidade autossustentável.

A ideia a médio e longo prazo é fazer da Vila Itália um projeto-piloto que possa ser replicado Brasil afora. Os 14 milhões de brasileiros que vivem em favelas estão habituados a ser ignorados pelo poder público, vistos como problema ou ter seu potencial desperdiçado por falta de oportunidades. Com o Favela 3D, eles passam a ser parte da solução, agentes ativos da própria emancipação.

O método para alcançar esse objetivo é o mesmo que consolidou a Gerando Falcões como uma das principais iniciativas sociais do país: localizar as lideranças capazes de gerar mudanças locais na quebrada, investir em treinamento e capacitação e acompanhar os resultados com afinco, usando sistemas como o SROI (sigla em inglês para Retorno Social do Investimento), que quantifica o impacto social em valores financeiros. Uma análise feita com apoio do IDIS mostrou que, a cada R$ 1 investido nas iniciativas avaliadas, R$ 3,50 são gerados na forma de benefício para a sociedade.

Foi identificado também que o investimento social da ONG “paga-se socialmente” (payback) já no segundo ano após o investimento, algo raro para a maioria de ativos financeiros disponíveis no mercado. É o melhor dos dois mundos: propósito e inovação, uma combinação de conhecimento da favela com o conhecimento das empresas que estão mudando o mercado.

São avaliações de impacto como essas que dão à Gerando Falcões a segurança de estar no caminho certo, justificando perante seus apoiadores e sociedade civil a relevância de seu Programa de Aceleração. É assim que essa expertise é levada aos quatro cantos do país, revolucionando a maneira como encaramos o urbanismo e o desenvolvimento social nas periferias brasileiras.

Olhar para trás, para o que foi realizado, identificar o que deu certo, o que poderia ter sido diferente e de fato avaliar exige tempo e dedicação. Mas é assim que conseguimos evoluir e dar escala ao que fazemos. E é reorganizando a forma como o dinheiro circula na favela e dando instrumentos aos seus moradores que o Brasil vai criar condições para quebrar o círculo vicioso da desigualdade, transformar os excluídos em cidadãos e fazer com que a miséria vire item de museu.

Edu Lyra e Nina Cheliga são, respectivamente, fundador e CEO e Diretora de Tecnologias Sociais da Gerando Falcões; Paula Fabiani e Felipe Insunza Groba são, respectivamente, CEO e Gerente de Projetos do IDIS. Este artigo foi publicado em uma versão reduzida no Exame.

Saiba mais sobre Avaliação de Impacto e SROI.

 

Cultura em chamas: o que aprendemos três anos após o incêndio do Museu Nacional

Cultura em chamas: o que aprendemos três anos após o incêndio do Museu Nacional

As chamas do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, há 3 anos estampavam manchetes de jornais brasileiros e foram amplamente divulgadas pela mídia internacional. Desde então, presenciamos com tristeza outros focos de incêndio em aparelhos culturais, como no Museu de História Natural da UFMG, em 2020, ou no acervo da Cinemateca em julho deste ano, e as razões foram semelhantes: verba insuficiente para manutenção.

O que fazer para a história não se repetir? Em 2018, a resposta foi o fortalecimento de um movimento da sociedade civil pela regulamentação dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos no Brasil. Uma coalizão multissetorial, formada por mais de 70 organizações e liderada pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, intercedeu em Brasília por este mecanismo que oferece maior possibilidade de sustentabilidade financeira a organizações e causas, incluindo a cultura, e conquistou, em janeiro do ano seguinte, a promulgação da Lei 13.800/19. Os fundos patrimoniais são uma resposta à falta de recursos para a manutenção de equipamentos culturais tão importantes para a preservação e divulgação da nossa história e cultura.

Um fundo patrimonial, ou endowment, permite que pessoas, empresas e filantropos doem recursos com a segurança de que serão bem geridos e bem aplicados. São investimentos de longo prazo, dos quais a organização beneficiada utiliza apenas os rendimentos, garantindo-lhe recursos perenes. Eles complementam verbas estatais ou aquelas advindas da atividade e captação da organização, e dão maior flexibilidade para investimento em manutenção, expansão ou resposta em casos emergenciais. Por exemplo, o Museu de História Nacional de Nova York, possui 28% da recursos de bilheteria, 25% de doações, 16% de fundos patrimoniais, 16% atividades auxiliares e 9% da prefeitura da cidade. As maiores universidades dos Estados Unidos, como Harvard, contam também com fundos patrimoniais bilionários. Lá, cerca de 35% dos ex-alunos contribuem com doações e os rendimentos representam mais de ⅓ do orçamento anual da Universidade. O Museu Nacional, por sua vez, tem 98% de seu orçamento dependente de verbas federais por meio da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e é diretamente afetado pela crise dos investimentos federais em cultura e educação.

A Lei 13.800 foi sem dúvida uma grande conquista, e desde então, vimos serem estruturados no Brasil o Fundo Patrimonial Rogerio Jonas Zylbersztajn, o Lumina, da Unicamp, o Fundo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), entre outros. Os exemplos na área cultural, entretanto, são poucos e ainda incipientes. Uma das razões é que os recursos advindos de Leis de Incentivo, como a Lei Rouanet, tão comuns nesta área, apesar de serem previstos na Lei para a doação a Fundos Patrimoniais, não estão ainda regulamentados pela Secretaria da Cultura, com o estabelecimento de orientações para a apresentação de projetos culturais. Dessa forma, as organizações da área da cultura não conseguem exercer o direito que lhes foi conferido pela Lei 13.800. Este é um dos pleitos da Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos, afinal é um direito das organizações culturais, é preciso que as autoridades publiquem Instrução Normativa regulamentando este benefício.

A regulamentação é urgente para alavancar a criação ou a ampliação de Fundos Patrimoniais voltados à cultura, em especial neste momento de redução de gastos públicos e drástica diminuição de recursos a essa área. O fogo é histórico: em 1978 no MAM (RJ); 2013 no Memorial da América Latina; 2015 no Museu da Língua Portuguesa; 2016 na Cinemateca; 2018 no Museu Nacional; 2020 no Museu de História Natural da UFMG; e 2021 novamente na Cinemateca. Que das cinzas de tantas memórias e história possam surgir novas formas de cuidarmos de forma sustentável de nossa cultura enquanto sociedade, para que ela perdure e seja de todos e para todos.

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS e Priscila Pasqualin, sócia do PLKC Advogados.

Este artigo foi publicado originalmente no Estadão.

Avaliar o Impacto Social é também uma estratégia de Comunicação e Captação de Recursos

Alguma vez você sentiu que a mensagem que queria transmitir não foi assimilada pelo público da maneira como você esperava? Estabelecer uma boa comunicação está entre os grandes desafios pessoais e organizacionais que todos nós enfrentamos. Transmitir uma mensagem é uma tarefa complexa, porque envolve inúmeras variáveis – a linguagem utilizada, o canal correto para transmiti-la, o repertório e as referências do público, a familiaridade e domínio do tema que ele possui previamente, a forma como você aborda o assunto, e tantas outras.

 

Quando falamos sobre o universo de Programas Sociais, existe uma necessidade constante de comunicar-se com o público-alvo, com a equipe e os parceiros envolvidos, com os investidores e com a sociedade em geral. Cada um desses públicos se relaciona com o Programa de uma forma diferente e, portanto, usar a mesma linguagem e os mesmo materiais de comunicação para todos eles, provavelmente será uma estratégia pouco eficaz.

 

A Avaliação de Impacto Social (estudo que faz uso de métodos de pesquisa para identificar e mensurar a transformação social gerada por um projeto ou programa) é, por vezes, encarada como um documento técnico: um estudo de alta complexidade, que gera um relatório extenso e detalhado, com muitas informações estatísticas e metodológicas, que fica restrito à gestão do Programa, para apoiá-la em processos de tomada de decisão. No entanto, os resultados de um estudo como esse também podem ser grandes aliados na construção de uma estratégica de comunicação da organização.

 

O detalhamento metodológico e estatístico do estudo é, de fato, muito relevante, porque demonstra que a pesquisa foi feita de forma responsável e consistente. Mas quais são as informações geradas pela Avaliação que devem ser transmitidas para a equipe que lida no dia a dia com a operação da Programa Social? Quais são as mensagens que devem ser compartilhadas com os investidores que já apoiam o Programa? E com aqueles que ainda não apoiam e que você encontrará em uma reunião de captação de recursos? Como compartilhar as conclusões de um estudo avaliativo com os beneficiários atendidos pelo Programa? Que informações da pesquisa devem constar no relatório de atividades da organização?

 

Entender a aplicação estratégica que cada tipo de informação obtida por meio de uma Avaliação de Impacto pode ter para o Plano de Comunicação da organização é importante para fazer o melhor uso do aprendizado e das conclusões obtidas ao longo do estudo. A seguir, apresentamos algumas reflexões relevantes para alguns públicos de interesse.

 

A estratégia de comunicação com investidores ou potenciais investidores é uma das mais utilizadas a partir dos estudos de Avaliação de Impacto. Uma mensuração objetiva a respeito da transformação social oriunda de um Programa ou índices de retorno sobre o investimento são supostamente maneiras de fazer um investidor se sentir mais confiante de que seu recurso está sendo bem utilizado e de que a organização tem uma boa gestão sobre a iniciativa. Um erro frequente, no entanto, é apresentar indicadores numéricos de forma isolada, sem contextualizá-los em uma narrativa que explique o que é o trabalho realizado, quem é o público-alvo, como ele participa do Programa e quais são as mudanças que ele vivencia a partir de seu envolvimento com a iniciativa. Tudo isso pode ser, em seguida, ilustrado com indicadores objetivos, porém, não deixe de dar uma perspectiva geral do aspecto humano envolvido do Programa. Os números estão lá para trazer evidências, materialidade e fortalecer a sua narrativa de impacto, mas, sozinhos e sem uma boa contextualização, até os melhores indicadores podem se tornar pouco impactantes para alguém que desconhece como o Programa funciona. Lembre-se de que, na sua maioria, investidores não são especialistas na causa que a sua organização apoia. Portanto, evite termos muito técnicos e acadêmicos, que podem não ser familiares para qualquer pessoa. Por fim, com frequência, uma conversa com um potencial investidor pode não durar mais do que 30 minutos, portanto, selecione as informações mais relevantes em um material de uma ou duas páginas, e tenha à mão links para arquivos complementares, que ele possa consultar mais tarde, caso queira se aprofundar no assunto.

 

A equipe executora do Programa e parceiros implementadores, por outro lado, possuem um conhecimento aprofundado sobre o funcionamento do Programa e seus aspectos metodológicos. Para esse público, vale a pena explorar em profundidade os depoimentos de beneficiários a respeito dos aspectos positivos e pontos de melhoria. As pesquisas qualitativas oferecem extenso material para isso e as pesquisas quantitativas proporcionam boas análises a respeito dos aspectos do programa que são mais ou menos percebidos pelo público-alvo. Esses elementos são muitos ricos para que a equipe reflita sobre as oportunidades de aprimorar sua forma de atuação. Adicionalmente, é muito inspirador para a equipe envolvida na iniciativa ouvir os depoimentos dos beneficiários. Embora estejam em constante contato com eles, nem sempre a equipe tem a oportunidade de ouvir e ler relatos sobre como as pessoas se sentem impactadas e as mudanças que ocorreram em suas vidas com a mesma profundidade em que são coletadas em estudos de Avaliação de Impacto. O momento de compartilhamento dessas informações costuma ser muito gratificante e emotivo para a equipe, e os encoraja a seguir sua jornada de dedicação ao Programa e às causas nas quais acreditam.

 

Por fim, é importante considerar a estratégia de comunicação com os próprios beneficiários, que costumam participar ativamente das Avaliações de Impacto em entrevistas, grupos focais e preenchimento de questionários. Compartilhar as conclusões do estudo com eles, além de ser uma importante etapa de validação, onde a organização se certifica de que eles se reconhecem nos resultados apresentados pelo estudo, mostra consideração e apreço pelo tempo que eles investiram na pesquisa e pela abertura que tiveram ao compartilhar suas opiniões, percepções e histórias de vida. É importante ter o cuidado de planejar a melhor forma de apresentar o conteúdo do estudo com os beneficiários, levando em consideração o perfil do público. Em Avaliações de Impacto realizados pelo IDIS, por exemplo, já preparamos devolutivas sobre os resultados do estudo para crianças de 8 a 12 anos, e foi muito interessante adaptar o conteúdo para um formato e linguagem que fosse interessante e estimulante para eles. Compartilhar as conclusões do estudo com o público-alvo também mostra que a organização está atenta às suas percepções, valoriza suas opiniões e está comprometida em perseguir a evolução contínua da iniciativa ao longo do tempo, criando assim uma maior relação de transparência e confiança.

 

A Avaliação de Impacto é uma ferramenta que se desdobra em muitas aplicações estratégicas. Ajuda as organizações a repensarem o modelo operacional de seus programas, tomarem decisões sobre a continuidade ou expansão de iniciativas, obterem evidências sobre a relevância de sua atuação e fortalecerem seus esforços de captação de recursos. Além de tudo isso, é também uma valiosa ferramenta para seu plano de Comunicação: fazendo as adaptações necessárias na linguagem, enfoque e nível de detalhamento, o conteúdo desse tipo de estudo pode e deve ser compartilhado com os mais diversos públicos, gerando interesse por parte de investidores, alinhamento e inspiração para a equipe do Programa e relações de transparência e confiança junto aos beneficiários.

Por Raquel Altemani, gerente de projetos no IDIS. Este artigo foi publicado em uma versão reduzida na Folha de S. Paulo

 

A estratégia já foi utilizada por organizações como Amigos do Bem, Parceiros da Educação e Fundação Sicredi.

 

 

 

Conheça os cases do IDIS de avaliação do impacto.

Por que ter diversidade e inclusão no terceiro setor?

A sociedade civil não deve escolher as mesmas justificativas de empresas para ter espaços de trabalho diversos e inclusivos

Há mais de um ano falamos de uma só doença – a COVID-19. Há algumas décadas, as pessoas inacreditavelmente também chamavam a homossexualidade de “homossexualismo” e consideravam uma doença que precisava ser tratada. Mas em 17 de maio de 1990 ela foi extinta – a orientação sexual homoafetiva deixava de ser considerada como um distúrbio mental pela Organização Mundial da Saúde, dando lugar ao Dia Internacional de Combate à Homofobia.

Mesmo após 30 anos, ainda enfrentamos barreiras e buscamos curar o preconceito, e aqui destacamos os desafios no ambiente profissional. Em pesquisa realizada pela agência Santo Caos, 40% dos entrevistados relataram já ter sofrido discriminações em relação à orientação sexual no trabalho.

O tema da diversidade, em toda sua extensão, no terceiro setor é obrigatório. Devemos acolher e valorizar todos os gêneros, todas as orientações sexuais, todas as raças, todas as idades, todas classes sociais, as diferentes origens, aqueles que tem algum tipo de deficiência e aqueles que estão começando suas carreiras da mesma forma daqueles que já viveram muito. Afinal, como conseguiremos construir um mundo mais justo e igualitário sem olhar para opressões e violências históricas e sem discutir privilégios?

Não devemos usar justificativas de aumento de inovação, lucros ou criatividade, como é feito por empresas, pois apesar de estes serem benefícios de programas de Diversidade e Inclusão, não devem ser a motivação primária do setor social. A sociedade civil surgiu para responder ao que o primeiro e segundo setor não davam conta, seja na assistência social, defesa de minorias, animais ou do meio ambiente. É por isso que devemos incluir. É um dever das organizações sociais ter um espaço de trabalho diverso e inclusivo para catalisar o ideal de mundo pelo qual trabalhamos. Selma Moreira, diretora do Fundo Baobá e conselheira do IDIS, sintetizou essa ideia em um encontro: “Nós do terceiro setor não podemos deixar a população negra, que sofreu tanto, de fora”.

Mas, é claro, essa não é uma tarefa fácil.

Apesar de muito idealizado, organizações sociais possuem dificuldades crônicas, como financiamentos escassos para área institucional, parte essencial para um fortalecimento da gestão de pessoas. Essa acaba sendo uma justificativa comum para fazerem pouco por esta frente, mas aqui trazemos caminhos que todas podem seguir para que floresçam ambientes mais diversos inclusivos nas organizações.

Ainda que a pesquisa sobre discriminação no trabalho não tenha sido feita exclusivamente com organizações sociais, lembramos que a sociedade civil não é isenta de preconceitos ou reprodução destes. Por isso, a criação de grupos de afinidade sobre gênero, raça, etarismo e sexualidade pode ser um espaço de acolhimento e aprendizado. As lideranças devem ser sensibilizadas e engajadas. Destacar em vagas que a organização terá um olhar atento à diversidade pode atrair pessoas que não se sentiam convidadas, e divulgar estas vagas nos lugares onde elas estão também é um passo importante. Estes são alguns cuidados no dia a dia que estão ao alcance de qualquer tipo de organização. Dicas como essas estão em materiais gratuitos, como na coleção de guias de gestão de pessoas no terceiro setor, lançado pelo IDIS e Instituto ACP.

Com a exclusão da homossexualidade como doença, o movimento LGBTI+ aprendeu que há muitos outros sintomas deixados pelo preconceito ao longo de gerações. Podemos não ter a vacina para acabar com a discriminação, como já temos para a COVID-19, mas podemos tratar os sintomas de um preconceito estrutural. É preciso ainda acolher não só profissionais LGBTI+, mas também com outros marcadores sociais e criar um ambiente de trabalho inclusivo e aberto com o engajamento de toda a organização. Não para lucrar, lacrar ou evitar crises de imagem, mas para lutar por um mundo melhor e justo. É para isto que nós, do terceiro setor, trabalhamos afinal.

 

Por Alexandre Gonçalves, analista de comunicação do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

 

O artigo foi originalmente publicado na Folha de S. Paulo.

Aliança Global : Uma resposta internacional à pandemia

2020 foi um ano diferente de todos os outros. A pandemia causou graves impactos na economia e na saúde das pessoas e evidenciou a desigualdade social em todo o mundo. De acordo com levantamento publicado pela Universidade Johns Hopkins em janeiro de 2021, houve mais de 85 milhões de casos e quase dois milhões de mortes causadas pelo vírus em cento e noventa países. O Banco Mundial estima que a pandemia da COVID-19 levará 49 milhões de pessoas à pobreza.

Durante este período inédito em nossas vidas, o papel e o valor da sociedade civil se tornaram mais evidentes, preenchendo lacunas críticas não atendidas pelos estados e provando ser um bote salva-vidas e a garantia de qualidade de vida para milhões de pessoas.

Em todos países, organizações sociais estão na linha de frente no combate à COVID-19 e se mostram mais sintonizadas com as necessidades das comunidades vulneráveis do que qualquer outro setor. Por outro lado, elas tem ficado em segundo plano na agenda de autoridades mundiais, não sendo reconhecidas como potenciais parceiras estratégicas e tendo suas necessidades básicas de sobrevivência negligenciadas e vendo comprometida e ameaçada sua sustentabilidade no longo prazo.

Se a COVID-19 criou “um antes e um depois” no mundo, algo sem precedentes em nossa época, devemos usar este momento de uma forma positiva, tirar aprendizados e impulsionar a ação.

Neste artigo, apresentamos histórias de projetos desenvolvidos pelos oito representantes da Global Alliance, rede global da CAF – Charities Aid Foudation da qual o IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social faz parte representando o Brasil. Foram ações motivadas pela pandemia e que buscaram contribuir, em seus países, para aplacar suas consequências por meio de uma filantropia mais estratégica.

Essas experiências, somadas à evidente falta de reconhecimento pelos governos, revelou três pilares de ação aos quais nós, como comunidade global, poderemos contribuir.

  • Promoção de soluções emergenciais em escala global, considerando matizes locais, regionais e nacionais, para alavancar as organizações da sociedade civil (OSCs) ao invés de marginalizá-las;
  • Defesa coletiva da sociedade civil e o papel inestimável que esta desempenha no fortalecimento da sociedade em geral;
  • Facilitação de doações que irão apoiar a sociedade civil no futuro e contribuir para um mundo mais unido e empático.

Conheça as respostas locais dadas aos desafios que se apresentaram em cada um dos países:

 

 

 África do Sul – CAF África do Sul

Cenário

Como apenas 16% da população sul-africana tem acesso a seguro saúde, durante a pandemia a maioria teve que recorrer ao setor público de saúde, que tem recursos escassos.

Além disso, um em cada oito domicílios se encontra em assentamentos informais sem acesso a água potável, fazendo com que as medidas básicas de higiene e a quarentena, necessárias para conter a disseminação da COVID-19, não pudessem ser adotadas por uma parcela significativa da população.

Reposta local

A CAF África do Sul sabia que a ajuda emergencial deveria chegar rapidamente às comunidades afetadas para conter a propagação do vírus. Por meio de uma extensa campanha de comunicação, conseguiu aumentar a conscientização sobre seu fundo de emergência entre doadores e parceiros potenciais, o que agilizou a alocação de 100% dos fundos e provisões em um período de quatro semanas.

A parceria com redes existentes permitiu que a CAF África do Sul atingisse as famílias e comunidades mais necessitadas. Por meio do trabalho conjunto com a organização local de educação Gumption Science Advancement, distribuiu cestas básicas às famílias em dificuldades.

O trabalho com a Eye of the Tiger Academy permitiu que a CAF África do Sul fornecesse EPIs às famílias da academia para garantir sua proteção em ambientes em que o distanciamento social era impossível. Além disso, a CAF África do Sul usou sua experiência e suas redes para empoderar empresas locais a gerar impacto positivo rápido.

Gerenciou as contribuições emergenciais feitas pelos funcionários da Sasol e agilizou a distribuição das doações para 10 organizações sem fins lucrativos selecionadas pelos funcionários da Sasol.

Recursos captados

A Fundação Oppenheimer Generations contribuiu com USD 318.000 e mais 4 mil litros de álcool gel.

O CAF África do Sul atuou em parceria com o programa de doações de Auxílio Alimentar Emergencial da Oppenheimer Generations Foundation, trabalhando com 20 organizações sem fins lucrativos registradas para agilizar a distribuição de suprimentos a comunidades de difícil acesso.

 

 

 

Austrália – Good2Give

Cenário

Embora a Austrália tenha uma forte cultura de doação, o início da pandemia da COVID-19 ocorreu imediatamente após os incêndios catastróficos de janeiro de 2020, e o país sentiu uma certa fadiga por parte dos doadores.

Somando-se a isso, o fechamento de fronteiras e confinamento impactaram negativamente os setores de turismo, aviação e varejo da Austrália e Nova Zelândia, levando algumas empresas a reduzirem suas estratégias de RSC.

Resposta local

A Good2Give concentrou seus esforços em captar recursos corporativos e gerenciar programas de doações.

O programa Community Grants, do Australia Post, ofereceu doações de até USD 10 mil para projetos comunitários de apoio a iniciativas de saúde mental.

O fundo de propósito especial COVID-19 da Accor, Accor ALL Heartist Fund, apoiou os funcionários, e a Good2Give monitorou e efetuou pagamentos a milhares de funcionários da Accor em toda a região da Oceania.

Ser parte de uma aliança internacional facilitou doações internacionais e transnacionais. O programa CAF America Expedited Giving concedeu USD 187 mil para entidades filantrópicas australianas que atuam na linha de frente.

Recursos captados

Na Austrália e Nova Zelândia, 90% das doações da COVID-19 foram feitas por empresas. No final de 2020, os programas do Australia Post, Accor Hotels e Facebook, entre outros, contribuíram com USD 5,6 milhões para projetos de emergência.

 

 

 

Brasil: IDIS

Cenário

O Brasil foi um dos países mais impactados pela COVID-19 desde o início da pandemia. Embora seu sistema público de saúde seja referência em termos de acesso universal, não estava equipado para atender às novas demandas que recaíram sobre ele.

A pandemia também evidenciou a profunda desigualdade social do país, com taxas de contaminação e mortalidade significativamente mais altas entre a população mais pobre, que também foi a mais afetada pelo desemprego.

Somando-se a estes desafios, a falta de incentivo às doações por parte do governo e os tributos entre 2 e 8% em diferentes estados dificultaram ainda mais a captação de recursos para atender às necessidades emergenciais.

Reposta local

O IDIS foi o primeiro a apoiar oficialmente o sistema público de saúde público por meio da criação do Fundo Emergencial Para a Saúde – Coronavírus Brasil, em parceria com o Movimento Bem Maior e a BSocial. O Fundo atraiu doações de empresas como TikTok e SulAmérica, bem como de milhares de pessoas físicas.

Um comitê técnico foi instituído. Em encontros semanais, o grupo avaliava e aprovava os pedidos de doações para os hospitais, garantindo agilidade e transparência na destinação dos recursos à linha de frente, destinados à compra de testes, EPIs e equipamentos médicos.

A conceituada rede Raia Drogasil também recorreu ao IDIS para alavancar sua contribuição. Com due dilligence, expertise operacional e supervisão da doação, garantiu o repasse de USD 5 milhões para hospitais filantrópicos em todo o país.

Recursos captados

Fundo Emergencial Para a Saúde – Coronavírus Brasil, captou USD 8 milhões junto a mais de 10 mil doadores até dezembro de 2020.

 

 

 

Bulgária – BCAUSE

Cenário

Com um sentimento generalizado de que a resposta do governo à crise foi lenta e ineficaz, os hospitais locais em toda a Bulgária lutaram contra a falta de equipamentos, proteção adequada e insumos médicos.

Uma resposta única

A BCause usou uma plataforma de doações on-line dedicada, Platformata, para captar recursos emergenciais destinados a equipamentos médicos. Em questão de semanas, foi feita a distribuição de 200 mil máscaras de proteção, 10 mil macacões hospitalares e 10 respiradores a 80 hospitais.

Muitos voluntários manifestaram interesse em apoiar a campanha emergencial e a BCause ajudou a coordenar esse esforço. A empresa SPARK, de compartilhamento de carros elétricos, distribuiu gratuitamente equipamentos médicos a hospitais, enquanto outro grupo de voluntários desenvolveu um protótipo inovador para impressão de protetores faciais usando impressoras 3D, oferecendo proteção a 10 mil profissionais essenciais.

Durante a crise, a BCause também trabalhou junto à sua rede de parceiros de OSCs para distribuir equipamentos de proteção a trabalhadores comunitários, idosos em cidades remotas e residentes e trabalhadores de abrigos que acolhem vítimas de violência doméstica.

E, quando inúmeros profissionais essenciais de saúde e professores com filhos pequenos perderam suas vidas para o vírus, a BCause se uniu à Fundação ‘For the Good’ para criar o ‘Fundo para os Filhos dos Heróis’, inicialmente com recursos da Isobar Commerce da Bulgária e Ubisoft, em apoio aos filhos que perderam os pais.

Recursos captados

A BCause, nossa parceira na Bulgária, assessorou empresas e ajudou entidades e grupos a captar recursos utilizando as plataformas Platformata.bg e DMS para incentivar doações. Até dezembro de 2020, captou em torno de USD 1,8 milhão junto a mais de 270 mil doadores corporativos e individuais.

 

 

 

Estados Unidos: CAF América

Cenário

A COVID-19 atingiu fortemente os EUA e logo se tornou uma questão politicamente polêmica, em um país dividido quanto à gravidade do vírus. Sem uma resposta coordenada por parte do governo federal, as ações emergenciais foram conduzidas pelas esferas municipal e estadual, criando um contexto fragmentado em todo o país.
Muitos trabalhadores da linha de frente sofreram com a falta de EPIs e equipamentos médicos. Sem um programa significativo de auxílio emergencial, muitos desafios econômicos, sociais e de saúde mental mais abrangentes criados pela pandemia não receberam a devida atenção.

Resposta local

A CAF América tem como foco doações internacionais e, durante a crise, criou um banco de dados internacional único para a COVID-19 com OSCs que estão na linha de frente da resposta à pandemia visando facilitar doações transnacionais.

O sistema permitiu a conexão de centenas de doadores individuais, fundações e empresas com OSCs em todo o mundo que precisam de recursos para realizar seu trabalho emergencial.

Foram feitas doações para muitas organizações de base locais, bem como organizações humanitárias, como a Cruz Vermelha na Itália e a Fundação Akshaya Patra na Índia, que forneceram refeições gratuitas para moradores de rua e trabalhadores imigrantes durante a crise. A CAF América também teve um papel determinante na compreensão do impacto da COVID-19 sobre as finanças e operações de milhares de entidades filantrópicas em todo o mundo e usou sua plataforma única para defender suas necessidades críticas.

Recursos captados

A CAF América recebeu contribuições de mais de 30.000 doadores individuais, empresas e fundos patrimoniais. No primeiro mês da pandemia, viabilizou 23 doações para 12 países, totalizando USD 3,5 milhões, e em dezembro de 2020 já havia concedido 33 mil doações para 113 países, totalizando USD 69,8 milhões.

 

 

 

Índia – CAF Índia

Cenário

Na Índia, assim como no Brasil, a COVID-19 levou a infraestrutura de saúde já sobrecarregada à beira do colapso.

A pandemia dizimou o setor de trabalho informal e colocou mais milhões de pessoas na pobreza, intensificando a busca diária por emprego, comida e educação.

Como agravante, muitas OSCs menores, que geralmente são as que mais ajudam as comunidades de difícil acesso, enfrentaram crises com a repentina queda de doações e realocação de recursos para o fundo emergencial PM CARES, administrado pelo governo.

Resposta local

A CAF Índia se envolveu estrategicamente com o departamento de planejamento do governo da Índia para defender as OSCs impactadas, oferecendo apoio para que pudessem seguir atuando na linha de frente e beneficiando mais pessoas.

Em termos práticos, ao alavancar sua ampla rede OSCs e empregar os rigorosos processos de due diligence da CAF, a CAF Índia pôde usar recursos de doadores nacionais e estrangeiros para distribuir suprimentos essenciais aos mais necessitados nas primeiras semanas da pandemia.

O trabalho junto a ONGs como Yuva Unstoppable, Humanitarian Aid International (HAI) e Center for Youth and Development Activities (CYDA) permitiu a entrega de EPIs a médicos e profissionais de saúde atuando na linha de frente.

Também foram firmadas parcerias com organizações que apoiam famílias de trabalhadores informais que ficaram sem renda durante o confinamento.

Assim, até dezembro de 2020, a CAF Índia havia apoiado 50 parceiros locais, permitindo-lhes atingir uma população de 2,6 milhões de pessoas vulneráveis em 19 estados.

Recursos captados

A contribuição da CAF Índia para o Fundo de Resposta de Emergência foi de USD 12.3 milhões no primeiro mês, e de USD 23 milhões até dezembro de 2020.

 

 

 

Reino Unido – CAF UK

Cenário

No Reino Unido, o programa de licença não remunerada criado pelo governo protegeu muitas pessoas dos impactos do confinamento. Porém, entidades filantrópicas, principalmente as pequenas e com poucas reservas, ficaram em situação vulnerável.

No início do confinamento, mais de um terço (37%) das entidades filantrópicas do Reino Unido nos disseram que conseguiriam manter as operações por seis meses ou menos sem ajuda, enquanto mais da metade (54%) relatou que só conseguiria se manter por mais um ano.

Resposta local

As entidades filantrópicas precisavam de acesso imediato a financiamento irrestrito para sobreviver. Assim, em março, a CAF criou o Fundo de Emergência do Coronavírus CAF, um programa de resposta rápida.

Até o final do ano, foram efetuadas mais de 1.250 doações a diversos tipos de organizações, como as que prestam serviços de emergência na linha de frente e aquelas que viram sua capacidade de captar recursos prejudicada, totalizando mais de £ 6,5 milhões.  A CAF também lançou uma série de webinários e disponibilizou recursos para ajudar entidades filantrópicas a se manter, adaptar e prosperar durante e após a pandemia.

Além de apoiar entidades filantrópicas afetadas pela pandemia, a CAF também facilitou o importante processo de doações feitas pelo setor corporativo do Reino Unido.

Para o setor de saúde, especificamente, criou o ‘Fundo de Recuperação da Organização de Pacientes’, para doações a organizações que lidam com pacientes em todo o Reino Unido, e ajudou a Associação de Seguradoras Britânicas na criação e operação do ‘Fundo de Apoio COVID-19’, que obteve doações de 36 empresas superiores a £ 100 milhões.

Recursos captados

A CAF lançou seu próprio fundo emergencial para apoiar entidades filantrópicas do Reino Unido afetadas pela crise e pelos confinamentos impostos. O fundo foi criado com £ 5 milhões, realocados do próprio fundo a pedido dos doadores. Além disso, £ 1,5 milhão adicionais foram captados em seis meses.

 

 

 

Rússia: CAF Rússia

Cenário

Na Rússia, os desafios da pandemia se tornaram mais complexos por causa das diferenças regionais dentro do país. Enquanto Moscou, São Petersburgo e outras grandes cidades eram vistas como os locais mais populosos e de maior risco, áreas remotas e rurais que careciam de recursos para combater a pandemia foram negligenciadas e não receberam a atenção e o apoio necessários. Além disso, os mecanismos de resposta emergencial criados pelo governo não facilitaram o investimento estrangeiro, o que dificultou a contribuição de doadores externos à resposta russa.

Resposta local

O trabalho colaborativo com os parceiros da Aliança Global, incluindo a CAF América, permitiu à CAF Rússia facilitar a doação de recursos advindos de doadores estrangeiros. Assim, as OSCs russas tiveram acesso a um maior volume de doações internacionais que chegaram rapidamente aos mais necessitados.

A experiência da CAF em doações e processos de due diligence reconhecidos foi determinante para a criação de um mecanismo de resposta rápida para agilizar as decisões de financiamento.

Recursos captados

Os esforços de captação de recursos na Rússia se concentraram no período da já consolidada campanha de doações GivingTuesday. O equivalente a USD 119.930 foi arrecadado no primeiro mês e até dezembro de 2020, chegaram a USD 1.3 milhão.

Fortalecimento dos Fundos Patrimoniais | Valor Econômico

Precisamos valorizar instituições públicas e privadas, sem fins lucrativos, que trabalham para causas de interesse público

Por Paula Fabini e Priscila Pasqualin, do PLKC Advogados*

Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos tem trabalhado ativamente para a criação e fortalecimento no Brasil dessa estrutura, também conhecida como Endowment, tão difundida em países desenvolvidos.

Em janeiro de 2019 tivemos a aprovação do marco legal desse mecanismo, mas para que os Endowments se popularizem por aqui, ainda precisamos aprimorar a legislação. Mas, porque os Endowments são importantes para o Brasil?

Os Endowments, ou Fundos Patrimoniais, são formados principalmente por doações feitas por pessoas jurídicas ou físicas, podendo ter algumas fontes alternativas de recursos. Esse conjunto de ativos são aplicados para produzir rendimentos a serem destinados exclusivamente para causas de interesse público.

Depois de doados, ou seja, de estarem incorporados ao Fundo Patrimonial, a titularidade dos ativos passa para uma organização gestora do Fundo Patrimonial, que tem o dever de gerir esses ativos, com dois objetivos: mantê-los íntegros e perenes, no longo prazo, e gerar rendimentos para uso no curto prazo.

Os Fundos Patrimoniais beneficiam diretamente as instituições apoiadas, públicas ou privadas sem fins lucrativos, que, assim, alcançam outro patamar de sustentabilidade financeira para realizar seus programas, projetos ou iniciativas. Por meio dessas organizações socioambientais, os recursos chegam aos beneficiários, ou seja, todas as pessoas e territórios que têm a oportunidade de receber serviços de interesse público com maior qualidade, dada a melhoria da sustentabilidade financeira que o Fundo Patrimonial proporciona.

Além disso, mundo afora, os Endowments são investidores profissionais, pois têm um mandato de extrema importância: gerir um patrimônio privado, legado pela sociedade, em prol de relevantes interesses públicos. Em outros países são investidores tão relevantes quanto os fundos soberanos, os fundos de pensão e os grandes fundos de investimento. E, como tal, também são responsáveis por desenvolver o mercado financeiro, gerando recursos para empresas e empreendimentos, com a paciência e capacidade de tomar risco que só um investidor de longo prazo consegue ter.

No exterior, as universidades, hospitais, centros de pesquisa e instituições culturais e de patrimônio histórico, entre outros, são mantidas, em parte, por Endowments. Além das grandes fundações como a Bill & Melinda Gates Foundation, a Rockefeller Foundation e a Ford Foundation.

Aqui no Brasil, desde a regulamentação dos Endowments, vários fundos foram ou estão em processo de constituição. Alguns exemplos são o Fundo Patrimonial da Unicamp (Fundo Patrimonial Lumina) e o Fundo Rogério Jonas Zylbersztajn.

A Lei dos Fundo Patrimoniais – a Lei 13.800/19 – trouxe benefício fiscal apenas para a área da cultura, que ainda não foi regulamentado pelo governo. No Brasil, tributamos a doação filantrópica e as aplicações financeiras pelo imposto de renda para a maioria das instituições, o que não acontece no exterior. Nos Estados Unidos o incentivo fiscal é bem mais favorável e faz o dinheiro fluir para Endowments, ainda que sem muita convicção ou intencionalidade imediata do doador.

O surgimento de novos Fundos Patrimoniais Filantrópicos no Brasil mostra ainda mais o nosso valor como sociedade, e o potencial de crescimento que esse mercado possui se o governo reduzir um pouco a hostilidade tributária em nosso país.

Precisamos que a legislação exonere os Endowments do imposto sobre doações (o ITCMD) – cuja incidência é vexatória quando se fala de doação filantrópica para causas de interesse público.

Precisamos que a tributação reconheça que os Endowments em prol de instituições públicas e de causas de educação, saúde e assistência social fazem jus à imunidade já prevista na Constituição, ainda que não sejam eles, diretamente, os estabelecimentos públicos ou de atendimento à população.

Precisamos ampliar a isenção do Imposto de Renda sobre aplicações financeiras dos Endowments, para que possam destinar mais recursos às instituições públicas ou privadas, sem fins lucrativos, apoiadas. E seria um grande impulsionador para o surgimento de novos Endowments, a criação de incentivos fiscais para os doadores, que deveriam poder abater de seu imposto de renda, as doações feitas para essa estrutura, que só traz benefícios para o país.

Essas são as principais batalhas da Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos para promover o aumento do número de Fundos Patrimoniais brasileiros. A sociedade deve se apropriar dessa estrutura. Nós, como cidadãos, precisamos valorizar nossas instituições públicas e privadas, sem fins lucrativos, que trabalham para causas de interesse público, tomando a responsabilidade para si  de fortalecê-las.

Empresas públicas não vinculadas e as de economia mista, assim como os órgãos públicos, promotores e juízes que determinam a destinação de recursos em termos de ajuste de conduta e acordos de leniência, poderiam construir estratégias de incentivo à criação de Endowments, oferecendo, por exemplo, parte destes recursos para instituições apoiadas ou Endowments que captarem recursos para sua formação (realizando o matching das captações realizadas).

Os Endowments fortalecerão a sociedade e economia. Seu estímulo é estratégico para o esforço de nossa recuperação e crescimento, e deveria ser uma prioridade. A lei já trouxe instrumentos que permitem a aplicação de recursos no curto, médio e longo prazo. Agora precisamos fazer uso deste poderoso mecanismo de apoio a causas públicas.

*Artigo publicado originalmente no Valor Econômico no dia 8 de fevereiro de 2021 

Dicas para engajar colaboradores em ações solidárias e de impacto

O brasileiro é solidário. Doar dinheiro, fazer um trabalho voluntário ou simplesmente ajudar um desconhecido são atitudes que fazem parte de nosso dia a dia . A pandemia que estamos vivendo em 2020 nos mostrou, mais do que nunca, a relevância desse tipo de ação e como precisam ser ampliadas ainda mais.

A experiência do IDIS e da PYXERA Global indica que o setor privado tem um papel fundamental no estímulo e facilitação dessas ações de solidariedade junto a colaboradores, que podem ser realizadas por meio de programas de engajamento desenhados estrategicamente. Essas iniciativas podem ir muito além do engajamento, criando alinhamento interno entre as estratégias de impacto e de negócio, já que as empresas têm também um papel social relevante.

Quando unimos o investimento social empresarial com os anseios individuais, encontramos um campo fértil para ações solidárias de empresas junto ao seu público interno, porque pessoas são movidas por propósitos. Os resultados possíveis dessa união são muitos, indo além do impacto social gerado. Melhoria do clima organizacional, aumento do sentimento de pertencimento, oportunidade de desenvolvimento de competências, fortalecimento de laços entre colaboradores, aprofundamento do relacionamento com a comunidade da empresa, contribuição à estratégia de impacto e investimento social privado da empresa, contribuição à atração talentos e contribuição à reputação da marca junto a clientes são alguns dos benefícios de ações solidárias envolvendo os colaboradores.

As pesquisas mostram que consumidores esperam, cada vez mais, que as empresas desempenhem seu papel social, demandando ações concretas, recompensando as marcas que admiram e punindo aquelas que não correspondem às expectativas . Ou seja, estamos falando do impacto triplo das ações de engajamento: Impacto nos Colaboradores, Impacto no Negócio, e Impacto na Comunidade.

Neste artigo, trazemos recomendações àqueles que desejam estruturar programas, integrando impacto social e engajamento, com dicas que podem ser seguidas por empresas de todos os portes e segmentos de atuação, organizadas em quatro estágios: diagnóstico; ideação e planejamento; execução; e amplificação e aprendizado.

DIAGNÓSTICO

1. Escolha um foco de atuação e descubra sua causa

Os desafios socioambientais no Brasil são inúmeros e complexos. Como decidir, então, qual será o foco de sua atuação? Em geral, é mais proveitoso investir tempo e recursos em um único foco de atuação do que distribuir para vários projetos de diferentes causas, pois o impacto gerado tende a ser maior.

A escolha da causa deve vir de dentro para fora. A causa deve ser coerente com as práticas organizacionais da empresa e com os interesses do público interno. Quanto mais o investimento social privado (ISP) for uma extensão do comportamento gerencial e uma extensão dos negócios, dos valores e dos princípios da empresa, melhor. Para conhecer os desejos dos colaboradores, faça uma pesquisa. Um jeito legal e divertido de fazer este mapeamento é aplicar o teste Descubra sua Causa. E se houver recursos, estender esse mapeamento a fornecedores e clientes permitirá entender ainda com mais detalhes os interesses daqueles que fazem parte de seu ecossistema.
Engajar os colaboradores em ações solidárias pode contribuir para o clima organizacional, para o envolvimento dos colaboradores com a empresa e até para o desenvolvimento de competências. Se estes são objetivos, vale a pena fazer uma pesquisa para definir uma linha de base.

 

2. Conheça o ecossistema e as necessidades da comunidade

Certo, você já sabe a causa que irá defender, mas antes de começar a agir, é preciso conhecer a fundo o problema que pretende atacar.
Faça uma análise detalhada das necessidades de investimento no foco de atuação escolhido. Identifique as principais demandas sociais relacionadas à causa e avalie como pode contribuir. Não deixe de mapear também quais são os recursos e as pessoas que já contribuem com a causa escolhida e o que pensa a comunidade do entorno.

O bom conhecimento do contexto social levará à construção de uma visão de futuro mais madura e à escolha de um foco de atuação de relevância para o desenvolvimento da comunidade em que a empresa está inserida.
Empresas concorrentes também devem ser foco de atenção. Conheça o que elas estão fazendo e avalie se gostaria de apostar em uma diferenciação ou se há possibilidade para uma atuação conjunta, potencializando o impacto positivo para a causa.

Por fim, conhecer as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento socioambiental também é importante nesse processo. É fundamental verificar se as políticas são boas, mas não estão sendo implantadas, e se existem políticas locais nas regiões em que a
empresa está presente. A partir disso, é possível avaliar se seu o foco pode funcionar como catalisador ou facilitador da implementação dessas políticas, permitindo que certos grupos populacionais se beneficiem do que já existe.

Esse mapeamento permitirá delimitar o foco de atuação da empresa em relação à causa e o delimitar o foco geográfico, avaliando se o investimento será em uma comunidade específica ou em uma cidade, região ou país.

3. Engaje as lideranças

As informações já foram coletadas. É preciso organizá-las e discuti-las com as lideranças da empresa, para que se tome uma decisão de política corporativa em relação ao ISP e sobre como colaboradores podem ser envolvidos. Os objetivos e práticas devem estar alinhados com as políticas de sustentabilidade e responsabilidade social da empresa e o mapeamento interno e externo permitirão uma tomada de decisão consciente e coerente com o negócio, não apenas baseada na intuição ou na opinião pessoal de alguma dessas lideranças.

Nesse âmbito será possível definir também as questões de governança do projeto. Quem será responsável pela implementação? Que outras áreas devem ser envolvidas e de onde virá o orçamento?

 

IDEAÇÃO E PLANEJAMENTO

4. Planeje sua intervenção

Qual o público beneficiário e quais os influenciadores? Qual será a estratégia para implementá-la e quais os resultados que se espera alcançar para a causa e para a empresa?

A área responsável por conduzir o projeto deverá responder a essas perguntas, desenhando com detalhes a iniciativa. Deve considerar o orçamento disponível, assim como a infraestrutura e recursos humanos da própria empresa que podem ser aproveitados em prol da causa.

O processo de desenho do programa e planejamento de impacto inclui compartilhar sua visão com a equipe, tomar decisões sobre os principais aspectos do programa e desenvolver estratégia de programa e materiais básicos.

Aqui também será definida a forma como o público interno poderá participar. Ele contribuirá com dinheiro, bens ou tempo? Haverá algum tipo de ‘matching’ da empresa? Em caso de voluntariado, os profissionais serão estimulados a usar conhecimentos técnicos ou gerais? Poderão atuar durante o período de trabalho ou farão as atividades em seu tempo livre?

Exemplos de ações de engajamento:

      • Programas de voluntariado profissional (pro bono)
      • Programas de mentorias
      • Mutirão ou programa contínuo
      • Estímulo a doações com potencial matching
      • Payroll giving, quando a doação é descontada diretamente da folha de pagamento

 

5. Defina indicadores de impacto

A estrutura de mensuração de impacto deve ser definida nesta fase. Para acompanhar os resultados do investimento social e de seu programa de engajamento de colaboradores, defina os indicadores que irão refletir sua efetividade e monitore o projeto desde o início, verificando se os resultados parciais estão indicando a direção certa.

EXECUÇÃO

6. Comunique e mobilize

Trace um plano de comunicação para disseminar a iniciativa entre todos os públicos da empresa – sejam internos ou externos.

Para conscientizar e mobilizar o público interno, uma estratégia interessante é criar um comitê com representantes de diferentes áreas da organização. Você pode também definir ‘sponsors’ de projeto, pessoas com algum nível de influência dentro da empresa que se disponham a fazer esse papel de divulgação. Costuma ser eficiente utilizar os canais de comunicação usuais da empresa, mantendo o fluxo de comunicação constante sobre o programa, em seus diferentes estágios (ex. período de inscrição; divulgação de projetos selecionados; divulgação do andamento; divulgação dos resultados).

 

7. Implemente a ação

Agora é a hora de botar a mão na massa! Itens a serem executados nessa fase, vão desde a seleção de participantes, desenvolvimento dos projetos em si (seleção de organizações de sociedade civil, apoio aos participantes do programa durante o processo, ações de preparação e reflexão, etc.)

Não deixe de estabelecer maneiras de reconhecer o trabalho voluntário dos participantes do programa. Seja criativo. Os participantes podem receber, por exemplo, camisetas ou sinalizadores de mesa que permitam ser identificados pelos colegas. É recomendável também planejar homenagens em eventos especiais, materiais institucionais, certificados, além de divulgar as atividades, conquistas e resultados em murais internos ou na intranet da empresa. Um bom programa necessita de seus HERÓIS!

 

8. Monitore e avalie

A partir da estratégia de mensuração definida na fase de diagnóstico, é possível identificar o marco zero, isto é, a situação inicial antes da intervenção. É preciso avaliar o benefício social resultante do investimento em termos qualitativos e quantitativos. Acompanhe também, por exemplo, número de colaboradores envolvidos, horas de trabalho dedicadas ou volume doado, atividades realizadas, número de pessoas beneficiadas, recursos arrecadados e doados.

 

9. Compartilhe os resultados

Contar as conquistas de um programa, além de ser muito prazeroso, é uma boa prática de transparência e contribui para fortalecer a confiança em ações de impacto.

Lideranças, todos os colaboradores da empresa, profissionais que se engajaram diretamente e organizações impactadas pela ação, acionistas, consumidores, o poder público, a comunidade são alguns dos públicos que podem ter interesse em conhecer o que foi alcançado por meio de sua intervenção. Planeje a comunicação considerando cada um de seus públicos de interesse e fazendo as adaptações necessárias para cada um deles. Essa fase é fundamental para criar uma cultura dentro da empresa sobre o impacto positivo de tais programas e qualificar o processo de tomada de decisão.

Por último: Ouça todos que participaram do processo e prepare-se para o próximo ciclo a partir de lições aprendidas!

 

Baixe a publicação completa aqui.

Artigo escrito por Paula Fabiani, diretora-presidente do IDIS, e Fernanda Scur, Partnership Strategist for Collective Impact da PYXERA Global, Latin America

NOTA TÉCNICA: Fundos Patrimoniais Filantrópicos

Durante sete anos o IDIS trabalhou pela regulamentação dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos no Brasil, conduzindo uma estratégia articulada de advocacy. Tínhamos a convicção de que esse instrumento, criado para garantir a sustentabilidade financeira no longo prazo de organizações e causas, precisava se propagar no país para promover um salto de qualidade no campo do investimento social privado e desde então apoiamos a criação de mais de uma dezena de Fundo Patrimoniais no Brasil.

A regulamentação aconteceu, finalmente, em 2019, com a aprovação da Lei 13.800, e publicamos um livro para orientar os interessados em criar seus Fundos Patrimoniais.

Neste documento, apresentamos para aqueles que querem ter uma noção mais rápida sobre quais os principais passos para a estruturação de um Fundo Patrimonial, de acordo com as normas estabelecidas na legislação.

Os Fundos Patrimoniais podem beneficiar organizações sem fins lucrativos e instituições públicas. Nesta Nota Técnica, tratamos apenas de Fundos Patrimoniais enquadrados na Lei 13.800/19 e destinados a beneficiar organizações sem fins lucrativos.

Nota técnica: Fundos Patrimoniais Filantrópicos from IDIS

 

Qual é a transformação que você quer ser?

Medir o sucesso de uma empresa costuma ser fácil. Basta checar o faturamento, a lucratividade e a geração de caixa. Mas como medir o sucesso de um projeto social ou ambiental? Como medir o impacto dessas ações? Qual o retorno para a sociedade que podemos atribuir a cada iniciativa? Como melhorar nossos investimentos socioambientais voluntários? Esses e outros questionamentos estão cada vez mais presentes nas preocupações de investidores sociais privados. A avaliação de impacto ganhou ainda mais destaque com as vultuosas doações durante a pandemia. Grandes empresas e grandes doadores querem buscar os melhores caminhos para enfrentar os crescentes problemas do país e certamente uma boa avaliação socioambiental pode ajudar.

Avaliação de impacto

A avaliação de impacto é um instrumento estratégico para a tomada de decisões. Uma avaliação desenvolvida com o devido rigor ajuda na identificação de pontos de ineficiência no uso de recursos, confirma (ou não) a eficácia das estratégias aplicadas, traz luz às consequências imprevistas da intervenção, bem como às relações de causa-consequência das ações realizadas. Além disso, permite o aprimoramento do programa ou projeto e comunica de forma objetiva os resultados aos financiadores e à a sociedade.

No IDIS já realizamos avaliações de projetos em diversas áreas: saúde, educação, cultura, meio ambiente, esporte, combate à pobreza, geração de renda e desenvolvimento comunitário, entre outros. Algumas avaliações levaram projetos a serem ampliados, outras, ao encerramento. E todas identificaram aspectos que poderiam ser aprimorados para aumentar o impacto do projeto. Investir em um ‘ativo’ que você sabe que dará retorno é sempre mais atraente. Com o investimento social privado não é diferente.

SROI – Social Return on Investiment ou Retorno Social sobre o Investimento

Em alguns casos, o resultado é tão importante que pode transformar uma iniciativa social em uma política pública, como foi o caso do Projeto Primeira Infância Ribeirinha (PIR), no Amazonas e que teve a participação e a avaliação de impacto do IDIS. Neste caso, foi utilizada a metodologia SROI – Social Return on Investiment ou Retorno Social sobre o Investimento. Essa metodologia de análise de custo-benefício é reconhecida pelo Cabinet Office do Reino Unido como a mais adequada para avaliar o serviço de saúde oferecido no país. No caso do PIR, a avaliação mostrou que, para cada 1 real investido, o retorno foi de quase 3 reais. O projeto, que começou modesto, cresceu e hoje é lei no Amazonas, beneficiando crianças que, de outro modo, poderiam estar distantes das políticas públicas. E gerou outros frutos em localidades diferentes da região Amazônica.

Um erro comumente cometido é confundir monitoramento com avaliação. O monitoramento acompanha a execução do projeto e apenas informa métricas de processo como o número de beneficiários ou pessoas atingidas pelo projeto. Mas essas métricas não trazem a informação mais importante que é a transformação ocorrida na vida daquele beneficiário. O fato de um indivíduo participar de uma intervenção não é garantia de mudança positiva na sua vida. E a intensidade dessa mudança também vai variar para cada indivíduo. Conhecer o real impacto gerado por uma intervenção na vida de uma pessoa ou comunidade é muito importante. Avaliar questões intangíveis como aumento de conhecimento, autoestima, habilidades sociais etc, não é tarefa simples. Mas esse conjunto de fatores é fundamental para a compreensão dos resultados de um projeto. E monetizar este impacto é ainda mais desafiador. Mas são caminhos primordiais para analisar a eficiência do uso dos recursos.

Esse é o desafio que a metodologia do SROI se propõe a enfrentar. Durante o processo de avaliação, é imprescindível conhecer os beneficiários, entender a mudança provocada em cada indivíduo e nas pessoas ao seu redor, na família, conseguir mapear impactos não intencionais ou imprevistos mas que se mostram relevantes, como a melhoria da qualidade de vida, a redução do estresse, o maior rendimento na escola ou no trabalho, o clima mais feliz na família, entre outros aspectos que vão além dos indicadores planejados.

Tudo isso com rigor na coleta das informações e ética na relação com o público avaliado. Essa lógica fez do Social Return on Investiment (SROI) ou Retorno Social sobre o Investimento um método cada vez mais adotado no mundo todo, uma vez que combina dados qualitativos com dados quantitativos, o que permite uma visão ampla do impacto do projeto e seu potencial de melhoria a partir de ajustes e redefinições. E, ao monetizar os resultados identificados, sejam eles tangíveis ou intangíveis, é possível delinear a relação entre impacto socioambiental e capital investido. Esta é uma pergunta recorrente dos financiadores: quanto de retorno para a sociedade este projeto ou iniciativa foi capaz de entregar?

A primeira vez que aplicamos a metodologia do SROI no Brasil foi no projeto Valorizando uma Infância Melhor (VIM), da Fundação Lúcia e Pelerson Penido, no Vale do Paraíba, no estado de São Paulo. A avaliação mostrou que, para cada 1 real investidor, foram gerados 4 reais em valor social. Isso mesmo, 4 vezes o valor investido. E outros projetos resultaram em valores ainda maiores de retorno como é o caso do Programa Guri que traz de retorno mais de 6 vezes o capital empregado.

A moda do SROI pegou! Iniciativas de grande destaque e resultados expressivos como o Gerando Falcões, Parceiros da Educação e Amigos do Bem também decidiram aderir e avaliar seus projetos usando a metodologia SROI. E empresas como a Petrobras, que está realizando avaliações de vários de seus projetos para conhecer com profundidade o retorno de seus investimentos socioambientais. Cada vez mais as empresas buscam avaliações que tragam respostas objetivas sobre seus financiamentos de ações de impacto socioambiental.

Com essas avaliações é possível descortinar questões relevantes relativas ao impacto socioambiental de programas e projetos e, quem sabe, de políticas públicas. Temos nas mãos uma ferramenta que pode ampliar significativamente a qualidade do olhar para o terceiro setor, que pode gerar novos interessados em apoiar iniciativas e que pode mostrar o quanto as organizações da sociedade civil são capazes de contribuir para transformar realidades no país. A monetização não é o foco, mas sim a identificação da mudança alcançada. Mas a monetização certamente facilita o diálogo entre o financiador e o gestor de ações sociais. A avaliação de impacto traz mais segurança para perseguirem objetivos comuns a ambos, como a melhoria da qualidade de vida de todos os brasileiros.

Por Paula Fabiani, Diretora-Presidente do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social* em Artigo originalmente publicado no Estado de S.Paulo, em 22 de outubro de 2020

O que é Advocacy e como estruturá-lo de forma eficaz

Diversas pessoas falam sobre Advocacy mas o que significa? Qual a diferença entre Advocacy e Lobby? Como estruturá-lo de forma efetiva? Essa nota técnica tem como finalidade abordar o tema e ilustrá-lo com um exemplo de uma experiência de sucesso – o processo que envolveu a criação da Lei 13.800, que regula os Fundos Patrimoniais no Brasil.

Aos que desejam iniciar uma ação de advocacy, o documento traz um passo a passo com dicas claras para atuação.

O advocacy é uma estratégia que pode ser utilizada seguindo muitos caminhos: jurídico, político, comunicação ou mobilização social. O IDIS apoia processos de advocacy e acredita neles para a conquista de mudanças sistêmicas que realmente transformam positivamente a nossa sociedade.

 

NOTA TÉCNICA: 10 dicas para verificar a confiabilidade de uma OSC

O brasileiro é um povo solidário e, cada vez mais, reconhece a importância das organizações da sociedade civil (OSCs) para o enfrentamento de nossos desafios sociais.

Repetidas pesquisas, entretanto, demonstram que nossos níveis de doação poderiam ser maiores se superadas algumas barreiras, entre elas, a desconfiança que muitas pessoas nutrem em relação às OSCs.

Para ajudar a mudar este quadro, elaboramos essa lista de dicas, um passo a passo para a validação básica de organizações sociais.