Fórum WINGS 2023: a transformação impulsionada pelo espírito Ubuntu

por Luisa Lima | Gerente de Comunicação do IDIS

O encontro trienal da WINGS – Worldwide Iniciatives for Grantmaker Support aconteceu em Nairobi, Quênia, em outubro. Guiados pelo tema TRANSFORMAÇÃO, participantes de 45 países refletiram sobre como destravar o potencial da filantropia. Representando o IDIS, Paula Fabiani, CEO do IDIS e membro do conselho da WINGS, e eu, Luisa Lima, responsável pela área de comunicação e conhecimento, e pela primeira vez participando do encontro. Ao todo, a delegação brasileira contou com 15 representantes.

A plenária de abertura deu tom ao evento: ‘Desafios existenciais e futuros compartilhados: redescobrindo o papel da filantropia’. A indígena brasileira e ativista Txai Suruí, compartilhou a sabedoria de seu povo – todos somos a natureza e apenas proteger não é suficiente, devemos retribuir tudo aquilo que recebemos. Disse que o futuro é ancestral – em nossas culturas há muitas das respostas que buscamos e podem ter sido perdidas ou não são valorizadas-, e a declaração foi citada por muitas pessoas ao longo do evento.

O inglês de ascendência indiana Indy Joha, usou números e dados para mostrar como não estamos nos dando conta da escala de nossos problemas, ou não queremos nos dar conta, afinal, cada um de nós é também responsável por eles. O filantropo estoniano Jaan Tallinn, destacou o papel dos negócios na filantropia e sua jornada pessoal – é o fundador do Skype, da Kazaa e do centro de estudos de Risco Existencial, na universidade de Cambridge. Em sua fala, um olhar positivo sobre o uso da inteligência artificial, que em sua opinião pode trazer grandes benefícios à sociedade se houver investimento. A jovem japonesa Rena Kawasaki contou que aos dezesseis anos foi convidada a participar do conselho de uma empresa de biotecnologia. A experiência mudou sua vida e envolver os jovens nas tomadas de decisão sobre a solução dos desafios que impactarão seu futuro se tornou sua causa. O recado foi que é possível e necessário transformar nosso modelo de desenvolvimento e que a força está quando fazemos isso juntos.

Ao longo de três dias, alguns temas se destacaram nas conversas e por vezes, foi citado o termo de origem africana, Ubuntu, que significa ‘Sou o que sou, porque somos todos nós´. Estamos todos conectados e em nossas práticas filantrópicas esse entendimento, esse pressuposto, pode guiar tudo o que fazemos. Também conectados são os desafios que devemos enfrentar – pobreza, desigualdades em geral, e de gênero e raça com suas especificidades, educação, saúde, emergências climáticas, e muitos outros, que em seu conjunto, configuram a policrise, outro tema bastante presente. Entre outros destaques, a importância do desenvolvimento de lideranças e do envolvimento da juventude, fundações comunitárias como modelo que privilegia soluções locais, a importância da decolonização da filantropia, do investimento na infraestrutura do setor e no desenvolvimento institucional e o potencial de modelos alternativos de financiamento como o blended finance ou venture philanthropy para alavancar o capital filantrópico.

Nas plenárias, destaque para um debate acerca do papel dos conselhos, tema sobre o qual há relativamente pouca reflexão, ainda que a governança seja tantas vezes citada pelas organizações.

O brasileiro Rodrigo Pipponzi, fundador do Grupo MOL, e presidente do conselho do Instituto ACP, compartilhou sua visão e a importância da clareza sobre o papel de cada uma das instâncias. Em um debate com filantropos, a indiana Vidya Shah, destacou a importância do comprometimento dos negócios com práticas sustentáveis (olhar para dentro) e a importância de investirem não só em causas, mas no desenvolvimento institucional de organizações. A austríaca Marlene Engelhorn contou sobre sua campanha para a taxação de grandes fortunas, ela própria representante de uma família bastante abastada. Em sua opinião, este é um importante ponto de partida para reduzir as desigualdades.

Entre os palestrantes e participantes, muitos representantes do continente africano, que contribuíram para que todos compreendêssemos mais as especificidades da região. Bastante dependentes do capital filantrópico internacional, houve debates sobre como esperam que esse apoio aconteça, com maior independência para criação de soluções locais, e não puramente a implementação de projetos ocidentais, que pode ser mais rápidos, mas que por vezes não envolvem as comunidades, geram externalidades e por vezes repetem uma lógica colonialista. A importância de ampliarmos o debate e a prática da filantropia baseada em confiança apareceu em muitos momentos. Como brasileira, foi particularmente especial, pois pude ver como algumas práticas e costumes são fundantes também para quem somos, trazidos há centenas de anos por homens e mulheres que foram escravizados. Me impressionou como modelos citados por africanos se parecem com os modelos das Irmandades Negras, no Brasil colônia, por exemplo.

O ambiente multicultural, diverso, com pessoas de origens tão distintas, contribuiu para a riqueza das conversas. Os espaços na programação para networking e grupos de trabalho permitiam a troca de experiências sobre temas específicos. Em uma sessão sobre a produção e uso de dados, por exemplo, compartilhamos experiências. Um participante de uma organização de direitos humanos chamou atenção de como seus dados que são coletados para proteger populações, se não são armazenados com cuidado, podem ser demandados em tempos de crises, e serem usados contra as populações que se desejava proteger. Representantes de países africanos, por sua vez, chamaram atenção sobre a dificuldade de disseminação dos achados, posto que muitos governos consideram oficiais apenas os dados produzidos por instâncias públicas. O melhor uso e análise de dados existentes foi também citado, assim como a importância de treinarmos as organizações para entenderem como ler os dados e usarem em seu favor.

A transformação é o resultado da ação de cada um de nós e a sensação é de que todos saíram energizados e imbuídos deste dever. Em linha com o tema do Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais 2023, OUSADIA foi uma das palavras de ordem. Devemos ser mais ambiciosos e tomar riscos. É urgente agir e para isso, vamos catalisar o poder desta e de tantas outras redes, que trazem potência em sua constituição. Vamos criar o futuro que queremos!

Força das Comunidades – Protagonismo, Mobilização e Transformação

 

Comunidades. Pessoas unidas pela geografia, ligadas pelo território que ocupam. Coletivos que se formam a partir de afinidades, ideais, interesses, causas. A tecnologia potencializando e dando escala às conexões.

O poder transformador está em estabelecer um percurso de dentro para fora, ou seja, a partir da demanda da comunidade surgem iniciativas e soluções próprias que favorecem o bem comum – e que podem contar com apoios externos, desde que conectados com os interesses e prioridades do grupo. Cidadãos assumem o controle de suas histórias e exercem sua cidadania. Mais do que nunca, é preciso reconhecer a força das comunidades e criar condições para que possam florescer.

Esse fenômeno cresce no Brasil e na América Latina, especialmente nesse momento de turbulência, desconfiança e preocupação com o ambiente democrático. O indivíduo experimenta sua capacidade de mobilização para gerar mudanças. Paradoxalmente, não se trata de um movimento individual. A sociedade civil e suas comunidades se fortalecem quando governos, filantropos e investidores sociais, tanto familiares quanto corporativos, olham para elas e as ouvem. Pensam suas ações com elas e não para elas. A boa notícia é que há um desejo genuíno para que esta aproximação aconteça e há muitos exemplos positivos e inspiradores.

A Primavera X propõe uma gincana para jovens, que realizam mutirões comunitários em prol do cuidado com a água em todo o Brasil. A LALA – Latin American Leadership Academy vai além, e oferece um programa de desenvolvimento de liderança a jovens que querem fazer a diferença em suas comunidades. Empresas se comprometem com causas, se engajam em torno de temas como diversidade, igualdade e equidade – mudam práticas internas, influenciam suas cadeias de outros segmentos, apoiam organizações da sociedade civil. Governos criam programas que consideram e estimulam os saberes e protagonismo locais e estabelecem mecanismos regulatórios, como a recente Lei dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos, no Brasil, que favorece a sustentabilidade de longo prazo de instituições. As petições promovidas por meio da plataforma Change.org permitem com que demandas da sociedade cheguem a tomadores de decisões. Segundo a organização, 25.000 petições são realizadas por mês no mundo todo e a cada uma hora, uma delas é vitoriosa, seja alterando uma lei, uma prática corporativa ou uma decisão de alguém com poder institucional e impactando diretamente a vida de milhares ou milhões de pessoas.

Não por acaso, neste setembro, escolhemos o tema ‘Força das Comunidades’ para o Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais, evento anual promovido pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, que reuniu mais de 300 filantropos, representantes de empresas, institutos, fundações e governos. Mais do que um dia para troca de conhecimentos e experiências, foi um chamamento. Para construirmos um futuro mais justo e solidário, é preciso que todos façam a sua parte. É preciso acreditar na força das comunidades, protagonistas de suas histórias, capazes de mobilizar pessoas e recursos e de provocar a transformação social que desejamos ver. Vamos juntos?

 

Por Luisa Gerbase de Lima, Gerente de Comunicação no IDIS em artigo originalmente publicado no blog Giro Sustentável, da Gazeta do Povo, em 20 de setembro de 2019. O IDIS é parceiro do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável e contribui mensalmente com histórias relacionadas ao Investimento Social Privado.

Qual é o impacto que você causa no mundo?

Por Raquel Altemani, gerente de projetos no IDIS

Uma das tendências no campo do investimento social é o aumento do interesse das organizações em avaliarem o impacto social de seus projetos e programas.

Afinal, o que é avaliação de impacto e por que uma organização deveria recorrer a esse tipo de estudo? A avaliação de impacto é um processo realizado para descobrir se o projeto realmente provocou a mudança que pretendia. Não é para medir o que foi feito, mas sim as consequências do que foi feito. Por exemplo, um programa de atendimento a gestantes viabiliza várias consultas de pré-natal, mas seu objetivo final é promover a saúde da mãe e do bebê. Portanto, o seu impacto não será avaliado pela quantidade de consultas de pré-natal feitas, senão pelos indicadores de saúde das mães e bebês atendidos. Um programa de contraturno escolar oferece aulas de reforço para alunos em condições de vulnerabilidade. Seu impacto não será avaliado pela quantidade de aulas de reforço que foram dadas, senão pela evolução do desempenho escolar dos estudantes.

Nesse sentido, a avaliação de impacto pode ser entendida como um processo de reflexão. Assim como na nossa vida paramos para refletir sobre as consequências de nossas escolhas e sobre o quanto nossas decisões têm nos aproximado ou afastado de nossos objetivos, os estudos de avaliação de impacto buscam responder as mesmas dúvidas para os programas sociais.

Muitos esforços e recursos são investidos para que um programa seja implementado e mantido e, para não navegar em águas escuras, é preciso criar mecanismos para verificar se as transformações sociais desejadas estão de fato sendo alcançadas. A avaliação de impacto permite identificar eventuais erros de estratégia e realizar ajustes para potencializar o impacto que queremos criar no mundo. Programas sociais são organismos vivos e devem ser permanentemente aprimorados ao longo de sua trajetória com base no processo de aprendizagem das organizações que os mantêm e nas mudanças na própria realidade e contexto do país. Abordagens que funcionavam há cinco anos podem não surtir o mesmo efeito hoje. Portanto, é preciso criar momentos de reflexão estruturada para entender o que está funcionando da maneira que esperamos e o que pode ser aprimorado para termos o maior impacto social possível a partir dos recursos disponíveis.

Além da satisfação de saber o quanto sua atividade transformou a realidade, quanto mais uma organização dispõe de evidências concretas e objetivas para compartilhar sobre as mudanças positivas geradas pelo seu trabalho, maior é a sua capacidade de atrair investidores e parceiros que podem potencializar e aumentar a escala do impacto que se busca obter.

No entanto, mesmo com o ganho de espaço e visibilidade dos estudos de avaliação de impacto entre as organizações, a grande maioria das notícias sobre programas sociais ainda se restringem a informações sobre o número de pessoas atendidas, o número de famílias alcançadas, o número de jovens formados, como mencionei no início do texto. Esses são apenas os ‘resultados’. Os estudos de avaliação de impacto aprofundam a análise bem além dos resultados, explorando as relações de causa e consequência entre as atividades de determinado projeto ou programa social e todos os desdobramentos, diretos e indiretos, de curto prazo ou de longo prazo, que acontecem na vida das pessoas a partir de sua participação na iniciativa.

Isso pode ser bastante complexo, sobretudo em programas que trabalham aspectos intangíveis e abstratos, como, por exemplo, a autoestima, a capacidade de sociabilização, a disposição para sonhar e traçar objetivos e tantos outros. Ainda que sejam impactos facilmente percebidos, são elementos difíceis de se traduzir em números. No entanto, existem várias organizações ao redor do mundo que se dedicam a desenvolver metodologias para traduzir e mensurar impactos intangíveis em indicadores concretos. Uma delas é a organização britânica Social Value*, que há mais de 10 anos se dedica a estabelecer técnicas para mensurar o valor de elementos não comercializáveis, ou seja, métodos para estimar o valor que pessoas atribuem a coisas que não podem ser compradas ou vendidas.

Independentemente dos desafios envolvidos, identificar, mensurar e analisar os impactos de programas sociais é sempre uma medida positiva e recomendável. Entender as transformações decorrentes dos esforços realizados, além de muito gratificante, é uma ferramenta fundamental para a gestão e a tomada de decisão dentro das organizações.

 

Se interessa pelo tema? Leia também a publicação Avaliação de Impacto Social – metodologias e reflexões.

* http://www.socialvalueuk.org/

Artigo originalmente publicado no blog Giro Sustentável, da Gazeta do Povo, em 18 de julho de 2019. O IDIS é parceiro do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável e contribui mensalmente com histórias relacionadas ao Investimento Social Privado.

Paula Fabiani fala sobre o potencial de doação da classe média em entrevista à rádio Jovem Pan

“Temos um paradoxo a ser vencido: as pessoas precisam entender que para verem transformação nas causas que elas escolhem, precisam também se engajar no longo prazo e ajudar essas organizações” 

 (Paula Fabiani em entrevista a Tiago Uberreich, da rádio Jovem Pan)

Estimativas globais mostram que a classe média deve crescer tanto nos próximos anos que, em 2030, esse mesmo segmento da sociedade será capaz de destinar cerca de US$ 319 bilhões para causas sociais em todo o mundo. E o mais surpreendente: esse valor vai significar apenas 0,5% dos seus gastos anuais.

Para entender mais sobre o potencial transformador da classe média e as recomendações do relatório para governos, sociedade civil e organizações internacionais, ouça a entrevista com Paula Fabiani, que falou ainda sobre incentivos para doação individual, ambiente regulatório para grandes doações e regulamentação dos fundos patrimoniais.  Clique na imagem acima para ouvir a entrevista!