por Luisa Lima | Gerente de Comunicação do IDIS
O encontro trienal da WINGS – Worldwide Iniciatives for Grantmaker Support aconteceu em Nairobi, Quênia, em outubro. Guiados pelo tema TRANSFORMAÇÃO, participantes de 45 países refletiram sobre como destravar o potencial da filantropia. Representando o IDIS, Paula Fabiani, CEO do IDIS e membro do conselho da WINGS, e eu, Luisa Lima, responsável pela área de comunicação e conhecimento, e pela primeira vez participando do encontro. Ao todo, a delegação brasileira contou com 15 representantes.
A plenária de abertura deu tom ao evento: ‘Desafios existenciais e futuros compartilhados: redescobrindo o papel da filantropia’. A indígena brasileira e ativista Txai Suruí, compartilhou a sabedoria de seu povo – todos somos a natureza e apenas proteger não é suficiente, devemos retribuir tudo aquilo que recebemos. Disse que o futuro é ancestral – em nossas culturas há muitas das respostas que buscamos e podem ter sido perdidas ou não são valorizadas-, e a declaração foi citada por muitas pessoas ao longo do evento.
O inglês de ascendência indiana Indy Joha, usou números e dados para mostrar como não estamos nos dando conta da escala de nossos problemas, ou não queremos nos dar conta, afinal, cada um de nós é também responsável por eles. O filantropo estoniano Jaan Tallinn, destacou o papel dos negócios na filantropia e sua jornada pessoal – é o fundador do Skype, da Kazaa e do centro de estudos de Risco Existencial, na universidade de Cambridge. Em sua fala, um olhar positivo sobre o uso da inteligência artificial, que em sua opinião pode trazer grandes benefícios à sociedade se houver investimento. A jovem japonesa Rena Kawasaki contou que aos dezesseis anos foi convidada a participar do conselho de uma empresa de biotecnologia. A experiência mudou sua vida e envolver os jovens nas tomadas de decisão sobre a solução dos desafios que impactarão seu futuro se tornou sua causa. O recado foi que é possível e necessário transformar nosso modelo de desenvolvimento e que a força está quando fazemos isso juntos.
Ao longo de três dias, alguns temas se destacaram nas conversas e por vezes, foi citado o termo de origem africana, Ubuntu, que significa ‘Sou o que sou, porque somos todos nós´. Estamos todos conectados e em nossas práticas filantrópicas esse entendimento, esse pressuposto, pode guiar tudo o que fazemos. Também conectados são os desafios que devemos enfrentar – pobreza, desigualdades em geral, e de gênero e raça com suas especificidades, educação, saúde, emergências climáticas, e muitos outros, que em seu conjunto, configuram a policrise, outro tema bastante presente. Entre outros destaques, a importância do desenvolvimento de lideranças e do envolvimento da juventude, fundações comunitárias como modelo que privilegia soluções locais, a importância da decolonização da filantropia, do investimento na infraestrutura do setor e no desenvolvimento institucional e o potencial de modelos alternativos de financiamento como o blended finance ou venture philanthropy para alavancar o capital filantrópico.
Nas plenárias, destaque para um debate acerca do papel dos conselhos, tema sobre o qual há relativamente pouca reflexão, ainda que a governança seja tantas vezes citada pelas organizações.
O brasileiro Rodrigo Pipponzi, fundador do Grupo MOL, e presidente do conselho do Instituto ACP, compartilhou sua visão e a importância da clareza sobre o papel de cada uma das instâncias. Em um debate com filantropos, a indiana Vidya Shah, destacou a importância do comprometimento dos negócios com práticas sustentáveis (olhar para dentro) e a importância de investirem não só em causas, mas no desenvolvimento institucional de organizações. A austríaca Marlene Engelhorn contou sobre sua campanha para a taxação de grandes fortunas, ela própria representante de uma família bastante abastada. Em sua opinião, este é um importante ponto de partida para reduzir as desigualdades.
Entre os palestrantes e participantes, muitos representantes do continente africano, que contribuíram para que todos compreendêssemos mais as especificidades da região. Bastante dependentes do capital filantrópico internacional, houve debates sobre como esperam que esse apoio aconteça, com maior independência para criação de soluções locais, e não puramente a implementação de projetos ocidentais, que pode ser mais rápidos, mas que por vezes não envolvem as comunidades, geram externalidades e por vezes repetem uma lógica colonialista. A importância de ampliarmos o debate e a prática da filantropia baseada em confiança apareceu em muitos momentos. Como brasileira, foi particularmente especial, pois pude ver como algumas práticas e costumes são fundantes também para quem somos, trazidos há centenas de anos por homens e mulheres que foram escravizados. Me impressionou como modelos citados por africanos se parecem com os modelos das Irmandades Negras, no Brasil colônia, por exemplo.
O ambiente multicultural, diverso, com pessoas de origens tão distintas, contribuiu para a riqueza das conversas. Os espaços na programação para networking e grupos de trabalho permitiam a troca de experiências sobre temas específicos. Em uma sessão sobre a produção e uso de dados, por exemplo, compartilhamos experiências. Um participante de uma organização de direitos humanos chamou atenção de como seus dados que são coletados para proteger populações, se não são armazenados com cuidado, podem ser demandados em tempos de crises, e serem usados contra as populações que se desejava proteger. Representantes de países africanos, por sua vez, chamaram atenção sobre a dificuldade de disseminação dos achados, posto que muitos governos consideram oficiais apenas os dados produzidos por instâncias públicas. O melhor uso e análise de dados existentes foi também citado, assim como a importância de treinarmos as organizações para entenderem como ler os dados e usarem em seu favor.
A transformação é o resultado da ação de cada um de nós e a sensação é de que todos saíram energizados e imbuídos deste dever. Em linha com o tema do Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais 2023, OUSADIA foi uma das palavras de ordem. Devemos ser mais ambiciosos e tomar riscos. É urgente agir e para isso, vamos catalisar o poder desta e de tantas outras redes, que trazem potência em sua constituição. Vamos criar o futuro que queremos!