Mais que doador, cidadão

23 de fevereiro de 2022

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS, e Andréa Wolffenbüttel,  e consultora associada do IDIS

O exercício da democracia educa. Ainda que o processo seja lento e possa gerar erros graves, ele é inexorável. Após mais de trinta anos de regime democrático, os brasileiros já percebem que fazem parte dos problemas nacionais e, além disso, que são responsáveis também pela busca por soluções.

Os dados apresentados na Pesquisa Doação Brasil 2020, realizada pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – não deixam dúvidas: 84% dos brasileiros acreditam que as pessoas comuns têm algum grau de responsabilidade pela solução dos problemas sociais e ambientais do país, enquanto há cinco anos, essa proporção era de 61%. O salto foi ainda maior quando se trata da responsabilidade das organizações da sociedade civil (OSCs). Em 2015, somente 27% dos brasileiros esperavam das OSCs soluções para os problemas socioambientais, em 2020, essa parcela cresceu para 86%.

Ver a si próprio e à sociedade civil organizada como capazes de transformar a realidade é uma das principais características definidoras de uma democracia. E apesar de todas as crises, ameaças e dificuldades, esse espírito está amadurecendo no coração do Brasil.

Outros resultados da pesquisa reforçam a conclusão. Setenta por cento da população diz entender o papel das organizações do Terceiro Setor na sociedade e 79% reconhece que elas dependem da colaboração de pessoas e empresas para funcionar. Como consequência, 83% acreditam que doar faz diferença. E o mais curioso é que 75% daqueles que não têm o hábito de doar também concordam. O que leva a crer que eles têm essa postura por outras razões, não por falta de fé no poder da doação para organizações sociais.

As motivações para doar apresentaram, também, um forte caráter de cidadania. Setenta e nove por cento doadores disseram que o fazem porque acreditam que todos devem participar da solução problemas dos sociais. Chama a atenção que, ao analisarmos o recorte por renda, constatamos que essa motivação é mais importante justamente para a faixa mais pobre dos doadores, aqueles que recebem até dois salários mínimos por mês. O mesmo padrão se repete quando a motivação é “porque sinto que posso fazer a diferença ao doar”.

Ao mesmo tempo, os números indicam que a capacidade de doação entre os mais vulneráveis caiu em quase um quarto entre 2015 e 2020. A longa crise econômica e social que o País atravessa transformou muitos doadores em dependentes de doação. Entretanto, durante esse período, as camadas de alta renda compreenderam que precisavam tomar alguma atitude e, no sentido inverso, passaram a doar mais do que faziam há cinco anos.

No último 30 de novembro celebramos o Dia de Doar, ou Giving Tuesday, como é chamado em vários países. É um movimento global para encorajar a generosidade e a solidariedade, e conectar pessoas com causas. E este movimento nunca teve tantos adeptos no setor privado e público no Brasil.

Estamos diante de um processo de tomada de consciência sobre o papel e o poder do cidadão na sociedade, que está acontecendo de forma abrangente, em todas as faixas de renda. Nos faz ter esperanças de que o fantasma do assistencialismo, esteja, por fim, sendo substituído pela força da compreensão de que todos, juntos, somos aptos a contribuir para a solução dos problemas.

Artigo também publicado pela Folha de São Paulo, acesse.