Com menos de 8 anos para o fim do prazo da Agenda 2030 da ONU, 70% dos voluntários brasileiros nunca ouviram falar da pauta

Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 revela brasileiros engajados com a solução de problemas socioambientais, mas desconhecem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Em 2015, a Organização das Nações Unidas – ONU propôs aos seus países membros uma nova agenda de desenvolvimento sustentável para os 15 anos seguintes, a Agenda 2030, composta pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A Agenda propõe que governos, empresas e sociedade civil façam um esforço conjunto para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. No Brasil, os 17 ODS, expressos em 169 metas são acompanhados a partir de 254 indicadores, definidos a partir da realidade do país. 

Considerando que os ODS, para serem atingidos, precisam da cooperação e do compromisso de diversos atores, e os cidadãos cumprem importante função por meio do voluntariado, a Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 inclui um questionamento aos voluntários brasileiros a respeito dos Objetivos, verificando se já conheciam a Agenda 2030. 

No levantamento, 70% dos voluntários ativos no país dizem nunca ter ouvido falar dos ODS. Entre os voluntários com nível superior, o desconhecimento foi menor – 59% – mas longe de ser o ideal. Dentre oito cidades brasileiras, os voluntários de Brasília apresentaram a maior taxa de desconhecimento da pauta, com 79% entre os respondentes. Porto Alegre, foi a capital com a menor taxa: 63% dos voluntários entrevistados afirmando não conhecerem ODS. A pesquisa ao mostrar estes dados faz um convite para as organizações e programas de voluntariado a conectarem suas ações locais com a agenda 2030.

“A pesquisa reforça o quanto o voluntariado é relevante e como continua a ser uma estratégia importante para promover o desenvolvimento sustentável que atenda a todos. É preciso um esforço para que a agenda 2030 seja conhecida e reconhecida e ainda que os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável sejam alcançados, sem deixar ninguém para trás”, comenta Silvia Maria Louzã Naccache, coordenadora da Pesquisa em 2021 e que participou das edições anteriores, em 2001 e 2011.

Entre os voluntários, 86% diz concordar que as atividades voluntárias contribuem para a erradicação da fome e da pobreza e 84% concorda que contribui para a promoção da igualdade de gênero e a autonomia das mulheres no país. “Os voluntários contribuem aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável mesmo sem saber. O dado representa uma oportunidade para trazer esta questão à comunicação e ao acompanhamento dos indicadores, motivando os voluntários a contribuir para a solução dos desafios brasileiros”, indica Felipe Pimenta, consultor da pesquisa 2021. 

Em sua terceira edição, a Pesquisa Voluntariado no Brasil identificou que 56% da população adulta diz fazer ou já ter feito alguma atividade voluntária na vida. Em 2011, esse número representava 25% da população e, em 2001, apenas 18%. O número de voluntários ativos no momento da pesquisa – 34% dos entrevistados – representa cerca de 57 milhões de brasileiros comprometidos com atividades voluntárias.

Sobre a Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021

A pesquisa foi elaborada e coordenada por Silvia Naccache, com apoio dos consultores Kelly Alves do Carmo e Felipe Pimenta de Souza. Sua viabilização teve o suporte de organizações que acreditam na importância do avanço do voluntariado no Brasil e participam dessa rede de apoiadores, Ambev, Bradesco, Fundação Itaú Social, Fundação Telefônica Vivo, Raízen, Sabesp, Sicoob e Suzano. IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – e Instituto Datafolha assinam a realização. 

Os resultados completos estão disponíveis em www.pesquisavoluntariado.org.br. É possível baixar um infográfico com os principais resultados da pesquisa, como por exemplo o conhecimento sobre os ODS. 

Livro Digital sobre Voluntariado no Brasil

Em junho, será lançado um livro digital celebrando os 20 anos de pesquisa sobre o Voluntariado no Brasil. Nele, artigos sobre o Voluntariado e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável ganharão um capítulo exclusivo.

Confira os artigos já publicados sobre a temática.

O Voluntariado Empresarial e o investimento social privado

Por Patrícia Loyola, diretora de Gestão e Comunicação da Comunitas, responsável pelo projeto BISC de investimento social corporativo.  

Aprendi o valor do voluntariado nas empresas pelas quais passei. Confesso que até ingressar no meu primeiro emprego, não tinha o hábito de doar meu tempo, trabalho e talento em benefício de terceiros. Em minha trajetória profissional, tive inúmeras experiências como voluntária empresarial, desde atuações mais pontuais como reforma de espaços e limpeza de computadores revitalizados para doação, até ministrar aulas e mentorar jovens de comunidades vulneráveis de forma periódica. Os benefícios para mim como voluntária foram de diversas ordens, com inúmeros aprendizados e realizações.

Para além do impacto positivo no voluntário, os dados mostram que o voluntariado empresarial representa uma importante colaboração na construção do perfil do voluntariado em nosso País e tem ganhado amplo espaço na última década. Os dados da pesquisa BISC – Benchmarking do Investimento Social Corporativo, liderada pela Comunitas, acompanham desde 2008 essa agenda com diversas empresas. Em sua última edição, foram 324 empresas e 17 institutos/fundações empresariais.

Na última década, o voluntariado corporativo na Rede BISC passou por transformações significativas. Em 2010, os processos de acompanhamento dos programas careciam de informações cruciais para o planejamento e gestão: 20% das empresas não relataram o valor investido nesses programas; 30% não informaram sobre o número de voluntários e 94% sequer estimaram o número de horas trabalhadas pelos envolvidos.

Com o passar dos anos, tanto os programas quanto seus indicadores de gestão foram intensificados. Na última década, os investimentos da Rede BISC em programas de voluntariado variaram entre R$ 11,6 e R$ 16,6 milhões.  Ainda nesse período, o percentual de colaboradores envolvidos a cada ano variou de 8% a 15% (mediana), percentual aquém do parâmetro internacional de 22% na média de 18 países, segundo o relatório Global Impact at Scale – 2020. (https://cecp.co/thought_leadership/global-impact-at-scale/).

Em 2017, houve um significativo recuo no voluntariado empresarial, o que foi considerado pela Rede BISC como uma consequência do impacto da crise econômica e, consequentemente, os desligamentos em massa de colaboradores e, portanto, o acúmulo de trabalho e funções. Tal realidade, ainda que momentânea, acabou por diminuir, em alguma medida, o ’clima‘ para a atuação voluntária.

No ano seguinte, os indicadores voltaram a subir e, em 2019, a pesquisa destacou a importância do envolvimento da liderança nas ações de voluntariado. Ao mesmo tempo em que houve um crescimento expressivo do envolvimento dos colaboradores, a participação intensa das lideranças em atividades voluntárias quase triplicou em três anos. Chegando a 2020, vivenciamos incontáveis desafios gerados pela covid-19 e, portanto, o voluntariado com seu forte teor presencial foi prejudicado. Naquele ano, o número de colaboradores voluntários da Rede BISC caiu 35% em relação ao ano anterior. Por outro lado, a crise sanitária fortaleceu estratégias como formação de rede de colaboração entre voluntários, voluntariado digital e doação casada, apesar de ter feito decrescer a liberação de horas de trabalho. O pro bono também ganhou força na pandemia. Essa modalidade é contabilizada na pesquisa BISC como a contribuição das empresas em forma de bens e serviços. 

Visando apoiar as empresas em suas auto avaliações dos programas e refletir sobre as possibilidades de aprimoramentos futuros, o BISC construiu com a rede cinco dimensões relacionadas aos indicadores de qualidade listados a seguir por ordem decrescente de notas atribuídas no BISC 2020 aos programas de voluntariado empresarial:  Desenho e gestão (8,7), Envolvimento institucional (8,6), Alianças estratégicas (8,0), Comunicação e mobilização (7,0) e Monitoramento, controle e avaliação (6,6). 

Certamente, há espaço de melhoria em todas essas dimensões, no entanto, é no campo do monitoramento e da avaliação que as empresas apresentam as maiores dificuldades. Talvez, esse seja um ponto de atenção para que os programas de voluntariado sejam cada vez mais pensados e estruturados como instrumento estratégico para as empresas e suas contribuições sociais em âmbito local, regional, nacional e em agendas globais, tais como os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a agenda ESG – Environmental, Social, and Governance.  

O voluntariado empresarial é caracterizado pela relação de ganha-ganha, na qual a empresa amplia o engajamento de seus colaboradores e abre frentes de capacitação prática a eles; o profissional vivencia maior realização e senso de propósito, ao mesmo tempo que tem a chance de desenvolver novas habilidades. Os beneficiários são fortalecidos em capacidades tão diversas quanto o leque de ações implementadas. Razões pelas quais vale a pena seguir investindo nessa prática para que os próximos dez anos sejam de ainda mais avanços e conquistas. 

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.

Este artigo integra uma série de conteúdos escritos à convite dos realizadores da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, com intuito de analisar e enriquecer os achados do estudo. Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.

Brasil é um dos países com os maiores desafios para atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

Social Progress Index 2019 mostra que o mundo não atingirá as metas até 2073 e o Brasil está regredindo ao invés de avançar

Em 2015, os líderes mundiais presentes na ONU se comprometeram ao plano desafiador de construir um futuro inclusivo e sustentável para as pessoas e para o planeta – os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs), uma mudança definitiva na qualidade de vida mundial até 2030. A realidade, no entanto, contraria essa promessa. De acordo com o recém-lançado levantamento do Social Progress Index (Índice de Progresso Social), o mundo não atingirá as metas dos ODSs até, no mínimo, 2073 e o Brasil está regredindo ao invés de avançar.

A boa notícia do Social Progress Index 2019 – uma mensuração detalhada sobre a verdadeira qualidade de vida das pessoas a partir unicamente de indicadores sociais e ambientais – é que o mundo como um todo está melhorando. Desde 2014, quando o Índice foi lançado, temos visto evolução. Há mais pessoas nas universidades e houve grandes avanços no acesso à informação a partir da maior penetração de telefones celulares. Temos visto melhorias constantes na redução da fome, ganhos na prevenção de doenças e na universalização do acesso à água e saneamento básico. No entanto, o mundo não progrediu em aspectos relacionados à segurança, à educação e questões relacionadas à inclusão estão estagnadas. Mais alarmante ainda, o mundo está retrocedendo no que tange direitos individuais.

Isso significa que, globalmente, não estamos progredindo rápido o bastante para atingir os ODSs. No ritmo atual, estamos, na melhor hipótese, 43 anos atrasados para atingir as metas para 2030. Se as mudanças climáticas não forem devidamente abordadas, o atraso será ainda maior, ou talvez nem atingiremos as metas. Alguns países, como Nepal e Etiópia, estão conquistando avanços rápidos. Porém, na maioria dos países emergentes como China, Paquistão, Bangladesh, Nigéria e as Filipinas, o progresso está lento demais. Da mesma maneira, boa parte do mundo abastado está progredindo vagarosamente. É vergonhoso como os países que estariam mais próximos de atingir as metas da Agenda 2030 e os que mais tem recursos para isso estejam indo tão mal.

Os outliers, ou pontos fora da curva, mais significativos, que representam os maiores empecilhos ao desenvolvimento sustentável, são aqueles países que estão regredindo. Apenas quatro estão nesse grupo desvantajoso: Nicarágua e Sudão do Sul, que enfrentam crises políticas profundas e não surpreendem tanto, conjuntamente a Estados Unidos e Brasil. A queda nos rankings de progresso social dos Estados Unidos é nítida desde 2014. Os EUA se posicionam atualmente como apenas 26 no mundo, atrás da República Tcheca e Estônia.

 

POSIÇÃO DO BRASIL NO SOCIAL PROGRESS INDEX

O Brasil ocupa a posição 49 no ranking mundial do Social Progress Index – um pouco atrás da Romênia (45) e um pouco à frente do México (55) e de outros países do BRICS (Rússia ocupa a posição 62, África do Sul, 73, e Índia, 102). No entanto, o que preocupa no Brasil é sua mudança de direção. O Brasil caiu 5 posições desde 2014, enquanto o México, por exemplo, subiu 6 e quase cessa a diferença entre os dois.

Por que então será que o Brasil presencia uma queda (-0,72) em sua nota no Social Progress Index desde 2014? Os principais fatores são o declínio em Direitos Individuais, desde liberdade de expressão até direitos de propriedade para mulheres, e Inclusão, que considera discriminação contra minorias e baixa equidade de gênero. O Brasil também está estagnado, ou presenciando quedas menores, em questões como segurança, acesso à eletricidade, qualidade na educação e saúde. Os poucos pontos favoráveis estão no avanço ao acesso à água e saneamento, penetração dos telefones celulares e o aumento no ingresso a universidades.

A retração evidenciada no Brasil em relação ao avanço social é ainda mais entristecedora, pois já foi um dos países que melhor usava seus recursos para servir à população. Mesmo hoje, a 49ª posição no ranking de progresso social do País, excede sua colocação no ranking do PIB, no qual ocupa o 65º lugar. Nas décadas recentes, o Brasil fez um progresso significativo na redução da pobreza e combate à exclusão. O Brasil poderia, e deveria, ser o líder no cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – o mundo hoje precisava desse tipo de liderança.

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Por Michael Green, CEO do Social Progress Imperative. O artigo foi desenvolvido com exclusividade para o IDIS.