Mais da metade dos voluntários ativos no Brasil desconhecem a Lei do Serviço Voluntário

Pesquisa indica desconhecimento tanto sobre a lei que rege serviço voluntário como sobre documentos obrigatórios para realização da atividade

“Considera-se serviço voluntário, para os fins de lei, a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa.” 

Isso é o que diz a Lei Nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, que regularizou o serviço voluntário no Brasil. Entre outras coisas, ela prevê a formalização do vínculo entre organizações e voluntários, que deveriam assinar um “termo de adesão ao serviço voluntário” antes de iniciar uma atividade. 

Prestes a completar 25 anos de sua aprovação, a Lei do Serviço Voluntário ainda é pouco conhecida pelos brasileiros, como mostra a terceira edição da Pesquisa Voluntariado no Brasil. Em duas décadas, o número de pessoas que declaram ter feito alguma atividade voluntária ao longo da vida passou de 18% em 2001 para 56% em 2021.

Entretanto, apesar do crescimento de pessoas praticando trabalho voluntário, apenas 45% dos voluntários ativos conhecem a Lei que regulariza a atividade. O número é ainda mais baixo quando questionados sobre o  Termo de Adesão ao Serviço Voluntário: apenas 18% dos voluntários ativos dizem ter assinado. 

Quando consideramos os voluntários mobilizados por Programas de Voluntariado Empresarial, ou seja, aqueles que participam de programas promovidos pelas empresas onde trabalham, o nível de formalização é um pouco maior – 34% assinaram o termo antes de passar a realizar atividades. Melhor que no cenário nacional, mas ainda longe do ideal. 

“A formalização do vínculo é importante para as organizações e para os voluntários. O desconhecimento sobre a legislação do voluntariado no Brasil aponta o potencial de ação para organizações que fomentam a atividade” comenta Kelly Alves do Carmo, consultora da pesquisa 2021. 

Sobre a Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, no presente e para as gerações futuras. 

Em sua terceira edição, a pesquisa traz um retrato brasileiro do tema, indica tendências e analisa as mudanças das últimas duas décadas. Foi elaborada e coordenada por Silvia Naccache, com apoio dos consultores Kelly Alves do Carmo e Felipe Pimenta de Souza. IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – e Datafolha assinam a realização.

Os grandes desafios do século XXI para o voluntariado

Por Kelly Alves do Carmo, cientista Social, mestra em Gestão para a Sustentabilidade, possui MBA em Recursos Humanos e é especialista em responsabilidade social, projetos sociais e Terceiro Setor.

O conceito que utilizamos para definir trabalho voluntário na Pesquisa Voluntariado no Brasil é de influência mais humanista e atual: ’Serviço ou atividade voluntária é doar tempo e trabalho de maneira espontânea e sem remuneração para a comunidade, para projetos sociais, para programas assistenciais, para causas, para eventos e situações emergenciais. Pode ser individual, organizada por grupos ou por empresas”. Porém, no Brasil o voluntariado nasce como uma forma de lidar com os primeiros desafios sociais, que vão surgindo com a convivência entre os nativos da terra, os europeus e, posteriormente, com os negros escravizados.

De fato, o voluntariado brasileiro expressa o impacto da Igreja Católica no processo de colonização, na benemerência cristã, na imposição de dogmas religiosos aos povos originários e também nos primeiros serviços de saúde neste território. Era uma ação para lidar com a dor imediata dos primeiros conflitos e desigualdades sociais nessa relação. E, conforme o Brasil vai se desenvolvendo, as desigualdades sociais vão se ampliando, bem como as ações voluntárias e, assim, mantém ao longo da sua história os resquícios da influência cristã, de forte teor católico.

Depois de cinco séculos, a Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 traz um número surpreendente: 54 milhões de brasileiros são voluntários, 20 milhões de forma regular. Aquelas ’obras‘ que surgiram como a ação de alguém que estava em uma situação de magnanimidade cristã ou generosidade gratuita, com o objetivo de abrandar a fome, diminuir as desigualdades de acessos à saúde ou educação, evoluiu para a organização de grupos, movimentos sociais, se fortalecendo e construindo programas de voluntariado cheios de motivações, causas e propósitos. A pesquisa aponta que mais de 97% das pessoas acreditam que o trabalho voluntário é um exercício de cidadania e um processo transformador da realidade.

A pesquisa elucida que 74% dos brasileiros que praticam o voluntariado apontam que a principal motivação de sua atuação é a solidariedade e 88% afirmam que o voluntariado contribui para a cultura de paz e colaboração para o bem comum; 35% dizem que a sensação de ajudar ao próximo e 25% a percepção de estar fazendo algo relevante são os principais causadores de satisfação do trabalhador voluntário.

Ser voluntário é reconhecer que há um problema, um desafio e, com seu tempo, com seu trabalho e conhecimento, ser parte dessa solução. É acreditar que sua atuação faz a diferença e isso gera e retroalimenta a motivação, a paixão por causas e propósito. O engajamento é o reconhecimento que você está conectado a algo ou alguma coisa. Essa conexão pode ser racional ou emocional, pode ser individual ou coletiva, pode ser entre pessoas, uma causa comum ou institucional, mas o mais importante é que ela deve gerar valor compartilhado e resultados positivos. Por vezes, o voluntário nem tem tanta consciência deste valor na sua atuação, por vezes é uma bandeira de luta, de ativismo, militância que realmente motiva o seu viver.

O grande desafio do século XXI, com tantas pautas, tantos problemas e desigualdades, é gerar engajamento nos programas de voluntariado, bem como a permanência dos voluntários. Umas das principais dicas dos especialistas é estimular o ativismo, demonstrar o quanto a sua ação e o seu trabalho voluntário impactam naquela realidade e, consequentemente, na vida de outras pessoas. Um ponto de atenção apontado pela pesquisa é a necessidade de motivar as pessoas, demonstrar que elas fazem a diferença e apoiar a continuidade das ações.

Em 2021, na sua terceira edição, a pesquisa marca que as principais causas dos voluntários brasileiros são: público em geral (36%), famílias e comunidade (35%), crianças, adolescentes e pessoas em situação de rua (25%), um aumento significativo para as causas da pessoa com deficiência (9%), causas dos animais (9%) e meio ambiente (6%). 

Muitos programas romantizam a ação do voluntário e os impactos do voluntariado, porém há um chamamento da sociedade para promover dinâmicas de escuta, analisar a realidade que a pessoa e/ou a instituição estão inseridas, ouvir as expectativas da comunidade e construir coletivamente esses programas e projetos. Impactar positivamente no local que está inserido, mas fazendo correlações com o macro, que pode ser a cidade, o estado, o país ou o mundo. Um dos exemplos disso são os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, demonstrando de forma clara e objetiva quais são os maiores problemas do planeta e que todos nós somos responsáveis e devemos contribuir com a solução.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.

Este artigo integra uma série de conteúdos escritos à convite dos realizadores da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, com intuito de analisar e enriquecer os achados do estudo. Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.

Redes e movimentos de voluntariado no Brasil e Mundo

Por Andréa Martini Pineda, pesquisadora no Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (CEAPG) da EAESP-FGV e doutoranda em Administração Pública e Governo na Fundação Getúlio Vargas.

Voluntariado: do bem individual para o bem coletivo! A frase com que Che Guevara definiu o trabalho voluntário está imortalizada em um monumento de Havana, Cuba, e é um lembrete à população: “el trabajo voluntario es una escuela creadora de conciencia, es el esfuerzo realizado por la sociedad y para la sociedad como un aporte individual y colectivo”. Seja por motivações religiosas ou culturais – como em países anglo-saxões, onde a tradição filantrópica é bastante enraizada – em todo o mundo, um em cada cinco adultos se voluntariou ao longo da última década (Charities Aid Foundation, 2011). 

No Brasil, a filantropia existe desde a colonização portuguesa, com a ação voluntária sempre associada à caridade e ao assistencialismo. Apenas a partir da década de 1980, as organizações sociais ampliaram sua atuação como produto dos movimentos sociais surgidos durante e após a ditadura militar (1964 – 1985). 

Desta forma, olhando a história dos últimos 30 anos de voluntariado no Brasil, identifico quatro ‘ciclos de solidariedade’: um primeiro iniciado em meados da década de 1990, após a elaboração da Constituição Federal; um segundo bem demarcado em 2001, com o Ano Internacional do Voluntário; um terceiro na década passada, considerada ‘a Década do Voluntariado’; e, finalmente, o que estamos vivendo desde o início da Pandemia da covid-19, com a mobilização e ações voluntárias no campo da saúde e doações financeiras

A elaboração da “Constituição Cidadã” de 1988 reconheceu o papel da sociedade civil e do setor privado no desenvolvimento do País, considerado um marco no 3º Setor. Nesse período, dissemina-se a ideia de cidadãos mais ativos, comprometidos com o espaço público coletivo, e menos uma visão assistencialista. Não por acaso, segundo o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2004), 62% das entidades do setor surgem a partir da década de 1990, como algumas instituições estruturantes para o campo: a Abong – Associação Brasileira das Organizações Não Governamentais, em 1991, o GIFE, Grupo de Fundações de Institutos e Empresas, em 1995, e a ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos, em 1999.

Nesse contexto fértil da década de 1990, com carisma e sabedoria, a então primeira-dama Ruth Cardoso imprime uma visão mais profissional à área social (muito distante da ideia de ’primeiro damismo’). Em 1997, o Programa Voluntários da Comunidade Solidária, presidido por ela, apoiou a criação de 20 Centros de Voluntários pelo País, sendo o primeiro deles na cidade de São Paulo. 

Presidido por Milú Villela e onde tive a felicidade de ser voluntária por quase 10 anos, o CVSP – Centro de Voluntariado de São Paulo foi a ponte entre quem queria ser voluntário e as organizações sociais na cidade de São Paulo. Em 20 anos, mais de 211 mil pessoas foram orientadas por palestrantes-voluntários como eu e mais de 1.200 organizações sociais se cadastraram no site do CVSP buscando voluntários. 

Entre 2000 e 2006, uma parceria entre o CVSP e o SESI – Serviço Social da Indústria realizou formações sobre Responsabilidade Social Empresarial para 2.868 participantes de todo o estado de São Paulo. Coincidentemente, representando o SESI nessas ações estava minha mãe! O voluntariado sempre foi um valor em nossa família: ainda na década de 1960, minha avó, mãe e tias eram voluntárias na Feira da Bondade, realizada anualmente pela APAE de São Paulo -, e eu sigo transmitindo esse valor aos meus filhos. Apesar de ter começado a me voluntariar no CVSP ainda muito jovem, essa experiência impactou minhas escolhas profissionais e foi transformadora na minha maneira de ver (e estar) o mundo. 

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.

Este artigo integra uma série de conteúdos escritos à convite dos realizadores da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, com intuito de analisar e enriquecer os achados do estudo. Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.

Referências:

CHARITIES AID FOUNDATION. CAF World Giving Index 10th Edition. Charities Aid Foundation, [S. l.], 2011. 

IPEA; IBGE. As Fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil: 2002. Rio de Janeiro. 

CHARITIES AID FOUNDATION. CAF World Giving Index 10th Edition. Charities Aid Foundation, [S. l.], 2011. 

IPEA; IBGE. As Fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil: 2002. Rio de Janeiro. 

 Tradução da autora: “O trabalho voluntário é uma escola que cria consciência. É o esforço da sociedade e para a sociedade como contribuição individual e coletiva”.

Os Movimentos de voluntariado pelos ODS

Por Camile Rebeca Bruns, coordenadora Voluntária de Mobilização do Movimento Nacional ODS Santa Catarina, mestranda em Administração, especialista em Responsabilidade Social Empresarial e graduada em Serviço Social.

Começo esse texto refletindo sobre ’O que é ser voluntário?’. Se procurarmos no Google, vamos encontrar a seguinte definição: que não é forçado, que só depende da vontade; espontâneo; que se pode optar por fazer ou não”. Para mim, voluntária do ODS – Movimento Nacional Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Santa Catarina há 13 anos, ser voluntária é mais do que essa definição básica. É uma escolha, é comprometimento, uma forma de entregar meu melhor tempo para um bem comum, capacidade de entregar meu trabalho gratuito numa causa na qual eu acredito. Uma forma de inspirar pessoas e organizações em prol de uma causa que transforma vidas e o planeta. Ser voluntário é doar e receber. 

Neste Movimento, somos mais de 1.000 voluntários, que estão juntos contribuindo para o alcance dos ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, definidos na Assembleia Geral da ONU – Organização das Nações Unidas, em 2015, para serem atendidos até 2030 a fim de contribuir com um planeta melhor para se viver. Nesta agenda, o trabalho voluntário é primordial, pois é por meio das pessoas que conseguimos inspirar outras pessoas que estão à frente de organizações e empresas a atuarem em prol desses objetivos. 

Porém, não é fácil envolver o voluntariado em uma agenda tão complexa como esta. Um dos grandes desafios está nas pessoas entenderem que não apenas as empresas e organizações possuem objetivos para atuarem, mas também nós, como indivíduos e inseridos em uma comunidade, temos como impactar nas metas a partir das nossas ações mais simples, como manter um consumo mais consciente no nosso dia a dia ou agir com ética diante de qualquer situação cotidiana. Contagiar positivamente as pessoas que moram, que trabalham conosco ou que convivem diariamente a conhecerem os ODS e agirem de forma a contribuir cada vez mais com as metas dessa Agenda.

Manter o engajamento dos voluntários também é desafiador. Diante da realidade do Movimento ao qual participo, há também dificuldades em capacitar e desenvolver lideranças voluntárias que queiram atuar inspirando pessoas e organizações para um mundo mais sustentável.

Mas podemos perceber que os acontecimentos dos últimos tempos impactaram de forma positiva e também negativamente a Agenda 2030. Do ponto de vista negativo, estamos vivenciando situações que afetaram a saúde da população, eventos climáticos que aumentaram ainda mais a situação de vulnerabilidade das pessoas, impactando nos desastres e insegurança alimentar e hídrica, dentre tantas outras questões que se agravam todos os dias. Positivamente, do ponto de vista da mobilização da sociedade em prol das questões socioambientais, participando mais ativamente de espaços de controle social, sendo voz mais ativa para os temas. 

Se analisarmos a situação de pandemia vivenciada desde o início de 2020, o trabalho voluntário foi essencial para muitas pessoas na garantia de alimentação diante de doações mobilizadas por voluntários, deslocamento, apoio psicológico entre outras questões relevantes. Tivemos diversos exemplos de empresas mobilizando voluntários e impactando positivamente nas comunidades onde estavam inseridas, realizando parcerias com organizações locais e identificando as urgências daquela população nas quais as propostas de soluções a empresa e seus colaboradores poderiam se envolver. 

A sociedade vem cobrando uma atuação mais socialmente responsável das empresas e os ODS são uma ferramenta poderosa para mobilizar recursos a fim de maximizar os impactos positivos e minimizar os impactos negativos. Considerar uma atuação em prol dos ODS é não deixar de considerar que ele é trilhado por pessoas e para pessoas e, sendo assim, é um caminho para todos. 

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.

Este artigo integra uma série de conteúdos escritos à convite dos realizadores da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, com intuito de analisar e enriquecer os achados do estudo. Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.

Voluntários: luzes em tem tempos de escuridão!

Por Ricardo Martins, fundador e presidente da ONG Olhar de Bia e fundador da Rede Conectados do Terceiro Setor, voluntário por missão e vocação. 

Missão ou vocação?  Ser voluntário é atender ao chamado maior que nos coloca para doar o que temos de mais precioso: nosso tempo! Nossas expertises, conhecimentos e a nossa história! Doar o que temos de melhor para outras pessoas ou causas. 

Em tempos de pandemia, nos colocamos na linha de frente sem medo, ou melhor, se o medo existiu fomos com ele mesmo. E de uma forma tão particular formamos e demos musculatura a uma rede de atores, a Conectados do Terceiro Setor. 

De uma maneira muito simples e com informalidade indivíduos e organizações, as INGs (Indivíduos Não Governamentais) e as ONGs (Organizações Não Governamentais) se uniram para ajudar! Algumas organizações bem estruturadas, inclusive na gestão de seus voluntários, mas outras apenas grupos de trabalho, com muita vontade de estar junto, de apoiar e de doar trabalho, tempo e recursos nesses tempos tão desafiadores de pandemia e distanciamento social. Desejo de ser a diferença em um mundo tão indiferente. A rede se formou não estamos sozinhos, reunimos pessoas empáticas, que descruzaram seus braços para fazer o bem!  

Não havia necessidade de formalizar, de assinar compromissos e de medir resultados: eram tempos de realizar, de atender as demandas, de prover e conter as necessidades e os resultados eram sorrisos e agradecimentos. O grupo foi chamado de os doidos do bem! Mas depois foram reconhecidos como luzes em tem tempos de escuridão! Com os Conectados, conseguimos ter na prática que para fazer o bem de fato, não é necessário termos tantas e tantas regras, leis, letramento que, infelizmente, afastam quem quer apoiar e bate à porta para ajudar em tempos de emergências. 

Agora, um novo momento! Construímos uma rede de confiança, pessoas com o mesmo propósito, que, apesar de fazerem o bem por caminhos diversos, seja na educação, na assistência, meio ambiente, sustentabilidade, etc., possuem valores comuns, e ainda o desejo de diminuir desigualdades, trazer qualidade de vida e justiça para todos. É momento de dar condições aos projetos e ao movimento, que estava na informalidade décadas, a profissionalização. A força do voluntariado vai construir isso! São gestores, advogados, contadores, assistentes sociais, publicitários, administradores e mentores que, neste novo tempo, trarão condições de estruturar, por meio de legislações e treinamentos, a melhoria contínua da rede para seguir apresentando e trazendo o melhor para quem necessita, com urgência de ser atendido e acolhido. 

Que a pesquisa do Voluntariado no Brasil perceba que quem vem para o voluntariado, de maneira organizada ou na informalidade, tem a finalidade de cuidar de gente, construir um mundo cada vez melhor! É ouvir sua Vocação, realizar sua Missão, começando sempre pelo AGORA.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.

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O Voluntariado nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos em 2016

Por Any Bittar, consultora na área de sustentabilidade e sistema agroflorestal. Foi gerente de parcerias de voluntários do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016.


Quando falamos de voluntários, sempre procuramos uma definição, uma forma de sintetizar essa atividade tão multifacetada. Tem uma frase que usei inúmeras vezes em apresentações pelo Brasil do Programa de Voluntários Rio 2016 que acredito evidenciar o espírito do voluntário: “Ser voluntário é deixar de acompanhar para participar, é deixar de ver para viver, é deixar de assistir para construir” – Rafael Alves de Lima (voluntário Rio 2016)

Considerando o tema voluntariado em grandes eventos, encontramos algumas características diferentes de outros programas, pois logo de início é apresentada a jornada do voluntário, uma série de procedimentos para as diversas etapas a serem realizadas até o evento. Costumo fazer um paralelo com a jornada do herói, onde o protagonista precisa sair de sua zona de conforto e superar vários desafios até alcançar o seu objetivo final. 

Dada a complexidade dos grandes eventos, etapas como: divulgação, inscrição, seleção, engajamento e retenção dos voluntários se tornam atividades desafiadoras. Nelas, a interação das informações do banco de dados para melhor adequação de perfil dos voluntários e das atividades propostas é um trabalho árduo e complexo, com necessário suporte de tecnologia e comunicação, que, ao final, se mostra extremamente recompensador. 

Lidar com essa experiência na dimensão dos últimos grandes eventos que aconteceram no país, como os esportivos: Pan 2007, Copa 2014 e Jogos Olímpicos e Paralímpicos 2016 deixaram um legado de transformação no movimento de voluntariado no Brasil, pois com o número expressivo de participantes, e estamos lidando na casa dos milhares, estes se tornaram multiplicadores do conceito da jornada do voluntário, quer seja na organização em diversas instituições ou pela atuação individual. 

É muito comum encontrar pessoas em atividades distintas de voluntariado com itens dos grandes eventos, como pins, bonés, casacos, mochilas, etc., comentando com entusiasmo e saudosismo a sua experiência, sensibilizando outros participantes. É uma situação contagiante de alegria e expectativa para todos, na qual não só a atividade realizada é descrita, como também as fases de engajamento. Foram inúmeras vezes que vivi esse contentamento!

O que sinto falta no Brasil é do apoio institucional para a criação de organizações que mantenham esse círculo virtuoso vivo. A partir das experiências e dos vultosos bancos de dados criados, poder-se-ia customizar as informações e interagir no desenvolvimento da jornada do voluntário de acordo com o porte, localização e perfil dos eventos.  

Outro ponto que gostaria de salientar desses grandes eventos foi a participação de pessoas com deficiência no voluntariado. Se no início foi um desafio, tanto na comunicação quanto na alocação da atividade, paulatinamente as imagens dos voluntários em atuação foram mostrando o sucesso da iniciativa e inspirando novas participações. Nos Jogos Rio 2016, tivemos o primeiro Programa de Voluntários Pessoas com Deficiência Intelectual com atuação no Parque Olímpico, que contou com uma jornada exclusiva estruturada em parceria com instituições e empresas e ainda um programa de Voluntariado Empresarial, estruturado e muito bem-organizado, mostrando que é possível, por meio do voluntariado promover a inclusão e o respeito à diversidade.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.

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Potencialidades e complexidades do voluntariado

Por José Alfredo Nahas, superintendente da Organização Não Governamental Parceiros Voluntários, líder da equipe Executiva.

Estamos olhando do jeito certo para o voluntariado? Se você gosta de cinema, provavelmente já fez esse exercício: depois de assistir a um filme, chegou em casa, leu uma ou mais resenhas a respeito dele e, nessa pesquisa, descobriu que a obra era muito mais profunda e incrível do que pareceu na primeira vez.

Normal. Nem sempre o maior valor das coisas está na superfície visível. É preciso de tempo, de vivência e de experimentar diferentes perspectivas para enxergar todas as faces de um trabalho. 

Essa dinâmica, aliás, não se limita à arte. E é justamente por isso que vou tomar o raciocínio emprestado para tratar de um tema completamente diferente, mas que também precisa de um segundo olhar para ser bem compreendido: o voluntariado.  

Provavelmente, não há nenhum entre os 209 milhões de brasileiros que veja o trabalho voluntário de forma negativa. As pessoas reconhecem o valor que existe em alguém disponibilizar o seu tempo, conhecimento e emoção para o bem do outro sem pedir nada em troca. 

No imaginário coletivo, contudo, o voluntariado surge muitas vezes como uma boa ação eventual e voltada a tarefas de baixa complexidade operacional. É o caso clássico de mutirões para pintar as paredes de uma escola, recolher o lixo após um evento ou fazer reparos técnicos em uma organização social. 

Não há nada de errado com as ações desse tipo. O problema está em retratá-las de forma caricatural, simplista, e depois usar a caricatura como representação universal do trabalho voluntário. 

É desse percurso que nasce a ideia perigosa de que o trabalho voluntário é uma ação nobre, mas de baixo impacto e sem valor estratégico. Essa visão não é só equivocada: é injusta, porque desvaloriza o esforço de milhares de organizações e de milhões de pessoas engajadas na causa. 

Aqui, há duas distinções fundamentais a fazer:

Primeiro, separar o voluntariado de ocasião do voluntariado organizado. Esse último, à diferença do que pode sugerir o senso comum, é empreendido com metodologia, estratégia, comprometimento e visão de médio e longo prazo. Implica diálogo intenso com a comunidade e escolha criteriosa do que, quando e como fazer para gerar alto impacto. 

Segundo,identificar a potência dos programas de trabalho voluntário não apenas como atividade fim, mas como atividade meio. Essa é a parte menos óbvia e que exige mais atenção e reflexão. 

Quando uma empresa, por exemplo, mobiliza um mutirão de voluntários para pintar as paredes de uma escola, é mais fácil enxergar o impacto da ação como uma atividade fim. Na primeira batida de olho, já se percebe a nobreza da atitude das pessoas que colaboraram e os benefícios pontuais de ter uma escola de cara nova e mais convidativa. 

Assim como no Cinema, contudo, o valor das coisas não se esgota na superfície visível. Por trás daquela tarde de trabalho, provavelmente há uma empresa ou organização da sociedade civil que desenvolveu uma iniciativa muito mais ampla – com a criação de um comitê de voluntariado, entrevistas com colaboradores, capacitação, processos de escuta com a comunidade, formação de parcerias e muito mais. 

Ao longo deste trabalho continuado e organizado, mas distante dos holofotes, é seguro dizer que o empreendimento gerou um enorme valor para a sociedade e para todos os envolvidos, ainda que de outra natureza. 

O voluntariado, quando entendido como meio, é uma estratégia poderosa para criar e disseminar conhecimento, articular redes de cooperação, estabelecer relações de qualidade entre diferentes atores, engajar os mais variados públicos e despertar o espírito cidadão e o empreendedorismo social nas pessoas.

Em resumo, é uma alavanca eficiente particularmente para empresas que querem melhorar relacionamento com comunidades e com seus colaboradores, além de ajudar a desenvolver territórios. E, também, uma forma comprovada de fortalecer a teia social do País.   

Nada disso, diga-se, é trivial. Afinal, uma empresa é incapaz de prosperar no longo prazo se não cultivar boas relações dentro e fora das suas dependências; e, para enfrentar seus principais desafios, um país precisa de um tecido social forte e coeso, em que o governo, empresas, OSCs, escolas e indivíduos somem forças para aplacar as vulnerabilidades da população. Apenas juntos podemos endereçar certas conquistas como nação. 

Reconhecer a complexidade do voluntariado e investir nas suas potencialidades, portanto, é muito mais do que um aprendizado. É muito mais do que um segundo olhar para ampliar a compreensão. É um ato de cidadania, em que todos ganham e ninguém perde.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.

Este artigo integra uma série de conteúdos escritos à convite dos realizadores da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, com intuito de analisar e enriquecer os achados do estudo. Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.

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Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 | Artigos e Destaques

Para olhar mais de perto para os resultados da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, convidamos integrantes e especialistas do terceiro setor para contribuir expandindo e enriquecendo esse conhecimento através de artigos sobre a temática.

A série de conteúdos escritos busca analisar e compreender os achados do estudo. Confira:

*Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.

Confira outros conteúdos relevantes:

Tenha acesso a pesquisa completa, acesse o site: www.pesquisavoluntariado.org.br

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 foi elaborada e coordenada por Silvia Naccache, com apoio dos consultores Kelly Alves do Carmo e Felipe Pimenta de Souza

Para dúvidas relacionadas à pesquisa entrar em contato via pesquisavoluntariado2021@gmail.com

O Voluntariado em 2021: boas notícias em tempos desafiadores

Por Silvia Maria Louzã Naccache, empreendedora social, palestrante, conteudista e consultora na área de Voluntariado, Responsabilidade Social, Desenvolvimento Sustentável e Terceiro Setor. 

Como é bom ser porta voz de boas notícias em tempos tão difíceis e desafiadores!

A boa nova é que em 2021, 34% dos brasileiros, com mais de 16 anos, praticaram o voluntariado!  

No perfil do voluntário há equilíbrio na questão de gênero, 51% mulheres, 48% homens e 1% trouxe outras respostas. A idade média de maior destaque ficou nos 43 anos. 

Voluntários tem o desejo de fazer o bem, gostam de poder impactar positivamente a vida das pessoas e com isso o voluntariado vem sendo percebido e reconhecido como uma experiência transformadora para quem recebe e para quem faz.

Impossível não registrar os aprendizados e os reflexos da pandemia no voluntariado, o apoio aos programas de assistência, a participação nos movimentos de mobilização, o atendimento a novos grupos populacionais, a doação de recursos, a adoção ou ampliação do voluntariado a distância ou online. Na pandemia 47% dos voluntários passaram a fazer mais atividades, a participar e contribuir ainda mais. 

A solidariedade impulsionou 74% das pessoas para as ações de voluntariado. Foi esta a maior motivação: ajudar o outro.  Se por um lado voluntários buscam fazer uma atividade com o propósito ou a causa com que tem forte identificação, o urgente, mobilizou as pessoas para a ação: fome, pobreza e desigualdades. Atender famílias, comunidade e pessoas em situação de rua tiveram destaque entre os públicos beneficiados pelas ações. (36% – o público geral; 35% – famílias e comunidades; 25% – pessoas em situação de rua).

Os voluntários encontram algumas dificuldades em suas atividades tais como, lidar com as pessoas que nem sempre estão verdadeiramente empenhadas em fazer o bem; lidar com as impotências, e demandas que vão além do que conseguem realizar; a frustação com a constância, a fidelização das pessoas ao projeto e ainda, o preconceito com algumas causas e públicos! A informalidade dos programas de voluntariado ainda é uma realidade: apenas 45% dos voluntários tem conhecimento sobre a lei do serviço voluntário no Brasil e apenas 18% assina o termo de adesão ao serviço voluntário. Isso aponta o vasto campo de trabalho para organizações que fomentam o voluntariado inclusive as online: 84% dos voluntários desconhecem as plataformas e sites de promoção ao voluntariado.

Satisfação com a própria atividade voluntária segue alta, mesmo com os desafios enfrentados: no tipo de atividade, no retorno recebido e no apoio para realizar a atividade. A nota teve uma média de 9,1, em uma escala de 0 a 10. 

As menores notas foram por não receberem o apoio financeiro necessário para realizar a ação e ainda a falta de capacitações e formações. 

A pesquisa apontou um conhecimento sobre o que é voluntariado.  Segundo os voluntários, doação de recursos não é voluntariado, mas doadores e voluntários formam uma rede de apoio, se complementam, onde cada um contribui como pode e com o que pode: dinheiro, objetos ou tempo. 

Todos podem ser voluntários! Mas quais são as habilidades necessárias para fazer trabalho voluntário? No voluntariado existe a possibilidade de trazer as habilidades para realizar a ação, mas também por meio das práticas desenvolver talentos. Existe um consenso entre os voluntários:  engajamento, comprometimento e colaboração são essenciais!  

O voluntariado empresarial também nos trouxe a boa notícia! O reconhecimento do seu poder de engajamento para as práticas voluntárias!  15% dos voluntários se mobilizaram pelos programas de voluntariado corporativo.  O voluntariado aparece como parte das boas práticas do ESG/ASG e as empresas ocupando todos os espaços da comunidade.

Ações e omissões desenham o futuro da nossa sociedade! Apoiar uma causa, dedicar-se ao voluntariado é a maior prática de cidadania. O Brasil nunca foi tão desigual! A pesquisa voluntariado no Brasil 2021 mostra que brasileiros não paralisaram. Eles se organizaram e se estruturaram para seguir atuando! 21% passaram a usar ferramentas online para fazer atividades voluntárias durante a pandemia, com destaque para o apoio psicológico, a escuta. 

O voluntário é agente de reconstrução do nosso país! Atua com intencionalidade, empatia, resiliência. Compartilha conhecimento, experiências e expertises. 96% dos voluntários concorda que a atividade voluntária os inspira a ser uma pessoa melhor e 89% concorda que a atividade voluntária é a melhor forma de auxiliar a sociedade.

Unidos e em colaboração vamos construir um país mais justo, igualitário, e por meio da solidariedade e do voluntariado deixar um legado para as gerações futuras.

Dúvidas sobre a pesquisa ou metodologia, procurar por: pesquisavoluntariado2021@gmail.com

 

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.

Este artigo integra uma série de conteúdos escritos à convite dos realizadores da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, com intuito de analisar e enriquecer os achados do estudo. Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.

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História do Voluntariado no Brasil: de 1543 ao bicentenário da independência

Por Maria de Fátima Alexandre, Mestre em Administração, docente de cursos de especialização e pesquisadora do Núcleo de Estudos Avançados em Terceiro Setor (NEATS) da PUC-SP.

Desde sempre, no Brasil e no mundo, voluntário é a pessoa que ajuda outras pessoas sem exigir benefícios próprios diretos. O que tem mudado, e muito, é a forma de exercer o voluntariado e o entendimento da função social dessa ação. Na linha do tempo brasileira, identificamos grandes momentos que impactaram quem exerceria a atividade voluntária e como ela se daria no contexto da sociedade. 

O primeiro movimento voluntário revela ações marcadas pela benemerência, num amplo período que perdurou no Brasil Colônia, Império e Primeira República, até início do século XX. Pouco mais de quatro décadas depois do descobrimento do Brasil, a então colônia funda sua primeira Santa Casa, gerida pela Irmandade de Misericórdia, uma instituição de assistência criada em Portugal alguns anos antes, de acordo com os costumes e ensinamentos cristãos. O capitão-mor Braz Cubas criou a Casa de Saúde próxima ao Porto de Santos com o apoio de doações para o tratamento “da gente do mar e forasteiros” que necessitassem de socorro. 

Este marco do voluntariado no país, multiplicado em outras instituições de abrigo e assistência a necessitados, geralmente vinculadas à Igreja Católica, representava o ideário da caridade cristã, expressa na forma de assistência social. Frente à ausência de políticas públicas efetivas, as irmandades religiosas, mantidas em grande parte pelas famílias da elite, exerciam importante papel na assistência, em especial aos que estivessem “caídos em desgraça”, “desvalidos” e às crianças abandonadas. Refletindo os valores e costumes da época, o voluntariado era exercido predominantemente por mulheres, em tom religioso, paternalista e rigorosamente moralizador.  

O século XX trouxe mudanças sociais, econômicas e políticas que, provocando profundas transformações na sociedade brasileira, naturalmente fizeram evoluir o agir voluntário, acompanhando esses movimentos. A Cruz Vermelha e o Escotismo, movimento composto por voluntários, chegaram ao país no início do século XX dando um novo impulso à missão de ajuda ao próximo. A partir da década de 1930, o Estado passa a assumir papel mais atuante frente às necessidades da população, inicialmente pela proteção dos direitos do trabalhador e gradativamente gerando políticas públicas de assistência e bem-estar social. As ações voluntárias, embora ainda essenciais para o atendimento das necessidades básicas de significativa parcela da população, passam a ser vistas como suplementares e não mais um sistema paralelo à atuação do Estado. 

Com o golpe de 1964, o país mergulhava em 21 anos de ditadura militar, sendo os anos de chumbo os mais repressivos e violentos no embate criado entre Estado versus sociedade civil. Esse foi o período em que tivemos o chamado voluntariado combativo, com organizações de defesa de direitos civis, os movimentos estudantis e as alas progressistas da Igreja Católica, alinhadas com a Teologia da Libertação, lutando contra a desigualdade e as injustiças sociais. Traziam grandes questionamentos sobre o papel da sociedade frente às causas sociais e à garantia de direitos humanos, ao mesmo tempo que atos institucionais e outros instrumentos do governo procuravam reprimir e centralizar o poder.

Esse cenário foi se modificando a partir da década de 1980 com a expansão das organizações do Terceiro Setor e com a Constituição de 1988, fortalecendo a sociedade civil e sua capacidade de participação cidadã. Iniciava-se a construção de um novo voluntariado, mais crítico em relação às ações de benemerência e mais disposto ao alinhamento com o Estado face à complexidade e o tamanho dos desafios, especialmente os ligados à imensa desigualdade social brasileira. O setor empresarial, chamado à mobilização pelos conceitos emergentes de Responsabilidade Social Empresarial, também estruturou seu voluntariado organizacional, estimulando os colaboradores à participação em ações sociais com a parceria de organizações da sociedade civil. No final do século, a Pastoral da Criança, com seus líderes comunitários contribuindo efetivamente para a queda da mortalidade infantil e a Ação da Cidadania Contra a Fome, do sociólogo Betinho no IBASE tiveram papel expressivo na mobilização nacional: todas as pessoas poderiam se sentir solidárias e aptas a participar da mudança social.

Na virada do milênio, a cultura de um novo voluntariado foi fortalecida pelos Centros de Voluntariado do Conselho da Comunidade Solidária, num esforço nacional para mostrar que o voluntariado não é acionado pelo sentimento de culpa, mas que o exercício de cidadania que ele proporciona pode trazer prazer e ser uma atividade qualificada e eficiente.

Decorridos 22 anos do século XXI, os desafios sociais continuam crescentes e, muitas vezes, nos pegam de surpresa, como o isolamento social causado por uma pandemia que exigiu que os voluntários encontrassem novas formas de acolher quem foi mais atingido. Além dos desafios atuais, não sabemos o tamanho dos que nos esperam no futuro, mas sabemos sim que voluntários estarão presentes doando sua energia, tempo e talento na construção de novas relações até que todos, sem exceção, possam exercer o seu direito a uma vida plena.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.

Este artigo integra uma série de conteúdos escritos à convite dos realizadores da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, com intuito de analisar e enriquecer os achados do estudo. Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.

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Pesquisa Voluntariado no Brasil 2001: conheça a primeira edição histórica

O voluntariado faz parte da história do Brasil e tem suas raízes em 1543, na fundação da Santa Casa de Santos. Desde então, vem se transformando. As organizações se multiplicaram, a atividade foi regulamentada, empresas passaram a promover programas de voluntariado, a tecnologia permitiu a atuação dos voluntários à distância.

Em 2001, no Ano Internacional do Voluntário, aconteceu a primeira edição da Pesquisa Voluntariado no Brasil. Dez ano depois, foi realizada a segunda pesquisa, celebrando a Década do Voluntário. Seguindo a série histórica, surgem os resultados de 2021, ano profundamente marcado pela pandemia de Covid-19 e pelo fortalecimento da cultura de doação.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil apresenta um retrato do engajamento do brasileiro – quem são os voluntários, onde atuam e quais suas motivações.

Baixe aqui os resultados da edição 2001

Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021: acesse o site

Assista também ao evento de lançamento da pesquisa 2021:

 

 

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 é uma realização do IDIS e do Instituto Datafolha. Foi elaborada e coordenada por Silvia Naccache, com apoio dos consultores Kelly Alves do Carmo e Felipe Pimenta de Souza. Sua viabilização teve o suporte de organizações que acreditam na importância do avanço do voluntariado no Brasil, e participam dessa rede de apoiadores, Ambev, Bradesco, Fundação Itaú Social, Fundação Telefônica Vivo, Raízen, Sabesp, Sicoob e Suzano.

 

 

Brasil, um país cada vez mais voluntário

Por Luisa Gerbase de Lima, Gerente de Comunicação no IDIS

Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 traz cenário positivo
e aponta caminhos para evolução por meio da participação de empresas

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 traz excelentes notícias. Em apenas duas décadas, o número de pessoas que já praticou alguma atividade voluntária em algum momento de sua vida mais que triplicou, passando de 18% para 56% da população. O número de voluntários ativos também é notável – mais de um terço da população (34%). Em outras palavras, são 57 milhões de brasileiros e brasileiras que doaram, em 2021, seu tempo, talento e energia em prol de uma causa em que acreditam e fizeram a diferença na vida dos beneficiados pela ação. E por que fazem? A grande motivação foi a solidariedade, indicada por 74% dos voluntários.

Vibramos com os números, mas não podemos dizer que são surpreendentes – vão ao encontro de achados de outras pesquisas que mostram o fortalecimento da Cultura de Doação e do voluntariado. No World Giving Index 2021, estudo global da britânica Charities Aid Foundation (CAF), promovido pelo IDIS, o Brasil ficou em 54º lugar entre 114 nações. Este ranking de solidariedade contempla atitudes como doação de dinheiro, ajuda a estranhos e voluntariado e, em termos absolutos, subimos 14 posições em relação a 2018 e 20 posições em comparação à média dos 10 anos anteriores.

Outro levantamento, a Pesquisa Doação Brasil 2020, realizada pelo IDIS e com foco em doação individual de dinheiro a causas, mostra que, apesar da queda nos índices de doação, há uma tendência de amadurecimento da sociedade – mais de 80% dos entrevistados concordam que o ato de doar faz diferença e, entre os não doadores, essa concordância atinge 75%. O conceito de que a doação faz bem para o doador também cresceu significativamente entre 2015 e 2020, de 81% para 91% da população, atingindo uma maioria quase absoluta. Mais um aspecto positivo é que está perdendo força a ideia de que o doador não deve falar que faz doações. Em 2015, a afirmação contava com a concordância de 84% da população e, em 2020, o percentual caiu para 69%. Este é um ponto especialmente importante porque o falar sobre doações estimula sua prática, traz inspiração, esclarece temores e desperta o interesse em outras pessoas.

É neste contexto que o voluntariado se desenvolve no Brasil e nota-se que, apesar de a pandemia e o isolamento social terem abalado estruturas, exigindo rápidas readequações, fomos capazes de enfrentar estes desafios – 47% dos voluntários passaram a se dedicar mais, e 21% começaram a fazer atividades voluntárias online como apoio psicológico e ações ligadas à educação.

Tais avanços não são, de forma alguma, espontâneos. São fruto de trabalho e investimento de inúmeras organizações e indivíduos. Estudos e pesquisas geraram dados e reflexões; a prática nos permitiu aprender com as experiências exitosas e, também, com os erros; o aprimoramento do ambiente regulatório trouxe bases mais sólidas e a tecnologia nos permitiu ultrapassar barreiras e contribuiu para conectarmos pessoas e saberes.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 traz um retrato de onde estamos, indica pontos de atenção e possíveis caminhos para seguirmos evoluindo. Manter o crescimento do número de voluntários é sempre desejável, mas o grande desafio é transformar essa tendência em uma prática rotineira – temos 34% de brasileiros voluntários atualmente, mas apenas cerca um terço deles fazem isso regularmente, com frequência definida. A resposta para essa transformação está em um outro número – apenas 15% dos voluntários dizem participar de programas empresariais, indicativo de potencial enorme que pode ser explorado.

Quando unimos o investimento social corporativo com os anseios individuais, encontramos um campo fértil para ações solidárias de empresas junto ao seu público interno e aí moram os programas de voluntariado corporativo. Os resultados possíveis dessa união são muitos, indo além do impacto social gerado e da criação de uma rotina de atuação. Melhoria do clima organizacional, aumento do sentimento de pertencimento, oportunidade de desenvolvimento de competências, fortalecimento de laços entre colaboradores, aprofundamento do relacionamento com a comunidade da empresa, contribuição à estratégia de impacto e investimento social privado corporativo, atração de talentos e contribuição à reputação da marca junto a outros stakeholders são alguns dos benefícios de ações solidárias envolvendo os colaboradores. Tais programas integram também a agenda ESG (sigla para Environmental, Social and Governance, no português, Ambiental, Social e Governança), cada vez mais considerada nas tomadas de decisão de investidores. Ao promover programas de voluntariado corporativo, todos ganham.

A generosidade no mundo aumentou, em especial nas economias com pessoas em situação de maior vulnerabilidade. Este movimento de cuidar do próximo e realizar doações, seja de tempo ou de recursos, precisa continuar para enfrentarmos os efeitos perversos da pandemia e acelerar a melhoria do bem-estar de quem mais precisa. Estamos indo na direção certa e vamos avançar.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 foi elaborada e coordenada por Silvia Naccache, com apoio dos consultores Kelly Alves do Carmo e Felipe Pimenta de Souza. Sua viabilização teve o suporte de organizações que acreditam na importância do avanço do voluntariado no Brasil e participam dessa rede de apoiadores, Ambev, Bradesco, Fundação Itaú Social, Fundação Telefônica Vivo, Raízen, Sabesp, Sicoob e Suzano. IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – e Instituto Datafolha assinam a realização.

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