Legisladores, é hora de fomentar os fundos patrimoniais no Brasil!

24 de março de 2022

Apesar de positiva e inovadora, a Lei dos Fundos Patrimoniais (nº 13.800/19) foi aprovada com vetos em relação a incentivos fiscais aos doadores de endowments (fundos patrimoniais) e não tratou dos aspectos tributários das organizações gestoras de fundos patrimoniais. O Projeto de Lei 158/2017, em tramitação na Comissão de Educação do Senado Federal, propõe mudar esse cenário.

A sua aprovação fomenta que fundos patrimoniais de instituições apoiadas, públicas ou privadas sem fins lucrativos, avancem na atração de recursos e na sustentabilidade financeira para realizar seus programas, projetos ou iniciativas em prol de causas de interesse público. O projeto propõe incentivos para todas as causas, ampliando o entendimento da atual legislação, que traz incentivos apenas para a área da cultura.

Harvard, Yale, Oxford e Cambridge, por exemplo, são apenas algumas universidades internacionais que possuem fundos patrimoniais já consolidados. Também conhecido como endowments, estas estruturas perpetuam grande quantidade de recursos para uma determinada causa, dado que somente os rendimentos são utilizados. Essa é uma estratégia de financiamento adotada por estas instituições para garantir recursos no longo prazo para pesquisa científica, bolsas de estudos, investimentos em inovação e outros.

No Brasil, Unicamp, Unesp e USP são algumas das instituições de ensino que também adotaram este modelo recentemente. O mesmo movimento é visto para beneficiar outros campos, como saúde ou direitos humanos, e também é uma alternativa para famílias de alta renda que desejam deixar um legado.

Como se sabe, os incentivos fiscais são importantes mecanismos para fomentar práticas e induzir comportamentos que possam gerar benefícios à coletividade, seja para a implementação de uma política pública, desenvolvimento de um setor ou de uma região. Estudos econômicos demonstram que a propensão a doar aumenta com os incentivos fiscais. Tendo em vista o contexto brasileiro envolvendo as doações às organizações da sociedade civil e a existência de uma cultura de doação ainda em desenvolvimento, deve-se priorizar a ampliação do uso de incentivos fiscais pelos doadores, como meio para o necessário financiamento de ações em prol da coletividade[1]. No PL 158/17, que está sendo avaliado pela Comissão de Educação do Senado Federal, prevê-se a ampliação do acesso a incentivos fiscais já presentes no ordenamento jurídico e subutilizados para fundos patrimoniais.

Estados Unidos, Inglaterra e Índia são países onde encontramos incentivos fiscais para doadores que contribuem com os endowments. Tal experiência internacional comprova que a existência de fundos patrimoniais aliado à concessão de incentivos fiscais aos doadores cria um ambiente fértil para o desenvolvimento destes fundos, além de estimular a cultura de doação dentro de um país. Não é à toa que no exterior existem endowments centenários e bilionários em sociedades que colhem frutos bem diferentes dos nossos, em especial nas áreas do ensino, da pesquisa e do desenvolvimento.

Esse estímulo é ainda mais necessário no contexto brasileiro. Segundo dados da Pesquisa Doação Brasil, houve redução no montante total das doações. Em 2015, o valor total doado por indivíduos foi de R$ 13,7 bilhões, o que correspondia a 0,23% do PIB. Esse percentual à época era três vezes maior no Reino Unido (0,73% do PIB) e sete vezes maior nos Estados Unidos (1,67% do PIB) segundo a pesquisa “Sustentabilidade econômica das Organizações da Sociedade Civil: Desafios do ambiente jurídico brasileiro atual”[2]. Em 2020, as doações feitas por brasileiros somaram R$ 10,3 bilhões, equivalentes a 0,14% do PIB brasileiro deste ano, aumentando ainda mais essa discrepância, evidenciando a necessidade de haver incentivos que estimulem a cultura de doação no Brasil.

Os fundos patrimoniais são regulados pela Lei nº 13.800/2019, que sofreu vetos nos dispositivos relacionados aos incentivos fiscais para os doadores. São instrumentos inovadores e promissores para atração de recursos privados de longo prazo, a serem destinados a inúmeras causas de interesse público, e para impactar positivamente a vida de milhares de pessoas. Após 4 anos tramitando no Senado, chegou a hora de aprovarmos o PL 158/17 e fomentar a cultura de doação do país.

 

Flavia Regina de Souza, sócia do Mattos Filho Advogados

Paula Fabiani, CEO do IDIS

Priscila Pasqualin, sócia do PLKC Advogados

[1] Amaro, Luciano da Silva. Direito Tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 43.

[2] PANNUZIO, Eduardo. Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil: Desafios do ambiente jurídico brasileiro atual. São Paulo: GIFE: FGV Direito SP

Este artigo foi publicado originalmente por Migalhas