O que o relatório OXFAM 2019 tem a dizer para famílias filantropas brasileiras?

Por Ruth Goldberg*

O ‘Tempo de Cuidar, relatório da OXFAM Internacional, divulgado em paralelo ao Fórum Econômico de Davos em janeiro de 2020, conseguiu, novamente, chocar o mundo. Ele destaca o grande fosso que existe no mundo em termos de distribuição de riqueza (em 2019, os bilionários do mundo que somam apenas 2.153 pessoas, detinham juntos mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas) e os desafios ligados aos extremos de riqueza que coexistem com uma enorme pobreza, com foco no trabalho de cuidado (não remunerado, mal pago e realizado por mulheres e meninas em todo o mundo), que perpetua as desigualdades de gênero e econômica em praticamente todos os países. Ele chama a atenção sobre o modelo vigente, que, a despeito de todos os esforços, continua produzindo desigualdades e injustiças. Mas mudando o ponto de vista e tentando enxergar do lado daqueles que têm mais recursos, o relatório pode servir como excelente guia para ajudar numa tomada de decisão.

Um dos maiores dilemas a serem vencidos por indivíduos e famílias que querem contribuir com a solução dos problemas brasileiros investindo em projetos socioambientais é a definição da causa ou das causas para a sua atuação. Seja atuando apenas como doadores (os chamados grantmakers), ou como operadores diretos dos projetos, a escolha da área de atuação é sempre muito complexa e polêmica.

Entre as razões para essa dificuldade, podemos destacar o uso da lógica racional em contraponto com a emoção, decorrente sobretudo do diálogo intergeracional nas famílias, a necessidade de alinhamento e visão de futuro entre seus membros e por fim, a escassa fonte de dados e informações que garantam uma atuação mais eficaz e alinhada com desafios de longo prazo.

Tendo em vista a importância do trabalho de cuidado (relacionado à atenção às crianças, idosos, pessoas com doenças e deficiências físicas e mentais, trabalhos domésticos), tão essencial para nossas sociedades e portanto para o Brasil, o relatório apresenta soluções estratégicas para reversão deste quadro, baseadas principalmente em ações conjuntas, integradas entre sociedade civil e governos, que abrangem o desenvolvimento de sistemas de cuidado, ações de redistribuição, serviços gratuitos e alteração nas políticas de tributação.

Estudo desenvolvido em 2019 pelo Founders Pledge (www.founderspledge.com), com apoio do PAF – Philantropy Advisory Fellowship para uma organização filantrópica familiar brasileira, pautado na lógica de otimizar o investimento filantrópico versus o impacto social, utilizou um modelo baseado em evidências para elencar áreas de atuação prioritárias que garantam maior eficácia no investimento social no Brasil para os próximos 30-50 anos. Elencou uma lista de nove áreas de intervenção para geração de relevante impacto no Brasil: eficácia em programas governamentais, doenças do envelhecimento, inclusão produtiva, saúde mental, violência interpessoal, política fiscal, primeira infância, eficiência energética e energia limpa e saneamento.

Os atores da filantropia familiar (investidores sociais individuais ou famílias) têm que lidar com uma realidade social muito complexa e com uma variedade enorme de possibilidades (e necessidades) para intervenção. Qualquer que seja a área de atuação escolhida para o investimento social feito por indivíduos ou famílias, as transformações mais estruturantes e necessárias só se darão se houver uma forte articulação entre sociedade civil e governos, alianças e parcerias locais, nacionais e internacionais, adoção de critérios de eficiência, eficácia e efetividade e potente trabalho de advocacy em nome das diversas causas.

Para aqueles interessados em saber um pouco sobre como começar uma atividade filantropa em família, recomendo a leitura da folheto ‘Seu Roteiro para a Filantropia’, publicado pela Rockefeller Philanthropy Advisors e traduzido e publicado em português pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social.

* Ruth Goldberg é Consultora Associada do IDIS Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Artigo originalmente publicado em 19/02/20, no Blog do Fausto Macedo, no Estadão

Em entrevista à rádio CBN, IDIS analisa relatório da OXFAM sobre concentração de riqueza no mundo

Cinco brasileiros bilionários concentram patrimônio equivalente à renda da metade mais pobre da população do País. A informação faz parte do esperado relatório anual da Oxfam. Divulgado sempre às vésperas do Fórum Mundial Econômico, em Davos, na Suíça, o estudo mostra que o ano de 2017 registrou um recorde de novos bilionários no mundo. Quanto ao Brasil, temos agora mais 12, somando 43 integantes que, juntos,  acumulam US$ 549 bilhões.  Usando dados da revista Forbes e relatórios do Credit Suisse, a Oxfam conclui ainda que o grupo dos 1% dos mais ricos do mundo concentra 82% de toda a riqueza gerada no mundo em 2017 –  e a metade mais pobre da população mundial não obteve nada desse montante.

Em entrevista à rádio CBN, a diretora de Comunicação e Relações Institucionais, Andrea Wolffenbuttel, analisou os dados que comprovam, mais uma vez, o sistema altamente concentrador no qual vivemos;  alertou para a urgência da tomada de consciência pelas classes mais favorecidas; e reforçou o fato de que deve partir delas o movimento por uma divisão de recursos mais equilibrada, que conduza a uma maior justiça social. Desde o ano passado, o IDIS vem trabalhando, com o apoio de Elie Horn e José Luiz Setúbal, na estruturação de uma iniciativa que convoque as camadas mais altas da sociedade a se comprometerem com a doação de uma parcela de suas fortunas para a filantropia.

A entrevista  ao programa Noite Total, da Rádio CBN, pode ser ouvida em http://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/154479/ong-defende-que-os-mais-ricos-invistam-em-projetos.htm