Por que ter diversidade e inclusão no terceiro setor?

A sociedade civil não deve escolher as mesmas justificativas de empresas para ter espaços de trabalho diversos e inclusivos

Há mais de um ano falamos de uma só doença – a COVID-19. Há algumas décadas, as pessoas inacreditavelmente também chamavam a homossexualidade de “homossexualismo” e consideravam uma doença que precisava ser tratada. Mas em 17 de maio de 1990 ela foi extinta – a orientação sexual homoafetiva deixava de ser considerada como um distúrbio mental pela Organização Mundial da Saúde, dando lugar ao Dia Internacional de Combate à Homofobia.

Mesmo após 30 anos, ainda enfrentamos barreiras e buscamos curar o preconceito, e aqui destacamos os desafios no ambiente profissional. Em pesquisa realizada pela agência Santo Caos, 40% dos entrevistados relataram já ter sofrido discriminações em relação à orientação sexual no trabalho.

O tema da diversidade, em toda sua extensão, no terceiro setor é obrigatório. Devemos acolher e valorizar todos os gêneros, todas as orientações sexuais, todas as raças, todas as idades, todas classes sociais, as diferentes origens, aqueles que tem algum tipo de deficiência e aqueles que estão começando suas carreiras da mesma forma daqueles que já viveram muito. Afinal, como conseguiremos construir um mundo mais justo e igualitário sem olhar para opressões e violências históricas e sem discutir privilégios?

Não devemos usar justificativas de aumento de inovação, lucros ou criatividade, como é feito por empresas, pois apesar de estes serem benefícios de programas de Diversidade e Inclusão, não devem ser a motivação primária do setor social. A sociedade civil surgiu para responder ao que o primeiro e segundo setor não davam conta, seja na assistência social, defesa de minorias, animais ou do meio ambiente. É por isso que devemos incluir. É um dever das organizações sociais ter um espaço de trabalho diverso e inclusivo para catalisar o ideal de mundo pelo qual trabalhamos. Selma Moreira, diretora do Fundo Baobá e conselheira do IDIS, sintetizou essa ideia em um encontro: “Nós do terceiro setor não podemos deixar a população negra, que sofreu tanto, de fora”.

Mas, é claro, essa não é uma tarefa fácil.

Apesar de muito idealizado, organizações sociais possuem dificuldades crônicas, como financiamentos escassos para área institucional, parte essencial para um fortalecimento da gestão de pessoas. Essa acaba sendo uma justificativa comum para fazerem pouco por esta frente, mas aqui trazemos caminhos que todas podem seguir para que floresçam ambientes mais diversos inclusivos nas organizações.

Ainda que a pesquisa sobre discriminação no trabalho não tenha sido feita exclusivamente com organizações sociais, lembramos que a sociedade civil não é isenta de preconceitos ou reprodução destes. Por isso, a criação de grupos de afinidade sobre gênero, raça, etarismo e sexualidade pode ser um espaço de acolhimento e aprendizado. As lideranças devem ser sensibilizadas e engajadas. Destacar em vagas que a organização terá um olhar atento à diversidade pode atrair pessoas que não se sentiam convidadas, e divulgar estas vagas nos lugares onde elas estão também é um passo importante. Estes são alguns cuidados no dia a dia que estão ao alcance de qualquer tipo de organização. Dicas como essas estão em materiais gratuitos, como na coleção de guias de gestão de pessoas no terceiro setor, lançado pelo IDIS e Instituto ACP.

Com a exclusão da homossexualidade como doença, o movimento LGBTI+ aprendeu que há muitos outros sintomas deixados pelo preconceito ao longo de gerações. Podemos não ter a vacina para acabar com a discriminação, como já temos para a COVID-19, mas podemos tratar os sintomas de um preconceito estrutural. É preciso ainda acolher não só profissionais LGBTI+, mas também com outros marcadores sociais e criar um ambiente de trabalho inclusivo e aberto com o engajamento de toda a organização. Não para lucrar, lacrar ou evitar crises de imagem, mas para lutar por um mundo melhor e justo. É para isto que nós, do terceiro setor, trabalhamos afinal.

 

Por Alexandre Gonçalves, analista de comunicação do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

 

O artigo foi originalmente publicado na Folha de S. Paulo.