CARTA ABERTA À RECEITA FEDERAL

A Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, grupo multissetorial composto por organizações da sociedade civil e outras instituições abaixo-assinadas, vem manifestar publicamente discordância com o parecer da Receita Federal, expressada na Solução de Consulta nº 178, de 29.9.2021.

Os Fundos Patrimoniais permitem que entidades estabeleçam uma base financeira sólida, capaz de sustentar ou complementar suas atividades com os recursos gerados a partir do rendimento do patrimônio. Entidades cujo objeto social é o interesse público e que possuem Fundos Patrimoniais se tornam menos dependentes de novas doações e patrocínios, alcançam maior estabilidade financeira e asseguram sua viabilidade operacional. Assim, em cenários de limitação de gastos públicos, os Fundos Patrimoniais são uma fonte alternativa e viável de recursos.

Um dos esforços da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos é esclarecer junto à Receita Federal do Brasil pontos de dúvida sobre a legislação tributária aplicável aos Fundos Patrimoniais constituídos com base na Lei 13.800/19, dado que ela não abordou questões tributárias.

O posicionamento da Receita Federal, expressada na Solução de Consulta nº 178, de 29.9.2021, representa um desestímulo à criação de Fundos Patrimoniais ligados à educação, saúde e assistência social. O ponto principal se refere à tributação dos rendimentos da Organização Gestora de Fundos Patrimoniais (OGFP) ligados a essas áreas, ao entender que elas não teriam direito à imunidade de impostos. Outro ponto relevante foi o posicionamento de que a OGFP não pode adquirir participação em sociedade de natureza empresária, pois desnaturaria sua finalidade não econômica, estendendo a ela a posição da Solução de Consulta nº 121.

Estes posicionamentos vão na contramão do que há no exterior em termos de tributação e gestão dos fundos patrimoniais (endowments) e, em especial o parecer da Solução de Consulta nº 178, contraria a Constituição Federal do Brasil e diversas decisões de nossas cortes, administrativas e judiciais, sobre temas similares.

Deste modo, solicitamos que essa posição seja revista, de ofício, pela Receita Federal, para o que nos colocamos à disposição para apresentar esclarecimentos e dados relativos à relevante atuação dos fundos patrimoniais no Brasil, assim como sua tributação e modalidades de investimentos em outros países, que tem interpretação diferente desta apresentada pela Receita Federal.

Por fim, nos colocamos à disposição para qualquer contribuição que se faça necessária.

São Paulo, 26 de outubro de 2021

COALIZÃO PELOS FUNDOS FILANTRÓPICOS (www.idis.org.br/coalizao)

 

Quem somos nós

A Coalizão pelos Fundos Filantrópicos é grupo multisetorial composto por mais de 80 membros, entre organizações, empresas e pessoas que apoiam a regulamentação dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos no país.

Lançada em junho de 2018, e liderada pelo IDIS, Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, essas organizações brasileiras integram a Coalizão, que é aberta para qualquer pessoa ou instituição que apoie a causa dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos.

 

Organizações integrantes da Coalizão pela Fundos Filantrópicos

 

Coordenação

IDIS Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

 

Apoio Jurídico

PLKC Advogados

 

Apoio Institucional

APF Associação Paulista de Fundações

CEBRAF Confederação Brasileira de Fundações

GIFE Grupo de Institutos, Fundações e Empresas

Humanitas 360

Levisky Negócios e Cultura

Participantes

ABCR

Acaia Pantanal

ACTC Casa do Coração Arredondar

ASEC – Associação pela Saúde Emocional de Crianças

Associação Amigos do Museu Nacional – SAMN

Associação dos Antigos Alunos da PUC-Rio – AaA PUC-Rio Associação Samaritano

Baluarte Cultura

Banco da Providência

CEAP

Cesnik Quintino e Salinas Advogados

CIEDS

Demarest Advogados

Fehosp

Fundação Arymax

Fundação Darcy Vargas

Fundação Educar DPaschoal

Fundação Gerações

Fundação José Luiz Egydio Setubal

Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira

Fundação OSESP

Fundação Stickel Fundo Agbara

Fundo Catarina

Fundo Patrimonial Amigos da Univali FUSP

GRAACC

Grupo Tellus

ICE – Inovação em Cidadania Empresarial

Insper

Instituto Akatu

Instituto Apontar

Instituto Arlindo Ruggeri (Orquestra de Sopros de Novo Hamburgo)

Instituto Ayrton Senna

Instituto Clima e Sociedade

Instituto Cyrela

Instituto de Tecnologia Social

Instituto Doar

Instituto Ethos

Instituto Jatobás

Instituto Norte Amazônia de Apoio ao Terceiro Setor – INATS

Instituto Phi

Instituto Reciclar

Instituto Ronald McDonald

Instituto Sol

Instituto SOS Pantanal

Instituto Sou da Paz

Intermuseus

ISE Business School

Koury Lopes Advogados

Laboratório de Inovação Financeira

Liga Solidária

Lins de Vasconcelos Advogados Associados

Machado Meyer Advogados

Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. Quiroga Advogados

Movimento Bem Maior

Parceiros Voluntários

Pinheiro Neto Advogados

PLKC Advogados

Rede de Filantropia para a Justiça Social

Rubens Naves Santos Jr Advogados

Sistema B

SITAWI Finanças do Bem

Szazi, Bechara, Storto, Rosa e Figueirêdo Lopes Advogados

Todos pela Educação

Tozzini Freire Advogados

Visão Mundial

Wright Capital Wealth Management

Posicionamento da Receita Federal traz desestímulo para fundos patrimoniais

Um dos esforços do advocacy liderado pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), com o apoio da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, era obter um posicionamento da Receita Federal do Brasil com relação a alguns pontos de dúvida sobre a legislação tributária aplicável aos fundos patrimoniais constituídos com base na Lei 13.800, de 4 de janeiro de 2019, dado que ela não definiu essas questões. E, para tanto, o IDIS apoiou a Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (Enimpacto) na apresentação de uma consulta formal à Receita Federal do Brasil sobre oito questões.

Sabemos que na filantropia a insegurança jurídica desestimula as doações. Portanto, melhor conhecermos o posicionamento da Receita Federal do que sermos surpreendidos, no futuro, com eventuais autos de infração cobrando tributos do passado.

FundosPatrimoniais_Tributos

O posicionamento da Receita Federal, expressada na Solução de Consulta nº 178, de 29 de setembro deste ano, infelizmente, trouxe um posicionamento que vai na contramão do que há no exterior, em termos de tributação dos endowments, contrariando a Constituição Federal do Brasil e diversas decisões de nossas cortes, administrativas e judiciais, sobre temas similares.

Imunidade 

Nossa Constituição Federal garante o regime da imunidade de impostos a instituições sem fins lucrativos de educação, saúde e assistência social. A função dessa imunidade é a desoneração das instituições privadas que, sem intuito de lucro para seus associados, cumprem algumas das obrigações do Estado, garantindo o compromisso maior de nossa Constituição com o dever do Estado em prover os meios de acesso à educação, à saúde e à assistência social a toda a população. Esse é o valor essencial por trás da imunidade.

No entanto, a Receita Federal entendeu que a imunidade não se aplica às organizações gestoras de fundo patrimonial. Na prática, isso significa que os fundos patrimoniais constituídos com base na Lei 13.800/19 deverão tributar pelo Imposto de Renda seus rendimentos de aplicações, ainda que se dediquem exclusivamente a uma escola, a uma universidade ou a um hospital, sejam eles públicos ou filantrópicos.

Ora, a Lei 13.800/19 veio trazer um mecanismo eficiente e profissional de geração de recursos de longo prazo para as instituições de educação, saúde e de assistência social, com proteção ao patrimônio do fundo patrimonial, para que ele seja perenizado de forma segregada as instituições públicas ou sem fins lucrativos que apoia. Mas, o posicionamento da Receita Federal fez com que a estruturação de um fundo patrimonial na própria instituição seja mais econômico, tributariamente. Por que então montar em uma outra instituição, se ela pagará mais impostos?

Investimento no exterior e em empresas 

Com relação à aplicação do montante principal do fundo patrimonial, no Brasil ou no exterior, com utilização apenas de seus rendimentos em favor das instituições apoiadas, a Receita Federal entendeu que isso não afasta a isenção dos tributos federais, mas não se manifestou quanto à imunidade, pois já havia afastado sua aplicação de antemão. Entendeu, porém, que mesmo a isenção deve ser afastada se parte do principal do fundo patrimonial for composto por quotas ou ações de sociedades empresárias. Isso vai totalmente contra os investimentos de qualquer endowment no mundo e à própria Lei 13.800/19, que determina que a instituição deve fazer o patrimônio render e deve contar com um comitê de investimentos, especializado e profissional. Ora, para que o fundo patrimonial mantenha seu recurso apenas em aplicações financeiras conservadoras, não é necessária a composição de um órgão de governança especializado em mercado financeiro! No exterior, por sua vez, os endowments são grandes investidores institucionais e de risco. Foram endowments de porte, fundos de pensão e as grandes fundações que começaram o movimento dos investimentos de impacto e ESG, razão pela qual a Enimpacto articulou a apresentação da consulta, agora respondida pela Receita Federal.

Essa postura não está em linha com a recente Lei das Startups, que autoriza as empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, decorrentes de outorgas ou de delegações firmadas por meio de agências reguladoras, a cumprir seus compromissos com aporte de recursos em startups por meio de fundos patrimoniais definidos pela Lei nº 13.800/19, destinados à inovação. Ou seja, a Lei das Startups reconhece e incentiva que os fundos patrimoniais atuem como investidores de startups, como acontece no exterior. Mas, com a posição da Receita, esse investimento trará riscos tributários ao fundo patrimonial, que poderia passar a ser taxado como uma empresa com finalidade de lucro.

PIS e Cofins

A Receita Federal deu a entender ainda que os rendimentos financeiros poderiam ser tributados pela Cofins, à alíquota de 4%, afastando apenas a incidência do PIS. O motivo é que nem todas as receitas expressamente previstas na Lei 13.800/19 poderiam ser consideradas receitas derivadas de atividades próprias das organizações gestoras de fundo patrimonial. Isso porque as receitas de atividades próprias de instituições sem fins lucrativos têm isenção da Cofins. Essa interpretação contraria a própria Lei dos Fundos Patrimoniais e o Código Tributário Nacional, que determina que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado.

Remuneração de conselho e comitês

A Receita Federal afastou também a isenção, na hipótese de remuneração de membros do Comitê de Investimentos e do Conselho Fiscal, ainda que a Lei 13.800/19 a tenha expressamente permitido. Essa postura afasta o profissionalismo almejado pela lei dos fundos patrimoniais.

Abatimento do Imposto de Renda 

Por fim, a Receita Federal entendeu que se aplicam aos fundos patrimoniais o incentivo fiscal de dedutibilidade de doações feitas por pessoas jurídicas que apuram Imposto de Renda pelo lucro real da base de cálculo de referido imposto e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, respeitado o limite de dedução da legislação.

Apesar de ter havido o tão esperado posicionamento da Receita Federal, ele acabou por representar um desestímulo à criação de fundos patrimoniais, com a proteção e profissionalização trazida pela Lei 13.800/19. Primeiramente para aqueles voltados à educação, saúde e assistência social, áreas eleitas por nossa Constituição Federal como de maior interesse público, razão da garantia da imunidade. Em segundo lugar, é um desestímulo à criação de fundos patrimoniais em geral, por entender que eles não podem investir diretamente em empresas e por entender que há incidência de Cofins sobre receitas financeiras.

Agora restam duas alternativas — levar a discussão ao Poder Judiciário ou ao Congresso Nacional, para que permitam explicitamente — e com todas as letras — aquilo que outros países, com legislação muito mais conceitual e minimalista, permitem há tantos anos. Não é à toa que no exterior existem endowments centenários e bilionários em sociedades que colhem frutos bem diferentes dos nossos, em especial nas áreas do ensino, da pesquisa e do desenvolvimento.

Artigo originalmente publicado no Conjur, em 20 de outubro de 2021.


Desde 2012 o IDIS vem defendendo sua regulamentação no Brasil. Apesar de muito populares em outros países, não havia legislação por aqui e por isso eram raros. Foi em junho de 2018, que a pauta se fortaleceu e ganhou muitos apoiadores, quando lideramos a criação da Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos. Com o objetivo de fortalecer a agenda dos Fundos Patrimoniais no Brasil, a coalizão é composta por mais de 80 membros, entre organizações, empresas e pessoas, de diversas áreas. O grupo está mobilizado para apoiar e promover a articulação necessária para que o Brasil tenha uma legislação que regulamente a existência, governança e operação dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos e também acelerar a adoção do mecanismo. Entre as principais conquistas está a sanção da Lei 13.800/19, que regulamenta os Fundos Patrimoniais Filantrópicos no Brasil, em janeiro de 2019, mas a ação de incidência continua para aprimoramento do ambiente legal.

Receita limita isenção fiscal para fundos patrimoniais

A Receita Federal publicou posicionamento desfavorável aos fundos patrimoniais, também conhecidos como “endowments” em relação à isenção fiscal. Segundo o parecer, as organizações, gestoras de fundos patrimoniais com o objetivo de destinar os rendimentos para instituições filantrópicas não possuem imunidade tributária – ou seja, devem recolher tributos.

“É um posicionamento que pode desestimular as doações para fundos patrimoniais, além de ir contra a legislação da maioria dos países”, afirma Paula Fabiani, CEO do IDIS, sobre o entendimento da Receita Federal a respeito da isenção fiscal para organizações gestoras de fundos patrimoniais.

Fundos_Patrimoniais_fiscal

Para Priscila Pasqualin, sócia do PLKC Advogados e conselheira do IDIS, “as organizações terão que rever suas carteiras de investimentos para ver se estão correndo riscos. E avaliar se saem da sociedade ou entram na Justiça para discutir essa questão”.

Segundo levantamento do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, há 35 fundos patrimoniais no Brasil, sendo 18 destes direcionados para área da educação.

Leia a matéria completa no Valor Econômico S/A. 

Desde 2012 o IDIS vem defendendo sua regulamentação no Brasil. Apesar de muito populares em outros países, não havia legislação por aqui e por isso eram raros. Foi em junho de 2018, que a pauta se fortaleceu e ganhou muitos apoiadores, quando lideramos a criação da Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos. Com o objetivo de fortalecer a agenda dos Fundos Patrimoniais no Brasil, a coalizão é composta por mais de 80 membros, entre organizações, empresas e pessoas, de diversas áreas. O grupo está mobilizado para apoiar e promover a articulação necessária para que o Brasil tenha uma legislação que regulamente a existência, governança e operação dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos e também acelerar a adoção do mecanismo. Entre as principais conquistas está a sanção da Lei 13.800/19, que regulamenta os Fundos Patrimoniais Filantrópicos no Brasil, em janeiro de 2019, mas a ação de incidência continua para aprimoramento do ambiente legal.