Melhores práticas para se medir o sucesso de um fundo patrimonial

*Diego Martins, sócio da Pragma Gestão de Patrimônio

Anos atrás, conversando com o diretor de investimentos de um grande endowment norte-americano, ele me disse que todo investidor deveria, antes de investir, se perguntar por que seu capital é especial. A resposta para essa pergunta o ajudaria a alocar o patrimônio da melhor maneira possível, aproveitando ao máximo do potencial de retorno ajustado por risco. Ato contínuo, perguntei o que o capital que ele geria tinha de mais especial. E a resposta, sem hesitar, foi que o patrimônio de um endowment pode ser investido para a eternidade – portanto, com um horizonte de prazo longuíssimo, diferente de todos os outros investidores do mercado.

Aos olhos dos investidores “comuns”, ativos de horizonte alongado são mais arriscados: têm mais volatilidade (como ativos de renda variável), ou se expõem a períodos grandes de iliquidez e a riscos idiossincráticos (caso dos investimentos alternativos, como Ativos Reais, Private Equity ou Venture Capital). A perspectiva de longo prazo inverte essa realidade, e o que é risco para a maioria se torna oportunidade para os endowments: a renda variável tem historicamente entregado prêmios relevantes em horizontes longos, enquanto investimentos alternativos carregam consigo prêmio pela iliquidez, além da oportunidade de se capturar “alfa” (retornos acima dos índices de mercado).

Contudo, um capital especial pede igualmente um acompanhamento especial. Esse artigo se dedica a compartilhar com o leitor quais têm sido as melhores práticas para o acompanhamento de desempenho de fundos patrimoniais ao redor do mundo. São dois os grandes desafios enfrentados para medir a performance de endowments: alinhar as métricas ao horizonte mais longo dos investimentos; e saber exatamente o que se deseja medir com cada métrica.

A solução para o primeiro dilema passa, invariavelmente, pelo alongamento do horizonte de análise. Afinal, não faz sentido investir em ativos que maturam em mais de 5 ou 10 anos (sejam eles simples títulos de renda fixa com vencimentos mais longos, passando por ações e alcançando ativos reais como florestas ou infraestrutura), e querer avaliar o sucesso dessas alocações no mês a mês.

Nessa toada, quanto maior a alocação do fundo patrimonial em ativos com horizonte dilatado de realização de ganhos, mais longa deverá ser a janela de apuração de performance. Tomando como exemplo os endowments universitários norte-americanos, eles habitualmente avaliam o sucesso de portfólios em janelas móveis de 10 anos. Tal horizonte talvez possa parecer ousado para carteiras brasileiras, comumente menos alocadas em ações e investimentos alternativos. Ainda assim, não parece razoável se acompanhar o resultado de um fundo patrimonial em janelas muito curtas, inferiores a 5 anos, por exemplo. Do contrário, a apuração de performance de curto prazo inevitavelmente leva a uma subutilização de riscos toleráveis por um endowment – deixando na mesa, portanto, o que de fato remunera o seu capital especial.

Passemos então às métricas de performance contra as quais um fundo patrimonial deveria se medir. A primeira delas, talvez a mais relevante de todas, ajuda-nos a quantificar se o objetivo primordial de um endowment está sendo alcançado: a proteção do poder de compra do patrimônio somada à capacidade de geração de renda. Trata-se da medida do ganho real da carteira ao longo do tempo, ou seja, qual a rentabilidade acima da inflação. Ao mesmo tempo, é natural que fundos patrimoniais possuam metas de longo prazo na forma “inflação+X%” – segundo este Anuário, a meta mais comum no universo brasileiro é a de IPCA+5%a.a. É fundamental, por conseguinte, que as organizações avaliem periodicamente o cumprimento ou não de tal alvo.

Uma segunda medida relevante para a avaliação de desempenho de um endowment é a comparação do retorno ao de uma referência do mercado investível. Afinal, os gestores de um fundo patrimonial com meta de retorno de “IPCA+5%” podem até ficar satisfeitos caso tenham ganhos de longo prazo 6% ao ano acima da inflação, todavia essa performance terá menos brilho caso o mercado financeiro, de maneira passiva, tenha rendido mais do que isso. Nessa direção, é comum que fundos norte-americanos se comparem ao que chamam de portfolios de referência “naives” (ou ingênuos, em português), compostos por uma combinação de um índice de renda fixa e outro de renda variável.

A lógica por trás dessa métrica é a de aferir se o fundo patrimonial foi capaz de superar uma combinação simples, passiva e barata de ativos tradicionais de mercado. A carteira “ingênua” mais usada no mercado internacional é composta por 60% de um índice de ações e 40% de um índice de renda fixa. Os endowments do hemisfério norte, por sua vez, costumam se comparar a portfólios com alocação em renda variável entre 70% e 80%, haja vista que as exposições estruturais a ativos compatíveis com renda variável são superiores às dos investidores médios (algo alinhado com o horizonte de longo prazo).

Ao portarmos a mesma lógica para o Brasil, certamente teremos portfólios de referência com menos renda variável, sob efeito dos nossos juros reais estruturalmente mais altos. Ainda assim, observando as alocações reportadas nesta publicação, poderíamos inferir que um portfólio 20% renda variável / 80% renda fixa seja uma boa referência para a grande média dos respondentes. Entretanto, fundos maiores (acima de R$ 500 milhões) já demonstram maior orientação a ativos de longo prazo, sendo mais comparáveis a um mix com algo entre 40% e 50% de Renda Variável.

Aqui vale fazer uma ressalva quanto aos chamados “benchmarks” agregados, ou de política de investimentos. Alguns endowments costumam se comparar a um portfolio investido unicamente em índices de mercado, seguindo exatamente as alocações por classe de ativo determinadas nas próprias políticas de investimentos. Essa é uma medida válida caso se queira avaliar a capacidade das classes investidas gerarem retornos acima do mercado (portanto, o já mencionado “alfa”). No entanto, ela é menos abrangente do que a comparação com portfólios “naives” que, além do alfa, também apura a qualidade da decisão de se investir em classes de ativos além de Renda Fixa e Renda Variável, bem como o uso de mais ou menos risco do que o portfólio “ingênuo”.

Por fim, uma terceira medida é amplamente empregada por fundos patrimoniais no exterior: a comparação com a performance de investidores semelhantes. Dessa forma, a organização busca identificar se o próprio endowment tem desempenhado em linha ou melhor do que outras carteiras com perfil de risco e objetivo similares. Nesse aspecto, esta publicação do anuário também tem papel fundamental para os fundos patrimoniais brasileiros, ao ser a primeira (e até este momento a única) publicação a coletar e reportar, de maneira agregada e estratificada, os resultados dos endowments nacionais e de múltiplas causas.

Em suma, as métricas aqui apresentadas são capazes de endereçar as três perguntas fundamentais para avaliação de desempenho de fundos patrimoniais:

1. O fundo foi capaz de atingir o seu objetivo primordial, de proteger o patrimônio ao longo do tempo e gerar ganhos reais destináveis a sua causa? Medida de retorno real (“inflação+X%”);

2. O fundo foi capaz de superar o retorno médio de referências de mercado? Comparação com o portfólio “naive” (mix passivo de Renda Fixa + Renda Variável);

3. O fundo foi capaz de render em linha ou acima do retorno médio de seus pares? Comparação com retorno de outros endowments similares;

A resposta afirmativa a essas três perguntas, medidas num horizonte de tempo razoavelmente longo, caracteriza o sucesso consistente de um fundo patrimonial.

O papel do gestor de investimento

*Por Ilan Ryfer, Sócio da 1618 Investimentos

A essência do conhecimento consiste em aplicá-lo, uma vez possuído.

Confúcio (551 a.C. – 479 a.C.)

 

Existe uma metáfora contada através da história do “Reparo do Navio”. Já escutei várias versões ligeiramente diferentes, mas sempre nas mesmas linhas.

Um navio que valia centenas de milhões de dólares quebrou, e cada dia parado no porto representava um prejuízo de centenas de milhares de dólares. O comandante do navio, ansioso em colocá-lo para navegar, chama um técnico naval e pede um orçamento. O técnico orça o conserto em US$1.000, o que é prontamente aprovado. Entretanto, após um dia inteiro tentando, sem sucesso, consertar o navio, o técnico desiste.

O comandante, então, chama um engenheiro naval, que orça o conserto em US$10.000, também é prontamente aprovado. O engenheiro passa dois dias analisando a situação até desistir.

Desesperado, o comandante finalmente chama um especialista em consertos de navios que havia sido muito recomendado, mas que todos diziam ser carésimo. Ao chegar, o especialista orça o conserto em US$1.000.000 (isso mesmo, um milhão!). O comandante reclama do preço, mas o especialista não recua. Sem saber mais o que fazer, o comandante aprova.

O especialista então inspeciona algumas válvulas e após 15 minutos, retira de sua mala de ferramentas um pequeno martelo e dá uma só pancada seca em uma das válvulas. Como num passe de mágica, o navio volta a funcionar. Surpreso, o comandante reclama ao especialista, que estava cobrando US$1.000.000 por apenas 15 minutos de trabalho e pede um detalhamento do orçamento. Sem hesitar, o especialista escreve numa folha de papel:

Orçamento Detalhado:

  • Martelada – US$1,00
  • Saber onde dar a martelada – US$999.999

 

Nada melhor para ilustrar o conceito de “saber onde dar a martelada” do que o trabalho brilhante de David Swensen, gestor por mais de 35 anos do famoso fundo patrimonial da Universidade de Yale. Ele e Dean Takahashi mudaram a forma de se pensar em gestão de investimentos de longo prazo, aplicando a teoria moderna de portfólio e criando o Modelo Yale de gestão.

Os resultados podem ser observados nos gráficos abaixo:

 

Ao longo dos mais de 35 anos à frente do fundo patrimonial de Yale, Swensen alterou radicalmente o formato da carteira de investimentos, abandonando o tradicional modelo 60/40 (60% em ações domésticas e 40% em renda fixa), em favor de um portfólio muito mais diversificado, incluindo Hedge Funds, fundos de Private Equity e Venture Capital, além de investimentos imobiliários.

 

O resultado dessa alteração foi significativo em termos de retornos financeiros. Durante o período que esteve à frente do fundo patrimonial de Yale, Swensen bateu a média dos demais fundos em quase 3,5% ao ano. Pode não parecer muito, mas se aplicássemos US$1.000 no gestor médio, após esse período teríamos US$34.000. Nas mãos de Swensen, teríamos impressionantes US$102.000! Esse é o resultado de juros compostos na mão de um gestor de investimentos que “sabe onde dar a martelada”.

Trabalho no mercado financeiro há mais de 30 anos e, ao longo da minha carreira fui mudando – ou melhor, evoluindo – minha forma de encarar minha profissão, a de gestor de investimentos.

A princípio, e de forma simplista, podemos dizer que a responsabilidade primária de um gestor de investimentos é maximizar retornos financeiros. Aqui começa o primeiro equívoco a respeito do papel do gestor.

Quando falamos de retornos, temos sempre de lembrar do outro lado da moeda, que é o risco. Esse é quase um dogma nos mercados financeiros – maiores retornos estão sempre atrelados a maiores riscos potenciais. Pensar somente em retornos e esquecer da adequação do risco ao perfil do cliente pode levar a erros grosseiros de alocação.

Entendi… Então vamos tentar aprimorar nosso entendimento. O papel do gestor de investimentos seria gerar retorno positivo acima da média, ou pelo menos melhor que um leigo, depois de ajustado ao risco? Essa já é uma definição melhor, mas, ao longo do tempo, aprendi que o papel de um gestor de investimentos é muito mais amplo que o de simplesmente olhar para o portfólio de um cliente, seja esse cliente pessoa física ou jurídica, ou mesmo um grande investidor institucional.

Dizem que o gestor de investimentos, mais que um médico, lida com a parte mais sensível do ser humano: o bolso. Para fazer isso corretamente, não basta que o gestor entenda de economia, finanças, mercados e política. Tem de entender um pouco (ou muito) de psicologia humana. Isso é fundamental para entender as reais necessidades de cada cliente, num processo que chamo de “momento divã”, permitindo assim adequar corretamente a alocação da carteira aos anseios, medos e restrições de cada um.

Nos ensina a já não tão recente disciplina das finanças comportamentais que somos seres parcialmente racionais, o que quer dizer que somos parcialmente irracionais. Sofremos de vieses que frequentemente nos desviam do caminho mais adequado, principalmente nos momentos de crise. É nessa hora que o gestor de investimentos desempenha um papel fundamental: resguardar a racionalidade e manter a estratégia traçada.

Concluindo, um gestor de investimentos tem um papel relativamente simples. Deve atuar como terapeuta, cientista político, estrategista, economista, futurólogo e bode expiatório quando tudo dá errado. Mais do que isso tudo, o gestor de investimentos tem de “saber onde dar a martelada”, pois, depois de 30 ou mais anos, é o que faz a diferença.

O que é Grantmaking e como a prática contribui para ações de impacto social

por Paula Lottenberg e Aline Herrera

 

Você sabe o que é grantmaking? A prática tem se destacado no campo do Investimento Social Privado como um caminho para a potencialização dos recursos investidos nas causas e projetos sociais. Conheça aqui todos os detalhes sobre o modelo!

 O termo se refere a uma estratégia de atuação do campo da filantropia que envolve o repasse de recursos financeiros para organizações e projetos sociais já existentes. Desta maneira, o investimento social amplia as fronteiras de atuação para além do entorno do financiador, como seria com a criação e execução de projetos próprios.

Além de reduzir os custos financeiros e técnicos para as empresas e organizações financiadoras, a prática de grantmaking é capaz de potencializar o Investimento Social Privado e impacto. Isso ocorre porque a descentralização dos recursos passa a contemplar uma diversidade de causas e comunidades, promovendo, inclusive, iniciativas em regiões e localidades menos estruturadas do país.

Pensemos, por exemplo, num doador interessado em investir em determinada causa, com um recurso disponível de R$150 mil. Se esse doador decidir por criar um novo projeto, esse recurso seria consumido em grande parte entre as etapas de estruturação e despesas operacionais relacionadas ao início de um novo programa, com pouca vazão para o impacto de ponta. Além disso, todo o recurso estaria concentrado em um único projeto, com atuação e beneficiários muitas vezes limitados geograficamente.

Já se esse mesmo doador optar pelo grantmaking, esses R$150 mil seriam repassados para organizações da sociedade civil, podendo virar dois apoios de R$75 mil ou cinco apoios de R$30 mil. Como as organizações que receberiam os repasses já são estruturadas, quase a totalidade do recurso se destinaria para a execução dos projetos escolhidos, potencializando a atuação e a abrangência daquele investimento e, consequentemente, seu impacto na sociedade.

As organizações beneficiárias são selecionadas a partir de um criterioso processo de análise – que pode se dar por editais abertos, cartas convites ou outros meios. Também é comum, na prática, a relatoria de utilização do recurso, através de ferramentas de Monitoramento e prestações de contas. Dessa forma, o doador garante que o investimento está voltado para o impacto e sendo gerenciado por equipes que tem expertise na causa escolhida.

Este incentivo estratégico, mais do que repasse financeiro, é um ato de encorajamento às organizações da sociedade civil (OSCs) que desenvolvem soluções reais para as comunidades e causas com as quais atuam. Assim, as organizações firmam-se como protagonistas de seu meio, proporcionando resultados mais assertivos aos beneficiários.

O grantmaking estimula que as iniciativas sejam cada vez mais aperfeiçoadas em níveis técnicos, de abrangência e de impacto, impulsionando um desenvolvimento comunitário mais sustentável, justo e inclusivo.

 

Surgimento do Grantmaking como estratégia de doação

O grantmaking surgiu junto com a ascensão da filantropia moderna no final do século XIX, provocada pela crítica social da doação de quantias muito pequenas e sem foco para organizações beneficentes.

Essa nova forma de investimento social foi constituída pela criação de fundações inovadoras de famílias como Rockefeller e Ford que enriqueceram com as indústrias siderúrgica, petrolífera, ferroviária, telegráfica e automobilística.

Para receber as doações em larga escala dessas fundações, as instituições sociais começaram a adotar métodos de gestão profissional e colocaram como foco de seu trabalho a melhoria das condições sociais. Essas novas práticas tiveram impacto de longo prazo na forma de fazer filantropia e na educação, cultura, ciência e saúde pública em todo o mundo.

Esse momento histórico também foi marcado pelo desenvolvimento das doações e do voluntariado nos Estados Unidos, impulsionados pela Primeira Guerra Mundial. Durante esse período, os americanos doaram mais de US$400 milhões à Cruz Vermelha, gerando uma democratização das doações, incluindo também a classe média.

 

Grantmaking no Brasil

Historicamente, observamos como prática do investimento social brasileiro mais agentes executores de seus próprios projetos do que financiadores de organizações da sociedade civil. Contudo, em 2020, o Censo GIFE registrou, pela primeira vez, que o volume de recursos doados (47%) foi superior aos executados pelos próprios financiadores (42%). Foram R$2,5 bilhões doados a terceiros, sendo R$2 bilhões para iniciativas de enfrentamento aos efeitos da pandemia de Covid-19, indicando que este foi um acelerador para novos modelos de filantropia e concessão de recursos.

O resultado demonstrou que o campo do investimento social pode atuar de forma solidária e ágil na resposta a situações emergenciais. Contudo, esse dado não indica necessariamente que as empresas, institutos e fundações estão atuando mais como grantmakers, uma vez que não é possível saber o quanto desse formato de doações foi incorporado às estratégias permanentes das organizações.

Nesse sentido, outro dado importante do Censo GIFE é o número de investidores sociais essencialmente financiadores, ou seja, aqueles que destinam mais de 90% do orçamento à doação para terceiros. Em 2020, apenas 16% dos respondentes foram classificados como essencialmente financiadores, praticamente o mesmo patamar de dez anos atrás e com queda de 7% em relação a 2018, apesar do acentuado crescimento no volume de doações em razão da pandemia.

Os doadores institucionais têm preferido alocar os seus funcionários na administração direta de programas próprios, dedicando-se a uma visão de redução dos riscos que poderiam existir com o repasse de recursos para terceiros. Nesse caso, a ausência de ações de grantmaking pode ser explicada principalmente pela falta de confiança nas organizações da sociedade civil.

Essa perspectiva faz com que as práticas de repasse de recursos hoje sejam bastante limitadas, normalmente vinculadas a financiamentos pontuais a projetos com prazos pré-definidos de 12, 18 ou 24 meses e com alto nível de controle e exigências para as prestações de contas.

No entanto, esse alto nível de controle sobre o recurso vem se mostrando cada vez mais infundado. Uma pesquisa global da Eldeman sobre confiança e credibilidade, realizada com mais de 36 mil respondentes em 28 países indica que 60% dos respondentes confiam nas ONGs e que essas, em conjunto com as empresas, são as instituições mais confiáveis pela população. O nível de confiança se potencializa quando esses dois agentes trabalham juntos, indicando que a parceria deve ser transparente e sólida e que se há alguma desconfiança das empresas, essa não se justifica.

Mudanças na prática de grantmaking

Desde a pandemia, o debate sobre as práticas de grantmaking tem ganhado espaço e importância em temas como apoio institucional e confiança, que se apresentam como desafios a serem superados e aspectos a serem desenvolvidos.

Nas experiências de ações emergenciais, as formas de repasse dos recursos mudaram: aconteceu um movimento de maior flexibilidade, simplificação de processos, menos controle e mais autonomia para as organizações da sociedade civil do que normalmente. Nesse momento o foco passou a ser a resolução rápida de problemas. Para isso, algumas organizações investidoras desenvolveram instrumentos jurídicos mais simples, flexibilizaram processos e protocolos, agilizaram as aprovações internas e o repasse de recursos, aumentaram o prazo para prestação de contas, diminuíram o rigor técnico no monitoramento e deram maior liberdade para realocação de recursos nas rubricas orçamentárias.

Utilizando-se da metáfora de Vu Le, especialista em organizações sem fins lucrativos, fazer um bom projeto é como assar um bolo: para garantir que o resultado seja satisfatório não basta pagar pelos ingredientes, é necessário também pensar na eletricidade, funcionários da padaria, e todos os outros custos envolvidos.

Outro ponto relevante nesse mesmo sentido é a discussão de que mudanças permanentes em agendas sociais complexas, como é o caso do racismo, machismo, e a inclusão de pessoas com deficiência (PCDs) não são possíveis apenas com apoios de projetos de curto prazo. Nesse sentido, destaca-se que um grantmaking efetivo tem caráter de médio a longo prazo, a exemplo do The California Endowment, que investiu 1 bilhão de dólares ao longo de 10 anos em 14 bairros de Los Angeles para melhoria da saúde na região.

 

Grantmaking participativo: os beneficiários no centro

Existe hoje uma busca maior pela prática do grantmaking participativo, que consiste no compartilhamento ou transferência do poder de decisão sobre a gestão dos recursos doados pelos filantropos e investidores sociais às iniciativas e organizações beneficiárias.

Essa perspectiva parte do reconhecimento de que as pessoas afetadas pelos problemas de determinadas comunidades, possuem legitimidade para falar de suas vivências e assim determinar quais são as prioridades para o uso dos recursos financeiros que lhe são ofertados.

Algumas práticas são aceleradoras dos processos de grantmaking mais participativo, sendo elas:

  • Reafirmação de valores;
  • Escuta de feedback dos beneficiários (grantees);
  • Adoção de uma abordagem de aporte equitativo;
  • Resposta a influência de grupos ou pares e;
  • Reação a crises mundiais e políticas.

A adoção desse modelo também passa por uma mudança nos processos de Monitoramento e Avaliação, que passam a ser menos documentais, feitos por relatórios, e mais pautados na confiança e no diálogo, promovendo uma interlocução entre financiadores, instituições financiadas e beneficiários.

Fazer com que os investidores sociais brasileiros mudem suas estratégias de doação e da operação do grantmaking não é uma tarefa simples. Há ainda barreiras, principalmente no que diz respeito às políticas orçamentárias e a aversão ao risco dos investidores. Ainda assim, a prática vem crescendo significativamente nos últimos anos e seus ganhos vêm superando esses entraves.

O foco maior em repasses de recurso de forma mais democrática entre as regiões do país, orientada para transformações sociais de longo prazo e consolidando uma visão de parceria e diálogo entre as organizações envolvidas num modelo de financiamento flexível e plurianual é um caminho para que os repasses gerem impacto social de forma mais efetiva.

O IDIS oferece consultoria e apoio técnico a organizações que desejam investir por meio de prática de grantmaking. Conheça nossos cases sobre o assunto ou converse com nosso time!