Por Denise Carvalho, Diretora e Especialista em Monitoramento e Avaliação do IDIS

A filantropia no Brasil, motor essencial para o desenvolvimento socioambiental do país, vive um momento de paradoxos. Enquanto a solidariedade é uma característica intrínseca do povo brasileiro – evidenciada, por exemplo, pelas rápidas e massivas respostas a situações emergenciais -, a confiança nas instituições que canalizam essas doações ainda se mostra frágil.

A Pesquisa Doação Brasil 2024, do IDIS, oferece um retrato detalhado desse cenário, revelando desafios e apontando caminhos para soluções.

É neste contexto que o monitoramento e a avaliação (M&A), quando integrados à gestão, deixam de ser apenas ferramentas de prestação de contas e se tornam alicerces para a construção de transparência, o fortalecimento da confiança de doadores e financiadores e a garantia da sustentabilidade das intervenções.

O novo comportamento do doador brasileiro: uma busca por clareza

Os dados da Pesquisa Doação Brasil 2024 indicam que, embora a proporção de brasileiros que realizaram alguma doação geral tenha diminuído ligeiramente (de 84% em 2022 para 78% em 2024), o volume total de doações institucionais (em dinheiro para organizações sociais, igrejas, grupos ou campanhas) atingiu um recorde de R$ 24,3 bilhões.

86% dos doadores afirmam escolher com cuidado a causa, e 83% buscam informações antes de doar – um crescimento de 8 pontos percentuais em relação a 2022. Outro dado impactante é que 49% dos entrevistados já deixaram de fazer doações após notícias negativas sobre o assunto na mídia.

Essa ‘cautela’ e ‘exigência’ são espelhadas na persistente baixa percepção de confiança nas ONGs: apenas 30% dos brasileiros acreditam que a maioria delas é confiável, e meros 33% acham que elas deixam claro o que fazem com o dinheiro. Entre os não doadores, a falta de confiança e transparência superou as condições financeiras como principal motivo para não doar, saltando de 12% em 2020 para 38% em 2024.

O recado é inequívoco e, para que a generosidade se converta em apoio contínuo e sustentável, as organizações precisam demonstrar não apenas boas intenções, mas também clareza e resultados.

Monitoramento e avaliação: a ponte para a confiança

É aqui que o monitoramento e a avaliação (M&A) entram em cena como instrumentos indispensáveis. M&A não se trata apenas de cumprir exigências burocráticas de financiadores, é também um processo contínuo de aprendizagem e aprimoramento que, por sua natureza, gera transparência e evidência de impacto que o doador moderno tanto busca.

O monitoramento é um caminho para iluminar a efetividade das ações. Ao definir objetivos claros e indicadores desde o planejamento, as organizações podem rastrear seu progresso de forma sistemática. Isso significa ir além da simples execução e mostrar como os recursos estão sendo utilizados e, mais importante, quais mudanças estão sendo geradas na vida das pessoas ou no meio ambiente. Trata-se de um instrumento fundamental para identificar quem está sendo excluído, quem demonstra resistência ou insatisfação com determinadas iniciativas e, sobretudo, o porquê – permitindo que as rotas sejam corrigidas a tempo.

A integração do M&A na gestão diária permite que as organizações respondam a questionamentos fundamentais de doadores e financiadores, como se o dinheiro está sendo bem usado. Afinal, o monitoramento oferece dados sobre a eficiência dos gastos, permitindo que a organização demonstre a alocação responsável dos recursos. Permite também saber qual é o impacto real da doação, já que a avaliação vai além da atividade e mensura o resultado – a mudança -, mostrando o retorno social do investimento, o que atende à crescente demanda por evidências de que a doação ‘pode fazer a diferença’, como apontado por 89% dos doadores na Pesquisa Doação Brasil 2024.

Finalmente, também permite saber se é possível confiar na organização, pois a consistência na coleta e comunicação de dados, aliada à correção de rotas baseada em aprendizados, constrói uma reputação de seriedade e responsabilidade. Uma organização que se abre ao escrutínio e demonstra aprendizado contínuo inspira confiança.

Além dos números: a força das narrativas e a escuta ativa

A confiança, contudo, não se baseia apenas em planilhas e relatórios. A Pesquisa Doação Brasil 2024 destaca a importância da conexão humana com grupos religiosos, familiares e amigos como as principais redes de influência para as doações. Isso sublinha a necessidade de ir além dos dados brutos e incorporar uma dimensão qualitativa no M&A.

O monitoramento e a avaliação não se resumem somente a números. Ouvir as histórias, contextos e percepções dos beneficiários amplia a compreensão do impacto real de uma iniciativa. Entrevistas, grupos focais e depoimentos humanizam o trabalho, criando uma ponte emocional com o doador. Uma história bem contada, baseada em evidências reais, tem o poder de mobilizar e fidelizar. Para isso, é fundamental que haja uma base de dados estruturada sobre os participantes, com marcadores identitários autodeclarados, e que essa base permita acompanhar e avaliar as desigualdades na vivência da iniciativa.

A escuta ativa se estende também às equipes internas. Uma cultura organizacional que valoriza a reflexão sobre as próprias práticas e desafios, dando espaço para a identificação e correção de falhas, é intrinsecamente mais transparente e adaptável. Isso é vital para as organizações de Terceiro Setor, que muitas vezes operam em ambientes complexos e em constante mudança.

Sustentabilidade das intervenções: um compromisso contínuo

A sustentabilidade das intervenções socioambientais depende diretamente da capacidade das organizações de atrair e reter apoio. A Pesquisa Doação Brasil 2024 mostra que a ‘fidelização às instituições’ ainda é um desafio, com apenas 49% dos doadores afirmando manter o padrão de doação para as mesmas organizações ano após ano, contra 69% em 2015.

A falta de fidelização pode ser um sintoma da baixa clareza sobre o impacto. Quando o M&A é uma prática integrada à gestão, ele permite que as organizações não só demonstrem resultados passados, mas também planejem com mais eficácia o futuro, adaptando suas estratégias com base no que funcionou e no que precisa ser ajustado.

Ao valorizar o M&A, as organizações do terceiro setor fortalecem seu discurso e sua prática, criando um ciclo virtuoso. Primeiramente, processos de M&A bem definidos garantem que os dados sobre uso de recursos e resultados sejam claros e acessíveis, promovendo maior transparência. Em segundo lugar, essa transparência gera credibilidade, atraindo mais doadores e financiadores que buscam segurança em suas contribuições, o que resulta em aumento da confiança. Em terceiro lugar, a análise dos dados permite identificar gargalos, otimizar recursos e aprimorar as intervenções, culminando na melhoria da gestão. Finalmente, com maior confiança e gestão eficaz, a organização garante a continuidade de suas operações e a ampliação de seu impacto, o que reforça a sustentabilidade.

O desafio e o caminho à frente

O cenário delineado pela Pesquisa Doação Brasil 2024 é um convite à ação para o Terceiro Setor. O brasileiro é generoso, mas também perspicaz. Em um ambiente de crescente desinformação e concorrência por recursos, as organizações que abraçarem o monitoramento e a avaliação como parte de sua identidade e estratégia sairão na frente.

Superar o desafio de bases de dados não estruturadas e a resistência cultural ao M&A exige investimento em capacitação e tecnologia. No entanto, o retorno é imensurável: a construção de um ecossistema filantrópico mais robusto, transparente e, acima de tudo, confiável.

No IDIS, acreditamos que a Pesquisa Doação Brasil não apenas revela a complexidade da cultura de doação no país, mas também nos instrumentaliza para fortalecer essa cultura.

O monitoramento e a avaliação são as lentes que nos permitem ver onde estamos, para onde vamos e como podemos chegar lá de forma mais eficaz, construindo a ponte que conecta a generosidade do doador ao impacto real e sustentável no Brasil.

Você pode acessar a íntegra da Pesquisa Doação Brasil 2024 e mais informações em www.pesquisadoacaobrasil.org.br