Já se tornou lugar-comum dizer que uma empresa precisa estar preparada para transformações. O guru da administração Peter Drucker até escreveu – há quase 20 anos! – um livro sobre isso: “Administrando em Tempos de Grandes Mudanças”. O clichê é inevitável também para organizações da sociedade civil (OSCs) – a ponto de o consultor Domingos Armani , especialista em terceiro setor, cravar: “Se uma entidade não passou por algum processo de mudança nos últimos dez anos, isso é muito sério e precisa ser pensado”.
O recado vale tanto para organizações jovens quanto para as quase centenárias. A Liga Solidária, por exemplo, completou 90 anos em 2013 e passou por muitas fases em sua atuação. Recentemente, no entanto, implantou mudanças profundas – até no nome: o novo substitui o tradicional Liga das Senhoras Católicas. “A mudança veio mais pelo ‘Senhoras’ do que pelo ‘Católicas’, pois vários homens que trabalhavam conosco estavam incomodados”, diz a vice-presidente da entidade, Rosalu Queiroz.
A alteração foi um dos pontos culminantes de um processo de modernização e rejuvenescimento da ONG, todo feito dentro da própria Liga Solidária. “Nós trabalhávamos com um público mais velho, e percebíamos que não atingíamos pessoas mais jovens, precisávamos renovar”, afirma Rosalu
Uma transformação dessa magnitude não vem sem custos. “Dividimos nosso público em três grupos: as pessoas com mais de 55 anos conhecem a Liga das Senhoras Católicas, mas não a Liga Solidária; as pessoas abaixo dos 25 conhecem a Liga Solidária, mas não a das Senhoras Católicas; o grupo do meio está perdido, não sabe se a Liga das Senhoras acabou, se há duas organizações ou se não há nenhuma, e isso prejudicou um pouco o processo de captação de recursos”, constata a vice-presidente.
O Instituto Alana é outra organização que sentiu impacto ao modificar seu foco. “Em algumas redes, estão falando que o Alana acabou”, afirma o diretor das áreas de comunicação e educação, Antonio Carneiro. O nome não mudou, mas a causa, sim. A OSC nasceu em 2002 para institucionalizar um trabalho social que os irmãos Ana Lúcia de Mattos Barretto Villela e Alfredo Egydio Arruda Villela Filho já faziam no Jardim Pantanal (zona leste de São Paulo). O objetivo, então, era ajudar a comunidade a superar seus desafios.
Um projeto de 2006, para combater o consumismo entre as crianças, começou a mudar os rumos do Alana. “O instituto descobriu a sua vocação e, em 2011, resolveu escrever que a sua missão é ‘honrar a criança’, uma escolha ligada a crenças e valores de seus fundadores”, lembra Carneiro. A cristalização dos direitos da criança como uma causa levou, porém, a um afastamento cada vez maior de uma atuação comunitária e gestora de projetos.
“Nós estamos diminuindo os projetos de intervenção, apesar de ainda atuarmos na zona leste, pois ficou mais clara a nossa vocação para oadvocacy relacionado aos direitos das crianças”, explica o diretor do Instituto Alana. A organização está em processo de reengenharia, o que implica passar alguns de seus projetos comunitários para parceiros do terceiro setor, do setor público ou mesmo da região.
O caso guarda semelhanças com outro bem conhecido no terceiro setor: o da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, que nasceu em 1965 com trabalho na área de pesquisa em leucemia (tendo firmado inúmeras parcerias com a USP) e, em 2007, passou a priorizar projetos ligados a desenvolvimento infantil – a ponto de virar uma referência nessa área.
Ajuda de fora
Em seu processo de mudança, a Liga Solidária contou com apoio da consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC)para criar um novo desenho de gestão, que ainda está sendo implantado. O Instituto Alana não contou com a ajuda de terceiros em suas mudanças, mas Carneiro “recomenda o apoio externo” para o processo. Já Armani aconselha: “Alterações são muito difíceis de serem feitas sem apoio externo, pois quem está de fora vê melhor a integralidade da situação”.
Carneiro descreve a reengenharia do Alana como um momento “duro e dolorido”. “Tivemos de fazer várias rodadas internas de desabafo, pois há coisas que precisam ser desagregadas e deixadas para trás”. Da mesma forma, Roselu diz que, na Liga, “a mudança não está sendo fácil, pois, às vezes, existem resistências dos diretores mais antigos”. É normal que haja certa confusão entre os interesses das organizações e o das pessoas que dela fazem parte.
“É difícil discernir o institucional do pessoal. Às vezes, o melhor para a instituição não é o melhor para a trajetória de uma determinada pessoa, e discernir isso é difícil sem uma ajuda externa”, avalia Armani.
O Instituto Alana até tentou procurar uma consultoria para auxiliar na reengenharia, mas não achou nenhuma com o perfil que julgava adequado. “Fez falta”, admite Carneiro. Mesmo com um processo pouco tranquilo, foi possível definir claramente as quatro competências da organização: “fazer advocacy, gerir projetos, capacidade de se comunicar e conhecimento acumulado sobre assuntos relacionados a crianças”, enumera Carneiro.
Se teve ajuda da consultoria da PwC para um novo organograma administrativo, Rosalu ressalta a falta que fez uma campanha de comunicação após a entidade se tornar a Liga Solidária. “A mudança de nome precisa vir acompanhada de um planejamento de marketing, e infelizmente, não tínhamos dinheiro para fazer isso na época”, comenta.
Agora, no entanto, a campanha vai sair. “Nós ganhamos uma campanha de publicidade da agência Babel, que, utilizando o mote da violência doméstica, vai reforçar a marca da Liga Solidária”, conta Rosalu.
Por fim, Armani alerta que as organizações sociais precisam ter consciência de que o processo de mudança é permanente e que elas têm ciclos que uma hora ou outra têm de ser superados. Por isso, ele recomenda constantes exercícios de reflexão interna nas entidades e conclui: “Não querer mudar é suicídio”.