Por José Alfredo Nahas, superintendente da Organização Não Governamental Parceiros Voluntários, líder da equipe Executiva.
Estamos olhando do jeito certo para o voluntariado? Se você gosta de cinema, provavelmente já fez esse exercício: depois de assistir a um filme, chegou em casa, leu uma ou mais resenhas a respeito dele e, nessa pesquisa, descobriu que a obra era muito mais profunda e incrível do que pareceu na primeira vez.
Normal. Nem sempre o maior valor das coisas está na superfície visível. É preciso de tempo, de vivência e de experimentar diferentes perspectivas para enxergar todas as faces de um trabalho.
Essa dinâmica, aliás, não se limita à arte. E é justamente por isso que vou tomar o raciocínio emprestado para tratar de um tema completamente diferente, mas que também precisa de um segundo olhar para ser bem compreendido: o voluntariado.
Provavelmente, não há nenhum entre os 209 milhões de brasileiros que veja o trabalho voluntário de forma negativa. As pessoas reconhecem o valor que existe em alguém disponibilizar o seu tempo, conhecimento e emoção para o bem do outro sem pedir nada em troca.
No imaginário coletivo, contudo, o voluntariado surge muitas vezes como uma boa ação eventual e voltada a tarefas de baixa complexidade operacional. É o caso clássico de mutirões para pintar as paredes de uma escola, recolher o lixo após um evento ou fazer reparos técnicos em uma organização social.
Não há nada de errado com as ações desse tipo. O problema está em retratá-las de forma caricatural, simplista, e depois usar a caricatura como representação universal do trabalho voluntário.
É desse percurso que nasce a ideia perigosa de que o trabalho voluntário é uma ação nobre, mas de baixo impacto e sem valor estratégico. Essa visão não é só equivocada: é injusta, porque desvaloriza o esforço de milhares de organizações e de milhões de pessoas engajadas na causa.
Aqui, há duas distinções fundamentais a fazer:
Primeiro, separar o voluntariado de ocasião do voluntariado organizado. Esse último, à diferença do que pode sugerir o senso comum, é empreendido com metodologia, estratégia, comprometimento e visão de médio e longo prazo. Implica diálogo intenso com a comunidade e escolha criteriosa do que, quando e como fazer para gerar alto impacto.
Segundo,identificar a potência dos programas de trabalho voluntário não apenas como atividade fim, mas como atividade meio. Essa é a parte menos óbvia e que exige mais atenção e reflexão.
Quando uma empresa, por exemplo, mobiliza um mutirão de voluntários para pintar as paredes de uma escola, é mais fácil enxergar o impacto da ação como uma atividade fim. Na primeira batida de olho, já se percebe a nobreza da atitude das pessoas que colaboraram e os benefícios pontuais de ter uma escola de cara nova e mais convidativa.
Assim como no Cinema, contudo, o valor das coisas não se esgota na superfície visível. Por trás daquela tarde de trabalho, provavelmente há uma empresa ou organização da sociedade civil que desenvolveu uma iniciativa muito mais ampla – com a criação de um comitê de voluntariado, entrevistas com colaboradores, capacitação, processos de escuta com a comunidade, formação de parcerias e muito mais.
Ao longo deste trabalho continuado e organizado, mas distante dos holofotes, é seguro dizer que o empreendimento gerou um enorme valor para a sociedade e para todos os envolvidos, ainda que de outra natureza.
O voluntariado, quando entendido como meio, é uma estratégia poderosa para criar e disseminar conhecimento, articular redes de cooperação, estabelecer relações de qualidade entre diferentes atores, engajar os mais variados públicos e despertar o espírito cidadão e o empreendedorismo social nas pessoas.
Em resumo, é uma alavanca eficiente particularmente para empresas que querem melhorar relacionamento com comunidades e com seus colaboradores, além de ajudar a desenvolver territórios. E, também, uma forma comprovada de fortalecer a teia social do País.
Nada disso, diga-se, é trivial. Afinal, uma empresa é incapaz de prosperar no longo prazo se não cultivar boas relações dentro e fora das suas dependências; e, para enfrentar seus principais desafios, um país precisa de um tecido social forte e coeso, em que o governo, empresas, OSCs, escolas e indivíduos somem forças para aplacar as vulnerabilidades da população. Apenas juntos podemos endereçar certas conquistas como nação.
Reconhecer a complexidade do voluntariado e investir nas suas potencialidades, portanto, é muito mais do que um aprendizado. É muito mais do que um segundo olhar para ampliar a compreensão. É um ato de cidadania, em que todos ganham e ninguém perde.
A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.
Este artigo integra uma série de conteúdos escritos à convite dos realizadores da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, com intuito de analisar e enriquecer os achados do estudo. Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.