Por Andréa Martini Pineda, pesquisadora no Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (CEAPG) da EAESP-FGV e doutoranda em Administração Pública e Governo na Fundação Getúlio Vargas.
Voluntariado: do bem individual para o bem coletivo! A frase com que Che Guevara definiu o trabalho voluntário está imortalizada em um monumento de Havana, Cuba, e é um lembrete à população: “el trabajo voluntario es una escuela creadora de conciencia, es el esfuerzo realizado por la sociedad y para la sociedad como un aporte individual y colectivo”. Seja por motivações religiosas ou culturais – como em países anglo-saxões, onde a tradição filantrópica é bastante enraizada – em todo o mundo, um em cada cinco adultos se voluntariou ao longo da última década (Charities Aid Foundation, 2011).
No Brasil, a filantropia existe desde a colonização portuguesa, com a ação voluntária sempre associada à caridade e ao assistencialismo. Apenas a partir da década de 1980, as organizações sociais ampliaram sua atuação como produto dos movimentos sociais surgidos durante e após a ditadura militar (1964 – 1985).
Desta forma, olhando a história dos últimos 30 anos de voluntariado no Brasil, identifico quatro ‘ciclos de solidariedade’: um primeiro iniciado em meados da década de 1990, após a elaboração da Constituição Federal; um segundo bem demarcado em 2001, com o Ano Internacional do Voluntário; um terceiro na década passada, considerada ‘a Década do Voluntariado’; e, finalmente, o que estamos vivendo desde o início da Pandemia da covid-19, com a mobilização e ações voluntárias no campo da saúde e doações financeiras
A elaboração da “Constituição Cidadã” de 1988 reconheceu o papel da sociedade civil e do setor privado no desenvolvimento do País, considerado um marco no 3º Setor. Nesse período, dissemina-se a ideia de cidadãos mais ativos, comprometidos com o espaço público coletivo, e menos uma visão assistencialista. Não por acaso, segundo o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2004), 62% das entidades do setor surgem a partir da década de 1990, como algumas instituições estruturantes para o campo: a Abong – Associação Brasileira das Organizações Não Governamentais, em 1991, o GIFE, Grupo de Fundações de Institutos e Empresas, em 1995, e a ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos, em 1999.
Nesse contexto fértil da década de 1990, com carisma e sabedoria, a então primeira-dama Ruth Cardoso imprime uma visão mais profissional à área social (muito distante da ideia de ’primeiro damismo’). Em 1997, o Programa Voluntários da Comunidade Solidária, presidido por ela, apoiou a criação de 20 Centros de Voluntários pelo País, sendo o primeiro deles na cidade de São Paulo.
Presidido por Milú Villela e onde tive a felicidade de ser voluntária por quase 10 anos, o CVSP – Centro de Voluntariado de São Paulo foi a ponte entre quem queria ser voluntário e as organizações sociais na cidade de São Paulo. Em 20 anos, mais de 211 mil pessoas foram orientadas por palestrantes-voluntários como eu e mais de 1.200 organizações sociais se cadastraram no site do CVSP buscando voluntários.
Entre 2000 e 2006, uma parceria entre o CVSP e o SESI – Serviço Social da Indústria realizou formações sobre Responsabilidade Social Empresarial para 2.868 participantes de todo o estado de São Paulo. Coincidentemente, representando o SESI nessas ações estava minha mãe! O voluntariado sempre foi um valor em nossa família: ainda na década de 1960, minha avó, mãe e tias eram voluntárias na Feira da Bondade, realizada anualmente pela APAE de São Paulo -, e eu sigo transmitindo esse valor aos meus filhos. Apesar de ter começado a me voluntariar no CVSP ainda muito jovem, essa experiência impactou minhas escolhas profissionais e foi transformadora na minha maneira de ver (e estar) o mundo.
A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.
Este artigo integra uma série de conteúdos escritos à convite dos realizadores da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, com intuito de analisar e enriquecer os achados do estudo. Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.
Referências:
CHARITIES AID FOUNDATION. CAF World Giving Index 10th Edition. Charities Aid Foundation, [S. l.], 2011.
IPEA; IBGE. As Fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil: 2002. Rio de Janeiro.
CHARITIES AID FOUNDATION. CAF World Giving Index 10th Edition. Charities Aid Foundation, [S. l.], 2011.
IPEA; IBGE. As Fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil: 2002. Rio de Janeiro.
Tradução da autora: “O trabalho voluntário é uma escola que cria consciência. É o esforço da sociedade e para a sociedade como contribuição individual e coletiva”.