Redes e movimentos de voluntariado Brasil e Mundo

Lorenço Vieira, Voluntário! A prática do voluntariado me fortaleceu, me transformou, me levou para outras realidades, me deu a oportunidade de praticar a minha cidadania e de ser solidário e fraterno.

Em 2001, foi celebrado o Ano Internacional do Voluntário, instituído pela ONU – Organização das Nações Unidas como uma forma de divulgar e estimular o voluntariado em todo o mundo, e ainda mostrar que ser voluntário é uma ferramenta de transformação social. Foi nesse ano, que aos 16 anos, eu percebi que poderia participar e atuar como voluntário, em projetos junto a escola onde estudava ou na minha comunidade. Sempre fui comunicativo e gostei de estar com pessoas. Por meio do meu trabalho voluntário, veio a inspiração para poucos anos depois eu escolher a profissão de comunicólogo e ainda de atuar na área de rádio e TV. 

Dez anos depois, celebramos a Década do Voluntariado, e mais uma vez, uma rede de organizações e projetos do mundo inteiro se reuniram para divulgar suas práticas e ações voluntárias. Nesta ocasião, eu atuava como palestrante-voluntário em um Centro de Voluntariado, fomentando e orientando sobre os primeiros passos para a escolha de uma atividade voluntária. 

No ano de 2021, marcado pela pandemia, uma rede potente e dedicada de ajuda e apoio marca os meus 20 anos de atuação voluntária! Hoje, além das iniciativas pessoais e individuais, atuo junto ao Programa de Voluntariado Corporativo organizado na empresa de telecomunicação onde trabalho! 

A prática do voluntariado me fortaleceu, me transformou, me levou para outras realidades, me deu a oportunidade de praticar a minha cidadania e de ser solidário e fraterno. 

Se por um lado em 2021 nós estávamos isolados, seguimos solidários e atuando nas práticas voluntárias:  costurando e distribuindo máscaras, gravando vídeos de histórias para crianças ou músicas para jovens, mobilizando recursos para pessoas em vulnerabilidades, apoiando e mentorando alunos para não desistirem dos estudos, organizando campanhas para atender os mais vulneráveis, realizando visitas online em abrigos e asilos. Estas e muitas outras ações aconteceram em todas as partes do mundo, reforçando que para o bem não existem barreiras geográficas ou culturais. Voluntários usaram as mídias sociais ou aplicativos de comunicação como ferramenta de mobilização, engajamento e divulgação de suas ações.

Nas últimas duas décadas, os movimentos e redes promotoras do voluntariado facilitaram o encontro de voluntários com causas e projetos, promovendo aprendizados e trocas de experiências ao redor de todo o mundo.

Voluntários tiveram um papel importantíssimo, em 2021, ao mostrar, que apesar de todos os desafios, encontram forma e energia para realizar! As organizações e os movimentos de promoção do voluntariado têm e terão um papel cada vez mais relevante para educar e fortalecer a sociedade para que as ações sejam contínuas, relevantes e realizadas com qualidade e dedicação.

 Promover o voluntariado é como lançar uma pedra no meio de um lago, a onda no começo é pequena, quase imperceptível, mas ela vai se espalhando, com o tempo e ocupa toda superfície do lago!

Inevitavelmente, enfrentaremos novas crises e precisaremos ser cada vez mais perseverantes e criativos, e praticar mais e mais atividades voluntárias!” 

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.

Este artigo integra uma série de conteúdos escritos à convite dos realizadores da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, com intuito de analisar e enriquecer os achados do estudo. Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.

A dimensão ética da cidadania e do voluntariado

Por Reinaldo Bulgarelli, educador, consultor, voluntário, professor, palestrante, autor ou coautor de livros em suas áreas de atuação: direitos humanos, sustentabilidade, responsabilidade social, voluntariado, investimento social, diversidade, equidade e inclusão.

Saber quais são as motivações e causas apontadas pelas próprias pessoas voluntárias é um encontro com a diversidade que nos caracteriza como pessoas e a diversidade de motivações e causas que abraçamos. Mas, e o propósito? É também tão plural quanto as motivações e causas? Neste ponto, precisamos refletir sobre o que é voluntariado.

Utilizo como conceito de voluntariado a seguinte ideia: “A pessoa voluntária transcende sua condição cidadã. Em gesto de total liberdade, por vontade própria, por entender que é fundamental para si e para a comunidade, envolve-se numa ação solidária e transformadora. Para alcançar os objetivos a que se propõe, a pessoa voluntária disponibiliza o seu tempo, seus conhecimentos, seus valores, suas habilidades, sua energia, seus recursos financeiros, para pessoas, situações ou causas que tenham total sintonia com o projeto de humanidade expresso na Declaração dos Direitos Humanos e suas atualizações.”

Escrevi isso no início dos anos 2000, quando estávamos realizando um grande esforço para ampliar a cultura de voluntariado no País. Entendo que conseguimos, apesar do muito que falta para sermos mais voluntários, termos mais ações práticas de voluntariado, mais organizações acolhedoras de voluntários e mais qualidade na intervenção na realidade. É outro tema para o qual muitas pessoas se dedicam.

Um divisor de águas no mundo entre antigas práticas de voluntariado e as atuais, no meu entender, foi a combinação planetária que fizemos, como humanidade, no final dos anos 1990. A ONU – Organização das Nações Unidas nos reuniu, pessoas, organizações e estados, para criarmos e colocarmos em prática as Metas do Milênio. Hoje temos os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, pensando na construção de uma realidade mais digna para todas as pessoas, sem deixar ninguém para trás, até 2030. Nossas motivações pessoais para o voluntariado, que passam por questões religiosas, políticas, visões de mundo das mais variadas, à esquerda ou à direita, encontram nos ODS algo em comum a ser compartilhado.

Ser voluntário, assim, é agir para além do que é esperado de nossa cidadania, da obrigação que temos no dia a dia, em tudo que somos e fazemos, para que esse projeto de mundo, que tem por base direitos humanos, se concretize nos atuais ODS. A direção é uma só e visa garantir que a vida possa se expressar com dignidade num mundo sustentável. A dimensão ética da cidadania e do voluntariado está dada.

Cidadania é a obrigação de perceber-se parte numa rede de relações interdependentes, praticando, beneficiando-se e ampliando direitos que tornam a coletividade melhor. O voluntariado deve ser também prática de cidadania, apesar de ir além do esperado, por olhar o todo, por fazer a parte, mas de olho no mundo melhor que cada gesto está construindo. Se estamos numa rede de relações interdependentes, voluntariado não age para ’tapar buraco‘, fazer porque outros não fazem, fazer para que outros não façam, tudo isso enquanto o mundo melhor não surge de algum milagre. O voluntariado, quando atua na direção do desenvolvimento sustentável, já é o mundo melhor acontecendo!

Na medida em que as pessoas conseguem se articular em torno de uma agenda comum, algo de diferente já está acontecendo. Antes mesmo de transformar a realidade, as pessoas se transformam ao se unirem em torno do bem comum e na colaboração, sabendo que suas ações estão interligadas e compondo um propósito compartilhado de impactar positivamente o mundo. Transformar transformando-se é o que acontece já no primeiro passo de alguém na direção do mundo, para além do próprio umbigo, do projeto de vida individual, do exercício obrigatório da cidadania em todas as relações e dimensões da vida.

Voluntários são, antes de tudo, pessoas que querem resolver as coisas, tirar problemas do caminho para deixar a vida fluir. E a vida é plural e compartilhada. Raramente, vamos encontrar um voluntariado solitário e silencioso. Mesmo quando individual, não é isolado, desarticulado e a comunicação, não o silêncio, é que gera o senso de pertencimento a algo maior. Se a pobreza e a desigualdade chamam mais a atenção de muitas pessoas voluntárias, motivos não faltam para isso, mas a dimensão ética presente nesta visão de trabalhar pelo desenvolvimento sustentável gera a compreensão de que tudo faz sentido. Atuar no campo ambiental, educacional, da ciência, da saúde, das artes e cultura, com gente pobre ou gente rica, é tudo parte do mesmo esforço para tornar o mundo mais sustentável para todas as pessoas.

Quando um valor pessoal não dialoga com a ideia de um mundo melhor para TODAS as pessoas, contrariando o que está no artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos – Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos – há um problema para essa pessoa que quer ser voluntária. Não há voluntariado que não se comprometa com essa combinação básica, estruturante, que fizemos em 1948. Pode ser qualquer tipo de ação, mas não será voluntariado se não respeitar a vida e, assim, todas as pessoas em sua diversidade tão rica e enriquecedora. 

Se a motivação inicial não levava em consideração um propósito tão maior do que o simples gesto de dar o primeiro passo em direção ao mundo, com certeza o que fará ficar, fazer e, mais que isso, dizer-se uma pessoa voluntária. Veja que as pessoas dizem que SÃO voluntárias e não que fazem voluntariado. É a pluralidade de motivações e causas em torno do propósito maior de promover o desenvolvimento sustentável que torna o voluntariado uma prática tão bonita e essencial para o mundo.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.

Este artigo integra uma série de conteúdos escritos à convite dos realizadores da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, com intuito de analisar e enriquecer os achados do estudo. Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e o Voluntariado Empresarial

Por Rafael Medeiros, graduado em Relações Internacionais e mestre em Filosofia. Trabalhou com voluntariado e ativismo entre 2013 e 2021. Atualmente é Head de Pessoas & Cultura na Rede Brasil do Pacto Global.

Tornar-se voluntário é uma decisão pessoal importante. Ela é motivada pelo desejo de apoiar causas e cuidar de outras pessoas, nas mais variadas situações. Esse desejo surge quando uma pessoa se sente intimamente ligada à causa de alguém ou de uma instituição. E, assim, se disponibiliza para contribuir com seu tempo e talento. Historicamente, foi por meio da filantropia que o voluntariado surgiu. No Brasil, seria impossível contar a história das Santas Casas sem falar do papel do voluntariado no apoio ao cuidado das pessoas vulneráveis. 

Nos anos 2000, o voluntariado ganhou novas modalidades. Tornou-se parte da estratégia de instituições globais, governos e empresas privadas. A necessidade de um planeta sustentável produziu um novo contexto cultural, econômico e político. O voluntariado deu um passo à frente: para além da filantropia, passou a ser considerado um meio de implementação da sustentabilidade no mundo. 

Em 2015, países e empresas se comprometeram com os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Eles formam a Agenda 2030, uma política global baseada no voluntarismo de chefes de Estado e de governo, juntamente com empresas e ONGs, para realizar impacto social mensurável em diversas áreas: desde a redução da pobreza, equidade de gênero, passando pelas questões climáticas e de anticorrupção. No componente de pessoas dessa política global, o voluntariado é altamente estratégico.

O desafio de ser um meio de implementação da Agenda 2030 é grande. Traz aos programas de voluntariado a necessidade de estarem alinhados com o maior valor social possível, contribuindo com os ODS de forma tática. Em outras palavras: significa direcionar o voluntariado para impactar as metas certas, de maior impacto.

As empresas têm um papel fundamental nesse desafio. A pandemia da covid-19 pressionou os números da pobreza, da desigualdade e da injustiça no mundo. E também mostrou a fragilidade de sistemas políticos para lidar, ao mesmo tempo, com a vulnerabilidade da vida e a manutenção de direitos democráticos. No Brasil, as empresas recuperaram a força da filantropia no auge da pandemia, realizando doações em larga escala e colaborando com ONGs localmente. Muitos programas de voluntariado corporativo se adaptaram, continuando suas atividades em diversas comunidades. 

Esse episódio demonstrou que as empresas possuem alta capacidade de acelerar impactos sociais em momentos de crise. Essa capacidade de aceleração deve estar à serviço da Agenda 2030, mesmo depois da pandemia. O voluntariado corporativo é um meio disponível para essa aceleração, um implementador do componente social do negócio. 

Em 2022, o melhor dos mundos, literalmente falando, será com as organizações se comprometendo publicamente com metas ODS mais ambiciosas, já que a pandemia piorou o contexto socioambiental no Brasil e no mundo.

A escolha por um ODS é pautada na capacidade de medir o resultado que importa, isto é, escolher o ODS certo, e saber como impactar a partir do core business. Já que as organizações investem cada vez mais em programas de voluntariado corporativo, cada vez mais robustos, com pessoas capacitadas para mobilizar outras, assim como estratégias e metas permanentes, por meio desses programas totalmente alinhados, teremos empresas e pessoas que podem acelerar e impactar positivamente a Agenda 2030.

Redes e movimentos de voluntariado no Brasil e Mundo

Por Andréa Martini Pineda, pesquisadora no Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (CEAPG) da EAESP-FGV e doutoranda em Administração Pública e Governo na Fundação Getúlio Vargas.

Voluntariado: do bem individual para o bem coletivo! A frase com que Che Guevara definiu o trabalho voluntário está imortalizada em um monumento de Havana, Cuba, e é um lembrete à população: “el trabajo voluntario es una escuela creadora de conciencia, es el esfuerzo realizado por la sociedad y para la sociedad como un aporte individual y colectivo”. Seja por motivações religiosas ou culturais – como em países anglo-saxões, onde a tradição filantrópica é bastante enraizada – em todo o mundo, um em cada cinco adultos se voluntariou ao longo da última década (Charities Aid Foundation, 2011). 

No Brasil, a filantropia existe desde a colonização portuguesa, com a ação voluntária sempre associada à caridade e ao assistencialismo. Apenas a partir da década de 1980, as organizações sociais ampliaram sua atuação como produto dos movimentos sociais surgidos durante e após a ditadura militar (1964 – 1985). 

Desta forma, olhando a história dos últimos 30 anos de voluntariado no Brasil, identifico quatro ‘ciclos de solidariedade’: um primeiro iniciado em meados da década de 1990, após a elaboração da Constituição Federal; um segundo bem demarcado em 2001, com o Ano Internacional do Voluntário; um terceiro na década passada, considerada ‘a Década do Voluntariado’; e, finalmente, o que estamos vivendo desde o início da Pandemia da covid-19, com a mobilização e ações voluntárias no campo da saúde e doações financeiras

A elaboração da “Constituição Cidadã” de 1988 reconheceu o papel da sociedade civil e do setor privado no desenvolvimento do País, considerado um marco no 3º Setor. Nesse período, dissemina-se a ideia de cidadãos mais ativos, comprometidos com o espaço público coletivo, e menos uma visão assistencialista. Não por acaso, segundo o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2004), 62% das entidades do setor surgem a partir da década de 1990, como algumas instituições estruturantes para o campo: a Abong – Associação Brasileira das Organizações Não Governamentais, em 1991, o GIFE, Grupo de Fundações de Institutos e Empresas, em 1995, e a ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos, em 1999.

Nesse contexto fértil da década de 1990, com carisma e sabedoria, a então primeira-dama Ruth Cardoso imprime uma visão mais profissional à área social (muito distante da ideia de ’primeiro damismo’). Em 1997, o Programa Voluntários da Comunidade Solidária, presidido por ela, apoiou a criação de 20 Centros de Voluntários pelo País, sendo o primeiro deles na cidade de São Paulo. 

Presidido por Milú Villela e onde tive a felicidade de ser voluntária por quase 10 anos, o CVSP – Centro de Voluntariado de São Paulo foi a ponte entre quem queria ser voluntário e as organizações sociais na cidade de São Paulo. Em 20 anos, mais de 211 mil pessoas foram orientadas por palestrantes-voluntários como eu e mais de 1.200 organizações sociais se cadastraram no site do CVSP buscando voluntários. 

Entre 2000 e 2006, uma parceria entre o CVSP e o SESI – Serviço Social da Indústria realizou formações sobre Responsabilidade Social Empresarial para 2.868 participantes de todo o estado de São Paulo. Coincidentemente, representando o SESI nessas ações estava minha mãe! O voluntariado sempre foi um valor em nossa família: ainda na década de 1960, minha avó, mãe e tias eram voluntárias na Feira da Bondade, realizada anualmente pela APAE de São Paulo -, e eu sigo transmitindo esse valor aos meus filhos. Apesar de ter começado a me voluntariar no CVSP ainda muito jovem, essa experiência impactou minhas escolhas profissionais e foi transformadora na minha maneira de ver (e estar) o mundo. 

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.

Este artigo integra uma série de conteúdos escritos à convite dos realizadores da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, com intuito de analisar e enriquecer os achados do estudo. Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.

Referências:

CHARITIES AID FOUNDATION. CAF World Giving Index 10th Edition. Charities Aid Foundation, [S. l.], 2011. 

IPEA; IBGE. As Fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil: 2002. Rio de Janeiro. 

CHARITIES AID FOUNDATION. CAF World Giving Index 10th Edition. Charities Aid Foundation, [S. l.], 2011. 

IPEA; IBGE. As Fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil: 2002. Rio de Janeiro. 

 Tradução da autora: “O trabalho voluntário é uma escola que cria consciência. É o esforço da sociedade e para a sociedade como contribuição individual e coletiva”.

Tutela e emancipação: dois caminhos para o Voluntariado

Por Bruno Barcelos, consultor em projetos nas áreas de ESG – Environmental, Social and Governance (em português Ambiental, Social e Governança), Sustentabilidade, Investimento Social Privado e Voluntariado para iniciativas privadas e públicas do Brasil e Portugal.

O voluntariado cruza-se com vários conceitos, dentre eles a caridade, a assistência, as doações e outros cuja relação aprofundei na minha dissertação de mestrado. Contudo, das palavras que cercam o voluntariado, apenas uma não pode estar de fora: ação. Depois disso, há que se cuidar na relação do voluntariado para fins de tutela ou emancipação dos envolvidos, com a atenção de que a tutela pode ter mais a ver com a manutenção das desigualdades estruturais do que com a sua resolução. 

As bases coloniais influenciaram a constituição conceitual e prática da caridade institucional no Brasil. A revisão historiográfica permite identificar a chegada das ordens religiosas com a finalidade colonial, portando consigo os valores a serem implantados, com ou sem consentimento das populações originais, que de protagonistas do seu território precisaram estabelecer novas relações sociais junto aos viajantes, e identificadas como pessoas assistidas, analfabetas, com necessidade de ensino e catequese, e pobres em moral e cultura, sob o discurso dos que invadiam. 

A pauta civilizadora era tal que, ao buscar fincar no novo mundo uma réplica dos seus modelos de gestão monárquica, eclesiástica e comercial, foi necessário também trazer consigo as irmandades que cuidariam dos efeitos colaterais da sua própria ação: os modelos urbanos e sociais que implementavam à maneira da metrópole, carregavam a pobreza, doenças, a peste, e sistemas desiguais que demandavam a assistência aos vulneráveis e doentes, executadas principalmente pelas Santas Casas de Misericórdia. 

A partir daí, o modelo de assistência social varia conforme os padrões de gestão do Estado, influenciado pelas variações na relação do governo com a igreja. Basicamente, tornava o doador um cidadão virtuoso perante as instituições que integrava, e isso carregou o conceito de voluntariado com características que até hoje vigoram. Sendo a caridade mais ligada à benevolência da igreja e a filantropia à sociedade civil. 

Portanto, o termo caridade, apesar de originalmente significar ’amor‘, cresceu ligado à noção de ’desvalido‘. Ou seja, os atos de caridade, seriam destinados a aqueles que são desprotegidos por ’paternidade‘ – ou paternalismo. E podemos reparar até hoje que a figura do coitado desvalido é tão desempoderada e, ao mesmo tempo, utilitária, que, nessa lógica, aos ricos pedir esmola em sua função ’era‘ considerado virtuoso. Dito isso, a figura utilitária do pobre para salvação dos ricos é uma equação comum na concepção de caridade, e é importante ter isso no radar ao aplicar esse termo: a ação de voluntariado que se pratica coloca doador e recebedor em posição de igualdade ou é um exercício enobrecedor do doador? 

Remetendo a Dilene Nascimento: “a filantropia pode ser explicada, grosso modo, como a laicização da caridade cristã, ocorrida a partir do século XVIII, e que teve nos filósofos das luzes seus maiores propagandistas.” Provavelmente, uma diferença entre esses dois conceitos seja que a filantropia pode conceder ao doador maior protagonismo do seu ato, em relação ao donatário, conferindo utilidade a publicitação das suas obras, para fins de destaque social e intercâmbio de ideias. Felizmente, no Brasil, a Filantropia junto ao Investimento Social Privado evolui para práticas estruturantes que buscam a emancipação e o impacto. 

Por fim, uma palavra transversal aí tem sido a doação, e mais profícuo que problematizá-la é enquadrá-la como ação necessária, pontualmente, como uma ferramenta das relações de voluntariado de continuidade. Com a doação é possível alcançar grandes números de engajamento e benefício, e ela é, muitas vezes, uma porta de entrada para o voluntariado transformador. 

O consenso é que: doação, filantropia, caridade e voluntariado, são termos que coexistem e farão muito se apontarem para uma dinâmica social libertadora. 

Referências:
NASCIMENTO, Dilene Raimundo. Liga Brasileira contra a Tuberculose: um século de luta. Fundação Ataulpho de Paiva — Rio de Janeiro, Quadratim/FAPERJ, 2001, 156p.