Dilema de horizontes: curto versus longo prazo na gestão de fundos patrimoniais

por Diego Martins, sócio da Pragma Gestão de Patrimônio

Desde as primeiras discussões sobre a criação deste Anuário, ainda em 2021, já havia a expectativa de que o tempo seria seu melhor companheiro. Não só pelo aumento natural das séries de dados observados, mas também por se tornar um testemunho da evolução do ecossistema de fundos patrimoniais brasileiros. Quatro anos depois, os resultados apresentados nesta publicação falam por si só: houve um sensível incremento de 40 para 92 fundos reportados, cobrindo um patrimônio total de R$ 139 bilhões (ante R$ 12 bilhões em 2021) e, o mais importante, foram mapeados R$ 2,8 bilhões em recursos gerados pelos fundos patrimoniais, contra R$ 338 milhões no anuário de 2021.

No entanto, no que tange à alocação de ativos, nota-se pouca evolução desde o início da série histórica em 2019. Ainda que na divisão por faixas de patrimônio se observe alguma variabilidade (o que pode ser efeito do recorte de amostras menores, que admitem a entrada de novos pontos no tempo), no agregado, os portfólios têm se mantido em torno de 80% alocados em renda fixa brasileira (entre 20% e 30% alocados em ativos pós-fixados). Portanto, trata-se ainda de carteiras muito pouco diversificadas.

Para ser justo com os dados, é possível argumentar que houve alguma variabilidade de alocação ao longo da série – notadamente em 2020 e 2021, com um incremento na alocação em renda variável doméstica. Entretanto, tratou-se de um movimento com vida curta e de característica cíclica, dado o ambiente de juros muito baixos e a boa performance da bolsa. Logo, um comportamento antagônico ao que se esperaria para um endowment que, dado seu horizonte alongado, tem maior tolerância estrutural a riscos e capacidade de ser contracíclico.

É compreensível que fundos patrimoniais menores ou nascentes tenham uma alocação menos sofisticada e concentrada em ativos de renda fixa, basicamente por questões operacionais ou de custos. Todavia, a alocação preponderante em renda fixa é observada em todas as faixas de patrimônio – mesmo na faixa mais alta (acima de R$ 500 milhões), sabidamente influenciada por organizações que detêm mais ações, devido a questões históricas de dotação inicial.

O nível elevado de juros nominais e reais pagos por títulos públicos brasileiros também é frequentemente evocado como justificativa para a alocação massiva em renda fixa local. De fato, em um ambiente de juros reais positivos, iguais ou acima da meta de retorno de muitos fundos patrimoniais, é de se esperar uma alocação estrutural em renda fixa mais elevada do que a observada em endowments internacionais. Contudo, não se pode perder de vista que não há “almoço grátis” no mercado financeiro, e que juros altos andam de mãos dadas com riscos elevados. Aliás, se há um almoço grátis nos mercados, como preconizava Harry Markowitz, ele é a diversificação de ativos, e não a concentração quase absoluta em um único fator de risco.

Ao mesmo tempo, ter alocações elevadas em renda fixa é uma posição confortável para os gestores de fundos patrimoniais. Afinal, ela maximiza as chances de se atingir metas de retorno real em um horizonte mais curto, com menos risco de mercado. Mas não deixa de se expor a vários outros riscos, como o risco de reinvestimento dos papéis que vencem no tempo e, por que não, o risco de repactuação de dívidas ou default. Mesmo os ativos pós-fixados carregam a incerteza de gerar ganhos reais (como foi o caso recente no período de 2020 a 2022, quando o CDI auferiu retornos reais negativos). Todos esses riscos se tornam mais evidentes em janelas mais dilatadas de tempo – justamente as que são relevantes para o horizonte perpétuo de investimento de um endowment.

Esse conflito não é novo, tendo já sido abordado por Charles Ellis em um artigo intitulado “O Paradoxo”[1], na década de 80. Nele, Ellis aponta para um paradoxo existente em investidores com horizonte de longo prazo, mas que tendem a otimizar objetivos de curto prazo. Ele chega à conclusão de que, no caso de investidores institucionais, tem-se uma situação particular de conflito de agência, na qual não há um principal, somente agentes. Isso porque pools de capital filantrópico geralmente não possuem um “dono” explícito, apenas agentes que compõem seus órgãos de governança e que administram os recursos em nome da organização.

Além disso, os membros desses órgãos de governança são geralmente voluntários que, naturalmente, buscam minimizar o seu risco reputacional individual. Soma-se ainda o fato de que, muitas vezes, seus mandatos são curtos (de dois ou três anos) quando comparados ao horizonte de investimento alongado de um fundo patrimonial.

Assim, segundo Ellis, a ausência de um “dono”, a minimização de riscos reputacionais, e a falta de alinhamento entre os horizontes de mandatos e decisões de investimento explicam o curto-prazismo na gestão de recursos institucionais. Nessas condições, os agentes não otimizam os objetivos de longo prazo; eles tendem a assumir uma postura mais defensiva, buscando retornos satisfatórios enquanto evitam assumir posições menos convencionais.

Dado esse diagnóstico, algumas medidas podem ser tomadas pelas organizações filantrópicas para mitigar esses efeitos. A primeira delas é ter uma política de investimentos robusta, por se tratar do documento que norteará o comitê de investimentos na sua tomada de decisões. Logo, ela deve ser explicitamente orientada para o longo prazo em seus objetivos, possibilidades de investimento e mensuração de sucesso. Também deve contemplar claramente os riscos que o fundo patrimonial não pode suportar, assim como deve dar clareza aos riscos que o portfólio pode assumir, evidenciando o custo de oportunidade que existe quando um risco tolerável não é incorrido.

Outra medida relevante é a definição de uma regra de resgates adequada às necessidades da causa apoiada. Uma regra mal calibrada pode propagar a volatilidade de curto prazo dos investimentos (altamente tolerável por portfólios de longo prazo) para o orçamento anual da organização, gerando uma pressão interna por alocações mais conservadoras. Apesar de ser um problema relativamente novo para a realidade brasileira, endowments norte-americanos já endereçaram esse dilema há quase 50 anos, com a adoção de regras de resgate suavizadas (como a conhecida “regra de Yale”).

Uma última iniciativa considerável consiste em promover maior alinhamento entre o horizonte de investimento do fundo patrimonial e os mandatos de seus decisores. Frequentemente, diretores de investimento de endowments de renome atribuem parte de seu êxito à existência de comitês de investimento longevos, estáveis e coesos. Para tanto, uma medida prática possível é a de alongar o mandato dos membros do comitê ou permitir reconduções indefinidas para a posição. Indo além, a qualidade da composição do comitê é crucial para o seu sucesso. Seus membros devem não só ter competências complementares, mas também capacidade de tomar riscos toleráveis e postura contracíclica.

Por fim, é importante reforçar que os membros da governança de um fundo patrimonial têm um dever fiduciário para com ele. E tal dever não se limita tão somente a não correr riscos intoleráveis pelo fundo. Ele também se estende à obrigação de fazer a melhor aplicação possível do seu capital, buscando o melhor retorno de longo prazo através do uso dos fatores de risco aceitáveis. Afinal, se por um lado o comitê de investimentos precisa evitar perdas permanentes de capital, por outro, também deve estar atento ao custo de oportunidade de não assumir riscos que seriam toleráveis.

[1] ELLIS, Charles D. The Paradox. In: ELLIS, Charles D.; VERTIN, James R. (Ed.). Classics – An Investor’s Anthology. Homewood, Ill: Business One Irwin, 1989. p. 681–688.

A profissionalização da gestão financeira de endowments: perspectivas para a perenidade institucional

Por Fernanda Camargo, sócia-fundadora, e Cristiane Parisi, sócia, ambas da Wright Capital

Fundos patrimoniais são estruturados para garantir a sustentabilidade financeira de instituições sem fins lucrativos. Com gestão e governança de longo prazo, visam preservar o patrimônio e aplicar seus rendimentos em projetos alinhados à missão institucional. Essa estrutura reduz a dependência de arrecadações pontuais e protege a organização em cenários adversos. Contudo, a consolidação desses fundos no Brasil depende, cada vez mais, da adoção de práticas de gestão financeira profissionais e orientadas ao longo prazo.

Em 2002, o livro Pioneering Portfolio Management, de David Swensen (SWENSEN, 2009), gestor do endowment de Yale, marcou o início de nossa atuação com gestão patrimonial, destacando a importância de portfólios diversificados e resilientes a ciclos econômicos. Naquela época, o mercado de capitais no Brasil ainda era restrito e não se falava de longo prazo – estávamos saindo de um cenário de juros e inflação muito altos.

Desde então, avanços significativos fortaleceram a filantropia estruturada no Brasil. O IDIS, atuando desde 2011 nesse tema, conseguiu a promulgação da Lei nº 13.800 em janeiro de 2019, que regulamenta os fundos patrimoniais. Entre outras conquistas, destacam-se a isenção do ITCMD para doações a fundos vinculados a instituições qualificadas como OSCIP ou fundações de direito privado, e o reconhecimento da imunidade do IBS e do CBS para entidades sem fins lucrativos nas áreas de educação e assistência social, mesmo sem o CEBAS — embora essa imunidade não se aplique a todas as causas.

Gestão profissionalizada, alocação de ativos e horizonte de longo prazo

Mesmo com todo o arcabouço normativo, a profissionalização – entendida como a combinação de governança robusta, estratégia de investimentos com abordagem atuarial, operação diligente e transparência – é o fator que converte boas intenções em resultados duradouros (SWENSEN, 2009; MAGINN et al., 2016). O objetivo é preservar o patrimônio do fundo no longo prazo, preservando seu valor corrigido pela inflação, e usar um percentual (spending rate) para custear projetos sociais.

É dessa perspectiva que a técnica atuarial de Asset Liability Management (ALM) ganha relevância. Ela consiste em alinhar os ativos financeiros com os compromissos futuros da instituição, garantindo que os recursos estejam disponíveis para cumprir sua missão ao longo do tempo. Essa abordagem permite preservar o valor do patrimônio corrigido pela inflação e definir uma taxa de resgate para financiar projetos sociais, com flexibilidade em anos específicos.

Embora muitos fundos ajustem diariamente o valor de mercado de seus ativos com base em fórmulas como a divisão dos fluxos de caixa fixos e permanentes pela taxa de desconto, essa prática isolada pode levar a decisões que não consideram os compromissos futuros da organização.

No Brasil, onde as taxas de juros são historicamente elevadas, é comum que os comitês de investimento priorizem alocações consideradas de “baixo risco”, baseadas em análises de curto prazo. Esse comportamento pode gerar um paradoxo: para garantir que o fundo cumpra sua missão, seria necessário investir em ativos de longo prazo, que naturalmente apresentam maiores oscilações. A solução está em integrar os compromissos futuros – o chamado “passivo” – na análise de risco da carteira, utilizando o valor de mercado desses fluxos de caixa descontados como referência. Essa abordagem, amplamente adotada internacionalmente, permite que o fundo maximize suas chances de sucesso e reforce o papel estratégico do ALM na gestão de recursos de longo prazo.

A literatura internacional é também cristalina ao recomendar a formulação de uma meta de retorno real (acima da inflação) capaz de sustentar os gastos com a missão e os custos, preservando o principal em horizontes multigeracionais (SWENSEN, 2009; HARVARD MANAGEMENT COMPANY, 2023; YALE INVESTMENTS OFFICE, 2023). Essa meta, normalmente expressa como “inflação + spending + custos”, oferece a régua de coerência entre o que se promete à missão e o que se exige da carteira.

Embora coerente com a preferência por segurança e liquidez, concentração em renda fixa, por sua vez, sobretudo em ativos atrelados à inflação (NTN‑Bs) e ao CDI, limita o potencial de crescimento real e pode aumentar o risco de descasamento entre obrigações de gastos e retornos futuros, notadamente em ambientes de mudança estrutural de juros e inflação (YALE INVESTMENTS OFFICE, 2023; HARVARD MANAGEMENT COMPANY, 2023), o que reforça a necessidade de disciplina e realismo nas premissas.

A literatura corrobora que endowments resilientes tendem a combinar segurança de curto prazo com diversificação estrutural em classes de ativos e geografias (quando aplicável), inserindo ativos reais (imóveis) e alternativos (como fundos de Private Equity) sob regras estritas de governança e liquidez, e amparados por mecanismos de suavização de gastos, como médias móveis (SWENSEN, 2009; GOETZMANN; OSTER, 2004). Tal arquitetura reduz a pró‑ciclicidade e protege a missão ao longo de choques.

Evidências brasileiras indicam que a cultura de planejamento dos fundos patrimoniais ainda está em fase de consolidação. Segundo o Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais 2024, realizado pelo  IDIS, 53% dos fundos pesquisados não possuem metas formais de rentabilidade. A ausência de metas tende a refletir estruturas de gestão incipientes, lacunas de conhecimento técnico em alocação e priorização de segurança e liquidez em detrimento de retorno, traços típicos de setores em fase inicial de institucionalização. Na prática, metas objetivas são a base para políticas de alocação, para o desenho de benchmarks e para a prestação de contas a conselhos, doadores e beneficiários (NACUBO, 2024; MAGINN et al., 2016).

Inferências sobre maturidade setorial e o papel dos dados

A maturidade de um fundo patrimonial está diretamente ligada à capacidade de transformar princípios em processos estruturados, auditáveis e orientados por dados.

No Brasil, gestoras independentes como a Wright Capital têm se destacado ao substituir práticas personalistas por governança técnica, com comitês de investimento qualificados e rotinas de monitoramento baseadas em evidências. O ciclo virtuoso começa com um diagnóstico honesto da governança e do portfólio, avança para a formulação de políticas claras (investimento, risco, ESG, conflitos de interesse e spending rate) e culmina em relatórios que traduzem rentabilidade, risco e liquidez em linguagem acessível para conselhos deliberativos, possibilitando a tomada de decisão disciplinada e evitando reações impulsivas a oscilações de mercado.

É esse modus operandi orientado por evidências que distingue endowments maduros e é reiteradamente documentado por referências internacionais (NACUBO, 2024; MAGINN et al., 2016; KOCHARD; RITTEREISER, 2008).

Desafios: metas, formalização e concentração

Os dados do Anuário trazem três alertas com implicações práticas:  ausência de metas atuariais explícitas, como mencionado anteriormente, baixa formalização de processos e alta concentração dos portfólios em renda fixa.

A baixa formalização de processos internos e o foco excessivo na operação comprometem o planejamento estratégico dos fundos patrimoniais, enfraquecendo o papel dos conselhos e dificultando a captação de doações relevantes (IDIS, 2024). Para superar esse cenário, é essencial adotar uma governança robusta, com conselhos deliberativos, comitês técnicos independentes, mandatos claros e políticas formais que definam limites e formas de monitoramento. A estrutura ideal inclui a separação entre fundo operacional (despesas correntes) e fundo patrimonial (preservação de longo prazo), além da definição do spending rate.

Conclusão

A profissionalização da gestão de endowments deixou de ser um ideal aspiracional e tornou-se uma exigência para a perenidade institucional. Os dados do IDIS revelam um campo em amadurecimento, ainda marcado pela ausência de metas claras, concentração excessiva em renda fixa e baixa formalização de processos. A resposta está na adoção disciplinada de governança estruturada, metas atuariais, uso intensivo de dados e políticas que transformem estratégia em rotina. A experiência internacional e os aprendizados práticos de gestores independentes mostram que instituições que seguem esse caminho aumentam sua capacidade de captação, reduzem riscos e cumprem sua missão com legitimidade. Em um cenário de recursos escassos e crescente escrutínio, profissionalizar não é opcional – é a condição econômica da missão.

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Referências (ABNT)

CFA INSTITUTE; MAGINN, John L.; TUTTLE, Donald L.; PINTO, Jerald E.; McLEAVEY, Dennis W. Managing Investment Portfolios: A Dynamic Process. 4. ed. Hoboken: Wiley; CFA Institute, 2016.

CVM – COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Resolução CVM nº 175, de 23 de dezembro de 2022 (consolidada em 2023). Dispõe sobre os fundos de investimento. Rio de Janeiro: CVM, 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/cvm>. Acesso em: 20 out. 2025.

GOETZMANN, William N.; OSTER, Christopher R. Endowment Asset Management: Investment Strategies in Oxford and Cambridge Colleges. Oxford: Oxford University Press, 2004.

HARVARD MANAGEMENT COMPANY. Annual Report 2023. Cambridge, MA: Harvard University, 2023. Disponível em: <https://www.hmc.harvard.edu>. Acesso em: 20 out. 2025.

IDIS – INSTITUTO PARA O DESENVOLVIMENTO DO INVESTIMENTO SOCIAL. Censo de Fundos Patrimoniais no Brasil: 2024. São Paulo: IDIS, 2024. Disponível em: <https://www.Idis.org.br>. Acesso em: 20 out. 2025.

KOCHARD, Lawrence E.; RITTEREISER, Cathleen M. Foundation and Endowment Investing: Philosophies, Strategies, and Returns of Top Investors. Hoboken: John Wiley & Sons, 2008.

NACUBO – NATIONAL ASSOCIATION OF COLLEGE AND UNIVERSITY BUSINESS OFFICERS; TIAA. NACUBO‑TIAA Study of Endowments (NCSE) 2023–2024. Washington, DC: NACUBO, 2024. Disponível em: <https://www.nacubo.org>. Acesso em: 20 out. 2025.

SWENSEN, David F. Pioneering Portfolio Management: Institutional Investment and Endowment Management. New York: Free Press, 2009.

YALE INVESTMENTS OFFICE. Endowment Update 2023. New Haven, CT: Yale University, 2023. Disponível em: <https://investments.yale.edu>. Acesso em: 20 out. 2025.