Doação ainda não é tratada como tema relevante no Brasil, diz Carol Civita

A necessidade de doar para entidades sociais é assunto ignorado no Brasil, avalia a investidora social Carol Civita, conselheira de uma das principais instituições sociais familiares do país, a Fundação Victor Civita, ligada a educação. “A cultura de doação não é uma coisa da qual se fala. Não é assunto em sala de aula, em rodas sociais. Não é uma questão falada, a não ser entre os poucos players que já fazem doação”, afirma ela em entrevista ao site do IDIS.

Entre os obstáculos para tal cultura se disseminar está o fato de que poucos doadores divulgarem que doam. “Quando as pessoas começarem a expor o que fazem, os outros vão entender.” O investimento social privado, no entanto, não depende apenas dos doadores, mas também das entidades, que, muitas vezes, falham na captação. Um dos erros, segundo Carol, é basear a captação em projetos. “Isso de uma organização sair fazendo projeto para conseguir captar é um desperdício e um desespero. Quero que o doador veja o que eu já fiz, e não aquilo que eu vou fazer.”

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

 

IDIS: Como você vê o ambiente para o investimento social privado no Brasil?

Carol Civita: Temos alguns players, e continuam sendo os mesmos há bastante tempo. São muito poucas as pessoas engajadas em fazer doações, ou em se modernizar e fazer um endowment, ou se organizar com uma filantropia focada e direcionada. Continuamos com assistencialismo, caridade, mas muito pouco de doação organizada e focada. São sempre os mesmos players.

IDIS: Por que há esta limitação, a manutenção dos mesmos, sem a entrada de novas pessoas no mundo do investimento social privado?

Carol Civita: Muita gente diz que é porque o campo não é propício para a doação. Você pode, sim, alegar que não existem benefícios estabelecidos em leis. Mas eu não acredito que seja por isso. É muito mais uma questão cultural. Ainda não existe cultura da doação. Em outros países, a questão da doação – e eu não digo apenas financeira, mas também pessoal, o voluntariado, o engajamento com alguma causa – vem desde criança. Há escolas na Europa e nos Estados Unidos nas quais o serviço comunitário é obrigatório. Nós estamos muito longe disso. Não acho que temos de ter serviço comunitário obrigatório nas escolas, mas a cultura de doação não é uma coisa da qual se fala. Não é assunto em sala de aula, em rodas sociais. Não é uma questão falada, a não ser entre os poucos players que já fazem doação e que falam entre si.

IDIS: Existe um receio dos grandes players de exporem suas doações, de se colocarem como exemplo do investimento social privado para atraírem outras pessoas?

Carol Civita: Muita gente confunde a exposição com vaidade, e as pessoas não gostam de se mostrar dessa maneira. Se as pessoas não começarem a expor aquilo que fazem, fica difícil ter escala e seguir exemplos. Quando as pessoas começarem a expor o que fazem, os outros vão entender. Todo mundo quer fazer parte de um time que está ganhando. Se vejo que uma doação ou algum movimento em prol de uma causa está surtindo efeito, vou querer fazer parte disso. Agora, se eu for pensar sempre num projeto, num futuro, numa coisa que pode vir a acontecer, não me sinto tão empolgada com a história. A gente se empolga muito vendo os resultados. As pessoas podem ter receio do fisco, de ser mal interpretadas com as suas doações, mas tudo depende do seu ativismo e do seu discurso. Se tiver medo, não faz nada, porque tudo pode ter várias interpretações.

IDIS: Também falta às organizações “saber pedir”?

Carol Civita: Sem dúvida alguma. Vai cair uma enxurrada de críticas no que eu vou dizer: eu não acredito em projeto. Toda organização foi um projeto que se concretizou e se viabilizou. Isso de uma organização sair fazendo projeto para conseguir captar é um desperdício e um desespero. Quero que o doador veja o que eu já fiz, e não aquilo que eu vou fazer. É muito complicado dizer o que se vai fazer, pois se está oferecendo para a pessoa comprar uma promessa, uma possibilidade. Hoje, o grande problema está nos projetos, especialmente aqueles feitos para agradar ao doador, e não necessariamente para beneficiar a instituição. Outra coisa: pedir não é vergonha. Temos no Brasil a questão de que aquele que está pedindo é um necessitado. Não, aquele que está pedindo é uma pessoa que está vislumbrando melhorias, não está necessitado.

IDIS: Além dos exemplos, que outras iniciativas poderiam ajudar a despertar a cultura de doação no Brasil?

Carol Civita: Muitas vezes, as pessoas captam recursos com dados, números, projetos, mas não envolvem o doador. Conhecer a causa que você abraça é fundamental. O que te move? Pelo que você quer ser lembrado? Qual o seu legado? Tenho muito medo das doações esporádicas e não focadas. A pessoa que doa uma vez para a saúde, depois para educação, outra para o meio ambiente acaba não se envolvendo com a causa. Cedo ou tarde ela para de ser uma doadora. É fundamental conhecer sua causa e ficar com ela, pelo menos por um bom tempo. Mesmo porque, dentro de famílias, quando se abraça uma causa deixa-se para os filhos e para as próximas gerações um legado de ativismo naquilo em que você acredita.

IDIS: Qual seria a diferença entre fazer investimento social como família e pela empresa da família?

Carol Civita: Se você atrela a doação à empresa, ela fatalmente vai ter outro sabor, o de estar ligada ao negócio, e não à causa da família. Quando consegue sentar para conversar sobre a doação como família, você raramente traz à tona algum assunto da empresa. Como empresa, fatalmente alguma coisa vai acontecer: estamos com problemas de caixa nesse mês, não podemos nos envolver nisso porque não combina com a linha de pensamento da empresa. Doar como família é uma excelente razão para juntar os familiares. Assim que as gerações vão passando, os membros vão aumentando, e isso faz com que cada vez menos eles se encontrem. Mas, se eles se encontrarem por uma causa, por uma paixão em comum, a vontade de ir ao encontro familiar é muito maior.

Doação de Legado Ainda Engatinha no Brasil

Mesmo trágica, a morte ainda dá uma última oportunidade de fazer o bem: o legado – parte da herança que pode ser destinada, por meio de testamento, da forma que o indivíduo achar melhor. A prática de deixar os recursos para alguma organização da sociedade civil (OSCs) é comum em alguns países desenvolvidos, mas pouco difundida por aqui.

“Na Inglaterra, tem crescido a captação de recursos por meio do legado, já no Brasil não existem muitas experiências”, disse o gestor de captação de recursos da ActionAid, Bruno Benjamim, durante a palestra “Captação de recursos via legado: é possível?”. O debate foi organizado pela ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos durante a ONG Brasil, evento de responsabilidade social que aconteceu na Expo Center Norte, em São Paulo, entre 28 e 30 de novembro.

Apenas em 2011, a doação via legado chegou a £ 1,1 bilhão no Reino Unido, segundo a Charities Aid Foundation (CAF). A própria ActionAid, entidade britânica de combate à pobreza presente em várias nações, capta parte de seus recursos dessa maneira, segundo Benjamim. E não só na Inglaterra, mas também na Itália, Holanda e Austrália. “No Brasil, já fomos procurados por dois doadores, mas não sabemos como agir, estamos consultando nosso corpo jurídico”, disse Benjamim.

A questão no Brasil ainda é anterior ao financiamento pelo legado. “A grande dificuldade das OSCs é conseguir doadores”, afirmou o especialista em arrecadação de recursos e fundador do Instituto Doar, Marcelo Estraviz. Ele apresentou uma pirâmide de como se constrói a relação com doadores: começa com doações esporádicas e tem, no topo, a doação do legado.

O tempo, portanto, é um fator fundamental para que uma pessoa deixe a uma OSC parte de sua herança. “Depois de uma relação de cinco, dez anos, começa a se falar de legado”, disse Estraviz: “Na Espanha, assim como no Brasil, não existe uma cultura de escrever testamentos, mas eles estão fazendo campanhas para que as pessoas escrevam e deixem legados”.

Outro fator que atrai doações de herança, principalmente na área da saúde, é o envolvimento pessoal com a causa. Isso, segundo Benjamim, é o que justifica a organização britânica Cancer Research UK ter recebido, em 2011, legados num valor total de £ 148,9 milhões (mais de 500 milhões de reais). No mesmo ano, outra instituição da área de saúde também levantou cifras milionárias com legado: o British Heart Foundation recebeu £ 54,9 milhões (190 milhões de reais) . “As pessoas que doam têm alguma relação familiar com a causa, por isso, saúde leva muito”, apontou.

Toda essa fortuna, no entanto, não vem de uma postura passiva dessas organizações. “A Cancer Research UK gastou £ 7 milhões (R$ 25 mi) em campanhas”, ressaltou o representante da ActionAid.

O Brasil, com 165 mil milionários, segundo a Forbes, tem grande potencial para crescer na arrecadação de legados, na avaliação de Benjamim. Muitas Santas Casas no país receberam, durante sua história, patrimônios deixados por pessoas no testamento – o que mostra o padrão de doar para a área de saúde também tem força por aqui.

A legislação brasileira permite que se deixe para a posteridade 50% da herança – a outra metade tem de ser, obrigatoriamente, distribuída para os herdeiros que a lei determina (geralmente, filhos e cônjuges).

 

 

A Importância das Pequenas Doações em um País Grande (Tradução Livre)

Em artigo (disponível apenas em inglês), a diretora de Educação do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), Helena Monteiro, destaca o potencial das pequenas doações (individuais ou não) em um país tão grande como o Brasil. Nos últimos 20 anos, a nação tem crescido e desenvolvido mais o seu investimento social. O artigo foi originalmente publicado na revista Alliance, em março de 2010. A Alliance, em parceria com a Avina e o Instituto de Comunicación y Desarrollo (ICD), oferece assinaturas eletrônicas gratuitas para profissionais que atuam no setor na América Latina. Para mais informações e cadastro visite: http://www.alliancemagazine.org/en/content/free-electronic-subscriptions-latin-america-0.

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Documentos em Ordem São Imprescindíveis para Pleitear Financiamento

No artigo, a gerente de projetos do IDIS, Carla Cabrera Duarte, e a diretora Administrativa da instituição, Silvia Benedini Bertoncini, apontam quais os documentos que, geralmente, os investidores sociais solicitam na hora de fechar uma doação. As profissionais também tratam sobre o método que o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social utiliza na avaliação qualitativa da instituição pleiteante.

Uma organização da sociedade civil, além de cumprir com sua missão, deve manter atualizada uma série de documentos administrativos, para demonstrar sua regularidade junto aos órgãos públicos e pleitear financiamento para seus projetos sociais e, assim, legitimar suas ações junto aos apoiadores.

Atualmente, os investidores sociais procuram verificar se a instituição está em dia com as obrigações legais. Eles querem que o investimento social seja revertido em impactos positivos para a sociedade. O fato de manter a documentação atualizada, de dar publicidade à aplicação de seus recursos e de possuir título ou qualificação conferida pelo Estado oferece credibilidade à organização e traz confiança ao doador, sendo um fator decisivo na hora da doação.

Muitos doadores possuem alianças com instituições sem fins lucrativos, que estipulam requisitos básicos para concretizá-los. O Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) denomina essa etapa de processo de Validação e a divide em duas análises: uma documental e outra qualitativa.

Análise Documental

A organização social deve sempre manter os documentos administrativos que comprovam a legalidade perante aos órgãos públicos e fiscalizadores competentes, facilitando a condução de futuras oportunidades.
Abaixo, listamos alguns documentos que podem ser exigidos tanto em um edital de seleção de empresa ou de licitação do governo quanto por investidores sociais:

  • Cópia autenticada do estatuto da organização com a última alteração.
  • Cópia autenticada da ata  que contenha  a aprovação da diretoria em exercício,  dos membros dos conselhos Administrativo e Fiscal.
  • Cópia do cartão atualizado do registro de CNPJ.
  • Cópia da certificação (se for o caso): Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), Utilidade Pública (Federal, Estadual ou Municipal) , Entidade Beneficente de Assistência Social e OS – Organização Social. Para Oscip’s, instituições de Utilidade Pública Federal e Organizações Estrangeiras, o prazo de validade da certidão é de um ano. Essas organizações devem estar obrigatoriamente cadastradas e em situação legal junto ao Cadastro Nacional de Entidades do Ministério da Justiça (CNE/MJ). A prestação de contas junto ao MJ é anual e ocorre até 30 de junho para as OSCIPs e até 30 de abril para as UPFs . No site do Ministério da Justiça  encontram-se todas as informações sobre como ela deve ser realizada. A expedição da certidão de renovação de título ou de qualificação federal ocorre apenas por meio do Ministério da Justiça.
  • Balanço patrimonial e demonstrativo do último exercício financeiro. O documento é fornecido pelo contador/escritório de contabilidade contratado pela instituição.
  • Parecer da auditoria sobre os balanços da organização. Para aquelas organizações que possuem título ou qualificação federal, deverá ser observado o valor mínimo exigido.
  • Certidões negativas da Previdência Social (INSS) e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Mesmo que a organização social não tenha funcionários, o documento é necessário para provar que não há necessidade de contribuição ou ainda a inexistência de débitos. A certidão negativa da Previdência Social é válida por seis meses e pode ser solicitada pelo sitewww.previdencia.gov.br. A certidão do FGTS vale por um mês e também pode ser solicitada via Internet, no site da Caixa Econômica Federal.
  • Certidão Negativa de Falência e Concordata. Válida por três meses. Deve ser solicitada junto ao fórum judicial competente da região.
  • Prova de quitação com as fazendas Federal, Estadual e Municipal. Essa certidão refere-se a tributos como o Imposto de Renda, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS (estadual) e o Imposto Sobre Serviços – ISS (municipal). No caso do IR, a Receita Federal oferece o serviço pela Internet. É necessário verificar junto a cada governo estadual e municipal como requerer a quitação. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a prefeitura disponibiliza a emissão dessas notas através de seu site.
  • Dados da conta bancária da organização. Para facilitar a gestão dos recursos financeiros doados a um determinado projeto,  o IDIS aconselha a instituição abrir uma conta corrente específica para a doação. No âmbito governamental, esse é um procedimento obrigatório. Isso facilita a prestação de contas a o investidor que tem maior transparência e visualização dos gastos incorridos.
  • Cópia da inscrição em conselhos municipais, estaduais e federal, caso a organização esteja vinculada a algum. Vale lembrar que aquelas que atuam com crianças e adolescentes são consideradas regulares quando inscritas no respectivo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
  • Cópia do relatório de atividades. Esse documento, em geral, não é obrigatório, mas ajuda o investidor a compreender o histórico da organização. Recomenda-se o fornecimento do relatório de atividades dos dois últimos anos.

Análise Qualitativa

Além da análise documental o IDIS faz uma análise qualitativa da organização. Para essa análise são considerados Instituição, Indivíduos e Idéia (3Is).

Da instituição, são consideradas questões relacionadas à estrutura organizacional. A história da organização, a forma como surgiu, a sua capacidade de mudança decorrente da mudança de contexto, da participação comunitária e da mudança de liderança são reveladores da forma como a organização se posiciona diante de seus desafios.  São observadas também a gestão e a governança da instituição, a sua capacidade de incluir a comunidade na sua gestão, de trocar lideranças e gestores, de organizar seus recursos humanos, de se articular e de se relacionar com parceiros internos e externos à comunidade e de realizar uma boa captação de recursos por meio de uma gestão eficiente.

A ideia da organização, a sua missão, a profundidade da concepção de seu trabalho e dos projetos que realiza, a sua capacidade de inovar e de aprender com a sua prática são outros itens que compõem a análise qualitativa. Aqui, inclui-se também sua capacidade de fazer com que o conhecimento gerado na organização seja um patrimônio imaterial, passível de ser compartilhado.

Uma relação horizontal com a comunidade é pressuposto para que um projeto social gere impacto e o investimento realizado seja eficaz. Na análise, leva-se em conta se os envolvidos com a organização são receptores passivos de um benefício ou atuam como protagonistas participantes da mudança da própria realidade.

Por fim, as lideranças da organização são também observadas. São analisados o nível de motivação e comprometimento dos indivíduos para o trabalho na instituição. A flexibilidade, a permeabilidade e a competência na articulação dos indivíduos na relação com colaboradores, com a comunidade e com parceiros, bem como o profissionalismo e transparência nas relações.

Carla Cabrera Duarte é gerente de projetos do IDIS nas áreas de investimento social na comunidade e de investimento social corporativo. Silvia Benedini Bertoncini é diretora Administrativa do IDIS, com ampla experiência em gestão administrativa e financeira de organizações sociais.