Por que grupos minorizados precisam participar da governança na filantropia?

Artigo publicado originalmente na Exame em 20/11/2024

* Por Viviane Elias Moreira e Andrea Hanai

Viviane Elias Moreira: "É urgente, portanto, que a filantropia trate a diversidade com mais afinco e convicção, e com menos hesitação, criando, assim, espaços cada vez mais respeitosos, justos e acolhedores." (Leandro Fonseca/Exame)

Viviane Elias Moreira: “É urgente, portanto, que a filantropia trate a diversidade com mais afinco e convicção, e com menos hesitação, criando, assim, espaços cada vez mais respeitosos, justos e acolhedores.” (Leandro Fonseca/Exame)

Estima-se que tomamos aproximadamente 35 mil decisões diariamente, variando das simples às complexas. Embora sempre presente no nosso cotidiano, a tomada de decisão nem sempre é trivial. Nossa escolhas podem ser decisivas para nossas próprias vidas, ou afetar o futuro de nações, de organizações ou a vida de milhares, até milhões de outras pessoas.

Quando entramos na seara das instituições, chegamos a este assunto tão importante, mas ainda subestimado: a Governança. O conceito envolve sistemas, princípios, regras, estruturas e processos que levam pessoas a tomarem decisões mais adequadas, assertivas, sustentáveis, equilibradas, inclusivas e norteadas pela transparência.

Hoje, vamos falar especificamente da governança para o investimento socioambiental. Refletir sobre como são feitas as escolhas sobre a destinação de recursos para este ou aquele projeto ou organização. A provocação proposta neste texto tem a intenção de convocar todos para sairmos de uma zona de conforto que a rotina, ou o privilégio, por vezes nos impõe.

No âmbito da filantropia, é preciso que o setor reconheça a importância da diversidade e inclusão em seus processos, objetivos e propósitos, passando a enxergá-la não apenas como uma responsabilidade moral, mas como um recurso estratégico para uma verdadeira transformação social. Muitas iniciativas filantrópicas já consideram a diversidade como critério para o direcionamento de recursos, bem como muitas organizações da sociedade civil já adotam critérios afirmativos em seus processos de contratação.

Contudo, a inclusão de pessoas de diferentes origens, raças, etnias, gêneros, orientações sexuais, habilidades e crenças em espaços sociais e de trabalho vai além da representatividade, trata-se de criar ambientes em que essas diferentes vozes sejam ativamente ouvidas, estimuladas e valorizadas. E, para isso, a participação deste público nos processos decisórios da governança é fundamental, trazendo consigo a riqueza de decisões estratégicas que levam em conta uma pluralidade de perspectivas, conferindo legitimidade às ações.

Quando grupos sub-representados ganham espaço e são ouvidos de forma estratégica nas decisões em torno da filantropia, há uma redistribuição de oportunidades e de recursos, que impactam positivamente e estão alinhados com a definição moderna de filantropia, indo muito além de doações financeiras para causas sociais, envolvendo um conjunto de ações mais amplo e estruturado que visa o impacto positivo sistêmico e sustentável.

Quando a filantropia assume a diversidade como um valor essencial para a sua realização, o potencial de impacto é ainda maior, e isso reverbera de outras maneiras, seja promovendo mais justiça social, estimulando o desenvolvimento econômico ou impulsionando inovação e competitividade. No Brasil, onde as desigualdades sociais estão profundamente enraizadas em questões de raça, gênero e localização geográfica, fomentar essas práticas têm um exponencial poder de transformação.

Atingir a igualdade em temas de diversidade ainda é algo desafiador em espaços operacionais. E o cenário se torna ainda mais crítico em órgãos deliberativos da governança. Seguindo o ritmo atual, serão necessários cerca de 20 anos para que haja uma paridade entre homens e mulheres na composição dos conselhos deliberativos, por exemplo, de acordo com o Censo GIFE 2022/2023, que ouviu 137 organizações da sociedade civil, em sua maioria ligadas à filantropia familiar e empresarial. No recorte de raça, apesar dos avanços, o percentual de pessoas brancas nos conselhos ainda é de 92%. Negros são 7%, amarelos/orientais, 1% , e há apenas 1 pessoa indígena mapeada neste espaço.

É claro que mudanças na governança de organizações já estabelecidas podem requerer tempo, o que poderia justificar o ritmo lento com o qual grupos minorizados vêm sendo incluídos em instâncias deliberativas. Porém, preocupa o fato de novas organizações da sociedade civil e novos processos decisórios em organizações estabelecidas estarem sendo criados sem que se leve em conta a diversidade e inclusão.

Um estudo recente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), que traz dados de 74 fundos patrimoniais (endowments) no Brasil, revela que temos a presença de pessoas pretas, pardas ou indígenas em apenas 43% das Assembleias Gerais, 36% dos Conselhos Deliberativos, Curadores ou de Administração, e em somente 11% dos Comitês de Investimento. Uma presença numericamente muito baixa, que em nenhuma das instâncias supera 8% dos membros.

Cenário um pouco melhor é o que considera a questão de gênero. As mulheres estão presentes na maior parte dos Conselhos e Comitês, mas ainda assim não chegam a ocupar metade das cadeiras destes órgãos. Por fim, outro aspecto interessante é o fato de que 78% dos fundos patrimoniais (58, entre os 74 da amostra) foram criados a partir de 2010.

A filantropia é umas das maneiras mais eficientes de impulsionar mudanças sistêmicas que não apenas são capazes de reduzir a desigualdade social mas, também, de construir uma sociedade mais justa, equitativa e inclusiva, criando um país com oportunidades verdadeiramente iguais para todos.

Se queremos preservar a legitimidade e relevância de nossa filantropia e de nossa sociedade civil organizada, precisamos olhar com mais seriedade, a diversidade e inclusão não somente nas ações e projetos realizados, mas também no processo decisório em torno de nossa estratégia e atuação.

É urgente, portanto, que a filantropia trate a diversidade com mais afinco e convicção, e com menos hesitação, criando, assim, espaços cada vez mais respeitosos, justos e acolhedores.

* Viviane Elias Moreira é conselheira fiscal no Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), e Andrea Hanai é gerente de projetos no IDIS

IDIS leva ESG e Cultura de Doação ao FIFE 2024

Com participantes de todo o Brasil, o Fórum Interamericano de Filantropia Estratégica, ou simplesmente FIFE, foi recebido em 2024 por Belo Horizonte. Havia mais de 1.200 pessoas na capital mineira, mobilizadas durante quatro dias para falar sobre os mais diversos temas que influenciam nosso campo e, claro, para se encontrar. Do convívio e das trocas, surgem reflexões, novas ideias, novos projetos, novas parcerias e novas amizades.

Entre os assuntos de destaques nesta edição, a conexão das OSCs à Agenda ESG, questões relacionadas à comunicação, ao uso da tecnologia, em particular a inteligência artificial, a gestão de voluntariado e avaliação de impacto. E claro, não ficaram de fora mesas que abordaram aspectos jurídicos, contábeis e captação de recursos. Interessante ver a presença do Governo Federal, com representantes da Secretaria-Geral da Presidência da República. Além de promoverem uma sessão, estiveram em um estande permanente no evento, esclarecendo dúvidas acerca do MIROSC – Marco Regulatório das OSCs e do CONFOCO – Conselho Nacional de Fomento e Colaboração e apresentando as oportunidades para a participação e realização de parcerias entre a Sociedade Civil e o Poder Público.


IDIS no FIFE 2024

Todos os anos, o FIFE abre um edital para receber propostas para a agenda. Neste ano, fomos selecionados para participar de duas sessões.

Andrea Hanai, gerente de projetos do IDIS, esteve no debate ESG e organizações do Terceiro Setor, ao lado de Rodrigo Sêga (Phins), Danilo Tiisel (Social Profit Consultoria) e Edgard Pitta de Almeida (Fundação Don Cabral). Hanai foi bastante enfática em relação à importância da Governança e sobre como as OSCs devem estar preparadas para navegar nestas águas.

Luisa Lima, gerente de comunicação e conhecimento, conduziu a sessão Pesquisa Doação Brasil: quanto doam e como pensam os brasileiros. Os dados das edições 2015, 2020 e 2022 foram apresentados com análises sobre a importância de cada um dos achados às organizações que atuam para a promoção da cultura de doação e para as organizações sociais que captam recursos junto a pessoas físicas. A Pesquisa Doação Brasil é uma iniciativa do IDIS realizada pela Ipsos e, em 2022, revelou que 36% dos brasileiros acima de 18 anos e com renda familiar superior a um salário mínimo fizeram doações em dinheiro para ONGs, com uma projeção de R$ 12,8 bilhões doados por meio desta modalidade.

O FIFE é idealizado e realizado pela Rede Filantropia desde 2014. Agradecemos a organização pelo convite e parabenizamos por mais este importante evento de nosso setor. A próxima edição acontecerá de 8 a 11 de abril, em Curitiba, e nós já vamos começar a pensar em como poderemos contribuir e em como poderemos aprender ainda mais. Saiba mais no site do evento.