A pandemia expôs as grandes desigualdades entre países e dentro deles. O Banco Mundial estima que seus efeitos levem 49 milhões de pessoas à pobreza. No Brasil, regredimos em vários indicadores sociais. Atingimos 14,7% de desemprego ao mesmo tempo em que a renda média per capita despencou para o patamar mais baixo da série histórica. Igualmente preocupante é a volta do país, depois de muitos anos, ao mapa da fome.
O enfrentamento à crise passa pela geração de emprego e renda, com investimento na inclusão produtiva, seja por meio da atuação direta, seja pelo fortalecimento das organizações que atuam com este foco. Para este painel, convidamos especialistas comprometidos com esta pauta, com ações complementares – Andreia Rabetim, gerente de Articulações Intersetoriais e Voluntariado da Vale, Vivianne Naigeborin, diretora superintendente da Fundação Arymax, Gabriella Bighetti, diretora executiva da United Way Brasil, e Wilson Poit, diretor-superintendente do Sebrae SP. A moderação foi de Renato Rebelo, diretor de projetos do IDIS, e a pergunta norteadora, feita por Poliana Simas, Senior Wealth Planner no Bradesco Private Bank, foi como construir pontes entre o capital filantrópico e a inclusão produtiva com foco em sustentabilidade.
Vivianne Naigeborin abriu a sessão traçando um panorama e trazendo o conceito de inclusão produtiva, que definiu como a inserção de pessoas em situação de vulnerabilidade econômica no mundo do trabalho, em áreas rurais ou urbanas, por meio do empreendedorismo ou da empregabilidade. Destacou que apesar do agravamento na pandemia, há no Brasil uma exclusão histórica de muitos grupos, como mulheres, negros e jovens, e que nunca houve, de fato, uma agenda de prioridades para o desenvolvimento sustentável, tampouco uma política clara de inclusão de populações marginalizadas. O crescimento do número de trabalhadores por conta própria e do número de empreendedores por necessidade, somado às transformações pelas quais o mundo está passando, como o advento das novas tecnologias que vão mudar radicalmente os postos de trabalho daqui pra frente, a crise ambiental que pode mudar a disponibilidade de trabalhos no mundo que dependem de recursos naturais, as mudanças na relação entre cidade e campo a partir da intensificação da urbanização, o envelhecimento da população e mudanças no padrão de consumo, compõe um cenário complexo, desafiador, mas ao mesmo tempo, repleto de oportunidades. Entre as janelas que se abrem para a inclusão produtiva, Naigeborin destacou os novos mercados, como a economia verde, a economia digital, a economia circular, o mundo da tecnologia, o mercado de saúde e de cuidados e o mercado de alimentação saudável.
Dois aspectos mostraram-se centrais nas falas trazidas pelos palestrantes. O primeiro, diz respeito à colaboração, com o entendimento de que programas eficazes de inclusão produtiva são apenas possíveis com o envolvimento de organizações de diferentes setores e de que os beneficiários devem participar das tomadas e decisões. Gabriella Bighetti chamou atenção à importância do trabalho em rede, de que todos devem se enxergar como parte de um ecossistema e ressaltou: “Precisamos de sistemas articulados, e não de bons projetos individualizados”. O segundo aspecto está relacionado à perspectiva de tempo. Foi consenso que a causa exige investimento de longo prazo e que os resultados não são imediatos, e que portanto deve haver um grande comprometimento dos envolvidos. Ainda de acordo com Bighetti, “Identificar e superar as barreiras para a mudança sistêmica exige tempo e é preciso que o capital filantrópico entenda isso – os resultados tardarão a surgir e é preciso que este capital estimule as ações de longo prazo, que visem escala e sustentabilidade – no mínimo 3 a 5 anos de investimento.”
Sobre o papel do capital filantrópico, ficou evidente que a agenda é extensa e há múltiplas possibilidades de engajamento, seja produzindo conhecimento, criando pontes, ou atuando diretamente junto aos beneficiários. Naigeborin destacou a liberdade que a filantropia tem de experimentar e conectar diferentes atores, criando soluções que podem depois ganhar escala, além de adequar as práticas ao olhar do mercado de trabalho e às necessidades que ele impõe. Sobre isso, reforça: “A inclusão produtiva não deve ser um fim em si mesma, mas um meio para um projeto compartilhado de desenvolvimento sustentável e social para o país”.
Bighetti chamou atenção à tendência de investimento coletivo. Conforme sua experiência na articulação do GOYN, uma aliança com mais de 120 organizações para promover a inclusão produtiva de jovens na cidade de São Paulo, ao trazer muitos investidores para um mesmo projeto é possível multiplicar os recursos, potencializar impacto, tornar o projeto mais sustentável e ampliar as possibilidades de aprendizagem pelas trocas de experiências que acontecem.
Conheça agora as experiências da Vale e do Sebrae SP, apresentadas por Andreia Rabetim e Wilson Poit.
Inclusão Produtiva na Prática
Fundação Vale – Sobre Trilhos
A Vale é uma das maiores mineradoras do mundo, com uma produção mundial bastante expressiva em minério de ferro, cobre e níquel. Em 2020, a companhia assumiu o compromisso de se tornar carbono neutra até 2050 e a partir de então iniciou a revisão de processos e operações, passando por tecnologia ambiental e social, com destaque ao cuidado com as pessoas. Segundo Andreia Rabetim, gerente de Articulações Intersetoriais e Voluntariado da Vale, é neste contexto que nasce o projeto de inclusão social com foco no fortalecimento do empreendedorismo de mulheres no Maranhão.
A Vale tem uma operação logística bastante estruturada para levar o minério do Pará ao Maranhão e tem a concessão da estrada de ferro Carajás, onde opera um trem de passageiros que transporta cerca de 1.300 pessoas por dia, atravessando 27 municípios com características de rarefação econômica severa e IDHs muitos baixos, e cuja parcela da população dependia do comércio informal de venda de refeições feito pela janela nas paradas do trem. Em 2004, iniciou um processo de modernização nos trens, que passariam a ter suas janelas vedadas, fator que impactaria diretamente a vida de muitas famílias. Foi assim que nasceu o Rede Mulheres do Maranhão, projeto de inclusão produtiva idealizado pela Fundação Vale. Focado em mulheres, elas passaram a vender seus produtos dentro dos trens. Entre os pontos chave para o fomento à sustentabilidade dos 15 empreendimentos apoiados, Andreia destacou a compreensão de que é necessário tempo para o amadurecimento dos empreendimentos, o papel da Vale como agente conector deste processo, abrindo novas portas e ampliando horizontes, como aconteceu com um empreendimento com foco em babaçu, que foi capaz de obter uma certificação e hoje já exporta para os Estados Unidos e para a União Europeia, e o reconhecimento das potencialidades dos territórios e do protagonismo das mulheres, que com o suporte necessário são capazes de encontrar soluções para os desafios que se apresentam.
“A transformação social é um processo essencialmente colaborativo. Atuamos em parceria para somar expertises e potencializar resultados em benefício de todos, como é o caso da iniciativa Rede Mulheres do Maranhão, realizada pela Fundação Vale e que tem a Wheaton Precious Metals, uma das maiores empresas de streaming do mundo, como parceira. A Wheaton é parceira da Fundação Vale em projetos no Pará e no Maranhão desde 2015 e abraça a Rede Mulheres do Maranhão desde 2017. Para se ter ideia, os executivos da Wheaton têm uma agenda de visitas na região e fazem questão de acompanhar de perto o desenvolvimento das empreendedoras, gerando vínculo, respeito e aprendizados para ambos – salvo em contexto de pandemia. A equipe da Fundação Vale acompanha permanentemente o projeto, em parceria com o Instituto de Socioeconomia Solidária (ISES), parceiro na execução da iniciativa. Esse trabalho mútuo, a escuta aberta e o diálogo transparente com todos os agentes envolvidos são aspectos fundamentais para o sucesso e a sustentabilidade da iniciativa”, conclui Andreia.
Sebrae SP – Redes para Inclusão Produtiva
O programa Redes para Inclusão Produtiva, realizado pelo Sebrae SP em parceria com o IDIS, teve início em 2020 e está sendo implementado em quatro macrorregiões – Vale do Ribeira, Alta Paulista, Bauru e Pontal do Paranapanema. O primeiro passo é identificar as oportunidades e vocações locais, em seguida, o IDIS apoia o Sebrae na seleção das organizações e formação de redes para compartilhamento e desenvolvimento de boas práticas e inovações relacionadas à inclusão produtiva, por meio da disseminação e acesso a conhecimento, recursos e parceiros. O objetivo final é fortalecer OSCs que desenvolvem projetos de inclusão produtiva e atendem pessoas em situação de vulnerabilidade social, para fomento do empreendedorismo e geração de renda.
Também atua junto a cooperativas sociais e de catadores e tem iniciativas que estimulam o ciclo de consumo e relações mais locais. Entre as capacitações que oferece, estão a gestão financeira, técnicas de vendas, comunicação, entre outros. Sobre a atuação do Sebrae, Poit comenta “Nosso maior aprendizado ao lidar com inclusão produtiva é que nada irá funcionar se os atores envolvidos não sentarem para conversar, buscando soluções para quem está na base da pirâmide. A inclusão produtiva, para ser de fato eficiente, necessita de estabilidade, ser duradoura e ter visão de longo prazo.”
Explicou ainda que a atuação do Sebrae SP junto a grupos vulneráveis é incontornável, faz parte da missão da organização e está integrada em diferentes agendas, considerando o empreendedorismo uma ferramenta poderosa para transformar e atingir a inclusão produtiva, em especial em um momento em que o desemprego chega a níveis de desemprego tão altos.
O Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais, realizado pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, oferece um espaço exclusivo para a comunidade filantrópica se reunir, trocar experiências e aprender com seus pares, fortalecendo a filantropia estratégica para a promoção do desenvolvimento da sociedade brasileira. O evento já reuniu mais de 1.500 participantes, entre filantropos, líderes e especialistas nacionais e internacionais. Em 2021, teve como tema ‘O Capital e a Humanidade’ e foi realizado em 22 e 23 de junho com o apoio prata da Fundação José Luiz Egydio Setúbal e apoio bronze de BNP Paribas Asset Management Brasil, Bradesco Private Bank, BTG Pactual, Mattos Filho, Movimento Bem Maior, Santander e Vale.