Riqueza e propósito: o papel da filantropia nas famílias empresárias

Texto publicado originalmente no Valor Econômico em 17/07/2025

 

COMO A TRAJETÓRIA DOS FUNDADORES INFLUENCIA A CULTURA DE DOAÇÃO E OS CAMINHOS POSSÍVEIS PARA UM IMPACTO SOCIAL DURADOURO

Por Renato Bernhoeft – Fundador e Presidente do Conselho de Sócios da höft – bernhoeft & teixeira – transição de gerações, fundada em 1975 para apoiar sociedades empresariais e famílias empresárias a perpetuar seu conjunto de valores e seu patrimônio.

Há décadas me dedico a estudar a história e origem da empresa familiar no Brasil. Hoje trago uma reflexão sobre aspectos importantes e dignos de serem considerados na perspectiva do seu envolvimento com a ação filantrópica.

Um olhar para o século XX mostra que boa parte dos nossos empreendedores são imigrantes ou filhos de imigrantes, especialmente oriundos da Europa e alguns países asiáticos, como exemplo o Japão. Foram pessoas que tratavam de fugir de guerras e países com uma economia em profunda crise. Ou seja, enfrentando dificuldades e desafios marcantes em suas vidas.

Chegavam ao Brasil com poucos recursos financeiros, mas com alguma habilidade e forte disposição para empreender. Isso quando não eram usados para substituir a mão de obra escrava, – especialmente em áreas distantes dos grandes centros, – que havia conseguido sua liberdade.

Já no século XXI começaram a surgir empreendedores brasileiros, que tentavam fugir do interior do país, pela falta de oportunidades de trabalho. Boa parte se concentrou nos estados de São Paulo, Rio, Minas Gerais e alguns estados do sul do país. Um registro importante desta fase, incluindo a atual, é o crescimento de empreendedoras mulheres. Especialmente com as conquistas femininas na sua liberdade, tanto na família como no mercado de uma maneira geral. Uma parte destes empreendedores, imigrantes e migrantes, hoje constituem a elite econômica no Brasil.

Ao participar do projeto Caminhos para uma atuação mais ampla e estratégica da filantropia familiar no Brasil, a convite do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, me dei conta de como esse histórico influencia na visão de mundo dessas famílias e está conectado a suas práticas de doação.

O levantamento que integra a publicação, realizado junto a filantropos atuantes e especialistas no tema, somado a minha experiência, me levou a identificar algumas diferenças na abordagem em relação à filantropia.

Há aqueles que declaram abertamente de que a riqueza construída se destina aos seus herdeiros, para que não passem pelas dificuldades que cada um enfrentou. Focam sua sucessão apenas no aspecto patrimonial, cuja tendência é de fortes disputas entre os membros da geração seguinte. Segundo minha experiência, estes processos podem resultar em forte competição entre as futuras gerações, a ponto de destruírem totalmente o patrimônio herdado.

Outros manifestam uma visão mais ampla e consideram que o importante do que construiu, é seu legado. Para alguns, essa dimensão está restrita a oferecer uma educação de ponta a seus descendentes e à transmissão de valores. Mas há aqueles que entendem que devem distribuir os resultados de suas conquistas tanto com os seus herdeiros quanto com o país, a comunidade e aqueles que permanecem numa situação de inferioridade na economia do país.

Um dos desafios para que esta posição dos fundadores possa se prolongar às próximas gerações é de que o patrimônio sofre uma pulverização acionária, o que também tem sido acompanhado por conflitos entre os interesses dos herdeiros das gerações seguintes. Desta forma, é importante que os fundadores, e patriarcas (sejam do sexo feminino ou masculino) criem políticas e estruturas de governança onde os ganhos patrimoniais sejam também destinados a entidades filantrópicas e, paralelamente, aos seus descendentes.

Conforme revela o levantamento do IDIS, existem famílias que criaram fundações próprias de maneira que suas práticas filantrópicas sejam realizadas de forma perene e com governança bem definida. Há aquelas, inclusive, que optam pela criação de fundos patrimoniais, mecanismo que garante que o recurso destinado seguirá gerando benefícios socioambientais.

Considerando que no Brasil o estímulo oficial para apoio às entidades filantrópicas ainda é insuficiente, se torna importante também que alguns filantropos coloquem a serviço do setor seu poder de influência e redes de relacionamentos, contribuindo para um ambiente regulatório mais favorável.

Existe um amplo potencial não só para envol­ver novas famílias e indivíduos em atividades filantrópicas, mas também para ampliar o volume e o impacto de quem já doa. O trabalho inédito desenvolvido pelo IDIS e do qual tive a oportunidade de participar, apresenta um diagnóstico de onde estamos a apresenta um mapa estratégico claro para mudarmos esse panorama.

Fica aqui o convite para que, a cada dia, novas famílias se disponham a ter uma participação ativa no universo da filantropia e para que todos que se envolvem na gestão de seus patrimônios, as aconselhem nesta direção, especialmente se considerarmos que vivemos em um país extremamente injusto e socialmente desequilibrado.

 

IDIS lança publicação com perfil de filantropos e propostas para ampliar a Filantropia Familiar no Brasil

Novo mapeamento propõe caminhos para aumentar o número de doadores, o volume de recursos doados e o impacto social gerado pelas famílias de alto patrimônio

O Brasil vive um paradoxo: enquanto o número de milionários e bilionários no país cresce, o volume de doações realizadas por famílias ricas parece estagnado e muito aquém de seu potencial. Para entender o cenário e identificar meios de mudar essa realidade, o IDIS lança a publicação Caminhos para uma Atuação Mais Ampla e Estratégica da Filantropia Familiar no Brasil’, resultado de entrevistas, dados inéditos e contribuições de especialistas e filantropos atuantes. 

Baixe a publicação completa:

Captcha obrigatório

O lançamento oficial ocorreu durante um evento no escritório do IDIS, em São Paulo, que reuniu representantes de organizações que atuam diretamente no ecossistema da filantropia familiar. A manhã contou com a apresentação dos principais achados e do mapa gráfico, que inspiraram contribuições dos próprios participantes sobre como levar as propostas à prática.

“Em momentos decisivos, especialmente diante de demandas emergenciais, pessoas detentoras de altos patrimônios fazem doações. O desafio está em canalizar essa energia para ações estruturantes e de longo prazo. Há, sem dúvida, espaço não só para envolver novas famílias e indivíduos em atividades filantrópicas, mas também para ampliar o volume e o impacto de quem já doa”, comenta Paula Fabiani, CEO do IDIS

 

Panorama: potencial expressivo, impacto ainda tímido

O estudo apresenta um retrato da filantropia familiar, no mundo e no Brasil. Nesta modalidade, existe uma forte influência de valores individuais e familiares, muitas vezes um desejo de deixar um legado ou retribuir à sociedade aquilo que foi conquistado, além de maior propensão ao risco e uma liberdade maior para a escolha de causas do que o investimento social praticado por empresas.

Entre as tendências globais observadas, movimentos como o Giving Pledge e o Generation Pledge têm impulsionado o compromisso público de portadores de grandes fortunas com a doação de parte relevante de seus patrimônios. Em maio de 2025, por exemplo, Bill Gates anunciou a intenção de doar praticamente toda a sua fortuna, estimada em cerca de US$108 bilhões, nos próximos 20 anos.

O panorama brasileiro foi detalhado com a realização de entrevistas com especialistas e de um levantamento online, que teve a participação de 35 filantropos e filantropas com práticas, em sua maioria, já bastante estruturadas e com doações anuais expressivas – 40% indica doar um volume superior a R$ 5 milhões por ano. 

A amostra revelou que embora a educação – incluindo educação básica, profissional e técnica – lidere como a causa mais citada, a filantropia familiar no Brasil pode estar ampliando seu escopo e se abrindo para temas mais sensíveis e estruturalmente desafiadores. Tópicos como meio ambiente e sustentabilidade mobilizam 26% dos respondentes, enquanto 17% demonstram interesse por iniciativas voltadas à incidência em políticas públicas. O combate à fome e à redução das desigualdades também aparece entre as causas prioritárias, com 14% das menções. Há também exemplos de famílias envolvidas com temas como segurança pública, fortalecimento da democracia e a descriminalização das drogas.  

O mapeamento identificou, ainda, que a decisão sobre as doações costuma ser compartilhada dentro do núcleo familiar. Cônjuges participam das escolhas em 65% dos casos, seguidos por filhos, com 59%, e irmãos, com 49%. Esses dados demonstram que a prática da doação frequentemente emerge de um processo coletivo, sustentado por vínculos afetivos, valores compartilhados e desejo de legado. Por outro lado, para as questões de gestão e execução administrativas, 65% indicam contar com apoio de profissionais especialistas no assunto.

Entre os principais obstáculos mapeados pelo estudo, estão a percepção de falta de capacidade das organizações da sociedade civil entregarem impacto social de forma eficiente – um fator mencionado por 20% dos respondentes. Além disso, 17% apontaram a ausência de incentivos fiscais adequados para doações de pessoas físicas como um freio para a expansão da prática. Outro entrave é a falta de conhecimento sobre causas e instituições a serem apoiadas, mencionado por 3%, além do receio com segurança pessoal e patrimonial – uma preocupação bastante presente entre famílias de alta renda da América Latina.

 

Como tornar a filantropia familiar mais ampla e estratégica no Brasil

O estudo aponta três caminhos complementares para a expansão da filantropia familiar e identifica ações em curso e as lacunas, propondo uma ação coordenada e com mais colaborações. O mapa estratégico, que apresenta práticas que podem ser realizadas para o atingimento de um novo patamar, foi construído com a participação de filantropos atuantes.

 

Um convite à ação

Para o IDIS, o lançamento do estudo marca um novo capítulo na filantropia brasileira.

“A mudança não depende de um ator isolado. Requer o engajamento de todos os envolvidos no ecossistema: filantropos, consultores, advogados, contadores, comunicadores, gestores de OSCs e formuladores de políticas públicas. O que propomos é um convite à ação coordenada, com metas claras e estratégias conjuntas”, destaca Felipe Insunza Groba, gerente de projetos no IDIS. 

O contexto atual – marcado por desigualdades profundas, crises socioambientais e institucionais e uma crescente urgência por soluções sistêmicas – demanda uma nova geração de filantropos dispostos a atuar com intenção e estratégia. “O Brasil tem um enorme potencial de transformação socioambiental por meio da filantropia familiar. Mas para isso, é preciso mudar a chave: sair da lógica da doação pontual ou resposta emergencial e construir uma atuação contínua, articulada e orientada a gerar impactos positivos”, complementa Groba. 

 

Baixe a publicação completa:

Captcha obrigatório

 

A iniciativa contou com apoio da Fundação Itaú, Instituto Beja, Movimento Bem Maior e Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.