O monitoramento como caminho para diversidade e inclusão

12 de agosto de 2025

Artigo originalmente publicado no Nexo, 02/08/2025

Por Ana Paula Otani, analista de monitoramento e avaliação do IDIS

Diversidade e inclusão são expressões que ecoam cada vez mais nos discursos institucionais de empresas privadas, governos e organizações da sociedade civil. Mas até que ponto esses princípios se traduzem, de fato, em práticas cotidianas? Transformar a agenda em experiências efetivas exige mais do que boas intenções: requer método, intenção e, sobretudo, monitoramento.

Mesmo quando não aparecem nomeadas como causas centrais ou eixos programáticos, diversidade e inclusão com frequência atravessam iniciativas de outras pautas, como educação, cultura, esporte ou meio ambiente, influenciando a definição de seus públicos, territórios e formas de atuação. No entanto, a simples declaração de compromisso com esses princípios não garante que práticas consideradas inclusivas não acabem, sem perceber, incorrendo em exclusão. Isso porque múltiplos fatores subjetivos, contextuais e estruturais moldam a forma como diferentes grupos vivenciam uma intervenção, sem muitas vezes serem percebidos.

É justamente nesse sentido que o monitoramento pode ser um instrumento importante para organizações que defendem a diversidade e inclusão como prática. Originalmente concebido para medir resultados e aprimorar políticas e programas, o monitoramento, assim como a avaliação de impacto, deixou de ser apenas uma ferramenta técnica de prestação de contas, podendo também atuar como instrumento de combate às desigualdades.

Monitorar é lançar luz sobre: quem está sendo excluído? Quem demonstra resistência ou insatisfação com determinadas iniciativas? E, sobretudo, por quê? De modo que rotas possam ser corrigidas a tempo.

Para isso, é fundamental que a intenção da diversidade e inclusão se manifeste desde o planejamento, na definição de objetivos claros, na escolha de públicos-alvo e no estabelecimento de indicadores de modo que um plano de monitoramento relevante e sensível às desigualdades seja elaborado.

Mais do que descrever o público de interesse, é fundamental que sua definição oriente estratégias de mobilização e comunicação, com a escolha clara dos marcadores de diversidade a serem priorizados para garantir a participação de perfis diversos. Esse cuidado permite formular perguntas que aprofundem o compromisso com a equidade. Em um programa de empregabilidade para mulheres, por exemplo, é importante ir além da taxa geral de inserção no mercado e investigar: qual a proporção de mulheres negras e brancas empregadas? Pessoas com deficiência têm acesso pleno às atividades? Moradoras de periferias enfrentam barreiras de transporte? Sem uma investigação, empecilhos que perpetuam desigualdades se mantêm inalterados, mesmo em iniciativas que buscam promover a inclusão.

Outro ponto fundamental é a existência de uma base de dados estruturada sobre os participantes de uma iniciativa, um grande desafio para muitas organizações. Dados dispersos, registros incompletos e sistemas que não se integram comprometem a capacidade de ter uma base de dados organizada e atualizada que permita não apenas acompanhar os participantes durante e após o projeto, mas avaliar as desigualdades na forma como diferentes grupos vivenciam a iniciativa. Com essas informações, as organizações conseguem tomar decisões mais embasadas e promover ajustes ao longo da implementação da iniciativa para promover, sempre que possível, uma vivência mais equitativa para diferentes perfis de participantes.

Além disso, quando se trata de diversidade, é necessário um cuidado adicional. Marcadores identitários como raça, gênero, dentre outros, devem sempre ser autodeclarados e jamais presumidos. Preservar a autonomia das pessoas sobre sua identidade é um compromisso para qualquer iniciativa. Respeitar como cada indivíduo se reconhece e se posiciona diante da sociedade não é apenas uma questão ética, mas parte central do processo de inclusão.

Diferentemente do que muitos pensam, o monitoramento não se resume somente a números. Ouvir as histórias, contextos e percepções dos beneficiários amplia a compreensão do impacto real de uma iniciativa. Conversas, entrevistas e grupos focais revelam nuances que os dados quantitativos não mostram, ajudando a identificar engajamentos e evitar que participantes sejam deixados de lado. Esse acompanhamento atento fortalece vínculos e, quando há abandono, permite investigar as causas e aprimorar as ações, tornando as iniciativas mais acolhedoras e eficazes.

Essa escuta deve alcançar também as equipes gestoras dos projetos e programas. Quando diversidade e inclusão deixam de ser temas isolados e passam a integrar metas institucionais claras, elas se tornam compromissos compartilhados em todas as esferas de uma organização. Isso exige diálogo e capacitação contínua para que a equipe possa refletir sobre suas próprias práticas e desafios, dando espaço para a construção de um ambiente proativo, onde todos estão dispostos a identificar e corrigir falhas internas que poderiam reproduzir exclusões.

Finalmente, tudo isso se reflete na avaliação de impacto, cuja demanda cresce, mas que, sem monitoramento contínuo e dados confiáveis, resulta em análises frágeis e enviesadas. Para garantir que os efeitos positivos alcancem a todos, é preciso enxergar o todo — o que exige método, trabalho e compromisso com o que não se vê à primeira vista.

Falar de diversidade e inclusão em projetos socioambientais sem investir em monitoramento é correr o risco de não enfrentar as desigualdades existentes ou até mesmo de reforçá-las. Monitorar vai além de contar participantes ou preencher planilhas, é um processo de aprendizado contínuo que possibilita ajustar e melhorar intervenções para alcançar seu potencial, assumindo responsabilidade pelos seus efeitos, sejam eles intencionais ou não.

Apesar de muitas vezes ser pouco visibilizado por ser uma atividade intermediária, o monitoramento precisa ser valorizado como prática estratégica, afinal, é o que conecta a intenção com os resultados de uma intervenção. Quando integrado à cultura organizacional, ajuda a tornar a inclusão uma prática efetiva, gerando mudanças reais na vida dos beneficiários e, consequentemente, na sociedade. Todos se beneficiam.

No fim das contas, é isso que nos permite ser mais honestos e ter coragem para refletir: nossas práticas são tão inclusivas quanto nossos discursos?