‘A mudança exige coragem’: mais que nunca, devemos ousar para combater a pobreza

28 de setembro de 2023

por Joana Noffs | Analista de de projetos do IDIS

 

Em 2021, o Brasil ultrapassou a marca de 63 milhões de pessoas vivendo em situação de pobreza, enquanto 33 milhões de pessoas enfrentavam a fome, de acordo com dados do IBGE e de uma pesquisa conduzida pelo Instituto Vox Populi. Ao mesmo tempo, uma parcela correspondente a 50% da população brasileira detinha apenas 0,4% da riqueza do país em ativos financeiros e não financeiros, segundo dados do World Inequality Lab, também de 2021.

A desigualdade foi agravada, também, pela pandemia no contexto global. Conforme evidenciado em um relatório da Oxfam, entre 2020 e 2022, o 1% mais rico do mundo concentrou quase dois terços de toda a riqueza gerada no período, totalizando cerca de U$ 42 trilhões. A desigualdade extrema na economia também se relacionada com problemas ambientais, raciais e de gênero, e demonstra a urgência de ações corajosas e criativas para enfrentar as vulnerabilidades sociais e institucionais que assolam não apenas o Brasil, mas que se desdobram em uma realidade preocupante à nível global.

A mesa que encerrou o Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais de 2023, intitulada “Mais do que nunca, devemos ousar combater à pobreza!”, abordou e discutiu justamente esse cenário desafiador. A palestra contou com mediação da CEO do IDIS, Paula Fabiani, e com os convidados Gilson Rodrigues, presidente do G10 das favelas, Jean Jereissati, CEO da Ambev, e Nivedita Narain, CEO da Charities Aid Foundation (CAF) India. Os palestrantes apresentaram caminhos possíveis e experiências que, tendo a ousadia como impulsionadora, têm se mostrado significativas para pautar um futuro menos desigual.

 

 

Gilson Rodrigues abriu sua participação na mesa resgatando o tema da ousadia, que guiou o Fórum de 2023, e destacou que, apesar do aumento na concentração de renda e aprofundamento das desigualdades sociais no país em um período recente, não se deve definir as favelas e áreas periféricas brasileiras por um olhar de falta, pois isso apenas agrava sua marginalização.

Para combater o estigma e consolidar uma visão positiva sobre as favelas brasileiras, Gilson é uma das vozes que trazem histórias inspiradoras vindas de contexto de adversidade, demonstrando que a favela também é um lugar de muito conhecimento.  O G10 das favelas tem destacado a importância da inovação e empreendedorismo para atingir as mudanças necessárias. Ele argumenta que para o investimento social ser eficaz no combate à pobreza, deve garantir a geração de oportunidades ao combater problemas como a fome e a falta de acesso a serviços básicos.

“Nós acreditamos, efetivamente, que precisamos criar soluções a partir dessa realidade para que a favela possa prosperar e não depender apenas dessas condições [da doação]. (…) Temos buscado criar soluções para impactar positivamente a sociedade e para que a população possa ter trabalho e renda para se desenvolver, mas que também possa optar o que quer comer, pontuou Gilson. 

 

Para isso, segundo a liderança, o investimento social nas favelas deve sempre partir de uma atuação que fortaleça a autonomia dos moradores e seus territórios, e, assim, garanta a sustentabilidade financeira da implementação de projetos com potencial de transformação de desigualdades estruturais.

Através de sua experiência no setor privado, Jean Jereissati, CEO da Ambev, ressaltou em sua fala as inciativas bem-sucedidas que a empresa também tem desenvolvido com objetivo de contribuir com a esses mesmos desafios. Frente aos desafios cada vez mais severos causados pelas mudanças climáticas, que também aceleram fatores chave na manutenção da desigualdade, como a escassez de alimentos, deslocamentos populacionais e contaminação por poluentes, a Ambev busca tornar sua cadeia produtiva ‘carbono neutra’ nos próximos anos, e ressalta a importância da consistência na mitigação de impactos ambientais negativos. Como nos lembra Jereissati sobre as perspectivas para o investimento social privado no país, tomar riscos e ousar é necessário para que possamos obter resultados que são urgentes

Se você quer manter o status quo, você pode se arriscar menos, mas se você quer mudar, você precisa ousar. No Brasil, precisamos ousar para atingir uma filantropia sustentável, destaca o CEO da empresa.

 

Para além do compromisso com a sustentabilidade, que, na visão do palestrante, hoje deve ser encarado como obrigação, a gigante do setor de bebidas tem buscado utilizar-se de uma característica chave de suas atividades para gerar transformação social: sua capilaridade. Estando presente desde a ‘colheita do milho até o garçom na mesa do bar’, essa característica permite que a Ambev atue de forma coerente em frentes diversas. Com o Bora, por exemplo, a companhia tem buscado qualificar empreendedores e conectá-los através de sua rede, gerando inclusão produtiva. O VOA, por outro lado, é um programa de voluntariado da empresa que busca disseminar o conhecimento e expertise em gestão que seus funcionários possuem para iniciativas do terceiro setor, fomentando um ecossistema mais maduro de impacto social. Por fim, destacamos também, dentre as iniciativas mencionadas durante o evento, a água AMA, produto social da Ambev cujos lucros são revertidos para a garantia do acesso dos brasileiros à água potável em regiões de escassez hídrica.

Por fim, Nivedita Narain, CEO da CAF India, nos lembrou da coragem necessária para tomarmos ações estratégicas e planejadas na busca por uma sociedade mais igualitária.

 

Quando você fala em ousadia, eu penso em coragem, compartilhou Nivedita Narain.

 

Que esteve à frente de iniciativas em seu país que colocaram a sociedade civil organizada como um ator chave no enfrentamento da pobreza e da violência de gênero. Retomando tendências recentes da filantropia ao redor do mundo, Narain explica que houve uma mudança no século XXI no curso das doações privadas, que passaram a ser mais direcionadas aos governos, o que acarretou uma diminuição da integração de organizações da sociedade civil neste processo. Ecoando o trazido por Gilson, ela ressalta a importância de que as organizações comunitárias sejam ouvidas e tenham papéis ativos na construção de políticas articuladas entre governo, terceiro setor e investimento privado.

Durante sua apresentação, a líder indiana trouxe um exemplo sólido de como este tipo de ação coordenada pode ter sua faísca inicial com movimentações locais e escalar para uma política pública exitosa, a partir de uma iniciativa na Índia que começou levando crédito bancário a mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica na década de 1990 e que impactou na ampliação representação política de lideranças femininas e na diminuição da violência doméstica. De modo relevante, Nivedita explicitou que, quando discutimos o papel da filantropia no combate à pobreza em um quadro mais amplo, sobretudo quando falamos do Sul global, não podemos nos esquecer de olhar para a questão sob as lentes de gênero.

 

 

Precisamos de muita coragem para as mulheres, a mudança precisa de coragem, ela não acontece facilmente. E a forma da mudança é onde, na comunidade, as mulheres buscam esse espaço e conquistam esse espaço, pois ele não é dado para nós”.

 

Assim, Narain nos deixa como lição a necessidade de observamos fatores como participação comunitária e gênero quando refletimos sobre desenvolvimento local e para sermos capazes de atingirmos as metas da agenda 2030.

Encerrando a mesa, Paula Fabiani, CEO do IDIS, agradeceu aos presentes e apoiadores do evento, nos lembrando da importância das ações coordenadas entre governo, terceiro setor e empresas para o combate às desigualdades. Celebrando a ousadia das iniciativas apresentadas durante a conversa,

“Primeiro precisamos convencer os outros que aquilo é possível, afirmou Fabiani.

Enfatizando que sonhar é um ato necessário para que sejamos capazes de atingir mudança social.

— A equipe IDIS agradece a participação de todes!

 

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