As empresas estão cada vez mais preocupadas em abordar temas de caráter social. A criação de institutos e fundações empresariais, e o investimento cada vez maior de dinheiro corporativo em algumas causas, são um sinal claro dessa mudança. A fronteira entre ação privada e ação social está desaparecendo? Esse foi um dos principais tópicos da plenária Transformações do Investimento Social, que abriu o 8º Congresso do Gife, ocorrido em São Paulo entre 19 e 21 de março.
“A lógica da compartimentação não funciona mais, e as empresas incorporam em seu DNA a resolução de problemas sociais”, afirmou um dos membros da mesa, o professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP Ricardo Abramovay. Já a presidente do conselho do Greenpeace Internacional, Ana Toni, deixou claro que tem ressalvas a esse embaralhamento de fronteiras.
Ana levantou vários questionamentos sobre o posicionamento das empresas em relação a problemas sociais. Elas estariam reagindo à pressão da sociedade? Seria uma percepção interna dos problemas? Para ela, o que importa é que “a natureza das empresas limita seu papel social, e não é necessariamente ruim haver fronteiras”.
De certa forma, Lucy Bernholz, professora da Universidade de Stanford, fez coro à afirmação de Ana ao dizer que haveria desafios para a confusão de limites entre empresas e organizações da sociedade civil. “A democracia deve resguardar espaço privado para a ação civil, e a ruptura da sociedade pelos políticos, pelo dinheiro e pelas empresas pode ser um perigo”, comentou.
Abramovay fez questão de dizer que não se trata de “oferecer imagem acrítica” da atuação das empresas, mas sim de que as fundações com atuação social fazem as companhias pensarem nos impactos de suas inovações. “O debate público é algo ao qual as corporações estiveram imunes no século 20, mas hoje até o Greenpeace cobra uma posição das empresas. Há movimento para reintroduzir valores na ciência econômica”, apontou.
Ana reconheceu que a “voz das companhias é fundamental para alguns temas públicos”, ainda que as empresas mantenham-se longe de algumas questões mais polêmicas, como as referentes a defesa de direitos. Ela ainda disse que o Greenpeace só consegue cobrar uma posição das empresas por ser independente delas e de governos.
Sociedade digital
Parte importante do debate girou em torno da chamada “sociedade civil digital”, definida por Lucy como aquela em que recursos digitais são usados para “organizar, criar, distribuir e financiar benefícios públicos”. Segundo a professora de Stanford, o ambiente virtual muda a “maneira como abordamos problemas comuns, como nos voluntariamos, como nos associamos enquanto cidadãos independentes, e como nos organizamos para mudanças e projetos”.
Outro participante da plenária, Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann, lembrou que a era digital muda as formas de governança e o local onde está o conhecimento. “Muita coisa vai ser aprendida com tentativa e erro, o que coloca desafios para o modus operandi das organizações”. Um dos desafios é a rapidez com que as demandas são postas no ambiente digital. “Precisamos de uma institucionalização preparada para responder à velocidade das coisas. A nova geração que está vindo é mais rápida.”.
A alocação de recursos digitais, porém, é desigual, destacou Lucy. O que leva à necessidade de uma discussão importante sobre o ambiente legal em que se dão as novas relações. “Nos Estados Unidos, há um perigo grande de a sociedade civil ser apagada por quem está à frente da regulação do ambiente digital”, disse. Mizne mostrou também preocupações nesse mesmo sentido: “O debate digital passa ao largo da sociedade civil. As empresas estão dominando a discussão”.
A desigualdade se manifesta também entre quem está alfabetizado para usar a rede e quem não está. “A era digital não é uma escolha, ela está aí, e a chance de desigualdade aumentar é enorme”, disse Mizne. Ele apontou quem umas das missões do investimento social privado seria financiar ações nesse campo.