Fundos Patrimoniais e a Perenização da Ação Filantrópica

22 de junho de 2010

A diretora de Administração e Finanças da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), Paula Fabiani, escreve sobre a relação entre fundos patrimoniais e a perpetuação das organizações da sociedade civil. Ela destaca a necessidade do aumento desse tipo de fundo no Brasil. Paula é economista, formada pela Universidade de São Paulo, com MBA na New York University, especialização em Endowment Asset Management pela London Business School e pela Universidade de Yale. Ela integra o Comitê de Governança Corporativa do Terceiro Setor do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.

Fundos patrimoniais (FPs) são estruturas criadas para dar sustentabilidade financeira a uma organização sem fins lucrativos. Em sua maioria, os FPs nascem com a obrigação de preservar perpetuamente o valor doado (chamado de principal), utilizando apenas para sua manutenção e atividades os rendimentos resultantes do investimento desse fundo, de acordo com regras pré-estabelecidas, que podem estar descritas no estatuto da instituição.

Os FPs mais conhecidos são os endowments (espécie de fundo patrimonial) de grandes universidades americanas. Veja os exemplos de duas universidades norte-americanas: Harvard, em Cambridge, Massachussetts, e Yale, em New Heaven, Connecticut. Em 2009, seus fundos patrimoniais eram de, respectivamente, US$ 25 bilhões e US$ 16 bilhões – aproximadamente R$ 45,3 bilhões e R$ 29 bilhões1.

As estratégias de investimento desses patrimônios são acompanhadas com grande interesse pelo mercado financeiro internacional. Uma característica da gestão é o foco no longo prazo e a diversificação dos investimentos (aplicação em vários ativos como bolsa de valores, títulos do tesouro, fundos multimercados, entre outros) e tem apresentado resultados expressivos. Nos últimos anos dez anos, Harvard teve retorno anual de 9% e Yale, de 12% – o investimento em títulos do governo americano de curto prazo, por exemplo, rende atualmente 0,25% ao ano.

Na América Latina, em contrapartida, a maioria dos países não possui uma legislação que promova o estabelecimento de FPs. No Brasil, alguns pontos merecem destaque:

  • A legislação referente a doações não prevê benefícios fiscais para o estabelecimento de fundos patrimoniais nas organizações da sociedade civil (OSCs). Na maioria dos países da Europa e nos Estados Unidos, as doações dessa natureza e os rendimentos dos fundos não sofrem tributação.
  • O sistema bancário brasileiro não prevê a figura do Trustee – figura que administra a propriedade, neste caso o FP, em nome do beneficiário. Na Europa e EUA, os bancos podem atuar como zeladores das regras estabelecidas para os fundos patrimoniais, o que dá segurança ao doador que destina os recursos para utilização perpétua.
  • A cultura do investidor social brasileiro é mais voltada ao curto prazo, sendo pouco comum a preocupação em deixar um legado social que transcenda a geração do doador.
  • A própria definição de fundo patrimonial na legislação brasileira prejudica a ampliação do conceito. Esses recursos são tratados apenas como uma reserva técnica2, um valor suficiente para cobertura das atividades por um período curto, como um ano fiscal. Não se pensa a perpetuidade

Aprimoramento 

O aumento do número de FPs é de grande importância para o fortalecimento do terceiro setor no país. No ano de 2009, uma série de instituições do terceiro setor reduziu suas atividades devido à escassez de recursos privados em virtude da crise financeira, emergida em setembro de 2008.

A existência de um FP diminui a variabilidade das receitas de uma organização, promove o planejamento de longo prazo e fortalece a viabilidade da instituição do ponto de vista operacional3. É um veículo que garante a sustentabilidade, especialmente para as instituições cujos propósitos que requerem projetos de prazos extensos para apresentar resultados. A prática ainda pereniza a ação do investidor social privado que busca deixar um legado para a sociedade.

O Brasil precisa de novos mecanismos para resgatar a credibilidade e impulsionar seu terceiro setor. As discussões sobre o Marco Legal do Terceiro Setor devem abranger melhorias no sistema tributário e regras mais claras para o estabelecimento de FPs.

Investidores sociais e governantes que pensem estrategicamente no longo prazo devem assumir o papel de protagonistas na construção de novas estruturas que fortaleçam o papel do capital privado no processo de mudança social e ambiental do país. Cabe à sociedade civil, em especial aos investidores sociais privados e os receptores dos recursos, cobrarem do poder público um maior debate sobre o tema.

Fontes: 

1) Harvard Management Company Endowment Report 2009 e The Yale Endowment Report 2009
2) Paes, José Eduardo Sabo. Fundações, Associações e Entidades de Interesse Social. Forense, 2010
3) Swensen, David S.. Pioneering Portfolio Management – An unconventional Approach to Institutional Investment. Free Press, 2000