Por Isadora Pagy, analista de projetos do IDIS
Quando falamos de filantropia é comum pensarmos que se tratam de doações realizadas para causas como educação, saúde e combate à fome. A primeira imagem que nos vem à cabeça muitas vezes é a de crianças em situação de vulnerabilidade que precisam de ajuda. Não à toa que a causa infantil foi a que mais recebeu doações em 2022, representando 46% das doações realizadas no último ano, segundo a Pesquisa Doação Brasil 2022, coordenada pelo IDIS.
Apesar da grande importância e urgência de tais temas, outros acabam ganhando menos destaque, se tornando causas invisibilizadas, o que faz com que seja necessário termos ousadia para dar visibilidade e passar a priorizar esses temas, territórios e organizações. Ainda mais quando falamos de filantropia familiar, que tem se tornado cada vez mais estratégica, indo além de ações pontuais ou assistencialistas, tendo um grande potencial de transformação.
Tal ousadia foi o tema transversal do Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais 2023, que aconteceu no dia 14 de setembro. Nele, foi realizada uma sessão para falar justamente sobre Filantropia familiar e o enfrentamento de causas invisibilizadas¸ contando com a presença de Ilana Minev, presidente do Conselho de Administração da Bemol, Luciana Temer, Diretora Presidente do Instituto Liberta e conselheira do Movimento Bem Maior, Philippine Vernes, Gerente Sênior de Parcerias Internacionais na CAF e, como moderador, Luciano Cerqueira, Coordenador de Projetos da Samambaia Filantropias.
Durante a conversa, Luciana Temer, que trabalha para dar visibilidade ao combate da violência sexual infantil como diretora no Instituto Liberta, comenta como muitos investidores e empresas não têm interesse em investir nesta causa por considerarem “um tema feio”, ou seja, não querem associar sua marca com a causa. Levantando também uma discussão sobre social washing e a realização de investimentos apenas em assuntos que estão “na moda”, visando a valorização da marca aos olhos do consumidor e de potenciais investidores.
Temer compara o tema com o combate à violência contra a mulher, que também não era falado, porque era considerado um assunto que deveria ser tratado dentro de casa, como o ditado que diz “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”. Ela ressalta que esse pensamento deve ser combatido, e que a violência sexual infantil, assim como a violência contra a mulher, “é intrafamiliar, é silenciada, está em todas as classes sociais”.
Apesar da importância, as causas invisibilizadas são consideradas residuais e não estruturantes. Justificativa utilizada mais uma vez para não olhar com seriedade e estratégia para tais temas. O que cria um grau de dificuldade maior de engajar parceiros, sendo necessária ousadia para endereçar tais questões socioambientais.
Além da causa de Luciana Temer, ainda há outras tão invisibilizadas quanto. Ilana Minev atua com a causa socioambiental na região da Amazônia e conta sobre as adversidades e peculiaridades de se trabalhar nesta região. Ela comenta que “quando você faz sozinho, você tem uma limitação de recurso, de tempo e de engajamento”, reforçando a importância de se trabalhar de forma colaborativa, um dos pilares para sua atuação, cooperando com outras organizações que também atuam na região.
Minev ressalta outra característica específica do território, de que “a maioria das pessoas têm um olhar de helicóptero [para a Amazônia]. Olha pela copa da árvore e vê tudo verde e vê rios. Mas é necessário descer e abaixar nas raízes e olhar essas 25 milhões de pessoas que moram e que buscam prosperidade”. Falando da potência que a região traz e da importância de se trabalhar de forma aprofundada, combatendo de novo o social washing.
Quando falamos de território, Luciano Cerqueira ressalta outro obstáculo que enfrentamos no passado, que foi da visão dos financiadores e organizações internacionais para com o Brasil como um todo, não apenas em relação à Amazônia. Ele comenta como o Brasil era visto como um país rico e desigual, que possuía riqueza para financiar causas sociais, o que causou a saída de grandes financiadores internacionais, em 2004. Luciano fala como esse movimento mudou e como as organizações internacionais passaram a enxergar novas possibilidades de parceria com o Brasil, trazendo uma boa perspectiva para organizações brasileiras.
Apesar das dificuldades levantadas, existem oportunidades para a filantropia familiar se tornar cada vez mais estratégica. Philippine Vernes, representante da CAF, organização britânica centenária de filantropia, comenta sobre a questão intergeracional, a transferência de riqueza para as próximas gerações, que abre portas para novas temáticas, formas de doar e de fortalecer o terceiro setor.
Assim, é preciso focar em um fortalecimento institucional das organizações, olhando para a governança, mobilização de recursos. De forma que o investimento social privado seja potente, duradouro, colaborativo e que contribua para as diversas causas sociais e territórios do país, trazendo visibilidade para todas e todos.