Reverberando impactos: a geração de valor na cadeia filantrópica

27 de outubro de 2025

Por Yasmim Lopes, analista de projetos ESG

No contexto da Pandemia de COVID-19 um potencial foi revelado: além dos recursos financeiros, empresas podem colocar seus ativos em favor da filantropia, disponibilizando redes, recursos e capacidades em prol da solução de problemas socioambientais. O mesmo pôde ser visto no desastre climático do Rio Grande do Sul em 2024 e nas recorrentes queimadas na Amazônia.

O processo de envolvimento de diversas partes interessadas no investimento social, onde mais de um ente se mobiliza para financiar, mobilizar recursos, implementar e monitorar uma causa é chamado de cadeia filantrópica e gera valor não só para a sociedade, mas também para as empresas envolvidas.

Após as experiências desenvolvidas através da colaboração em ações emergenciais, o desafio passa a ser a estratégia continua. Como sair do modo “resposta à crise” e consolidar políticas consistentes de investimento social, capazes de sustentar mudanças estruturais nos territórios? Foi com essa provocação que a moderadora Thaís Nascimento, Coordenadora de Programas no GIFE, abriu o painel “Reverberando impactos: a geração de valor na cadeia filantrópica” durante o Fórum Brasileiro de Investidores e Filantropos Sociais 2025.

 

Veja a sessão completa em:

 

Olhar para uma causa e para o seu contexto é essencial. Aron Zylberman, diretor executivo do Instituto Cyrela, contou como a filantropia se tornou um princípio organizador da atuação social da companhia. Bebendo da fonte do “valor compartilhado”, o Instituto Cyrela atua com projetos que entregam impacto social e fazem sentido para o negócio. Na prática, isso significou olhar os bairros onde a Cyrela constrói e investir em infraestrutura educacional pública (escolas, creches, espaços de aprendizagem) em um raio próximo aos empreendimentos, sobretudo os da marca de habitação popular. Ao conectar investimento social e estratégia de negócio, a empresa também fortalece reputação e licença para operar.

“Nós ficamos pensando que o nosso tema principal é educação, que já tem muita gente muito competente, vários institutos e fundações atuando. Para que fazer a mesma coisa? O que que o pessoal não faz? O pessoal não transforma os equipamentos de educação. O ambiente físico é fundamental para o processo pedagógico, é importante ter uma sala bem iluminada, com bom ambiente, com ar- condicionado, com recursos digitais disponíveis. E aí entrou o papel do Instituto Cyrela, construir a infraestrutura” , comentou Aron.

 

Apostando também na transformação sistêmica, o Instituto Natura atua em três frentes: educação, com forte componente de política pública; direitos e saúde das mulheres; e desenvolvimento integral das consultoras de beleza. David Saad, diretor presidente do Instituto, reforçou que escala e consistência vêm de uma tese clara de transformação.

A conexão com o negócio se expressa com reputação, força de marca, engajamento de colaboradores e, sobretudo, prosperidade das consultoras, que inclusive financiam o instituto e têm um “IDH das consultoras” para orientar ações formativas que impactam seu bem-estar e renda.

“Por exemplo, no cuidado com a saúde com as mamas. Então, se a gente fizesse a pergunta que estávamos acostumados a fazer, que é ‘como eu posso ajudar?’, eu ia fazer uma campanha, ia fazer um projeto e ia fazer lá as minhas iniciativas. Como a pergunta que a gente fez foi diferente, que é ‘como a gente pode mudar o patamar da detecção precoce de câncer de mama no Brasil e, portanto, reduzir as mortes?’ , a gente teve que fazer uma estratégia muito diferente, cheia de colaboração, desenvolver com poder público, com outras organizações, e auxiliar outras organizações a trabalhar nesse tema”, explicou David.

Saad ainda aponta um desafio: Como gerar impacto social e para o negócio equilibrando o curto e o longo prazo? Segundo Saad, se o pêndulo ficar só no curto, captura-se valor comunicável e rápido, mas sem transformação social; se pender só ao longo prazo, o Instituto perde lastro com o negócio. O caminho é calibrar ambições, cultivar um interesse genuíno da liderança e trabalhar com metas e dados, mas preservando espaço para ousadia.

E é na colaboração que a ousadia pode residir. Alejandro Álvarez von Gustedt, vice presidente da Rockefeller Philanthropy Advisors Europa, destaca que a inovação floresce em ecossistemas: quando atores compartilham conhecimento e constroem soluções coletivas, o efeito é “mágico”. A colaboração, porém, esbarra em dois desafios recorrentes: a busca por atribuição (o desejo de dizer “aconteceu graças a nós”) e a ansiedade por métricas de retorno imediato. Se a ambição é transformação social, olhar de longo prazo e atuar via parcerias, em linha com o ODS 17, é inevitável.

 

“Nesses momentos de incerteza, de dificuldades, o papel dos investidores sociais e corporações não mudou. Talvez o ambiente tenha mudado um pouco, mas basicamente o que a gente precisa fazer para alcançar esse impacto ao apoiar comunidades é basicamente o mesmo: o caminho é engajamento, parcerias. Mas, nas comunidades principalmente, a gente precisa ouvir, trabalhar com os outros, criar essas parcerias. É assim que a gente consegue maximizar o retorno social dos investimentos por cada dólar ou real que você estiver investindo”, apontou Alejandro.

Ao final, um consenso atravessa as falas: gerar valor na cadeia filantrópica não é “apoiar projetos”; é alinhar estratégia social e estratégia de negócio, atuar onde a empresa tem capilaridade e responsabilidade (os territórios), colaborar com quem está na ponta e medir o que importa sem sufocar a ambição transformadora. É também reconhecer que reputação, engajamento e licença para operar são consequências quando a empresa investe socialmente de maneira estratégica.

Fotos: André Porto e Caio Graça/IDIS.