Por Luisa Lima, gerente de comunicação e conhecimento no IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e integrante do Movimento por uma Cultura de Doação.
Ao longo de seus 25 anos de história, o IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social tem desempenhado um importante papel no fortalecimento da cultura de doação no Brasil.
Quando cheguei aqui, há cinco anos, me chamou atenção poder me envolver com o tema. Era algo que eu valorizava e praticava, mas sem saber que doação poderia ser, também, uma causa e uma cultura. E como cultura, o retrato da doação não é estático, ela tem diferentes nuances, é impactada pelo meio e pode ser desenvolvida quando há intencionalidade.
E o que isso tem a ver com a missão do IDIS de inspirar, apoiar e ampliar o investimento social privado e seu impacto? Tudo. Em países onde a cultura de doação é mais desenvolvida, onde isso é um valor da sociedade e uma prática solidária cotidiana, as pessoas também tendem a demandar comportamentos similares de empresas e famílias de alta renda, gerando um ciclo virtuoso. E quando as organizações da sociedade civil têm mais recursos, podem alcançar ainda mais transformações positivas.
Para escrever este artigo, mergulhei na história do IDIS e na minha, e trago aqui algumas das contribuições para o fortalecimento da cultura de doação nos últimos 25 anos, entendo que essa cronologia nos ajuda a também entender a evolução do tema no Brasil.
Desde sua fundação, em 1999, o IDIS tem acumulado experiência com o apoio a diferentes investidores sociais, sejam eles indivíduos, famílias ou empresas. Em 2000, criou o Programa DOAR, voltado a estimular o olhar dos investidores às comunidades de seu entorno. Um dos produtos, lançado em 2008, foi a pesquisa Perfil do Investidor Social Local, realizada nos municípios paulistanos de Guarulhos, Limeira, Santa Bárbara d’Oeste e São José dos Campos. Naquela época, conforme apontado na publicação, havia pouco conhecimento sistematizado sobre doações individuais. A proposta foi então ir além da mera apresentação e análise dos dados obtidos, e provocar reflexões sobre o perfil dos doadores individuais e sua importância para a sustentabilidade das organizações da sociedade civil (OSCs), já que elas são as principais receptoras das doações.
Enquanto conduzia o Programa Doar, o IDIS avançava em outras frentes. Em 2005, formalizou uma parceria com a Charities Aid Foundation (CAF), organização britânica também comprometida com o avanço da filantropia estratégica e que, em 2024, celebra nada menos que seu centenário. A CAF, que aos poucos criou uma rede com presença em todos os continentes, também sentia falta de conhecimentos mais objetivos sobre cultura de doação. Assim, em 2010, lançou o World Giving Index (WGI), o ranking global da solidariedade. Desde então, anualmente, apresenta dados a partir de três dimensões – doação a organizações sociais, voluntariado e ajuda a desconhecidos. A última edição teve a participação de 142 países e, novamente, o IDIS contribuiu com a análise e disseminação. O Brasil, que já ocupou a 18ª posição no ranking, em 2024 apareceu em 86º lugar; com liderança da Indonésia, Quênia e Singapura.
O WGI traz alguns dados sobre a cultura de doação, mas era preciso um olhar mais profundo. Além de saber se houve algum tipo de doação, era preciso explorar quem é esse doador, quais suas motivações, quais as causas beneficiadas, qual sua visão de mundo. Igualmente importante, era conhecer melhor o não doador e as barreiras existentes para a mudança de atitude. Foi com esse intuito que o IDIS criou a Pesquisa Doação Brasil. A primeira edição, com dados de 2015, apresentou o primeiro retrato do comportamento do doador individual no País, a partir de um questionário formulado com a participação de diversos atores do campo. Desde então, temos investido na construção de uma série histórica, sempre com capítulos especiais que permitem análises ainda mais detalhadas. Em 2020, o destaque foi o impacto da pandemia. Em 2022, foi o comportamento da geração Z, e a próxima edição, que refletirá o ano de 2024, buscará identificar a influência das doações emergenciais sobre a cultura de doação. Os dados são usados não somente pelas organizações sociais que dependem da doação de indivíduos, mas também por governos, para embasar políticas públicas, por acadêmicos, que usam os números para pesquisas científicas, e pelo campo, para quem o acompanhamento sistemático contribui para mensurar o fortalecimento da cultura de doação.
Os achados da Pesquisa Doação Brasil também são insumos para outras ações do próprio IDIS. A primeira edição evidenciou que a maioria dos brasileiros acham que não devemos falar sobre as doações que realizamos. E quando não falamos sobre doações, o assunto simplesmente parece não existir. Por outro lado, havia uma disposição para falar sobre causas. E assim nasceu o Descubra sua Causa, uma plataforma que, a partir de um teste simples e divertido, apresenta oportunidades de doação alinhadas às causas mais importantes para os usuários. Lançada em 2018, já envolveu mais de 360 mil pessoas. Foi por volta desta época que eu cheguei ao IDIS. Para levar a iniciativa ainda mais longe, mais recentemente, a gestão passou aos cuidados do Instituto MOL, que tem justamente o fortalecimento da cultura de doação no Brasil como causa.
Em 2020, foi a hora de colocar tudo o que aprendemos em prática. O primeiro caso de covid-19 foi confirmado no Brasil no mês de março e em apenas três semanas, criamos o Fundo Emergencial para a Saúde – Coronavírus Brasil. Além de estruturar o mecanismo, era preciso levantar doações. Com a campanha Abrace a Saúde, captamos R$ 40,4 milhões junto a 11 mil doadores. Ao todo, foram beneficiados 59 hospitais filantrópicos, 1 organização social e um instituto de pesquisa que estavam na linha de frente da pandemia, contribuindo para o fortalecimento do sistema público de saúde.
Outras iniciativas que estimulam a cultura de doação são o Transformando Territórios, programa que fomenta o desenvolvimento de institutos e fundações comunitárias com foco territorial e que que mobilizam doadores das regiões onde atuam, e o Compromisso 1%, movimento realizado também em parceria com o Instituto MOL para fortalecer a cultura de doação corporativa.
Se por um lado houve o investimento em programas e projetos, igualmente importante, foi o apoio direto por meio de consultorias e o esforço de dar luz e somar a outras iniciativas do campo filantrópico. O tema é recorrente em debates e eventos promovidos pelo IDIS, como o Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais, para o qual recorrentemente convidamos especialistas. Acompanhamos a criação do Movimento por uma Cultura de Doação e a chegada do Dia de Doar no Brasil, ao lado de inúmeras outras pessoas e organizações. Apoiamos ações de advocacy para a promoção de um ambiente regulatório mais propício à cultura de doação e estamos à disposição para contribuir a muitas outras ações.
Assim, juntos, criamos narrativas positivas e capazes de ‘furar a bolha’. Doadores podem doar mais e com mais intencionalidade. Não doadores, podem perceber que contribuir para as causas que são importantes para si é mais fácil do que parece. Engajar a imprensa, dessa forma, é um elemento-chave. Ao mesmo tempo que os municiamos de dados e reflexões, também formamos uma geração de jornalistas mais atentos e sensíveis a essa pauta.
O IDIS foi uma grande escola para mim, além de ter me aberto portas para esta potente rede que é o Movimento por uma Cultura de Doação, e a todos que fazem parte. A cada dia, adentro mais neste mundo. Provavelmente, com mais saberes, mas também com mais perguntas que tinha há cinco anos. O que levo de certeza é que fortalecer a cultura de doação é uma tarefa necessária e que não depende de uma única pessoa ou organização. Essa é uma missão coletiva, com ações confluentes. E por isso, não posso deixar de agradecer a todos que participaram de algum dos projetos aqui citados, e que se dedicam a esta causa de alguma forma. É juntos que fortaleceremos a cultura de doação no Brasil!