Os nós do S na agenda ESG

Por Gabriel Bianco, gerente de projetos do IDIS

No Brasil, o pilar social (o ‘S’ do ESG) tem ganhado destaque, sendo apontado como prioridade por 72% dos respondentes da pesquisa Panorama ESG 2024, realizada pela Amcham e Humanizadas. A pesquisa abrangeu empresas de médio e grande porte, que juntas somam R$ 756 bilhões em faturamento e empregam 651 mil pessoas, representando 69% da amostra.

Esse foco crescente no pilar social reflete sua importância tanto na mitigação de riscos quanto na criação de vantagens competitivas. Um dos principais componentes dessa agenda é o investimento social privado (ISP), que se revela fundamental para gerar valor e fortalecer os laços com stakeholders. A pesquisa ‘Investimento Social Privado: estratégias que alavancam a Agenda ESG’, conduzida pelo IDIS, reforça essa conexão, ao mostrar que o ISP está entre os dez fatores mais correlacionados com as notas do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3) de 2022-2024. Esse dado evidencia que empresas com um desempenho sólido em ISP tendem a se destacar no campo da sustentabilidade, especialmente no aspecto social.

Nesse contexto, foi realizado o painel ‘Os nós do S na agenda ESG’ durante o Fórum Brasileiro de Investidores e Filantropos Sociais  2024. O debate abordou temas de relevância para a evolução das práticas sociais nas empresas, contando com a participação de Luciana Morelli, diretora do Office of Equality da Salesforce para América Latina; Liane Freire, fundadora e CEO do Blend Group Brasil; Mônica Gregori, COO do Pacto Global Brasil; e foi moderada por Tarcila Ursini, conselheira de empresas e co-presidente do Sistema B.

 

Veja a sessão completa em:

 

Ursini abriu o debate com a seguinte pergunta aos palestrantes: “Como podemos colocar as pessoas e a sociedade no centro das decisões empresariais? Cada palestrante trouxe sua perspectiva sobre como suas organizações estão enfrentando os desafios sociais e promovendo mudanças estruturais, dentro e fora das empresas, por meio da filantropia corporativa e sua integração na agenda ESG.

Luciana Morelli destacou a importância do programa Pledge 1% da Salesforce – uma empresa líder no setor de tecnologia, especializada em ferramentas de CRM e Cloud. Nesse programa, 1% do lucro, do tempo dos colaboradores e dos produtos e serviços são doados para causas socioambientais. Segundo Luciana, esse compromisso é parte fundamental da cultura organizacional da Salesforce e se reflete em ações concretas como voluntariado e doações. Globalmente, já foram doados 730 milhões de dólares por meio do Pledge 1%, com 19 mil empresas signatárias deste modelo de compromisso criado pela Salesforce. Inspirado no Pledge 1%, o IDIS e o Instituto MOL lançaram recentemente o Compromisso 1%.

No Brasil, em dez anos de operação, a Salesforce já doou mais de 60 mil horas de trabalho voluntário e um volume significativo de recursos financeiros para OSCs, incluindo iniciativas de combate à fome, ações humanitárias, promoção da saúde e reflorestamento. Luciana também destacou a responsabilidade social das empresas de tecnologia frente aos rápidos avanços da Inteligência Artificial:

“Como a gente tem certeza de que estamos usando uma linguagem inclusiva em nossos serviços? Para isso, utilizamos nossos próprios grupos de afinidade com pessoas diversas para nos verificarem a acessibilidade e inclusão. Além disso, como diminuir o desemprego estrutural e a falta de conhecimento de pessoas que estão ficando para trás com os avanços da IA? Estamos em um momento de intensas discussões sobre como avançar com esta tecnologia com um olhar de negócio, mas mantendo práticas responsáveis em relação às questões sociais envolvidas nas consequências da IA”.

Luciana também ressaltou os benefícios de atuar com responsabilidade social, diversidade e uma visão de longo prazo, destacando o potencial de justiça social e redução de desigualdades por meio de ações de Diversidade e Inclusão (D&I). Ela trouxe uma declaração de Marc Benioff, fundador da Salesforce: “A empresa não irá tirar o pé do acelerador em ações de D&I”, enfatizando o compromisso da empresa em seguir firme nessa agenda, mesmo diante de um cenário de cortes em departamentos de D&I no setor de tecnologia.

Como mensagem final, Luciana reforçou que, para destravar os ’nós’ do pilar social na agenda ESG, as empresas devem primeiro entender os impactos negativos gerados internamente – seja nos colaboradores, na sociedade ou no meio ambiente – e, em seguida, desenvolver estratégias baseadas em dados e metas. Ela citou o exemplo do compromisso Pledge 1%, que assegura recursos no médio prazo para ações socioambientais, que devem ser mensuradas e, se necessário, ajustadas ao longo do tempo.

Liane Freire, com sua vasta experiência no desenho de projetos de impacto sistêmico intersetoriais, trouxe ao debate três aspectos fundamentais a serem considerados na agenda social: filantropia, finanças e liderança.

Primeiramente, destacou a natureza do recurso filantrópico e suas características. Liberdade, autonomia e rapidez são vantagens do recurso filantrópico, que pode ser utilizado para enfrentar situações emergenciais, calamidades públicas ou mitigar impactos negativos das operações das empresas. Inovação, propósito e legado também são vistos como diferenciais do ISP, uma vez que sua lógica de aplicação deve dialogar com os objetivos estratégicos da empresa, agendas público-privadas e demonstrar resultados ao avaliar o impacto das ações.

Sobre finanças, Liane ressaltou que as soluções de blended finance (finanças mistas) são essenciais para criar escala e resultados de longo prazo. Essa abordagem combina diferentes formas de capital – como filantrópico e comercial – para alavancar investimentos em causas sociais e ambientais. No Brasil, a necessidade de financiamento de projetos de impacto é grande, e o capital garantidor é um dos principais obstáculos para o avanço dessa agenda. Liane apontou que o recurso filantrópico de bancos de desenvolvimento, como o BNDES, é importante para superar essa barreira. Em relação à liderança, ela destacou:

“Para realizar um projeto de sucesso, o que viabiliza o arranjo de complementariedade de recursos é cada um saber o seu lugar, são pessoas, lideranças, que já enxergam a possibilidade de composição de solução de financiamento com outros atores. E digo mais: o Brasil está liderando a pauta de Blended Finance no mundo”.

Mônica Gregori, por sua vez, destacou o crescimento da rede do Pacto Global no Brasil, que hoje é a segunda maior do mundo, com mais de duas mil empresas signatárias e adesão crescente. Por meio dos quatro pilares de atuação do Pacto Global – direitos humanos, meio ambiente, anticorrupção e trabalho – as empresas podem assumir compromissos públicos e participar de 10 movimentos e plataformas de ação, atuando de forma planejada e colaborativa.

Mônica afirmou a importância de as empresas criarem ações eficazes para atingir as metas socioambientais até 2030, contando com o Pacto Global para orientá-las nesses esforços. Ao ser questionada sobre o maior desafio da agenda social, Mônica respondeu:

“Existem muitos nós ainda na agenda ESG, mas diria que nosso maior desafio hoje é como engajar as cadeias de valor nos mesmos compromissos. As empresas por si só são catalisadoras de mudanças ao engajar parceiros em todos os elos da cadeia produtiva. Eu vejo que existe uma grande inquietação das empresas hoje em aprender juntas sobre melhores práticas e como combinar esforços para avançar.”

Em sua fala final, Mônica enfatizou a necessidade de as empresas atuarem com coerência e consistência ao assumirem compromissos ESG, destacando que esses compromissos devem ser incorporados à estratégia central dos negócios e não apenas tratados como iniciativas secundárias. O Pacto Global oferece ferramentas e capacitações, garantindo que ninguém fique para trás na jornada ESG.

O painel concluiu com uma reflexão sobre os principais desafios que ainda precisam ser superados para que o pilar social da agenda ESG avance de forma eficaz no Brasil. Entre os desafios mencionados, destacaram-se a necessidade de maior engajamento das lideranças empresariais por meio de mecanismos de remuneração para acelerar as metas de sustentabilidade, além do fortalecimento da colaboração entre os setores público, privado e filantrópico. As palestrantes também enfatizaram a importância de continuar inovando e ousando, mesmo em tempos de incerteza, para garantir um futuro mais justo e inclusivo.

 

Fotos: André Porto e Caio Graça/IDIS.