O que falta para o brasileiro enxergar a doação para além de uma resposta a crises?

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 04/09/2024

Por Paula Fabiani, CEO do IDIS, e Luisa Lima, gerente de comunicação e conhecimento do IDIS

Altruísmo significa amor espontâneo pelo próximo. Em termos mais amplos, refere-se à capacidade de se dedicar a algo ou alguém sem esperar nada em troca, movido pela compaixão por uma causa ou situação. No fundo, quando falamos de altruísmo, estamos falando também de doação.

No Brasil, o ato de doar é difundido e socialmente reconhecido, especialmente em momentos de emergência, como vimos recentemente nas enchentes no Rio Grande do Sul. No entanto, ainda enfrentamos barreiras, como a desconfiança do doador em relação ao destino da doação e até mesmo a falta de identificação com certas causas e tipos de organizações.

O que falta para que o brasileiro comece a enxergar a doação não apenas como uma resposta a crises, mas como um caminho para uma sociedade mais justa, equânime e altruísta?

O recém-lançado World Giving Index 2024, uma das maiores pesquisas sobre doação já produzidas, com milhões de pessoas entrevistadas em todo o mundo desde 2009, revela um cenário que, a princípio, pode parecer animador, mas mostra que ainda temos uma longa estrada a percorrer no que diz respeito à generosidade.

Nesta edição, WGI incluiu dados de 142 países. Participantes da pesquisa foram questionados se realizaram, no último mês, três tipos de ações: ajuda a um desconhecido, doação em dinheiro a uma organização social ou prática de voluntariado.

O Brasil subiu três posições em relação ao ano anterior e agora ocupa o 86º lugar no ranking. O relatório aponta uma leve melhora de 3 pontos percentuais no dinheiro doado a ONGs. Ajudar pessoas desconhecidas continua sendo o comportamento predominante, praticado por 65% dos entrevistados.

O levantamento, realizado entre setembro e novembro de 2023, não contabiliza doações realizadas em decorrência da tragédia climática no Rio Grande do Sul.

No ano de 2022, em um país ainda comovido pela pandemia de Covid-19, ficamos entre os 20 países mais solidários do mundo. À época, o estudo destacou que 3 em cada 4 brasileiros ajudaram um estranho.

Contudo, de lá para cá, caímos mais de 60 posições no ranking. Olhando dessa forma, parece um resultado desalentador. Mas, em termos de pontuação, foi o segundo melhor resultado absoluto que atingimos desde 2009.

A pesquisa nos apresenta também parâmetros mundiais inspiradores para o Brasil. Nos últimos dois anos, muitos países registraram crescimentos significativos em seus níveis de generosidade. A Indonésia, pelo sétimo ano consecutivo, é o país mais generoso do mundo, com 90% da população doando dinheiro para ONGs e 65% destinando seu tempo a ações de voluntariado.

Curiosamente, entre os dez países que lideram o ranking de generosidade, apenas duas estão entre as maiores economias do mundo (Indonésia e Estados Unidos), enquanto a Gâmbia, um dos países mais pobres do mundo, ocupa o quarto lugar.

Políticas públicas voltadas ao incentivo à filantropia, como incentivos fiscais, matching de doações individuais e benefícios para a prática de voluntariado corporativo, têm mostrado resultados positivos em Singapura e podem servir de exemplo para o Brasil.

O potencial do doador do brasileiro em situações críticas e emergenciais é inquestionável. No entanto, para fortalecer a generosidade e a cultura de doação no país, é essencial que a prática de doação se torne regular.

É preciso transformar o ato de doar em uma expressão contínua de cidadania e compromisso, capaz de gerar impactos socioambientais positivos e duradouros em nossa sociedade. O verdadeiro altruísmo se manifesta quando a doação transcende o imediato e se torna parte do cotidiano.

Crianças e jovens também podem (e querem) salvar o planeta!

Estudo ‘3 coisas que eu quero mudar no mundo’ e Pesquisa Doação Brasil mostram crescente tomada de consciência social das novas gerações

De acordo com a 4ª edição da pesquisa 3 Coisas que eu Quero Melhorar no Mundo, promovida pela plataforma de Educação para Gentileza e Generosidade, desde 2020 existe um aumento gradativo e contínuo de tomada de consciência social pelas novas gerações.

Utilizando a metodologia de respostas abertas para a pergunta: “quais são as 3 coisas que eu quero melhorar no mundo”, a pesquisa ouviu crianças e jovens até 18 anos, em todo o Brasil, e efetivou análises quantitativas e qualitativas dos dados inclusive com rankings regionais para compreender as diferentes percepções e demandas de acordo com a realidade vivenciada. No comparativo da edição 2023 com as edições anteriores, o que se mantém sempre em primeiro lugar é a preocupação em melhorar a educação e o direito de estudar.

Questões emergenciais como acabar com a fome e a insegurança alimentar, acabar com a violência e ter mais segurança, acabar com desemprego, mais saúde para todos e resolver o acesso ao saneamento básico, entre outras, convivem com desafios estruturais como acabar com a desigualdade socioeconômica e com a pobreza, resolver o desafio das pessoas em situação de rua, investir mais em ciência, tecnologia, cultura e leitura, por exemplo.

As novas gerações identificam também o que permanentemente merece atenção, como o fim do preconceito e do racismo, a valorização dos direitos humanos e dos direitos das mulheres e das crianças, além de cuidar da natureza e respeitar o meio ambiente, estar em alerta com as queimadas, o desmatamento e o aquecimento global, reduzir a poluição, ampliar processos de reciclagem, cuidar dos direitos dos animais. E projetam como perspectivas para uma convivência mais harmoniosa entre todos mais respeito e tolerância, mais amor e empatia, mais gentileza, solidariedade e generosidade e, em tempos de preocupação com a saúde mental, mencionada pela primeira vez nos quatro anos de estudo, mais qualidade de vida, felicidade, passeios, jogos e brincadeiras em um mundo com mais paz e menos guerras.

“As crianças e jovens estão percebendo, precocemente, que o ‘mundo melhor’, com mais dignidade e senso comunitário para uma convivência mais harmoniosa entre todos, depende de muitas resoluções concretas que precisam ser tomadas o quanto antes. O futuro é altamente dependente da saúde do planeta e das pessoas hoje e, cada vez mais cedo, as crianças estão percebendo a complexidade das interdependências que muitas lideranças, nos mais diversos âmbitos, ou não enxergam ou não estão interessadas em enxergar”, pontua Marina Pechlivanis, idealizadora da Educação para Gentileza e Generosidade.

De acordo com a Pesquisa Doação Brasil 2022, promovida pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e realizada pela Ipsos, revelou que 84% dos jovens pertencentes à faixa etária de 18 a 27 anos, conhecida como ‘Geração Z’, efetuaram algum tipo de doação em 2022. Esse dado demonstra um aumento significativo em relação ao levantamento de 2020, no qual 63% dos respondentes dessa mesma faixa declaravam ter realizado doações. As formas mais comuns de doação incluem a contribuição de bens materiais (76%), seguida por doações em dinheiro (43%) e doações de tempo/trabalho voluntário (30%). A Geração Z tende a doar proporcionalmente mais por meio do trabalho voluntário do que o restante da população e menos em dinheiro. Essa discrepância pode ser atribuída à menor renda média desse público se comparado a gerações mais maduras.

A pesquisa também revela que os jovens que fazem doações têm uma tendência significativa a promover ou contribuir de alguma forma para campanhas de arrecadação ou mobilização. Este dado foi confirmado por 7 em cada 10 jovens doadores em 2022, sendo que 20% deles afirmam ter feito isso em mais de uma ocasião. O grupo também demonstra um otimismo maior em relação às Organizações Não Governamentais (ONGs), quando comparados à população em geral. Entre os jovens, 73% concordam que as ONGs desempenham um papel fundamental no combate aos problemas socioambientais, e 83% concordam com a afirmação de que ‘as ONGs dependem da colaboração de pessoas e empresas para obter recursos e funcionar’. Além disso, mais do que o presente, na Pesquisa Doação Brasil 2022, 52% dos doadores da Geração Z não apenas afirmaram planejar continuar suas doações, como também acreditam que doarão mais em comparação com o ano anterior. Essa abertura indica uma oportunidade valiosa para as organizações filantrópicas de se envolverem com a Geração Z.

 “O acesso à informação instantânea pela internet e redes sociais aproxima os jovens aos eventos e desafios globais. Além disso, a educação e sensibilização sobre essas questões estão cada vez mais presentes no cotidiano. À medida que as novas gerações naturalmente desenvolvem uma consciência mais aguçada das questões socioambientais que afetam o mundo, tendem também a se engajarem mais no futuro.Afirma Luisa Lima, gerente de comunicação e conhecimento no IDIS.

 

Sobre a Educação para Gentileza e Generosidade

Considerando a educação como um caminho viável para a conscientização e a transformação social, a primeira plataforma brasileira de Educação para Gentileza e Generosidade oferece gratuitamente soluções sistêmicas integrativas, interdisciplinares e interpúblicos com base nos 7PEGG. Para as escolas, metodologia com 26 planos de aula adaptados da renomada Learning to Give e adequados à nova BNCC, curso de formação de professores e prêmio. Para as famílias, vídeos, leituras e atividades para melhorar o convívio e desenvolver virtudes humanitárias. Para jovens lideranças sociais, eventos e oportunidades de conexão e visibilidade. Para a sociedade, estudos e pesquisas inéditos com crianças e jovens. Para ambientes de trabalho, dinâmicas de desenvolvimento humano para programas de treinamentos e materiais de comunicação e ambientação, além do Manual de Conhecimento e Autoconhecimento e o Teste dos 7 Princípios. Tudo programado para ser descomplicado, acolhedor e acessível, facilitando a multiplicação e a implementação. Entre os apoiadores-mantenedores estão o Movimento Bem Maior e a Fundação José Luiz Egydio Setúbal.


Sobre o IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Fundado em 1999, o IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social é uma organização social independente e pioneira no apoio estratégico ao investidor social no Brasil. Tem como missão inspirar, apoiar e ampliar o investimento social privado e seu impacto, promovendo ações que transformam realidades e contribuem para a redução das desigualdades sociais no país. Sua atuação baseia-se no tripé geração de conhecimento, consultoria e realização de projetos de impacto, que contribuem para o fortalecimento do ecossistema da filantropia e da cultura de doação.

 

Texto originalmente publicado no Observatório do Terceiro Setor em 19/12/2023