Como podemos aumentar a participação cívica?

10 de agosto de 2018

Por Andréa Wolffenbüttel, diretora de Comunicação do IDIS

De vez em quando, mais raramente do que eu gostaria, aparecem algumas pessoas trazendo informações interessantes. Uma dessas ocasiões aconteceu no final de julho, quando recebi, aqui no IDIS, o Rubens Sanghikian, que elaborou sua dissertação no mestrado de economia pelo Insper.

O rapaz entrou em contato pelo e-mail do nosso site, oferecendo-se para apresentar os resultados da sua tese, uma pesquisa sobre o que leva as pessoas a desenvolverem algum tipo de participação cívica.

Quando o estudante chegou, trouxe consigo um relatório de mais de quarenta páginas com muitas, mas muitas informações valiosas. Ao final da apresentação, aconselhei-o a escrever um artigo com os principais dados da pesquisa para ser divulgado no universo do terceiro setor e evitar que todo o trabalho ficasse ‘escondido’ no meio da produção acadêmica em geral.

Ele fez uma contraproposta, sugerindo não um, mas uma série de quatro artigos discutindo o perfil de indivíduos que apoiam organizações e fatores que influenciam a decisão de doar dinheiro e fazer trabalho voluntário.

Aqui está o primeiro artigo.

1ª Artigo da série
‘O que leva as pessoas a apoiarem organizações da sociedade civil? ’

Por Rubens Sanghikian, mestre em economia pelo Insper

A fonte dos dados desse artigo é a minha tese de mestrado em Economia, elaborada sob a orientação da professora Drª Regina Madalozzo.

Antes de entrar no tema do artigo propriamente dito, vale a pena falar um pouco sobre sociedade civil. Apesar da expressão ser muito usada, nem sempre existe um consenso sobre seu significado. Sociedade civil é o conjunto das organizações voluntárias que servem como mecanismo de articulação de uma sociedade. E a principal característica dessas organizações é não estarem apoiadas na força do Estado (governo) ou do mercado.

Portanto, quando falamos de participação cívica, estamos nos referindo a qualquer tipo de ação ligada às organizações da sociedade civil, tal como associação, doação de recursos financeiros ou realização de trabalho voluntário.

Para as organizações da sociedade civil, um dos principais desafios, se não o maior, é a dificuldade em captar recursos financeiros e humanos para completar seus objetivos. Esta foi uma das razões que me levaram a estudar o tema.

Qual o perfil de uma pessoa que apoia organizações da sociedade civil?

Com o objetivo de responder esta pergunta, utilizei o extenso e rico trabalho de Bekkers e Wiepking (2011, 2012) que realizaram um levantamento da literatura para verificar o perfil de quem faz doações.  Com base nesta ideia, fiz uma revisão de literatura para selecionar as principais características individuais que poderiam indicar o perfil de alguém que ajuda organizações. Utilizando a pesquisa World Values Survey, realizada de 2010 a 2014, obtive informações de aproximadamente 80 mil pessoas de 55 países.

Através da revisão bibliográfica e de modelos econométricos, consegui identificar os principais fatores que afetam a probabilidade de um indivíduo apoiar diferentes organizações: religiosas, ligadas ao esporte, partidos, ligadas à educação, sindicatos, profissionais, instituições de caridade, causas do consumidor, grupos de auto ajuda e ambientais. Os resultados dizem respeito à população desses diversos países, mas tudo indica que se aplicam bastante bem à sociedade brasileira.

Principais resultados

1) Ter confiança nas outras pessoas:
Fundamental para o estabelecimento de vínculos, a confiança se mostra bastante relevante para todas as participações cívicas. Um indivíduo que acredita que se pode confiar nas outras pessoas tem maior probabilidade de se associar a uma organização,.

2) Ter interesse por política:Os debates e a busca por resolver um conflito, elementos presentes na política, estão presentes nas organizações da sociedade civil. Um indivíduo que declara que possui alto interesse por política tem maior probabilidade de se aproximar de entidades, independente da natureza da organização.

3) Classe Social à qual pertence:
O modelo aponta que quanto mais alta a classe social, maior a probabilidade de apoio. Indivíduos em situação financeira mais frágil possuem menos tempo e capacidade de ampliar a participação na sociedade. Organizações também buscam indivíduos com maior status social, devido a maior influência que eles possuem dentro da sociedade. Porém, devemos realizar ressalvas sobre a relação classe social e participação cívica. Por exemplo, a Pesquisa Doação Brasil indica uma queda participação da doação para indivíduos que ganham mais de 15 salários mínimos no Brasil. Já o Country Giving Report mostra que em termos de proporção da renda, pessoas de classe mais baixa contribuem mais.

4) Nível de educação:
Quanto maior o nível educacional maior a probabilidade de uma pessoa apoiar uma organização. A educação aumenta a percepção de problemas que existem no mundo, além de dar ideias de como solucioná-los, motivando as pessoas a ajudar.

5) Frequência com que assiste TV:
Um estudo realizado por Putnam (1995) afirma que a participação cívica poderia estar caindo devido ao fato das pessoas passarem mais tempo assistindo TV. Não consegui confirmar esta relação.

6) Frequência com que acessa à internet:
Um indivíduo que acessa diariamente a internet tem maior probabilidade de apoiar uma instituição. A internet e redes sociais são uma importante ferramenta de comunicação para as organizações, aumentando o número de solicitações a potenciais apoiadores.

7) Idade:
O estudo sugere que quanto maior a idade, maior a probabilidade de apoio para muitos tipos de organizações, menos para as ligadas ao esporte.

8) Ter religião:
O fato de uma pessoa ser religiosa se mostrou importante, indicando que é mais provável uma pessoa religiosa se aproximar de muitos tipos de organizações, tanto de ajuda a terceiros, quanto de autoajuda.

9) Ser estudante:
Quando comparamos estudantes em relação às pessoas que trabalham, vemos que eles tendem a participar mais em organizações educacionais, desportistas e religiosas. Porém, são menos ativos em sindicatos e organizações profissionais.

10) Ser do sexo feminino:
Este é um quesito onde a determinação biológica sofre alterações de acordo com as normas e convivência social. Percebe-se uma diferença significativa no tipo de organização que homens e mulheres escolhem para contribuir. É menos provável que mulheres estejam ligadas a organizações não religiosas, como partidos, desportistas e sindicatos. O estudo aponta que as mulheres sofrem com a desigualdade em relação aos homens até no terceiro setor, sendo menos representadas em certas atividades. Na mesma linha, os estudiosos Rotolo e Wilson (2007) destacam que mulheres em organizações têm maior probabilidade de realizarem trabalhos relacionados à alimentação, levantamento de recursos e eventos, enquanto homens têm maior probabilidade de participação em comitês de decisão, ensino e manutenção.

Tabela resumo

As tabelas abaixo mostram como as características das pessoas ou as atividades que elas praticam exercem influência sobre a probabilidade de ela vir atuar junto a determinado tipo de organização.

 

 

 

 

 

Conclusão

A importância deste estudo é que ele ajuda a identificar variáveis características que aumentam ou diminuem a probabilidade de pessoas apoiarem organizações, podendo auxiliar no direcionamento de recursos e escolha de público alvo durante captação de recursos e recrutamento de voluntários, por exemplo.

O perfil de um apoiador seria o de uma pessoa que confia nos indivíduos, com alta instrução e alta classe social, que gosta de política, tem religião e com alto acesso à informação.

No próximo artigo da série, apresentarei características de países com grande participação em doações, trabalho voluntário e ajuda a desconhecidos.

Referências

BEKKERS, R.; WIEPKING P. Who gives? A literature review of predictors of charitable giving. Part One: Religion, education, age and socialization. Voluntary Sector Review, v. 2, n. 3, p.337-365, 2011.
BEKKERS, R.; WIEPKING P. Who gives? A literature review of predictors of charitable giving. Part Two: Gender, family composition and income. Voluntary Sector Review, v. 3, n. 2, p.217-245, 2012.
PUTNAM, R. D. Bowling Alone: America’s Declining Social Capital. Journal of Democracy, v. 6, n.1, p. 65-78, 1995.

ROTOLO , Thomas; WILSON, John. Sex segregation in Volunteer Work. The Sociological Quartely, v. 48, n. 3, p. 559-585, 2007.
SANGHIKIAN, Rubens. Participação cívica: associação, doação e trabalho voluntário. 2017. 44 f. Dissertação (Mestrado profissional em economia) – Instituto de Ensino e Pesquisa – INSPER, São Paulo, 2017.

WVS WAVE 6. Madrid: World Values Survey, 2010-2014. Disponível em: <http://www.worldvaluessurvey.org/WVSDocumentationWV6.jsp>. Acesso em: 18 de jun. 2017.
Country Giving Report 2017 – Brasil. São Paulo: Charities Aid Foudation e Instituto para o

Desenvolvimento do Investimento Social, 2017. Disponível em: https://www.idis.org.br/wp-content/uploads/2017/11/country-giving-report-2017-brasil.pdf .Acesso: 30 de julho de 2018.
Pesquisa Doação Brasil. São Paulo: Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, 2016.

Disponível em: http://idis.org.br/pesquisadoacaobrasil/wp-content/uploads/2016/10/PBD_IDIS_Sumario_2016.pdf. Acesso: 30 de julho de 2018.