Surpresas e mistérios da Pesquisa Doação Brasil

21 de junho de 2016

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Indiscutivelmente, a maior surpresa proporcionada pela Pesquisa Doação Brasil foi a constatação de que temos uma cultura de doação. O fato de que 77% da população praticou algum tipo de doação ao longo de 2015 mostra que o hábito de doar faz parte da vida do brasileiro. Sabemos que em termos de número de praticantes e valores arrecadados estamos bem aquém dos países com cultura de doação mais arraigada – o que indica que ainda temos um caminho a percorrer -, mas a notícia, por si só, merece comemoração.

A pergunta que se segue é por que não temos essa percepção no cotidiano. A própria pesquisa traz alguns indícios e o principal deles é que mais de 80% da população acha que o doador não deve falar que faz doações. Ou seja, doar é um ato íntimo que não deve ser comentado ou divulgado. Essa postura, provavelmente imbuída de valores nobres como humildade e discrição, contribui para dificultar a identificação do doador. Mas seguramente esta não é a única explicação e precisaremos analisar a questão com mais profundidade e sob as lentes de diversas áreas de conhecimento.

Outro dado curioso diz respeito às causas que mais sensibilizam os brasileiros. Enquanto os grandes investidores sociais privados concentram pesadamente suas doações na área da Educação, os brasileiros apontam a Saúde como a área social mais preocupante e sensibilizadora. Essa percepção foi corroborada por doadores e não doadores, em mais de uma pergunta. A desigualdade de percepção sobre qual o maior problema social presente talvez seja fruto da diferença de opinião daqueles que lidam diariamente com os serviços públicos e daqueles que não têm contato com essa realidade e tomam suas decisões com base em pensamento estratégico e cálculo do maior retorno social do investimento.

Além dessa diferença de perspectiva, também existe o fato de que alguns levantamentos recentes mostraram que muitos pais estão satisfeitos com a qualidade da Educação que os filhos recebem na rede pública. Apesar dessa postura ser quase chocante para aqueles que comparam nossa Educação com a de outros países mais desenvolvidos, esses pais apenas estão reagindo a uma pequena melhora do serviço se comparado com o que eles mesmos receberam quando estudaram na rede pública.

A influência da religião sobre o ato de doar não chega a ser surpresa, uma vez que quase todas as religiões pregam alguma forma de caridade, mas o fato de que quase um terço das doações para organizações sociais vão para entidades/ações que têm algum tipo de vínculo com igrejas (não incluindo aqui o pagamento de dízimos) mostra como as igrejas ainda são muito fortes no Brasil, quando se trata de ações sociais.

Essa é uma tradição herdada de decisões tomadas no século XIX, na época da vinda da Família Real. Foi nesse período que o Imperador João VI determinou que os serviços de Saúde e Educação seriam prestados pela Igreja Católica e, para apoiá-la, criou a Santa Casa, entidade hospitalar que existe até hoje, agora reestruturada em termos de governança, mas que mantém seu nome e é o único hospital em muitas cidades deste imenso país.

Enfim, a análise dos resultados da Pesquisa Doação Brasil está apenas começando e será feita por grupos multidisciplinares que aportarão, cada um, seu diferente instrumental. O relatório final da Pesquisa será lançando no V Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais, que vai acontecer no dia 6 de outubro.