O desafio da estruturação dos Programas de Voluntariado

por Clarissa Martins, gerente de Programas Corporativos e Saúde Organizacional na Phomenta, responsável pelo desenvolvimento e implementação de programas de voluntariado corporativo de habilidades (pro bono).

 O voluntariado é uma importante ferramenta para o Terceiro Setor. De acordo com dados da Abong divulgados em 2021, 70% das Organizações Não Governamentais (ONGs) brasileiras atuam quase integralmente com trabalho voluntário. Independentemente do papel que o voluntariado tem na organização, se ele é realizado para tarefas pontuais e específicas ou se ele é o principal vínculo das pessoas com a ONG, uma coisa é certa: a profissionalização da gestão dos programas de voluntariado é uma tendência e já se mostrou essencial para as organizações.

Fato é que estruturar um programa de voluntariado não é fácil. Exige tempo e dedicação da equipe da ONG. Vejo isso como o principal desafio para as organizações. A profissionalização do voluntário acaba sendo mais uma tarefa, dentre tantas outras, que a ONG precisa dar conta de fazer. E, se as organizações do Terceiro Setor já atuam em um contexto de recursos limitados, o cenário fica ainda mais desafiador devido às consequências da covid-19. De acordo com o estudo o Impacto da COVID nas Organizações da Sociedade Civil (OSCs) Brasileiras, da Mobiliza, 65% das ONGs apontam diminuição significativa de acesso a recursos financeiros e 40% delas mencionam estresse e sobrecarga da equipe. 

Apesar do desafio, investir na estruturação de um programa de voluntariado ainda vale a pena e destaco aqui três vantagens: 

  1. Programas de voluntariado atraem e retêm mais pessoas: estruturar um programa exige pensar em toda a jornada do voluntário na ONG, desde como as pessoas ficarão sabendo das vagas até como os voluntários serão acompanhados e reconhecidos. Com isso, a organização passará a ter uma postura ativa na divulgação de vagas e poderá chegar a cada vez mais pessoas. Além disso, com os voluntários sabendo o que se espera deles, para quem reportar, recebendo feedback e sendo envolvidos em ações de integração e reconhecimento, são maiores as chances de que permaneçam na organização por mais tempo. 
  2. Possibilita que o voluntariado seja mais estratégico para a ONG: normalmente relacionamos a atividade voluntária com as ações mais operacionais de uma organização, como fazer hortas, pintar muros e brincar com os beneficiários. Porém, o voluntariado pode ir além e também ser uma fonte de conhecimento especializado em áreas que a organização não tem equipe interna fixa, como, por exemplo, recursos humanos, marketing e gestão de dados. Refletir sobre qual apoio a organização necessita é um excelente exercício para ampliar o campo de visão sobre o quanto o voluntariado pode agregar para as ONGs. 
  3. Maior proteção para a organização: o trabalho voluntário é regulado pela Lei nº 9.608/1998, que define, entre outros aspectos, que se trata de um trabalho não remunerado e que não gera vínculo empregatício. Para a organização estar juridicamente protegida, é necessário que seja firmado, entre voluntário e ONG, um termo que esclareça essa relação. A profissionalização do voluntariado pressupõe que haja uma ou mais pessoas responsáveis por esta gestão e seus processos. Dessa forma, tem-se maior garantia que as exigências legais estão sendo cumpridas dentro da ONG. Ainda que a profissionalização do voluntariado demande tempo e dedicação da ONG, é importante relembrar que o trabalho voluntário é uma forma de se ter mais pessoas atuando nas organizações.

Estruturar um programa exige muito no início, mas pode trazer excelentes resultados no médio e longo prazos. Além disso, vale ressaltar que a estruturação pode ser feita aos poucos, respeitando-se o momento e a disponibilidade da organização.

Referências
https://mobilizaconsultoria.com.br/o-impacto-da-covid-19-sobre-as-oscs-brasileiras/
https://abong.org.br/wp-content/uploads/2021/05/Remuneracao-de-dirigentes-das-OSC.pdf

Voluntários: luzes em tem tempos de escuridão!

Por Ricardo Martins, fundador e presidente da ONG Olhar de Bia e fundador da Rede Conectados do Terceiro Setor, voluntário por missão e vocação. 

Missão ou vocação?  Ser voluntário é atender ao chamado maior que nos coloca para doar o que temos de mais precioso: nosso tempo! Nossas expertises, conhecimentos e a nossa história! Doar o que temos de melhor para outras pessoas ou causas. 

Em tempos de pandemia, nos colocamos na linha de frente sem medo, ou melhor, se o medo existiu fomos com ele mesmo. E de uma forma tão particular formamos e demos musculatura a uma rede de atores, a Conectados do Terceiro Setor. 

De uma maneira muito simples e com informalidade indivíduos e organizações, as INGs (Indivíduos Não Governamentais) e as ONGs (Organizações Não Governamentais) se uniram para ajudar! Algumas organizações bem estruturadas, inclusive na gestão de seus voluntários, mas outras apenas grupos de trabalho, com muita vontade de estar junto, de apoiar e de doar trabalho, tempo e recursos nesses tempos tão desafiadores de pandemia e distanciamento social. Desejo de ser a diferença em um mundo tão indiferente. A rede se formou não estamos sozinhos, reunimos pessoas empáticas, que descruzaram seus braços para fazer o bem!  

Não havia necessidade de formalizar, de assinar compromissos e de medir resultados: eram tempos de realizar, de atender as demandas, de prover e conter as necessidades e os resultados eram sorrisos e agradecimentos. O grupo foi chamado de os doidos do bem! Mas depois foram reconhecidos como luzes em tem tempos de escuridão! Com os Conectados, conseguimos ter na prática que para fazer o bem de fato, não é necessário termos tantas e tantas regras, leis, letramento que, infelizmente, afastam quem quer apoiar e bate à porta para ajudar em tempos de emergências. 

Agora, um novo momento! Construímos uma rede de confiança, pessoas com o mesmo propósito, que, apesar de fazerem o bem por caminhos diversos, seja na educação, na assistência, meio ambiente, sustentabilidade, etc., possuem valores comuns, e ainda o desejo de diminuir desigualdades, trazer qualidade de vida e justiça para todos. É momento de dar condições aos projetos e ao movimento, que estava na informalidade décadas, a profissionalização. A força do voluntariado vai construir isso! São gestores, advogados, contadores, assistentes sociais, publicitários, administradores e mentores que, neste novo tempo, trarão condições de estruturar, por meio de legislações e treinamentos, a melhoria contínua da rede para seguir apresentando e trazendo o melhor para quem necessita, com urgência de ser atendido e acolhido. 

Que a pesquisa do Voluntariado no Brasil perceba que quem vem para o voluntariado, de maneira organizada ou na informalidade, tem a finalidade de cuidar de gente, construir um mundo cada vez melhor! É ouvir sua Vocação, realizar sua Missão, começando sempre pelo AGORA.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.

Este artigo integra uma série de conteúdos escritos à convite dos realizadores da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, com intuito de analisar e enriquecer os achados do estudo. Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.

Acesse o site da Pesquisa Voluntariado no Brasil

O papel do voluntário nas situações emergenciais

Por Leonard de Castro Farah, Capitão BM, cofundador da HUMUS BR, especialista em Redução de Risco e Desastres pela ONU e UNESCO.

Não se trata de você! Atualmente, estamos vivenciando um processo intenso de desastres relacionados a eventos naturais extremos no Brasil. Fortes chuvas, grandes deslizamentos, rupturas de barragens, muitas vezes associadas a pequenos sismos, grandes incêndios florestais. Todos esses eventos estão cada vez mais frequentes e preocupam muito a todos da sociedade, já que eles, assim como um vírus, não escolhem quem vão atingir.

Recentemente, vimos em Petrópolis uma cidade inteira ser devastada por um dia de chuva forte. E não foi só o morador em situação de risco que foi atingido: foi toda uma sociedade. 

O grande problema começa após a eclosão. O caos se instala! É inerente ao ser humano querer ajudar, a vontade de fazer algo, de partir para a ação, que parece, num primeiro momento, ser o melhor a ser feito, tem consequências desastrosas. O Sr. João sai da sua casa em seu carro e, sem saber das necessidades, recolhe roupas usadas, alguns quilos de alimento não perecíveis, produtos de higiene e vai para a cidade.

Chegando na cidade devastada, após percorrer vários quilômetros, tem que abastecer. Vai para um hotel e tenta encontrar um restaurante para comer algo. Quase todos fechados, pois os que não foram atingidos diretamente pelo evento não abriram, já que seus funcionários morreram, estão desaparecidos ou não foram trabalhar, pois perderam parentes e amigos e estão tentando entender todos os danos causados na cidade. Com fome, ele vai ao supermercado da cidade: poucos estão abertos e ele tenta comprar algo para comer, mas as filas longas das pessoas desesperadas já se formam. Ele fica horas ali para comprar um simples lanche e sai rodando a cidade sem saber onde entregar as doações. 

Não acha nenhum posto de recolhimento e acaba se dirigindo a um quartel de bombeiro ou a um posto policial. Lá, não tem praticamente ninguém, somente uma pessoa para tentar orientar aqueles que chegam. Sem ter estrutura para receber os materiais, ele pede que aquele voluntário deixe as doações ’Naquele canto ali mesmo’.

Está formado o ciclo do Caos. Iguais ao senhor João existem milhares que fazem a mesma coisa, lotando os hotéis, acabando com o combustível da cidade e comprometendo a logística, já que carretas não chegam por conta dos deslizamentos. As pessoas que perderam as casas não têm para onde ir, devido aos hotéis lotados de turistas do caos. Falta abastecimento de água na cidade, o lixo não é recolhido, doenças começam a se proliferar.

As pessoas precisam compreender que não se trata do que você quer fazer, mas, sim, do que a cidade precisa. Muitas vezes, a logística para se encher um carro com água e levar até uma cidade a 500 km de distância é muito mais prejudicial do que se você doasse o valor do combustível para uma instituição que você confia.

As ações de doações podem, sim, atrapalhar. Imagine toneladas de roupas espalhadas sem organização alguma, sujas e ficando num canto qualquer. Não adianta recolher os alimentos em um local se você não tem como fazer o escoamento para onde precisa.

O voluntário precisa entender qual é o seu papel no ciclo do desastre e onde está a lacuna que ele pode preencher. O caos se dá pelo fato de que a oferta de produtos é menor do que a demanda ou porque os produtos não chegam e os sistemas de fornecimento de insumos básicos são interrompidos ou porque há um crescimento vertiginoso das pessoas no local. Isso, por exemplo, é o que acontece com a questão dos refugiados.

Portanto, ajudar em um desastre requer qualificação, treinamento e, acima de tudo, um entendimento do que deve ser feito em todas as etapas de resposta, reconstrução, preparação e capacitação.

Por mais que tenhamos receio de doar quantias em dinheiro, temos que refletir que instituições sérias irão utilizar esses recursos da melhor maneira para socorrer quem precisa.

O voluntariado no Brasil para situações de desastres ainda é muito incipiente e se resume à doação de cestas básicas, geladeiras, fogões e outros materiais. As pessoas precisam entender que os eventos naturais continuarão a acontecer e irão, cada vez mais, prejudicar as comunidades vulneráveis. Diminuir a exposição e vulnerabilidade é fundamental. 

Ser voluntário é doar de coração para que a sua ajuda possa fazer a diferença na vida de quem precisa. É colocar em mente que não se trata do que você quer, e sim do que o outro precisa.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, em sua terceira edição, legitima o trabalho de milhares de voluntários na construção de um Brasil melhor, tanto no presente, quanto para as gerações futuras.

Este artigo integra uma série de conteúdos escritos à convite dos realizadores da Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, com intuito de analisar e enriquecer os achados do estudo. Não nos responsabilizamos pelas opiniões e conclusões aqui expressadas.

Acesse o site da Pesquisa Voluntariado no Brasil

Brasil, um país cada vez mais voluntário

Por Luisa Gerbase de Lima, Gerente de Comunicação no IDIS

Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 traz cenário positivo
e aponta caminhos para evolução por meio da participação de empresas

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 traz excelentes notícias. Em apenas duas décadas, o número de pessoas que já praticou alguma atividade voluntária em algum momento de sua vida mais que triplicou, passando de 18% para 56% da população. O número de voluntários ativos também é notável – mais de um terço da população (34%). Em outras palavras, são 57 milhões de brasileiros e brasileiras que doaram, em 2021, seu tempo, talento e energia em prol de uma causa em que acreditam e fizeram a diferença na vida dos beneficiados pela ação. E por que fazem? A grande motivação foi a solidariedade, indicada por 74% dos voluntários.

Vibramos com os números, mas não podemos dizer que são surpreendentes – vão ao encontro de achados de outras pesquisas que mostram o fortalecimento da Cultura de Doação e do voluntariado. No World Giving Index 2021, estudo global da britânica Charities Aid Foundation (CAF), promovido pelo IDIS, o Brasil ficou em 54º lugar entre 114 nações. Este ranking de solidariedade contempla atitudes como doação de dinheiro, ajuda a estranhos e voluntariado e, em termos absolutos, subimos 14 posições em relação a 2018 e 20 posições em comparação à média dos 10 anos anteriores.

Outro levantamento, a Pesquisa Doação Brasil 2020, realizada pelo IDIS e com foco em doação individual de dinheiro a causas, mostra que, apesar da queda nos índices de doação, há uma tendência de amadurecimento da sociedade – mais de 80% dos entrevistados concordam que o ato de doar faz diferença e, entre os não doadores, essa concordância atinge 75%. O conceito de que a doação faz bem para o doador também cresceu significativamente entre 2015 e 2020, de 81% para 91% da população, atingindo uma maioria quase absoluta. Mais um aspecto positivo é que está perdendo força a ideia de que o doador não deve falar que faz doações. Em 2015, a afirmação contava com a concordância de 84% da população e, em 2020, o percentual caiu para 69%. Este é um ponto especialmente importante porque o falar sobre doações estimula sua prática, traz inspiração, esclarece temores e desperta o interesse em outras pessoas.

É neste contexto que o voluntariado se desenvolve no Brasil e nota-se que, apesar de a pandemia e o isolamento social terem abalado estruturas, exigindo rápidas readequações, fomos capazes de enfrentar estes desafios – 47% dos voluntários passaram a se dedicar mais, e 21% começaram a fazer atividades voluntárias online como apoio psicológico e ações ligadas à educação.

Tais avanços não são, de forma alguma, espontâneos. São fruto de trabalho e investimento de inúmeras organizações e indivíduos. Estudos e pesquisas geraram dados e reflexões; a prática nos permitiu aprender com as experiências exitosas e, também, com os erros; o aprimoramento do ambiente regulatório trouxe bases mais sólidas e a tecnologia nos permitiu ultrapassar barreiras e contribuiu para conectarmos pessoas e saberes.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 traz um retrato de onde estamos, indica pontos de atenção e possíveis caminhos para seguirmos evoluindo. Manter o crescimento do número de voluntários é sempre desejável, mas o grande desafio é transformar essa tendência em uma prática rotineira – temos 34% de brasileiros voluntários atualmente, mas apenas cerca um terço deles fazem isso regularmente, com frequência definida. A resposta para essa transformação está em um outro número – apenas 15% dos voluntários dizem participar de programas empresariais, indicativo de potencial enorme que pode ser explorado.

Quando unimos o investimento social corporativo com os anseios individuais, encontramos um campo fértil para ações solidárias de empresas junto ao seu público interno e aí moram os programas de voluntariado corporativo. Os resultados possíveis dessa união são muitos, indo além do impacto social gerado e da criação de uma rotina de atuação. Melhoria do clima organizacional, aumento do sentimento de pertencimento, oportunidade de desenvolvimento de competências, fortalecimento de laços entre colaboradores, aprofundamento do relacionamento com a comunidade da empresa, contribuição à estratégia de impacto e investimento social privado corporativo, atração de talentos e contribuição à reputação da marca junto a outros stakeholders são alguns dos benefícios de ações solidárias envolvendo os colaboradores. Tais programas integram também a agenda ESG (sigla para Environmental, Social and Governance, no português, Ambiental, Social e Governança), cada vez mais considerada nas tomadas de decisão de investidores. Ao promover programas de voluntariado corporativo, todos ganham.

A generosidade no mundo aumentou, em especial nas economias com pessoas em situação de maior vulnerabilidade. Este movimento de cuidar do próximo e realizar doações, seja de tempo ou de recursos, precisa continuar para enfrentarmos os efeitos perversos da pandemia e acelerar a melhoria do bem-estar de quem mais precisa. Estamos indo na direção certa e vamos avançar.

A Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021 foi elaborada e coordenada por Silvia Naccache, com apoio dos consultores Kelly Alves do Carmo e Felipe Pimenta de Souza. Sua viabilização teve o suporte de organizações que acreditam na importância do avanço do voluntariado no Brasil e participam dessa rede de apoiadores, Ambev, Bradesco, Fundação Itaú Social, Fundação Telefônica Vivo, Raízen, Sabesp, Sicoob e Suzano. IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – e Instituto Datafolha assinam a realização.

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