Estratégias de Grantmaking: qual a mais adequada para minha organização?

Por Aline Herrera e Luiza Helena Cordeiro, ambas da área de Gestão da Doação do IDIS

O grantmaking é uma prática filantrópica que vem ganhando força entre os investidores sociais brasileiros. A alternativa garante uma maior descentralização de recursos, em termos sociais, geográficos e de causas, embora também permita o desenho de recortes específicos que respondam à estratégia e aos temas prioritários do investidor. As estratégias de grantmaking consistem em distribuir um montante de recursos (principalmente financeiros, mas também técnicos e políticos) entre uma ou mais organizações, em vez de utilizá-los para projetos próprios. A ideia é confiar na expertise e legitimidade da ponta, ou seja, das organizações destinatárias para alcançar o impacto desejado. 

O ponto de partida para essa modalidade é entender a causa e/ou o território a ser contemplado, a partir de uma análise estratégica que considere os interesses e as possibilidades do doador, bem como as demandas locais. Além disso, o grantmaking é um instrumento que estimula o fortalecimento da sociedade civil organizada e pode até mesmo ser uma ferramenta de aprimoramento para as organizações participantes.

Há diversos caminhos para o financiamento de iniciativas e organizações pela modalidade de grantmaking. Neste texto abordaremos três alternativas mais usuais e conhecidas pelos investidores sociais. 

Edital

O Edital é um instrumento de seleção de ampla concorrência, que estabelece publicamente um conjunto de regras, critérios e condições para as organizações proponentes. Essa modalidade possibilita ao investidor um processo seletivo mais aberto e com ampla participação, que geralmente está associado com um esforço de divulgação

A seleção dos projetos é regulamentada por um conjunto de documentos, incluindo o termo de doação, o formulário de inscrição, e outros instrumentos que possam ser requeridos pelo doador, como modelos de cronograma de projeto, orçamento e quadro estratégico, além do regulamento. O regulamento é o documento central, que contém seções relacionadas à informações gerais do processo de seleção, como público alvo, período de inscrições e de divulgação dos resultados do edital, verba destinada e número de contemplados, além de outras informações como detalhamento das etapas e regras de participação e avaliação. Isso amplia as possibilidades de inscrição de organizações.

É desejável que, de largada, um edital já conte com uma matriz de critérios bem delimitada, ou seja, que seja capaz de filtrar e avaliar os projetos de maneira objetiva possibilitando análises mais assertivas e alinhamento prático com os objetivos do edital. Uma boa matriz de critérios também é integrada com o formulário de inscrição, refletindo automaticamente os pontos estabelecidos.

A principal característica diferenciadora do Edital em relação a outras modalidades é o caráter mais isonômico e transparente do processo. Isso estimula um método de concorrência em que as proponentes se inscrevem e são avaliadas de maneira imparcial. No geral, essa modalidade é indicada para cenários em que a causa (ou as causas) apoiadas tenham um grande leque de organizações atuantes e aptas, seja pela atuação na temática ou pela capacidade institucional para executar o tipo de projeto desejado. Também é recomendada para situações em que os recursos provêm de fontes públicas, como governos ou crowdfunding (iniciativas de financiamento coletivo) – casos em que caráter democrático e a transparência devem ser ainda maiores. 

É importante em um edital que os critérios de seleção e de eliminação estejam claramente definidos no regulamento, garantindo a máxima lisura do processo e preservando a integridade do doador e da organização apoiada. Para proteger o doador e garantir a potencialização do recurso, as organizações inscritas também precisam passar por um processo de compliance, que consiste na verificação de regularidade documental, institucional e midiática para mitigar riscos da doação e garantir sua legitimidade perante o poder público e a sociedade civil. Outra prática recomendável é a realização de entrevistas com as organizações finalistas para esclarecimento de dúvidas e estreitamento das relações entre doador/organizador e as organizações beneficiadas, conferindo maior materialidade para os projetos a serem apoiados.

De todas as modalidades, o Edital é o que dá maior ênfase ao processo de seleção. Sua estrutura documental é orientada para essa fase, estabelecendo diretrizes e instrumentos de avaliação para escolha das organizações e iniciativas inscritas e garantindo que, ao final do processo, os resultados sejam públicos.

Alguns exemplos de editais bem sucedidos são o Edital Educação com Cidadania, que está em sua quarta edição, do Instituto Chamex; e o Edital da Água, do Instituto Mosaic, ambos realizados com o apoio técnico do IDIS. Apesar de terem diferentes escopos e objetivos, ambas seleções prezam pelas mesmas etapas acima descritas, garantindo um processo aberto e transparente.

 

Carta Convite

Outra prática utilizada para o financiamento por grantmaking é a carta convite. Esta ferramenta é indicada principalmente em situações em que há uma demanda por projetos com alta especificidade, quando o doador já possui um conhecimento prévio das organizações e iniciativas que se enquadram na temática desejada, ou quando há um número reduzido de organizações aptas a atingir os objetivos do doador. Quando o doador já tem um rol de organizações em mente, mas possui recursos limitados e dúvidas sobre qual apoiar, a carta convite também pode servir como uma ferramenta de concorrência para auxiliar na decisão

Na carta convite, o doador assume uma postura ativa no mapeamento de organizações. Assim como no Edital, os proponentes passam por um processo de compliance prévio, garantindo que todas as organizações previamente mapeadas estejam aptas para o aporte.

Uma vez convidada, a organização deve submeter um projeto que atenda os moldes, condições e objetivos estabelecidos na Carta Convite, que atua de forma correspondente a um regulamento. A principal diferença dessa modalidade em relação ao edital é o caráter prospectivo do doador, que seleciona um número limitado de projetos ou iniciativas para escolha. Não à toa, essa prática também é comum para grandes grantmakers que são recorrentemente acionados com propostas em um volume maior do que conseguem processar, optando por prospectar ativamente organizações que se destacam.

 

Seleção Direta

A terceira ferramenta é a modalidade de seleção direta. Diferentemente das anteriores, esta contém uma escolha de financiamento mais simplificada, como já indica o próprio nome. Aqui, o processo de seleção é completamente internalizado. O doador realiza um mapeamento prévio de organizações e iniciativas que, após a aprovação das mesmas no processo de compliance, recebem o aporte por repasse direto – se assim desejar..

Essa forma de repasse, além de ser mais ágil, também cria um processo mais particularizado para o doador. Ela pode servir como um meio para a co-construção de um projeto customizado para os interesses do doador e da organização apoiada. Nesta modalidade, o grantmaker pode associar mais livremente o aporte a possíveis encargos, ou seja, estabelecer condições e contrapartidas, ou optar por não fazê-lo. 

Da mesma forma, sendo o grantmaking uma via de mão dupla, as organizações convocadas podem negociar os termos de apoio recebido, ou, em última instância, rejeitar a proposta, considerando seus próprios valores e necessidades.

 

Além do financeiro: como o grantmaking pode apoiar o trabalho das organizações?

Neste ponto, está claro que um dos grandes diferenciais do grantmaking é justamente a sua capacidade de abrangência para além das estratégias de repasse, possibilitando um investimento social privado que mobilize e transforme o desenvolvimento do campo. 

É importante frisar que o repasse de recursos não se limita a recursos financeiros, uma vez que há possibilidade de utilizar-se de instrumentos de capacitação e apoio técnico durante a vigência do aporte, a fim de assegurar mudanças e fortalecer as bases institucionais das organizações beneficiárias. O apoio técnico proporcionado pelo investidor confere um caráter diferenciado em financiamento, tornando o investimento social mais robusto e sofisticado.

Uma prática consolidada no uso de instrumentos técnicos para a estruturação de bases institucionais e a atuação de projeto é a capacitação para construção de uma Teoria da Mudança (TdM). A Teoria da Mudança é uma ferramenta de planejamento utilizado que visa definir o impacto desejado, estabelecendo o ‘como’ e o ‘porquê’ por meio de tópicos estruturais como objetivos e impactos a longo prazo. Além disso, a TdM delineia espaços de atuação, estabelecendo eixos que fornecem insumos para traçar os resultados desejados e, por consequência, as atividades que deverão ser realizadas para alcançá-los.

Essa estrutura, muito utilizada, capacita com clareza o direcionamento de um projeto, norteando ações a curto, médio e longo prazo. Ela define indicadores mensuráveis de acompanhamento para cada eixo ou resultados esperados, possibilitando um monitoramento próximo do progresso e fornecendo apoio constante para as organizações, caso necessário, para potencializar ações ou recalcular a rota. Esta qualidade modifica a visão do investimento social e consegue aproximar tanto o olhar do investidor quanto da organização à mudança de realidade que está sendo gerada na sociedade.

Ainda no âmbito de monitoramento, outra prática a ser estimulada por meio do grantmaking é a filantropia por confiança (Trusted Based Philanthropy). Esse modelo, que vem crescendo globalmente, enfatiza o investimento com maior flexibilidade e confiança no trabalho das organizações de ponta. O Trusted Based Philanthropy possibilita uma aproximação maior entre doador e organização beneficiária, promovendo uma relação aberta para feedbacks, trocas e ajustes nas ações do projeto. 

Dessa maneira, o monitoramento se torna um ponto de apoio entre o beneficiário e o investidor, fortalecendo a relação por meio de práticas como a prestação de contas e realização de relatórios, bases para a garantia da confiança e transparência. A prestação de contas para além de uma boa prática de confiança, também é um mecanismo facilitador de governança, aprimorando o relacionamento entre implementadores e financiadores.

 

Qual modalidade escolher?

Não há uma ‘receita de bolo’ para determinar qual estratégia de aporte é mais adequada; essa decisão depende intrinsecamente da disposição, recursos e objetivos do doador.

Como mencionado, os editais são a modalidade mais comum e abrangem um público mais amplo. No entanto, essa prática pode ser excessivamente objetiva, o que tende a reproduzir vieses (conscientes e inconscientes) e impossibilita o doador olhar para particularidades que possam envolver determinados grupos de organizações proponentes.

Por outro lado, as estratégias de seleção direta e carta convite podem se limitar a círculos já conhecidos e não serem efetivas em promover uma descentralização de recursos. O Guia das periferias para doadores, publicação do Instituto PIPA, aborda como públicos como as periferias podem ter dificuldades de acesso aos recursos de grantmaking por meio dessas modalidades:

“Sabemos que os editais não são a única forma de ‘chegar ao dinheiro’, mas essa forma permanece sendo a mais próxima da realidade das periferias. Tendo em vista que, ainda, estamos falando de um cenário com grande centralização de recursos, que acabam circulando entre as mesmas organizações e não chegam à ponta. Mesmo assim, as periferias ainda são as principais responsáveis por assegurar a própria existência. A quem deve servir os recursos senão aqueles que fazem a realidade acontecer? Quem está olhando para isso quando o problema transborda? 

Reforçamos que, mesmo não sendo o cenário ideal, a forma mais habitual dessas organizações acessarem os financiamentos para além dos recursos próprios, são os editais. Do mapeamento apenas 18% continham editais como forma de investimento para a execução de projetos, destes, 10% contemplam as organizações periféricas, contra 8% que não incluem a periferia como parte do seu público-alvo. Ainda assim, cabe destacar que a periferia é apenas um, dentre outros públicos, que são contemplados pelo recurso dos editais. Se os editais são fontes de recurso tão necessárias para as periferias porque há tão poucas organizações adotando este método de financiamento?”

O processo de grantmaking é multifacetado e interdisciplinar, além de precisar estar alinhado com seu contexto a nível interno (necessidades do doador) e externo (necessidades do campo). 

O IDIS conta com um time de consultores especialistas em formas de grantmaking para apoiá-lo nessa decisão. Confira nossos cases e entre em contato em comunicacao@idis.org.br